Quero cumprimentar a Dra. Manuela Aguiar e dizer-lhe que ouvi, com muito agrado, a sua intervenção. Como sempre, falou muito bem.
Quero também cumprimentar o Prof. Doutor Fernando Pádua que é sobrinho de Maria Archer, cuja ligação familiar eu desconhecia. Só dela tive conhecimento quando o Professor Pádua teve a gentileza de me enviar uma carta informando-me da realização desta homenagem e convidando-me a estar presente. Respondi, de imediato, afirmativamente, dada a admiração que sempre senti por Maria Archer, bem como a amizade e o respeito que o Prof. Fernando Pádua me merece.
Quero saudar ainda o meu amigo angolano e português, Vítor Ramalho, presidente do INATEL, que nos cedeu esta sala e o meu amigo e ex-Presidente da Câmara Municipal de Espinho, José Mota, bem como todos os presentes.
Minhas senhoras e meus senhores
Em primeiro lugar, devo dizer-lhes, que conheci, efectivamente, Maria Archer entre 1945/50. Era então bastante jovem, estudante ainda da Faculdade de Letras. Foi um grande intelectual e um homem de esquerda, muito ilustre, Fernando Piteira Santos, que tinha relações próximas com Maria Archer, quem nos apresentou. Certo dia, Piteira Santos questionou-me sobre se eu a quereria conhecer. E logo, nesse momento, me afirmou que ela era, uma mulher muito bonita, além de ser uma grande escritora. Acedi e foi assim que se estabeleceu o meu primeiro contacto com Maria Archer.
Nesse primeiro encontro tive conhecimento que Maria Archer já tinha publicado um conjunto de livros. Naturalmente, depois de a ter conhecido fui em busca dos seus livros e comprei os que encontrei e alguns li-os. Não fiquei desiludido. Bem pelo contrário.
Maria Archer foi uma grande escritora e uma grande jornalista, muito admirada nos meios intelectuais. Centrou a sua actuação, primordialmente, em duas direcções: a África, que conheceu muito bem desde jovem e a situação da mulher. Realmente, viveu os seus primeiros catorze anos em África, nomeadamente, em Angola, na Guiné e em Moçambique. Desconheço as razões que a levaram até esse continente mas, presumo, que seriam de ordem familiar, para acompanhar o seu Pai.
Na verdade, conheceu muito bem esses países, então antigas colónias portuguesas. As suas floras, as suas faunas - e obviamente as pessoas - eram, para Maria Archer, um enigma desvendado. Conheceu a África, de expressão portuguesa como pouca gente.
Maria Archer tem uma extensa bibliografia sobre África quer em jornais, quer em livros. E, se atentarmos à época em que ela escreveu, é ainda mais extraordinário. Nessa altura, ninguém ou muito poucos portugueses, nos meios literários, pensava em África. Não existiam ainda movimentos de descolonização, como anos mais tarde se verificou. África era um continente desconhecido para a maioria esmagadora dos portugueses. Maria Archer teve o grande mérito de nos desvendar os países de expressão portuguesa, na altura colónias, os seus hábitos, as suas gentes, as suas vidas.
A outra direcção do seu trabalho de escritora centrou-se na situação da mulher. Maria Archer foi sempre uma partidária da igualdade entre a mulher e o homem. Escreveu livros verdadeiramente admiráveis. Por exemplo, este que aqui tenho: “Nada lhe será perdoado”, que é uma edição recente, tem um título deveras sugestivo. Nesta obra, a condição da mulher é descrita de forma veemente e esclarecedora. Nos anos em que a narrativa decorre as mulheres eram submetidas a grandes pressões. Lembremo-nos que, por exemplo, as mulheres casadas não podiam sair de Portugal, sem a autorização do marido, não podiam fazer nada sem a autorização do marido.
Os livros desta escritora tão inteligente e bem parecida, representam, e isso é importante para o futuro, uma época em que a mulher era muito diferente e desigual em relação ao homem. As mulheres que ousavam ser diferentes, eram muito mal vistas pela sociedade de então. As mulheres ficavam no lar e, na maior parte dos casos, não tinham profissão.
Maria Archer foi uma jornalista conhecida e muito estimada que vivia do seu próprio trabalho e escreveu os “Cadernos Coloniais”, que tão bem retratavam a África daquele tempo.
