INTRODUÇÃO
Na
verdade, as comemorações dos 40 anos da revolução, os 28 anos de adesão de Portugal
à CEE, a apresentação do DEO (Documento de Estratégia Orçamental), o fim do
Programa de Entendimento com a Troika, as alterações dos ciclos migratórios, as
eleições europeias, as decisões do Tribunal Constitucional, as reacções
extemporâneas do Governo à inconstitucionalidade de algumas medidas, constituem
só por si aspectos que deveriam merecer, por parte de todos, uma ampla reflexão
sobre o que vivemos até aqui, por forma a rectificarmos o caminho trilhado e
melhor preparar o nosso futuro, enquadrados geográfica, económica, social e politicamente numa Europa, cada vez
mais frágil, menos solidária, mais desigual, eu diria mesmo, mais desfigurada,
desacreditada, à beira do abismo.
Seja
como for, a importante exaltação daquelas datas e comemorações não se podem
dissociar do desenvolvimento histórico nacional, vivido pelo país nos últimos
40 anos.
Na
verdade, passámos de um país conservador, retrógrado, desigual, anquilosado,
económica, social, politicamente e desacreditado internacionalmente, para um
espaço democrático, de liberdade, de democracia, nascido numa época de grande
euforia europeia, integrámos esse espaço europeu, com resultados francamente
positivos, para nos encontrarmos agora num período menos feliz, mais austero, mais dependente do exterior, económica e
financeiramente, resultante, sobretudo, da incapacidade dos decisores políticos,
europeus e nacionais, de conduzirem o
país a um patamar credível, definindo e fazendo escolhas preparadas e
apropriadas a um país periférico, mas com uma história grandiosa e que tem que
ser preservada..O conjunto de acontecimentos a que se fez referência tem, porém, na sua essência, um traço comum e que se confunde com o tema que nos propomos abordar e que respeita aos elementos essenciais que corporizam a noção de cidadania.
É um facto incontornável que a cidadania democrática apenas surgiu em Portugal após a Revolução de 1974, ao fim de décadas desperdiçadas do ponto de vista dos direitos cívicos, sociais, económicos, de género, com consequências mensuráveis e deixando marcas profundas nos traços identitários da sociedade portuguesa.
O fim do Estado Novo trouxe, entre outras mudanças, a instauração de dois bens essenciais ao desenvolvimento societário, o da liberdade e da democracia, que constituem afinal os elementos fundadores da cidadania.
Na verdade, a libertação do país, a saída de uma época de profundo obscurantismo, em que os valores mais essenciais foram sistematicamente violados e esquecidos, passando para um período em que os direitos e garantias dos cidadãos foram reconhecidos, tais como a liberdade de expressão, de imprensa, o sufrágio universal, os direitos de associação, a criação das bases do Serviço Nacional de Saúde (SNS), da Segurança Social, a protecção das crianças, jovens e idosos, a igualdade entre Homens e Mulheres, o princípio da não discriminação racial, tudo isso foram conquistas do 25 de Abril e que tiveram consequências profundas na sociedade portuguesa.
Porém e se é verdade que a democratização dotou os cidadãos de importantes direitos, só com a entrada de Portugal na CEE e a consequente europeização e modernização do país é que alguns desses direitos começaram a ser aplicados na prática e não só inscritos na Legislação.
A europeização, na medida em que consolidou o Estado português, proporcionou o reforço da cidadania.
Pode-se então concluir que, a adesão de Portugal ao espaço europeu assumiu um papel decisivo no desenvolvimento da cidadania democrática, pois não só aumentou as esperanças da mobilidade social ascendente, como transformou a sociedade mais moderna, mais aberta, igualitária, solidária, inclusiva, contribuindo para a liberalização dos costumes, para a laicização da vida social e dos comportamentos e ainda para um maior pluralismo cultural
A cidadania democrática foi alargada no seu âmbito, posteriormente, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht (1993) e de Amesterdão, que precisou o conceito de cidadania europeia.
Com o actual recuo de algumas das mais importantes conquistas sociais, políticas entretanto alcançadas, também hoje são colocados em causa alguns desses direitos de cidadania e, particularmente, a principal construção da democracia: o Estado Social.
Passados estes anos algumas dúvidas nos atormentam.
O que significa ser português no espaço comunitário? E como é que a Europa “olha” para os portugueses?
Como é que a adesão à CEE e a integração no espaço comunitário hoje mais alargado, modificou, influenciou as várias dimensões da cidadania? E a identidade nacional foi também redesenhada com a integração europeia?
Será neste enquadramento que procuraremos desenvolver este documento, começando por definir o conceito de cidadania, de cidadania europeia, passando pelas suas diferentes dimensões, fazendo uma breve incursão sobre a igualdade e o desenvolvimento das questões do género, sobre o modo como Portugal conseguiu integrar os imigrantes , concluindo com reflexões finais sobre a identidade nacional, a soberania e suas implicações no momento que atravessamos.
Este autor considera que a cidadania abarca três dimensões: a cívica, a política e a social.
A primeira inclui os direitos necessários à liberdade individual (direito da pessoa, de expressão, de pensamento, e fé, direito de propriedade, direito de concluir contratos, direito à justiça).
A dimensão política compreende o direito de participação no exercício do poder político, enquanto membro de uma instituição com autoridade política ou enquanto eleitor dessa mesma instituição.
Os direitos sociais incluem todo um conjunto de direitos, que vão desde o bem-estar económico e de segurança, até ao direito de usufruir da qualidade média de vida da sociedade.
Marshall sublinha que as diversas dimensões da cidadania foram evoluindo ao longo do tempo, desde o séc. XVIII, tendo sido os direitos cívicos os primeiros a serem estabelecidos.
Os direitos políticos decorriam dos cívicos, ou seja a participação política começou por ser uma prerrogativa dos que usufruíam dos direitos cívicos.
A introdução de uma verdadeira cidadania política ocorre no início do séc. XX, quando o exercício dos direitos políticos se autonomizam da condição económica, para ser atribuído a todos os cidadãos.
O momento de viragem surge com a introdução do sufrágio universal.
Outro marco importante ocorre com a concessão dos direitos políticos, não só aos cidadãos, como indivíduos, mas a grupos organizados,, como foi o caso dos sindicatos, consubstanciando-se, assim, uma cidadania industrial paralela ao sistema de cidadania política.
Os direitos sociais vão-se desenvolvendo sobretudo após a 2ª Guerra Mundial.
Foram as comunidades locais e as associações corporativas a fonte dos direitos sociais, adquiridos graças à inserção no mercado de trabalho. Estavam, portanto, associados ao mercado laboral.
Com avanços, recuos, incertezas, dúvidas e muitas diferenças entre países, tem-se vindo a construir, paulatinamente, uma progressiva autonomização dos direitos sociais, o que se reflecte no alargamento da noção de cidadania.
Segundo refere Marshall, as dimensões sociais e políticas da cidadania, em particular a primeira, estão associadas a uma noção igualitária da sociedade, contrária, afinal, à lógica do capitalismo.
Uma referência importará aqui sublinhar .
Os diretos cívicos e sociais são considerados passivos e os políticos activos, isto é, estes têm que ser exercidos pelos indivíduos – só existem quando os cidadãos os exercem.
Se é certo a cidadania política está intimamente ligada a ideais do que deve ser a democracia, então esta depende não apenas das oportunidades proporcionadas pelo enquadramento jurídico/ constitucional e pelas instituições políticas para a participação, como igualmente do contexto social em que se inserem os cidadãos.
Pode-se, assim, concluir que a cidadania que se percepciona depende da forma como encaramos o funcionamento da democracia.
