quinta-feira, 16 de setembro de 2010

ROSTOS FEMININOS DA REPÚBLICA

O movimento feminista português, cuja trajectória se inicia nas vésperas da revolução, ganha força e notoriedade numa singular confluência de combates, em que se interligam a "questão de género" e a "questão de regime". A Liga Republicana da Mulher Portuguesa, criada em 1908, com o apoio do Partido Republicano, e, seguidamente, integrada, a título oficial, na sua arquitectura interna, é a primeira forma de estruturação daquele movimento associativo emergente e já em grande actividade.
Mulheres de excepcional dimensão cultural e moral ousaram, por essa via, sair da sombra do anonimato, que lhes era imposto num país sem verdadeira tradição de participação feminina na "res publica", e envolveram-se, corajosamente, numa vanguarda de luta, sempre norteadas por causas humanistas, como a igualdade de cidadãs e cidadãos perante e Lei, o sufrágio universal, a co-educação generalizada, a plena vivência da cidadania.
O direito de voto sem discriminação de sexo seria uma promessa incumprida ao longo dos 16 anos do regime implantado em 1910, e iria provocar sucessivas dissensões na "Liga" e prejudicar, globalmente, o esforço originário de união das democratas portuguesas, porque algumas das dirigentes que lhe davam rosto eram, sobretudo, feministas, partilhando a visão universalista das grandes organizações internacionais do seu tempo - caso de Ana de Castro Osório - enquanto outras se consideravam mais republicanas do que sufragistas.
Todas, porém, mantiveram a fidelidade ao regime e aos princípios republicanos, quando não aos políticos, aos programas e formações partidárias em concreto.
A recusa do radicalismo no uso de meios para atingir fins, a moderação das reivindicações, a vontade de cooperação e o sentimento de proximidade ideológica e patriótica com os companheiros de uma caminhada para o progresso de Portugal (tal como o viam), característicos do discurso e da "praxis" desta notabilíssima geração de portuguesas, em que sentido terão influenciado a imperfeita afirmação de um estatuto de cidadania, pelo qual se bateram incansavelmente?
Fica essa dúvida, a par da certeza de que lhes cabe uma parte significativa, incomensurável do mérito nas vitórias futuras que as mulheres portuguesas haveriam de conseguir, no domínio da igualdade jurídica e da vivência da cidadania, porque com o seu pensamento e a sua acção se mostraram tão capazes de demolir o mito da suposta inferioridade de “género”.
As feministas da primeira República, que hoje homenageamos, merecem, tanto ou mais do que outras personalidades eminentes da época, permanecer vivas na memória do País, como símbolos de idealismo, de grandeza intelectual, de espírito combativo, e, também, de modernidade, porque souberam rejeitar a opção, comum em outras sociedades, pela "guerra dos sexos", em favor de um humanismo no feminino, inspirado pela crença generosa – então mais utópica do que é agora - numa democracia paritária e convivial.

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