Resido no Sul da Califórnia, mais precisamente num canto por sinal agradável do lado oeste da cidade de Los Angeles, onde em 1781 chegaram 44 colonos vindos do México para abrir um posto mercantil em nome da Espanha, logo baptizando esta agora gigantesca metrópole com um pitoresco El Pueblo de Nuestra Señora la Reina de Los Angeles y Porciúncula, devendo Porciúncula - misteriosamente adicionado a Los Angeles - referir-se ao santuário com o mesmo nome perto de Assis.
Vivo, respiro e suo a vida dos angelinos - como se diz por aqui -, que por cada dia que passa mais me parece haver sido copiada do positivo, do elementar e do prático, mais me parece estilizada em padrões de eficiência e pura simplicidade, mais me parece conduzida em ritmo estonteante, arrasante, endemoinhado, exibindo tudo um sinal altamente competitivo e a desaconselhar a inacção. Na Califórnia sou mais um português orgulhosamente português inserido numa sociedade democrática, com idade pouco mais de bissecular, representada por um amplo caleidoscópio de raças e religiões que apesar da sua espantosa diversidade coexistem em harmonia que não sendo perfeita, poderia ser bem pior em termos de qualidade. Mole humana que sente não poder afrouxar na luta intensa, quase desleal, que trava diariamente contra a invencível realidade. Mosaico multifacetado imerso numa infusão de que se vislumbra esperança e sobrevivência a evolar-se como fumo. Impressionante multidão de milhões denunciando no cerne a influência telúrica da vasta urbe. Vasto e ondulante mar de um formigueiro de gente que, chegada a noite, cai exausta, enfiando pelo silêncio da cidade que durante o dia parece fervilhar e arder em febre e que de noite mal se “ouve” pois inimaginavelmente dorme.
A ideia de que chegar aqui, pisar este solo e abanar a “árvore das patacas” do Eldorado americano, ipso facto é garantia de triunfo, constitui enorme erro. Contrariamente, não é verdadeira a percepção de que triunfar na mastodóntica América representa tarefa inacessível. Demonstraram-no neste exuberante Estado da Califórnia milhares de imigrantes vindos de todas as províncias de Portugal, de todos os recantos do abençoado torrão natal. Numa faixa a leste de Los Angeles, que incorpora as cidades de Artesia e Chino, fixaram-se alguns milhares de portugueses na maioria naturais da freguesia de Altares da Ilha Terceira. E a sul de Los Angeles, na fresca e aprazível cidade de San Diego - donde em dias de céu azul se vê o México, como se lá estivéssemos -, fixaram-se três núcleos dos nossos compatriotas, designadamente, do Paúl do Mar da Ilha da Madeira, da Ilha do Pico do Arquipélago dos Açores e da algarviíssima Fuzeta. Chegaram carregados de sonhos e cientes da árdua caminhada à sua espera. Trouxeram cravados no coração e na alma perseverança, coragem e ambição. Vieram para labutar, preparados de antemão para enormes sacrifícios. Vieram para triunfar. Fecundaram os resultados, prevaleceu a fé, a sorte ajudou. Muitos deles triunfaram.
Entre outros, tenho também um amigo algarvio, natural de Moncarapacho, que chegou a esta sedutora América já lá vai mais de uma vintena de anos, granjeando com o tempo uma vitória de considerável dimensão. O meu amigo de Moncarapacho - que escolhi ao acaso e de quem me servirei como exemplo - é tão algarvio como Sagres, como as alfarrobeiras e as amendoeiras em flor, a cataplana e a tia Anica de Loulé. É também um homem de grande visão. Completando ainda novo uma trajectória e um ciclo norteados pela vontade inquebrantável de vencer, foi primeiramente aprender a profissão em Lisboa, vindo depois exercê-la e refiná-la nesta costa do Pacífico. De empregado passou, legitimamente, a patrão, acabando por estabelecer-se com uma oficina de mecânica, reparações e pintura de automóveis numa pequena-grande cidade de vida intensa e passo agitado do Sul da Califórnia. Disse antes que este meu amigo algarvio é homem de grande visão. E é. É porque os automóveis que conserta, pinta e põe como novos são exclusivamente ‘Mercedes’, só aceitando carritos do género “arraia-miúda” - que inclui o meu - para fazer um jeito a amigos. Então é sempre um gosto ir visitá-lo uma vez por outra - quer lhe leve, quer não, qualquer problemazito decorrente do meu carro - e ver alinhados, de ponta a ponta da sua oficina, Mercedes, Mercedes e mais Mercedes - só de uma vez contei vinte -, à espera dos cuidados da equipa de artífices que ele emprega, exibindo tudo e todos um ar convincentemente muito profissional e para uma oficina daquele género um ar muito limpo.
Um quadro simples que procura sintetizar a valia do trabalho resultante de mãos portuguesas.
Mãos hábeis e calejadas que também no estrangeiro ocupam lugares de eleição. Como as do meu amigo algarvio a quem até astros do cinema americano procuram no seu conceituado lugar de trabalho, levando-lhe luxuosos automóveis para reparações e revisão.
Um filho de Moncarapacho, tão português como todos os filhos do santíssimo Portugal, que roído de saudade não passa ano que não vá pelo Verão à terra que o viu nascer - viagem que nem treze mil quilómetros impedem -, para estar com a família, ver os amigos e deliciar-se com os melhores figuinhos de capa rota do mundo, doces, aveludados, a chorar pingos de mel...
Edmundo Macedo
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