Embora a cidadania seja um conceito muito comum na vida política é, porém,, como facilmente se compreenderá, de difícil definição e sujeito a muita controversa, a equívocos e até a abusos.
Fala-se muitas vezes de cidadania cosmopolita, global, transnacional, pós-nacional, regional, local, multicultural, inclusiva, exclusiva, europeia, lusófona, cívica, activa, universitária, empresarial…
Em toda esta terminologia estão sempre subjacentes elementos importantes, como sejam o da pertença, responsabilidade, participação, reconhecimento, direitos e deveres.
Em termos muito simplistas e acompanhando, de resto, diversos investigadores sociais, pode-se afirmar que a cidadania constitui sempre um estatuto jurídico que liga os seus titulares a uma dada comunidade política estadual e que tem associados direitos e deveres iguais e específicos.
No entanto, também este conceito é muitas vezes questionado, pois será, para alguns sociólogos, demasiado redutor e poderá não contemplar os direitos dos estrangeiros poderem participar nos assuntos públicos, embora se possa também sustentar que se tal ocorresse, no limite, esvaziaria o conteúdo da cidadania. Nós, contudo, não partilhamos esta última preocupação.
Assim sendo, a cidadania seria um conceito limitado a um conjunto de pessoas que são identificadas como membros da comunidade política, com igualdade de direitos e deveres entre os cidadãos.
É sempre a qualidade de membro que justificaria a atribuição aos cidadãos de direitos cívicos, políticos e sociais.
Neste contexto, um cidadão estará sempre mais ligado à população de um Estado do que à de outros, na medida em que só beneficia da cidadania de um Estado e todas as pessoas terão cidadania de algum Estado.
Para os Estados a delimitação do universo dos respectivos cidadãos, através de critérios de cidadania, é de extrema importância, pois permite-lhes definir o seu substrato social – o povo.
Embora o Direito Internacional imponha algumas regras mínimas sem as quais o vínculo de cidadania de um Estado não será oponível ao de outros, o que é um facto, tal como refere Jorge Miranda, é que é sempre a cada Estado que incumbe escolher os critérios de cidadania.
Para os indivíduos, a cidadania implica, antes de mais, a existência de um estatuto jurídico primário, a fonte de todos os direitos e deveres perante o Estado, justificando assim a afirmação de que ela constitui “o direito a ter direitos”.
A cidadania continua a representar um importante alicerce identitário e o seu valor simbólico e afectivo mantém-se inalterado, atenta a associação ainda muito comum entre cidadania e pátria.
Enquanto vínculo jurídico entre uma pessoa e um Estado, a cidadania é muitas vezes confundida com nacionalidade (assim acontece, por exemplo, em Portugal, pois enquanto a Constituição fala de cidadania, o diploma que a regula refere-se a nacionalidade), embora do ponto de vista conceptual sejam noções diferentes. A nacionalidade designa a pertença social (não jurídica) a um grupo étnico ou cultural, conceito particularmente complicado no momento actual, com a erosão dos Estados-Nação e a crescente diversidade étnica e cultural das sociedades contemporâneas (cosmopolitismo).
Os Estados, sob a pressão da globalização, do multiculturalismo, das questões demográficas, com impacto na economia e desenvolvimento, vêm sendo forçados a redefinir a sua identidade enquanto comunidades políticas, com repercussão evidente na cidadania. Esta perspectiva cosmopolita será importante para incrementar a integração dos imigrantes, embora, como se sabe, não resolva todos os seus problemas.
De qualquer modo, esta evolução implicará que a cidadania tenda a deixar de ser algo que é imposto por um grupo aos demais, para ser um projecto cívico partilhado, envolvendo um grau de compromisso e adaptação de todas as partes. Esta perspectiva inclusiva foi a adoptada por Portugal, através da definição e aprovação das Leis de Integração e de Regularização dos imigrantes, enquadradas numa nova perspectiva europeia, embora nem sempre com os resultados desejados.
Deixando de lado estas considerações, pode-se, em suma, afirmar que a função central da cidadania consiste na institucionalização da igualdade, através do reconhecimento de direitos e deveres iguais para todos os cidadãos.
Consideram,
deste modo, que a cidadania poderá ser algo contraditório com os direitos humanos, pelo que defendem a
sua desnacionalização, através de formas de cidadania cosmopolita ou global que
permita a protecção de todos os seres humanos em qualquer parte do mundo,
independentemente da sua qualidade de membros da comunidade política e da
regularidade ou irregularidade da sua presença no território dos Estados.
O Direito
Internacional procura esbater estes aspectos, mas do que não restam dúvidas é
que será sempre aos Estados que incumbe definir os direitos que apenas estarão
reservados aos seus nacionais, tal como atrás se salientou, seguindo os
ensinamentos de Jorge Miranda.Quer isto dizer que a desnacionalização dos direitos humanos suscita algumas reservas e interrogações, pois os Estados continuam a não abdicar de aplicar os padrões internacionais de direitos humanos e também a participação política.
Actualmente,
a Lei que regula a atribuição, aquisição e perda da cidadania é a Lei nº 37/81
(rectificada em 2006)e que tem um carácter claramente inclusivo, que se
manifesta na aceitação da dupla nacionalidade e no respeito pela vontade dos
indivíduos, em matéria de perda da nacionalidade.
Com
a posterior revisão de 2006, a ordem jurídica portuguesa consagra o princípio
da equiparação entre cidadãos portugueses, estrangeiros e apátridas que se
encontrem em Portugal, o que a torna numa das Leis de nacionalidade mais
inclusivas da Europa.A Constituição, porém, não deixa de reservar alguns direitos aos cidadãos portugueses, mas fá-lo a título excepcional, por forma a que aquele princípio não seja subvertido ou contrariado por via legislativa.
Neste contexto, serão direitos privativos dos cidadãos portugueses:
·
Direito à informação sobre os actos do
Governo e a gestão dos assuntos públicos;
·
Direito de sufrágio em eleições e referendos;
·
Direito ao acesso a cargos públicos de índole
política;
·
Direito de petição;
·
Direito de iniciativas legislativas,
populares;
·
Direito de não ser expulso do território
nacional ou de ser extraditado;
·
Direito de se deslocarem no território;
·
Direito à protecção diplomática;
·
Direito à defesa da Nação.
·
Direito ao exercício de funções públicas que
não tenham um carácter eminentemente técnico.
Na
nossa introdução salientámos a importância que decorreu para os portugueses com
a adesão de Portugal à CEE e com a passagem desta para a UE, em 1992, com a
entrada em vigor do Tratado de Maastricht, que definiu o conceito de cidadania
europeia.
A
ideia de cidadania, porém, remonta à antiguidade, salientando-se a sua
importância na polis grega. Aí o cidadão tinha um estatuto socialmente distinto
do dos estrangeiros, escravos e mulheres.
A
cidadania conferia uma distinção social, um conjunto de direitos e deveres e um
sentimento de pertença e de identidade.
Nos
séculos seguintes este conceito foi evoluindo.
Com
a Revolução Francesa, o estatuto de cidadão opõe-se ao de súbdito, sendo
indissociáveis os direitos de liberdade, igualdade, fraternidade e participação
democrática.
Na
sua génese a cidadania europeia não deixa de beber na inspiração cosmopolita
estóica, no universalismo cristão, no conceito Kantiano de República Mundial de
cidadãos livres e iguais.
A II
Guerra Mundial e o holocausto vieram colocar o acento tónico na necessidade de
ultrapassar os nacionalismos facciosos, e privilegiar os elementos unificadores
dos Estados e os respectivos cidadãos.
A Cidadania
Europeia é, de todo o modo, um conceito tardio, que não se encontrava definido
nem no Tratado de Paris, nem no Tratado de Roma.