Esta escritora e jornalista, conheceu bem Henrique Galvão, também ele, um grande escritor sobre África. Noutra perspectiva. Foi um interessado e conhecido caçador de feras.
Mais tarde Henrique Galvão lutou contra a ditadura, depois de ter sido salazarista convicto e o responsável no tempo da Exposição Colonial. Mas o fim da II Guerra Mundial converteu-o à democracia.
Ao contrário de Maria Archer que, como disse, nunca foi salazarista. Como Maria Archer, também Henrique Galvão se refugiou no Brasil, onde faleceu, com alzheimer. Sei isso porque o visitei em São Paulo, no Brasil, em 1969.
Devo confessar-vos, que fiquei deslumbrado com Maria Archer, aliás o Piteira Santos tinha-me avisado: ela era efectivamente uma mulher muito atraente, embora com uma grande diferença de idade em relação a mim. Era insinuante, faladora, sempre à vontade. Uma pessoa muito peculiar e interessante sobre todos os aspectos. Nos poucos contactos que com ela tive - e os livros dela que li com muito agrado - percebi a força das suas convicções e o indiscutível conhecimento de vida e a inteligência que dela emanavam.
Aliás, foi com grande espanto que a vi partir para o Brasil. Partiu, ao que me disseram então, porque lhe era impossível continuar a viver em Portugal. Foi para o Brasil numa altura má para ela. Viveu poucos anos em democracia, por vir logo a ditadura militar no Brasil.
Voltou, muitos anos depois, logo a seguir ao 25 de Abril. Vivia-se então um período difícil, em que se lutou por implantar uma democracia pluralista e civilista, em Portugal. Dados os problemas e dificuldades que vivi nessa altura, nem sequer soube do regresso de Maia Archer. Aliás nunca mais soube dela. Nem sequer do seu falecimento tive notícia.
Lembro-me, por exemplo, de outro grande escritor, que viveu muito tempo na América do Norte, José Rodrigues Miguéis, cujo principal - e admirável - romance se intitula “O Milagre segundo Salomé”, um romance escrito ao longo de 12 anos e que foi publicado em Portugal durante o PREC, justamente no ano de 1975, o período mais agudo e difícil da Revolução Portuguesa.
Nessa altura, desloquei-me à América, onde fui a uma Universidade, proferir uma conferência. Encontrei-me então com um professor açoriano que me informou que a Biblioteca da Universidade era detentora de todos os papéis de José Rodrigues Miguéis. Convidou-me a ler algumas cartas e desabafos dele. Assim o fiz. Deparei com um diário onde José Rodrigues Miguéis escreveu, a dada altura: “Hoje, finalmente, terminei o meu livro. Vou enviá-lo para Portugal para os meus amigos. Vamos ver o que eles me dizem”. Quinze dias após esta anotação surge uma outra em que o escritor comenta: “Passaram 15 dias. Os meus amigos nada disseram sobre o meu livro”. Mais à frente encontrei outra nota: “Passaram mais 15 dias e ninguém me diz nada, ninguém faz uma referência ao meu livro”. Vivia-se, então, uma altura muito crítica da Revolução e, na realidade, as pessoas estavam todas muito preocupadas e não davam atenção aos livros que iam aparecendo nos escaparates. José Rodrigues Miguéis ficou muito ferido com esta indiferença perante a sua obra e nunca conseguiu perceber o que se passava.
Tal como José Rodrigues Miguéis, naquela altura, Maria Archer foi, também, no seu isolamento, vítima das circunstâncias vividas, em Portugal...
Recordo uma sua contemporânea, ilustre escritora, Irene Lisboa, que estava ao seu nível, bem como, mais tarde, Natália Correia e Sofia de Mello Breyner, também excepcionais escritoras e poetisas.
Hoje, felizmente, e ao contrário da época em que Maria Archer se afirmou, há muitas mulheres escritoras e excelentes.
Refiro isto porque acho que é muito importante que as mulheres escrevam e, digam o que verdadeiramente pensam. Para que este mundo - e sobretudo a nossa Pátria - venha a ser melhor.
Muito obrigado!
Sem comentários:
Enviar um comentário