Imagine-se
que alguém, nascido ainda no século XIX, termina a quarta classe por iniciativa
própria, aos 16 anos. Esse alguém imaginário casa aos 22 anos, separando-se ao
fim de dez. Faz das letras a sua vida, colaborando com jornais e editando obra
própria, o que lhe custa não só a relação com a família – fruto de pinceladas
autobiográficas vertidas para um romance Os Aristocratas – como perseguições
políticas, nomeadamente após declarar a intenção de escrever um livro sobre
Henrique Galvão e também por lhe terem sido apreendidas obras pela PIDE (a
saber, Ida e volta de uma caixa de cigarros e Casa sem pão).
Esta
personagem imaginária parte para o Brasil em 55 e aí mantém a veia literária,
editando e colaborando de novo com a imprensa. Regressará a Portugal em 79, já
doente, vindo a falecer em 1982, em Lisboa.
Novelista,
contista, romancista, jornalista, cidadão na verdadeira acepção da palavra –
pois afirmou inequivocamente a sua oposição ao regime de Salazar -, escritora
de literatura de viagens, de livros infantis, de ensaios sobre usos e costumes
africanos, a tudo isto se soma ainda a nobilíssima missão de retratar - e defender
- a condição da mulher portuguesa ao longo do século XX.
Comecei
por vos falar em imaginar. Pensar uma personagem. Talvez porque, remetendo-nos
nós para inícios de 1900’s, dificilmente poderíamos imaginar a materialização
de uma mulher assim. Existiram, é um facto: Olinda da Conceição, Margarida
Marques, Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo. Mas eram poucas, e
menos ainda as que tinham tão particular vivência, errância e que, mesmo assim,
não perderam o seu norte, as suas convicções, não soçobraram ao machismo
vigente.
Maria
Archer é pois a nossa personagem imaginária. Ela é apenas uma mulher, dir-se-á
– e a própria disse-o, dando a essa frase o título de uma das suas obras. Mas
uma mulher maior porque, na grandeza das suas atitudes, se efabulou para todas
e todos nós. Alcançou o justo lugar de exemplo, apenas por viver. Mas viver
plenamente, activamente, numa altura em que viver, para uma mulher, era
sinónimo de submissão. Maria Archer abdicou do conforto, da riqueza, para ser
livre, criativa, participante.
É
pois, para mim, uma personagem imaginária. Real, mas imaginária. Porque é nesse
lugar que guardo as pessoas capazes das coisas impossíveis.
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