Este
apenas previa os direitos à livre circulação dos trabalhadores, serviços e
capitais, direito de estabelecimento e livre prestação de serviços,
vocacionados para o mercado único.
Nesta
fase o TJUE (Tribunal de Justiça da União Europeia) assumiu um papel
fundamental, pois interpretou estas liberdades não com um espírito estritamente
económico, mas como direitos individuais.
A
cidadania europeia foi introduzida pela primeira vez pelo Tratado de
Maastricht, de 1992, e permitiu o aprofundamento dos direitos económicos,
sociais e o enquadramento jurídico dos direitos políticos a nível da
Comunidade.
Ficou
claro que os nacionais de todos os Estados Membros seriam cidadãos europeus,
isto é, a cidadania europeia era derivada, complementar da cidadania nacional,
não a substituindo. Esta natureza complementar teve que ser explicitada pelo
Tratado de Amesterdão, para assim conformar as críticas e os receios manifestados pelos
euro-cépticos e particularmente pelos Finlandeses.
Não
é, por isso, uma cidadania pós-nacional, mas sim um estatuto de estrangeiro
privilegiado, que permite aos seus titulares o gozo de direitos em princípio
reservados aos cidadãos dos estados Membros.
O
Tratado de Maastricht não conferiu à UE qualquer competência em matéria de
nacionalidade e a União abstém-se de interferir na fixação pelos Estados
Membros dos critérios utilizados por eles nesta matéria, tal como o Direito
Internacional estabelece, desde que sejam respeitados os princípios da não
discriminação racial, de sexo ou de religião, ou da situação económica.
A apatridia
deve ser evitada.
Continuam
a ser, porém, os Estados Membros a
definir as regras de atribuição da nacionalidade, que é feita segundo os
critérios ius sanguinis ou ius solis, ou uma combinação dos dois, cabendo a
cada Estado optar pelo que melhor se adeque à sua especificidade.
Será,
assim, cidadão da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado
Membro, gozando, se residir num EM de que não seja nacional, do direito de
eleger e de ser eleito nas eleições municipais, de participar nas eleições para
o Parlamento Europeu (as actuais têm ainda o direito de poderem eleger o futuro Presidente da Comissão
Europeia), nas mesmas condições que os nacionais desses países, beneficia nos
territórios de países terceiros do direito de protecção consular e diplomática
por parte das autoridades de algum país comunitário, nas mesmas condições que
os nacionais deste país. (Este direito já foi accionado por Portugal em 2010, aquando da tragédia ocorrida no Haiti, com o auxílio das
autoridades espanholas no repatriamento dos portugueses que aí viviam e
trabalhavam).
Além
disso, é conferido aos cidadãos o direito de apresentar petições e queixas ao
Parlamento Europeu e ao Provedor de Justiça, em defesa dos seus direitos,
contra a má administração e gestão das actividades da Comunidade e das
Instituições.
É
bem visível que este estatuto, assim definido, contém fraquezas evidentes,
começando desde logo pelo facto da cidadania europeia depender da cidadania
nacional. Além disso não confere aos cidadãos quaisquer deveres de cidadania e
ainda dificulta o pleno gozo dos direitos a ele inerentes aos estrangeiros,
asilados ou refugiados e aos nacionais de países terceiros.
Apesar
de tudo, estas limitações não terão qualquer impacto adicional se os Estados
Membros, em matéria de direitos humanos, cumpram as disposições consagradas no
Direito Internacional e resistam à tentação “populista” de, por exemplo,
associarem a cidadania ao controlo da imigração, ou de fazerem da diversidade
cultural um obstáculo intransponível.
3.1 Cidadania Europeia e
Portugal
A
adesão à UE alterou substancialmente o estatuto de cidadania dos portugueses e
o gozo de direitos e garantias adicionais.
O
conjunto de direitos não sendo extenso foi, na época, importante,
particularmente para os portugueses que residiam e trabalhavam no espaço comunitário,
apesar de algumas disposições, sobretudo laborais e económicas que já tinham
sido conferidas pelo Tratado de Roma.
Direitos
como o princípio da liberdade de circulação, de permanência, de estabelecimento,
de prestação de serviços, o reagrupamento familiar alargado, não discriminação
em razão da nacionalidade, de eleger e de ser eleito nas eleições autárquicas e
para o Parlamento Europeu, de petição junto do Parlamento Europeu ou do
Provedor de Justiça, de representação e protecção diplomática e consular, de
acesso aos documentos das instituições e de apresentar propostas adequadas em matéria
de interesse para os cidadãos, foram assumidos por todos os portugueses
emigrados ou não.
4. Portugal Europeu e as Novas Cidadanias.
Depois
de termos sinteticamente definido cidadania, nas suas vertentes nacional e
europeia e ainda o seu conteúdo, importará agora perceber como estas noções
evoluíram em Portugal ao longo dos últimos anos, culminando após a adesão à
CEE, primeiro e à UE, posteriormente com o reconhecimento de que os portugueses
passaram a usufruir de um conjunto de direitos sociais, económicos e políticos
e que consubstanciam a assumpção de novas cidadanias.
Acompanharemos
neste percurso os ensinamentos de Marshall, fazendo, ainda que brevemente, uma
incursão sobre os direitos do género e da imigração em Portugal,, uma vez que a
luta que as mulheres e os imigrantes têm trilhado no sentido da igualdade
formal e substantiva dos direitos de cidadania não tem sido nada fácil e
continua, na actual conjuntura, a ser uma realidade inacabada, não só em
Portugal, como no mundo (vide o que aconteceu recentemente com as manifestações
xenófobas de que Hillary Clinton foi
vítima, ou as recentes violações e enforcamento de que foram vítimas duas
jovens indianas, a morte de uma jovem em pleno local de trabalho, por parte do
seu ex-companheiro, as restrições à entrada de imigrantes no espaço
comunitário, as arbitrariedades de que são alvo os estrangeiros – ainda que
cidadãos comunitários – em alguns Estados Membros ).
4.1 Cidadania Social
O
Estado constitucionalmente desempenha um papel crucial na prestação,
regulamentação, financiamento e fiscalização dos direitos sociais dos cidadãos
e cidadãs do país.
A
adesão à CEE constituiu um momento de reafirmação desses direitos e permitiu,
nomeadamente, a canalização de importantes fundos estruturais, recebidos
sobretudo via FSE, FEOGA e FEDER e que se destinaram à redução das disparidades
económicas e sociais entre os portugueses e os restantes cidadãos comunitários,
melhorando assim a coesão social.
As
estatísticas revelam, porém, que a concretização desse desiderato está muito
longe de estar concluído, sendo ainda muito grande o fosso que nos separa da
média europeia. A actual crise, por certo, agravará ainda mais a situação, sendo
legítimo pôr em dúvida se o Estado será capaz de respeitar a prestação dos
direitos sociais aos portugueses, em particular aos mais desfavorecidos,
económica e socialmente.
Segundo
Marshall, a cidadania social envolveria os direitos à habitação, saúde,
segurança social, educação, viver a vida como um ser civilizado de acordo com
os níveis dessa sociedade.
Neste
âmbito as instituições relevantes seriam as do sistema de saúde, de educação,
de segurança social.
Se
os direitos cívicos ganharam relevo no séc. XVIII, os políticos e os sociais só
nos séc. XIX e XX se desenvolveram.
Mas
se é verdade que se vem reconhecendo que os direitos cívicos e políticos se
mostram “quase” assegurados na Europa e na América do Norte, os sociais estão
ainda muito longe desse desígnio.
