para Paulo
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O outro Portugal
1 - Falar de comunidades portuguesas tornou-se uma outra maneira de dizer emigração. Dá-se -lhes, correntemente, um significado estatístico - a comunidade portuguesa de França conta um milhão de portugueses, a da Africa do Sul meio milhão... E assim se vão somando milhões, por alto, porque ninguém sabe, com inteiro rigor, quantos são (e, quase sempre, ficam aquém da realidade, num universo em expansão, sempre que novos portugueses começam a ver-se como tal, reclamando a sua ascendência…)
1 - Falar de comunidades portuguesas tornou-se uma outra maneira de dizer emigração. Dá-se -lhes, correntemente, um significado estatístico - a comunidade portuguesa de França conta um milhão de portugueses, a da Africa do Sul meio milhão... E assim se vão somando milhões, por alto, porque ninguém sabe, com inteiro rigor, quantos são (e, quase sempre, ficam aquém da realidade, num universo em expansão, sempre que novos portugueses começam a ver-se como tal, reclamando a sua ascendência…)
Aprendi, logo na minha primeira visita "à comunidade da América", em 1980, que o que interessava, em termos de presença e influência portuguesa, era essencialmente de ordem qualitativa e não quantitativa - era a organização do grupo, não "a comunidade" abstrata, mas no plural, "as comunidades", num sentido orgânico e dinâmico.
Depois, em muitas outras visitas circulares, a correr de cidade em cidade, recebida nas associações, nas escolas, nas paróquias portuguesas (normalmente sem tempo para ver o resto da cidade) repetiu-se a extraordinária sensação de que regressava ao país, sem nunca dele ter saído... Tudo o que possamos ter lido e ouvido de terceiros não nos prepara, nunca, para o que vamos viver, na convivência com esses outro Portugal, mais emotivo e mais consciente de si, que é, nas palavras do Prof Adriano Moreira, a "Nação dos afetos" - um espaço extra territorial de saudade e presença lusófona, (em alguns casos já somente lusófila...), onde tem a sua sede um conjunto de instituições, que os cidadãos construíram para suprir a grande ausência do Estado Português, no plano social ou no da cultura.
Esses mundos, nossos, são criados não diretamente pelo movimento migratório - que seria, como aliás à partida se esperava, fator de dispersão e perda certa - mas, sim, por um poderoso movimento associativo, pura "sociedade civil". De país para país, sem qualquer ligação entre si, em cada novo ciclo migratório, a reação dos Portugueses foi espantosamente idêntica. Com dimensão variável, porque são diferentes os meios postos ao serviço do projeto comunitário, por todo o lado encontramos associações de solidariedade, de defesa da língua e da cultura, centros recreativos e clubes desportivos. A semelhança só pode vir de paradigmas de organização trazidos da terra de origem ("réplicas" de aldeias portuguesas, na expressão de alguns especialistas neste domínio). O orfeão, o rancho folclórico, o teatro de amadores, o clube de futebol... As beneficências (seguindo o modelo das " misericórdias"), as sociedades fraternais, as escolas, os lares de idosos... as Igrejas, as Sociedades do Divino Espírito Santo, que se espalham, às centenas, no mapa da Califórnia e noutros lugares de imigração açoriana...
Se a existência deste imenso património tivesse dependido do mais pequeno gesto do Estado Português, nem uma só dessas estruturas (algumas monumentais, como as do Brasil) teria conseguido erguer-se. Bem poderíamos parafrasear o Presidente Kennedy, mas usando o tempo pretérito: “não lhes perguntem o que o Pais fez por eles, perguntem-lhes o que eles fizeram pelo País”.
2 - A obra está por todo o lado, como os próprios portugueses. É uma obra que se deve à reconversão de uma tradicional emigração de homens sós (consentida e privilegiada pelo Estado, sempre sedento das remessas que nessa situação necessariamente mandavam para a terra...) em emigração familiar, com a sua metade feminina - quase invisível na direção das instituições mais antigas, mas determinante em termos de integração na sociedade estrangeira e na vida das organizações de cultura portuguesa, que, aliás, se vão abrindo à sua participação igualitária, pouco a pouco...
As organizações mais do que centenárias encontraram sempre continuadores, mas, tal como muitas outras da emigração mais recente, um pouco por todo o lado, começaram, há alguns anos, a questionar seriamente o seu futuro, visto como dependente da renovação dos fluxos migratórios .
O discurso oficial, no período posterior à adesão à CEE (esse “clube de ricos”), chegou a anunciar o fim dos tempos da nossa emigração! E os Portugueses acreditaram, durante cerca de 20 anos, porque o fenómeno migratório se devera, fundamentalmente, à pobreza, que parecia coisa do passado...
Ora a pobreza está, agora, de volta ao País, pela mão de um Governo, que, em tempo de crise, não hesita em levar a cabo um programa de empobrecimento geral, de completa destruição das classes médias. E, assim, um novo e decepcionante ciclo de emigração se desenha, - emigração desmesurada como aquela que há precisamente um século, o Prof Fernando Emygdio da Silva denunciava chamando-lhe “emigração delirante”, Saem todos os que podem sair -- os mais e os menos qualificados, os mais jovens e os mais velhos, os homens e as mulheres ( ainda uma minoria, é certo, mas, pela primeira vez, autonomamente)
Estará à vista a solução para uma segunda vida do associativismo, e, com ele, das comunidades da Diáspora, num novo equilíbrio de género e geração.? Ninguém pode ter certezas... Tudo vai depender da atitude dos que partem: como desistentes, deixando o País para trás, ou como resistentes, levando Portugal consigo.