Ultimamente,
tem havido um amplo debate ideológico e político sobre a capacidade do Estado
Social poder responder às exigências actuais e a uma nova reconfiguração da
sociedade (demográfica, familiar) e até do próprio sistema capitalista
contemporâneo financeiro, continuando a proporcionar aos cidadãos os direitos sociais indispensáveis para a sua integração
em sociedades democráticas.
Parece
que três grandes argumentos são enunciados pela ortodoxia dominante e que vêm
desafiando o Estado Social:
·
O Estado Social é frequentemente apontado
como forte promotor de dependência e por isso encarada como um obstáculo às
regras de funcionamento do mercado;
·
O Estado Social será insustentável em termos
fiscais, em virtude das transformações sociais e demográficos (envelhecimento);
·
O Estado Social não parece ser compatível com
a disciplina que a nova economia global impõe, exigindo aos Governos um
controlo sobre as suas despesas, com reflexos evidentes no financiamento do
Estado Social.
A
Grande Recessão que afecta actualmente a Europa e também Portugal, apesar de
numa primeira fase ter obrigado os Estados a centrar as suas respostas na
necessidade de serem mais intervencionistas para estabilizar o sistema bancário
e a economia tem, segundo alguns políticos, vindo a “oferecer” mais legitimidade aos 3 argumentos
aduzidos, em consequência do aprofundar da crise. A realidade já demonstrou que não têm razão, mas de
qualquer modo serviu de pretexto para equacionar o papel do Estado Social.
Sabe-se
que a configuração do Estado que possibilite dar resposta aos novos riscos e
necessidades dos cidadãos depende dos enquadramentos institucionais,
ideológicos e políticos particulares a cada país.
A
construção do Estado Social resulta normalmente dos ideais sociais defendidos
por forças políticas ou coligações e que, num processo negocial foram
estabelecendo os direitos sociais que seriam prioritários conceder aos
cidadãos.
Foi
isso que ocorreu em Portugal, desde o 25 de Abril.
No
entanto, actualmente, atenta-se mais nos falhanços, nos eventuais riscos do
Estado Social, em vez de enfatizar as conquistas, os seus êxitos e as
virtualidades que ele comporta na construção efectiva da cidadania e na
resolução da própria crise.
4.1.2 Estado Social e
Portugal
Segundo
alguns autores, de que destacaria aqui J. Pereirinha e Daniel Carolo, as
características do Estado Social português resultam da influência de 3 etapas:
1ª Durante o Estado
Novo, em que são lançadas as primeiras bases, com a aprovação do Estatuto do
Trabalho Nacional e da Lei de Bases da Previdência Social. O 1º garantia a
protecção dos trabalhadores na situação de doença, invalidez, desemprego
involuntário, acidentes de trabalho e pensões de reforma, dentro do âmbito das
Organizações Corporativas.
No
segundo caso, definiram-se as bases gerais de organização e funcionamento do
Sistema de Previdência Social, sustentado em instituições de previdência social
cuja criação estava dependente da iniciativa de organizações corporativas e não
eram, portanto, financiadas pelo Estado.
O
sistema sofreu algumas alterações, desde 1935 até 1974 e que passaram desde a
consolidação do sistema, ao alargamento do campo material (serviços
médico-sociais e abono de família), à estabilização
do número de beneficiários, ao desenvolvimento da Previdência, como base do
Regime de Segurança Social, à inclusão no sistema de trabalhadores rurais e de
outras profissões (cabeleireiros, domésticas).
A 2ª etapa começa
com a Revolução e estende-se até à entrada de Portugal na CEE.
A
Constituição de 1976 passou a consagrar em lei um conjunto de diretos sociais,
alguns deles com carácter universal, garantidos pelo Estado (segurança social,
educação, habitação saúde, cuidados de medicina preventiva, curativa e
reabilitação, protecção do direito de família, igualdade H/M, protecção das
crianças, jovens, idosos…).
Isto
implicou um salto qualitativo importante, que implicou uma reformulação do
sistema fiscal, tornando-o mais progressista, para responder ao aumento dos benefícios
sociais que o Estado passou a contemplar.
Os
portugueses reconhecem hoje que a edificação do Estado Social foi o maior
investimento que se fez em democracia, para a fundação dos alicerces de um
futuro nacional autónomo e digno.
A
universalização do sistema educativo, do serviço nacional de saúde e o
crescimento do Estado-Providência em todas as suas amplas dimensões, garantiram
aos portugueses melhor qualidade de vida e melhores mecanismos para enfrentar
os desafios de um futuro cada vez mais exigente no contexto da integração
europeia.
Para
nos apercebermos da importância da construção do Estado Social em Portugal,
bastará imaginar o que teria sido o país nestes últimos 40 anos, sem o
desenvolvimento e o aprofundamento dos sistemas e funções sociais do Estado e
que se reflectem na bateria de indicadores sociais disponíveis, embora se
constate que a sua construção está inacabada, pois haverá que eliminar as
desigualdades e as injustiças sociais que ainda perduram na sociedade. Apesar
de alguns percalços encontrados neste árduo caminho, este período representa
uma história de sucesso e que corresponde ao período de intervenção do Estado
Social em Portugal.
É
por isso errado afirmar que o Estado Social constitui um fardo, uma despesa, um encargo para a
sociedade, ou mesmo que atrapalha a iniciativa privada. Bem pelo contrário,
permite criar a esta condições de qualidade que são aproveitadas pelo tecido
empresarial, público ou privado.
A 3ª etapa iniciou-se
em 1986, com a adesão de Portugal à
CEE e caracteriza-se pelo reforço do Estado Social, com a ratificação e adopção
dos Regulamentos e Directivas Comunitárias, Tratados e Instrumentos
Comunitários (Carta Social Europeia, por exemplo) e ainda com a possibilidade
do país aceder a importantes fundos comunitários destinados, sobretudo, à criação de emprego, formação e qualificação
dos trabalhadores, que permitiram o esbater das desigualdades e o aprofundamento da coesão social.
O
ritmo das despesas sociais do Estado foram aumentando e tendencialmente convergindo com a média europeia.
No
âmbito da Segurança Social, por exemplo, foram criadas prestações específicas
para responder a novas necessidades da população mais desfavorecida e em risco
de exclusão social (RMG- RSI- e o Complemento Social para Idosos) e no domínio
da saúde, a rede de cuidados continuados e o cheque dentista, por exemplo.
As
despesas sociais são quantificáveis no OE em 3 áreas – educação, saúde e
educação.
Como
se sabe, as prestações sociais poderão assumir o carácter de transferências
sociais (prestação de bens e serviços) ou de transferências monetárias, que
tenderão a ser universais, embora numa primeira fase sejam testadas contra
rendimentos e apenas atinjam os cidadãos mais vulneráveis.
Nesta
perspectiva, pode-se abordar a questão da cidadania social, analisando como o
Orçamento de Estado (OE) responde, em termos de despesas sociais, eficazmente
às necessidades da população , em particular a faixa mais vulnerável e
desfavorecida.
Pode-se
afirmar que as despesas sociais têm crescido vertiginosamente passando de 9,9%
do PIB em 1980, para 25% em 2012, mas se é certo que do ponto de vista nominal
este aumento tem sido uma realidade, já o mesmo não ocorre em termos líquidos.
Como
se sabe, as despesas sociais inscritas no OE têm vindo a sofrer uma quebra
significativa, em termos reais, com reflexos profundos sobre o Estado Social,
elemento fulcral no desenvolvimento e na melhoria da nossa democracia..
As
transferências monetárias, embora a convergência com O MSE (Modelo Social
Europeu) seja efectiva, não são universais, pois apenas beneficiam
grupos vulneráveis .
Quer
dizer, a aproximação ao MSE apenas acontece em domínios específicos e não num
sentido mais universal, o que não deverá surpreender, atenta a situação social
do país, após décadas em que os direitos sociais foram ignorados, ou eram
privilégio de alguns estratos sociais..
Significa
isto que, após a adesão, a cidadania social e a sua dimensão conheceram um
grande enfoque em políticas dirigidas a grupos ditos vulneráveis para melhorar
a coesão social e é neste sentido que se pode observar o impacto que os Fundos
Estruturais tiveram na cidadania social, o que é evidenciado pelos Planos de
matriz europeia entretanto aprovados (PNAIs).
Estes
Planos, de resto, mostram uma convergência com as tendências e directrizes
comunitárias. Se quisermos fazer uma rápida e grosseira avaliação dos diferentes PNAI já
aplicados, concluiremos que a cidadania social em Portugal tem sido
conceptualizada e estimulada enquanto cidadania específica laboral, ou seja a
integração na Comunidade política depende
da inserção no mundo do trabalho e as políticas sociais devem constituir-se
enquanto políticas activas de emprego. Será essa a razão essencial (e justificada)
da insistência em programas de formação, qualificação e requalificação
profissional.
Isto
sugere, pois, uma utilização dos recursos para a limitação dos efeitos
individuais da exclusão e não para a criação ou intensificação da política
activa de cidadania social universal, o que deverá merecer uma ampla reflexão.
A
nosso ver, as políticas sociais portuguesas deverão caminhar para uma mudança
de paradigma, para uma concentração específica na activação das capacidades agenciais dos cidadãos, em
vez de manterem um carácter paliativo ou redistributivo, redutor de um problema
mais vasto, que se procura solucionar.
Cabe
aqui referir que se é certo que o Tratado de Maastricht constituiu um
importante marco no aprofundamento da cidadania e no aprofundamento dos direitos sociais, não é menos verdade que com
a institucionalização da UEM e da moeda única (desígnios feitos sem se atender
às especificidades das economias dos Estados Membros e ao seu grau de
desenvolvimento desigual), tal veio a provocar, a prazo, dificuldades
acrescidas na resposta que a UE deveria dar em períodos de crise, como é o
momento actual. E isso veio a penalizar mais uns países expostos ao exterior do
que outros, com reflexos nas terapêuticas erradas aplicadas e,
consequentemente, na diminuição dos direitos sociais e no agravamento da
exclusão social.
Mas
uma questão importará agora colocar. Todo este esforço, todas as medidas
anunciadas, com as salvaguardas citadas, têm permitido desenvolver no país uma
política social mais solidária, mais igualitária, com maior coesão social?
As
desigualdades estão a esbater-se? Serão os que mais rendimentos auferem, os que
mais contribuem para o esforço que vem sendo feito em Portugal?
Vem o
país dando mostras de que está atento ao flagelo que assola o país, com o
aumento da exclusão social, da pobreza?
Que
papel se reserva ao Estado Social? Procura-se diabolizá-lo? Acusa-se
injustamente de que não tem viabilidade?
Não
será aqui o momento adequado para desenvolver estas e outras questões, embora
elas sejam importantes, pois melhor percepcionam qual o entendimento que os
actores políticos têm desta situação, que afinal se entronca na qualidade da
cidadania.
Atentemos
em alguns dados estatísticos, para melhor compreender a situação.
4.2.1Portugal como um país
muito desigual
Portugal
é hoje um país muito desigual, quer em termos de distribuição da riqueza, quer
em termos dos rendimentos.
A
distribuição da riqueza , fenómeno pouco estudado em Portugal, é muito
desigual, havendo mesmo no país riqueza financeira importante (19ª posição a
nível mundial, ao nível da riqueza financeira e activos líquidos per capita).
Por
outro lado 10% das famílias mais ricas detêm 7 vezes mais riqueza que 20% das
mais pobres.
A
percentagem das famílias endividadas aumenta com a riqueza, mas são as famílias
mais pobres as que têm mais dificuldades em cumprir os seus compromissos (vide o que tem acontecido com o pagamento das rendas
de habitação, da luz, do gaz, da água).
Quando
procuramos apreciar as desigualdades em termos de rendimentos, os dados também
não são mais animadores e revelam que Portugal é um país fortemente desigual (o
4º maior no âmbito da OCDE e o 3º mais desigual entre os EM da Zona Euro, só
ultrapassado pela Letónia e Bulgária)).
O
coeficiente de Gini – que serve para avaliar a relação entre dois grupos de
rendimentos, por exemplo os mais altos e os mais baixos - era em 2011 de 0,344, já depois das
transferências sociais e impostos e sem estas contribuições ficaria pelos
0,522.
Em
Portugal, os 20% mais ricos recebia, em 2011, cerca de 6 vezes mais do que os
mais pobres.
Segundo
um estudo do ISER (Institut for Social and Economic Reserch, da Univ. de Essex-
RU) aplicado em 2011 a 6 países (Portugal, Grécia, Estónia, Espanha, Irlanda e
Reino Unido), Portugal foi o único país que canalizou as medidas de austeridade
sobretudo para as populações de menores rendimentos, ao invés do que se
verifica nos outros Estados Membros analisados.
Segundo
dados do mesmo Instituto de 2013, a repartição dos sacrifícios em Portugal
incidiu mais pesadamente sobre os 10% mais pobres do que sobre os grupos de
rendimentos mais elevados: Portugal teve, perante a crise , uma combinação
fiscal e social que reduziu o rendimento disponível das famílias mais intensamente
do que ocorreu nos outros países e entre 2008 e 2013 a variação de impostos e
de transferências sociais em Portugal fez, só por si, com que o rendimento
disponível das famílias diminuísse 7%.
Com
estes dados, e com os efeitos devastadores das políticas de austeridade
adoptadas pelo Governo e pela Troika, facilmente se compreenderá qual o estado em que se encontram as camadas
da população mais desfavorecidas e qual o grau de cidadania social, situação
enfatizada ainda pela diminuição acentuada das verbas inscritas no OE para as
áreas da saúde, segurança social e educação.
4.2.2 Mas Portugal é não só um país
desigual, como igualmente mais pobre, constituído por desempregados, pobres e
excluídos.
Em
2011, o limiar anual da pobreza em Portugal, medido em PPS ( poder de compra
padrão que corresponde a 1 unidade monetária artificial elimina as diferenças
ao nível do poder de compra, o que permite fazer comparações entre países),
situava-se em 5722, por adulto. Este valor colocava praticamente na fronteira
da pobreza aqueles que têm rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional
e no limiar da pobreza os muitos que recebem pensões mínimas e de
sobrevivência.
Segundo
o Eurostat, em 2011, 24,4% da população portuguesa
estava excluída ou em risco de cair nessa situação. Acresce salientar que o
desemprego tem aumentado significativamente, sendo este indicador
particularmente grave, quando se sabe que a emigração tem vindo a crescer para
níveis que já não ocorriam desde as décadas de 60 e 70, mas com a diferença que
os movimentos de saída actuais são constituídos, basicamente, por portugueses
qualificados, essenciais, como se percebe, para o desenvolvimento harmonioso do
país.
Aliás,
esta constatação torna-se ainda mais dolorosa quando verificamos que 15% da
população activa está a trabalhar a tempo parcial, 20% possuem um contrato a termo certo e mais
de metade dos desempregados não tem direito ao subsídio de desemprego. É o
próprio IEFP que salienta que metade da população activa está vinculada a contratos instáveis e a taxa de
cobertura do desemprego tende a diminuir em virtude do aumento dos
desempregados de longa duração e das regras apertadas de cálculo e
elegibilidade, que excluem muitos indivíduos do acesso a esses benefícios
sociais.
Outro
dado relevante é o que respeita à privação material. Neste contexto, 1 em cada
4 portugueses encontra-se numa situação de extrema privação material, o que
significa que não tem possibilidades de fazer face a, pelo menos, 3 das
seguintes condições: uma despesa inesperada de 420 Euros, o pagamento atempado
da renda de casa, uma refeição de carne ou peixe de 2 em 2 dias, aquecer a
casa, pagar uma máquina de lavar roupa, televisão, telefone fixo ou móvel,
automóvel, ou uma semana de férias por ano fora de casa. Aliás, este indicador
tem vindo a degradar-se pois em 2008 representava 23% da população e em 2013
subiu para 25,5%.
Os
exemplos poderiam aqui multiplicar-se. Referir-me-ei ainda ao salário mínimo,
que se encontra abaixo da média europeia e não se prevê mesmo quando possa vir
a aumentar, como aliás ficou claro com a apresentação do DEO e a sua carga de
mais austeridade, com aumentos de impostos, apesar das afirmações políticas e
dos representantes sindicais e patronais em sentido contrário.
Finalmente,
uma palavra para a participação cívica dos cidadãos portugueses e os direitos
sociais.
O
exercício da cidadania social não se esgota no gozo dos direitos e garantias
derivados da provisão pública de bens, pois também estará relacionado com uma
participação mais activa dos cidadãos na vida comunitária.
O
sistema de Segurança Social é constituído por sistemas e sub-sistemas de
provisão de bens sociais com participação muito significativa do chamado 3º
sector ou economia social. A participação cívica dos portugueses dependeu e
ainda depende da capacidade de absorção por parte deste sector, o qual estará
dependente das contribuições pecuniárias proporcionadas pelo Estado. Ora tal
situação poderá hoje em dia a estar em causa, atenta a diminuição das despesas
sociais inscritas no OE e que se vem agravando ano após ano.
As
políticas sociais continuam a desempenhar um papel relevante na construção da
cidadania social, através das transferências em bens e serviços, das transferências
monetárias e do papel relevante desenvolvido pela economia social.
A
cidadania social é entendida em simultâneo como cidadania democrática, isto é,
a pertença subjectiva a uma Comunidade Política parece ser razoavelmente
dependente de direitos sociais e não só do sufrágio universal ou de liberdades
fundamentais.
Conforme
já se referiu, o Estado Social vem sendo sujeito a ataques inaceitáveis, numa
altura em que ele mais seria útil e necessário para manter a coesão social,
preservando os interesses e direitos dos mais carenciados. Ao Estado Social
português colocam-se, fundamentalmente, dois grandes desafios, o do
financiamento e o das mudanças estruturais, decorrentes do novo contexto
demográfico, económico, social, político.
A
nosso ver, a viabilidade do Estado Social está ligada ao ambiente económico em
que se insere, ou seja, na actual conjuntura importará perceber se a política
de austeridade é amiga da economia nacional e, por consequência, do Estado
Social. Este deve sempre ser visto como um investimento, “músculo” da sociedade
e não uma gordura que se pode cortar. Ele representa um meio imprescindível
para o desenvolvimento económico e humano das sociedades a longo prazo,
constituindo um instrumento poderoso para combater a crise..
A
questão consistirá em saber se na actual conjuntura em que vive o país, será
possível, sem um acordo político alargado, encetar essa transformação
estrutural do Estado Social, sem por em causa os seus princípios essenciais.
Por
último uma palavra para um instrumento político que os portugueses têm ao seu
dispor e que importaria divulgar amplamente, por forma a melhorar a
participação cívica dos portugueses na construção da cidadania. Falo do Pacto
Opcional do Pacto Internacional dos Diireitos Económicos, Sociais e Culturais (POPIDESC,
instrumento das Nações Unidas), ratificado por Portugal e que entrou em vigor
em Maio de 2013. Os cidadãos portugueses podem recorrer a este instrumento
através do respectivo Comité (CDESC), desde que
considerem que os seus direitos foram, de alguma forma, violados.
Pode-se
afirmar, a este propósito, que em Portugal não se têm desenvolvido estudos
sobre o impacto das medidas de austeridade sobre os Direitos Humanos, situação
intrigante, tanto mais que se sabe que a sua incidência sobre a população (em
particular a mais desfavorecia) tem sido muito intensa.
Para
dar um exemplo recente, bastará referir que o preconizado aumento do IVA, previsto
no DEO para 2015 ( e de que tanto se volta agora a falar) é, seguramente, uma
medida contrária aos Direitos Humanos , constituindo, como alguém já a apelidou,
uma “arma de destruição maciça”.
Aliás,
é o próprio Pacto das Nações Unidas que estipula que, se for necessário aplicar
medidas de austeridade, elas não devem afectar quem menos pode.
5. Cidadania Política
Desde
a assinatura do Memorando de Entendimento com a Troika que o país tem sido
submetido a um empobrecimento abrupto e colectivo de que não há memória na
história recente do país.
Não
obstante, embora a maioria da população sinta no quotidiano os resultados da
errada política de austeridade e inqualificável empobrecimento, as tensões
sociais, a indignação, o protesto, as manifestações, as próprias greves, não
têm atingido os efeitos e a mobilização que ocorreu noutros países com iguais
problemas do nosso, como sejam a Grécia,
a Espanha, a Itália, o Chipre, ou até a França.
Muitos
observadores estrangeiros, comentadores televisivos, políticos, ou simples
cidadãos têm-se interrogado sobre o comportamento dos portugueses ao longo
desta crise e questionam porque não reagem os portugueses de uma forma mais
firme, mais “audível”, mais indignada.
A
resposta a esta constatação deverá ser encontrada não em qualquer
característica específica do povo português (tolerância, brandura de costumes,
pacifismo), mas a um factor determinante e preocupante, que resulta da forma
como os portugueses percepcionam e exercem os direitos políticos de que
dispõem.
Vejamos então alguns
aspectos.
Tal
como já se referiu e acompanhando uma vez mais Marshall, a cidadania política é
activa, isto é, só existe se os cidadãos, no caso os portugueses, a exercerem.
A
cidadania política é, por isso, um tipo de cidadania mais exigente e que requer
mais maturidade.
Quando
se fala em cidadania política é necessário distinguir entre atitudes e
comportamentos, estando as primeiras subjacentes ao apoio permanente que deve
existir entre eleitores e eleitos, à legitimidade que é preciso para a
sobrevivência do regime político. Têm dimensões múltiplas, algumas
independentes entre si (a aceitação da democracia, a confiança nos partidos, a
satisfação com as políticas prosseguidas). Este envolvimento traduz-se em
formas de participação política que variam do desinteresse à titularidade de cargos.
A participação, como se sabe, pode ser
convencional (participação em eleições, eleger, ser eleito, participação em
partidos) ou não convencional (petições, abaixo-assinados manifestações,
protestos).
Todas
as democracias europeias são representativas, isto é as decisões são tomadas
por agentes políticos eleitos pelo povo e mandatados por este para governar (eu
diria, bem, de acordo com o seu programa sufragado nas urnas).
A
representação necessita de uma permanente legitimação.
Ora
esta exigência das democracias representativas, a par do desinteresse
generalizado da disponibilidade dos cidadãos em participarem na vida política,
tem posto os políticos perante um desafio crucial e que diz respeito à capacidade
de atrair mais indivíduos para a política institucional, por exemplo abrindo a
possibilidade de participação em eleições de cidadãos não pertencendo a
partidos. Este desiderato, como se sabe,
está muito longe de ser concretizado, tanto na Europa como em Portugal.
A
participação não convencional, em crescendo na Europa, não tem ainda uma
expressão significativa e ainda é através do voto em listas fechadas que se
escolhe o Parlamento, de onde emana o Governo.
Concretamente
em Portugal, assiste-se a uma diminuição pronunciada de participantes nas
eleições legislativas (62%, em 2011) , presidenciais (54%, em 2011), ou para o
Parlamento Europeu (35% em 2014), com um aumento significativo da abstenção
(65%), mesmo admitindo alguns erros incompreensíveis nos cadernos eleitorais, os quais estarão
seguramente desactualizadíssimos
Muitos
factores poderão ser adiantados sobre este estado da arte, mas por certo o
fraco nível de escolaridade da população (ainda fruto das sequelas deixadas
pelo Estado Novo) e o papel que os partidos vêm evidenciando, não serão, por
certo, os menos importantes.
Do
ponto de vista demográfico são os jovens os que menos participam no processo
político, o que terá grandes repercussões no futuro e bem evidenciam o fraco
poder de mobilização dos partidos.
O
mais preocupante ainda, segundo alguns estudos recentes, é que a maioria dos
portugueses não se identificam com qualquer partido ou sequer admitem simpatia,
o que afinal é determinante para a fraca participação dos portugueses na
construção da cidadania política. Aliás, esta mesma constatação poderia ser
evidenciada com o decréscimo pronunciado do número de cidadãos sindicalizados.
Embora
a participação não convencional tenha vindo a aumentar com a crise, desde 2011,
o que é verdade é que ela não representará mais de 15% da população.
Em
síntese, há em Portugal uma clara cidadania política de baixa qualidade, em que
os cidadãos se empenham pouco, se sentem pouco satisfeitos com os seus
representantes no Parlamento, ou nem sequer com eles se identificam.
Os
portugueses, mesmo face à democracia, evidenciam uma postura preocupante.
Em
2013, enquanto 80% dos espanhóis consideravam que a democracia era preferível a
qualquer outra forma de governar, só 56% dos portugueses manifestavam a mesma
opinião.
Quer
então dizer que a adesão à CEE não implicou nenhuma alteração no domínio da
cidadania política, em Portugal?
Desde
os anos 80 até ao início do séc.XXI os portugueses consideravam a UE (na altura
CEE) uma “coisa positiva” e acreditavam mesmo que ela resolveria todos os
nossos problemas ancestrais.
Este
apoio instrumental sempre co-existiu com uma falta de informação, de interesse
e de participação nos debates sobre a Europa, visível, aliás, na fraca
participação nas eleições para o Parlamento Europeu (somente 34% dos
portugueses votaram nas últimas eleições europeias).
Hoje,
porém, aquele sentimento dos anos 80 está a desvanecer-se, pois actualmente só 23% dos
portugueses se declaram satisfeitos com a forma como a democracia funciona na
União Europeia (a média europeia +é de 44%), 36% dizem mesmo que Portugal
estaria melhor fora da UE, apenas 59% se consideram europeus, mas muito poucos
têm interesse em conhecer os seus direitos , a não ser que a isso sejam
obrigados, ou incentivados (emigração).
Esta
nova percepção por certo encontrará justificação na crise actual e na forma
como a UE vem lidando com ela, embora se possam encontrar justificações mais
profundas e que não caberão desenvolver neste momento,
E
tudo isto ocorre mesmo sabendo que o conceito de cidadania europeia comporta
alguns direitos que pouco vêm sendo exercidos pelos portugueses (direito de
participar nas eleições para o Parlamento Europeu, direito de petição para o
Parlamento e para o Provedor de Justiça, interposição de recursos junto do
TEJ).
O
desinteresse dos partidos em alterar esta situação também será um factor de peso. É pacífica a
constatação de que é necessária uma profunda reforma do sistema político
(vigora o método de Hondt, de representação proporcional e que enferma de algumas
deficiências – listas fechadas), mas tirando a diminuição do número de
deputados de 250 para 230, ocorrido em 1989, a introdução de referendos, petições e da abertura das
eleições autárquicas a candidaturas de cidadãos independentes, os Partidos pouco
mais fizeram para aproximar os cidadãos da vida política do país.
A
acrescer a tudo isto, as campanhas eleitorais são de uma pobreza de ideias
absolutamente confrangedora, de que a última para o Parlamento Europeu é bem
elucidativa.
Para
concluir, com a crise económica e financeira que assola a Europa e,
particularmente os países do Sul, as medidas de austeridade, o empobrecimento,
o acentuar das desigualdades sociais, o agravamento do tecido social, tudo isto
tem conduzido a um declínio da participação dos portugueses no exercício dos
direitos políticos, situação de que não se podem alhear todos os cidadãos, em
geral, e os principais responsáveis políticos, em particular.
6.
Cidadania, género e a questão da Igualdade.
A
realidade portuguesa, no que respeita à igualdade, foi moldada pela influência
da Europa, que tornou possível a passagem de uma questão feminista, associada a
um certo “feminismo do Estado”, para uma visão mais alargada de “cidadania de
género” que, todavia, apresenta as suas especificidades.
A
visão de género sobre a cidadania e os direitos que a compõem implica uma
articulação entre as várias dimensões de construção e reconhecimento dos
direitos.
Em
Portugal, a questão dos direitos e a história que lhes deu origem encontra-se
particularmente em torno de momentos-chave de viragem política e social e que
resumidamente a seguir explicitaremos.
6.1 Cidadania e regimes de
género em Portugal
Antes
da Revolução de Abril, a Constituição de 1933 e o Código Civil (CC) de 1966
conferiam às mulheres um estatuto de subordinação, sendo o homem a principal
autoridade, cabeça de família, chefe de família, com direito a gerir os bens do
casal. Um regime patriarcal, cabendo à mulher o governo doméstico.
O CC
já previa que a mulher pudesse exercer profissões liberais ou na função pública
sem autorização do marido e podiam auferir do seu salário ou vencimento, embora
o homem pudesse denunciar o contrato da mulher.
A
mulher não tinha acesso a determinadas profissões, como as da carreira
diplomática ou da magistratura e outras só podiam ser exercidas se fossem
solteiras (enfermeiras, hospedeiras de bordo).
Neste
período, porém, começam a surgir alguns movimentos de indignação face à
situação da mulher. Depois de Portugal ter ratificado a Convenção nº 100 da
OIT, em 1966, esta foi transposta para a legislação portuguesa em 1969. Em 1970
criou-se o GT para a participação da mulher na vida económica e social e em 1973
surge a Comissão para a Política Social relativa à mulher, fruto da
participação de mulheres portuguesas
nos movimentos internacionais.
Após
este período da “era conservadora”, podemos referenciar 3 momentos importantes
para a cidadania e o género:
1º
O 25 de Abril, pôs fim à discriminação legal vigente durante
o Estado Novo e deu origem a um período em que as mulheres passaram a ser
vistas como elementos da vida pública, com direitos iguais aos homens .
Surgiu
então o feminismo de Estado, em que a condição feminina se viu elevada a
questão da luta política, com consequências profundas na transformação da
sociedade portuguesa.
Também
começaram a ser mais visíveis as influências internacionais em todo este
processo, em particular o papel desenvolvido pela OCDE e OIT, que foram
enfatizadas pela participação portuguesa na Conferência Internacional das
Mulheres, que se realizou em 1975, na cidade do México;
2º Depois da adesão de Portugal à CEE, este
modelo veio a ser questionado e novas prioridades ganharam relevo, sobretudo
depois da década de 90, com a introdução de novas Directivas europeias assentes
em políticas de “mainstreaming” de género, que eram caracterizadas (seguindo a
definição do CE) pela adopção de uma estratégia de organização, melhoria,
desenvolvimento e avaliação dos processos de decisão, por forma a que a perspectiva da igualdade de género seja incorporada
em todas as políticas, a todos os níveis e em todas as fases, pelos actores
implicados na decisão política (integração da perspectiva de género em todas as
políticas e práticas sociais).
Quer
dizer, ao invés de uma questão puramente feminina, politicamente a igualdade
passou a ser vista como relacional e a envolver também os homens, enquanto
protagonistas necessários.
A
par das mudanças legislativas, a institucionalização, sob tutela estatal, de
vários organismos destinados a promover a igualdade de género e a melhoria da
condição feminina, foi crucial. Assim surgem a CCFeminina em 1977, a CIDM em
1991, a CIG em 2007, tendo a CITE (que vem desempenhando um papel essencial na
esfera do trabalho), sido criada em 1979.
3º Mais recentemente, a
conjugação da influência das Directivas comunitárias, com as reivindicações de
movimentos pela cidadania e direitos sexuais, introduziram alterações
importantes, como os direitos reprodutivos da mulher e as questões relacionadas
com as chamadas minorias sexuais.
Pela
primeira vez, a par das lutas subjacentes aos direitos que garantem equidade
económica, constituiu-se o que se entende por uma “política das identidades”,
orientada não só para problemas de redistribuição material, mas antes
privilegiando o reconhecimento de direitos para os cidadãos LGBT.
Este
novo olhar implicou, portanto, a deslocação do problema da condição feminina
para questões mais alargadas e interpelativas da cidadania do género e sexual,
para lá da esfera do trabalho ou mesmo da política.
Nota-se
aqui a influência europeia.
Embora
com alguns percalços, a verdade é que em Portugal tem subsistido um certo
consenso em torno das questões essenciais ligadas à igualdade de género.
Os
direitos cívicos e sociais estiveram sempre interligados. As mudanças mais
significativas, com implicações no conceito ideal de cidadania, prendem-se
indelevelmente com as mudanças ocorridas nas políticas de género e com as áreas
importantes para a regulação.
Neste
sentido, embora numa primeira fase a ligação ao mundo do trabalho, à
participação política e ao desenvolvimento da estratégia de mainstreaming,
tenham sido prioritários, em momentos mais recentes os direitos sexuais e
reprodutivos ganharam importância, fruto das reivindicações dos movimentos
sociais e das recomendações europeias.
Enfatiza-se
a inclusão de grupos marginalizados como os LGBT, o que tem levado a questionar
o equilíbrio entre igualdade/diferença. Depois de se terem discutidas questões
como a contracepção de emergência, a descriminalização do aborto, mais
recentemente o debate faz-se em torno dos direitos dos não heterossexuais, da união de facto, da adopção pelos
casais do mesmo sexo de crianças, ou da procriação medicamente assistida .
É
que se às mulheres foi concedido um estatuto de igualdade e de direitos, estas
pessoas continuam a ser discriminadas, o que justificam um amplo movimento de
cidadania que possibilite o fim da desigualdade e discriminação.
6.2 Participação política
das mulheres
Apesar
da evolução da situação da mulher, após 1974, o que é certo é que a sua
participação na vida política continua a ser bastante débil, não tanto ao nível
do exercício do direito de voto, mas no
respeitante à visibilidade, à eleição e nomeação para cargos políticos e de
exercício do poder político.
Em
Portugal, o número de mulheres activas na esfera política é bastante reduzido.
Em 2003 foi aprovada a Lei dos Partidos Políticos que estabelece que estes
devem assegurar a participação directa, activa e igualitária das mulheres nas
actividades políticas e garantir a não discriminação., face aos homens no
acesso às listas de candidatos e aos órgãos eleitos.
Em
2006, surge a Lei da Paridade de género, que estipulava que as listas de
candidatos para as eleições nacionais ou para o Parlamento Europeu deviam
prever pelo menos 33,3% de mulheres. Tal disposição dificilmente tem, vindo a
ser concretizada, com a complacência e indiferença de todos e em particular dos
Partidos Políticos.
6.3 Mas reflictamos um pouco sobre a
influência europeia na questão da igualdade de género.
Conforme
já se sublinhou o modelo formal da igualdade centrado na esfera do mundo do
trabalho, que predominou nas décadas 70 e 80 do séc.XX, veio a ser questionado
nos anos 90, com a passagem de uma visão de cidadania focada na questão
feminina, para formas mais abrangentes e transversais de conceptualizar a
equidade de género.
Os
Planos Globais para a Igualdade, desenhados a partir de 1977, com base na
influência europeia, vieram a contribuir para a modificação da relação
umbilical entre cidadania e género.
A
questão de género passou a ser considerada de uma forma mais abrangente,
devendo abarcar todas as áreas da vida social e envolver os homens enquanto
sujeitos indispensáveis para o processo.
Os
homens são, pela primeira vez, convocados a ter uma outra postura, objecto
crescente de regulamentação (licenças de paternidade).
As
mulheres também foram motivadas a assumir novos desafios. Nesta perspectiva o
“mainstreaming” de género passou a ser dominante nas políticas públicas.
Esta
acção transversal que visa proteger as mulheres em todas as áreas da vida
pública e privada e o interesse do envolvimento dos homens , bem como a adopção de uma linguagem neutra
e de políticas equilibradas demonstra a crescente preocupação com a construção
de uma cidadania equitativa.
Hoje
a igualdade não é só uma questão das mulheres, mas também dos homens.
Na
Europa, depois do Pacto Europeu para Igualdade do Género (2006), do Roteiro
para a Igualdade (2006/10), foi lançada a Estratégia Europeia para a Igualdade
(2010/15), que tem como referencial a Carta das Mulheres (2010).
Este
conjunto de Instrumentos, demonstra que nunca o Estado e a Europa intervieram
tanto no sentido de promover a mudança social das relações de género.
Em conclusão,
pode-se referir que o conceito de igualdade tem sido fundamental para a
consolidação de uma concepção política
de democracia. No que respeita ao género, a conquista feminina do voto,
igualdade na vida familiar, são conquistas recentes que marcam o reforço da
autonomia do indivíduo como cidadão acima das pertenças naturalizadas a grupos
de origem desigual.
A
conquista de maior igualdade de género é um
processo complexo inacabado, que se foi construindo sob a convergência de várias influências, à
medida do alargamento do conceito de cidadania e direitos sociais e a pressão
exercida pelos diversos movimentos femininos na esfera pública.
Imanentes à velha questão do público e do
privado, três grandes problemas se continuam a debater:
·
Os
princípios da igualdade e da diferença
·
A relação
entre a esfera do trabalho e a vida familiar
·
A
participação política e o poder.
Estes debates, afinal, acompanham a
construção do Estado Social, sobretudo após a II Guerra Mundial , revelando as
difíceis articulações entre as heranças do pensamento marxista e a luta de
classes e visões liberais dos direitos sociais, que foram oscilando entre o
reconhecimento formal e jurídico da igualdade e os problemas levantados pela
redistribuição económica, social e mesmo cultural.
7. Imigração e Cidadania
Portugal, tradicionalmente sempre foi
conhecido como um país de forte emigração.
Por motivos económicos, sociais e políticos,
a saída para o estrangeiro de milhares e milhares de portugueses à procura de
condições de vida e de trabalho que não lhes eram proporcionadas pelo seu país,
foi uma constante ao longo da nossa história.
Nas últimas décadas, porém, Portugal
tornou-se também um país de “chegada” de imigrantes, tal como muitos outros
Estados Membros.
Em boa verdade, o nosso país passou a ser um
país de migrações.
Os fluxos de entrada começaram a ser mais
visíveis no final do século XX, início deste séc., provavelmente pela melhoria
económica e modernização da sociedade portuguesa.
Embora se possam encontrar teses distintas,
sustentadas sobretudo por políticos, a verdade é que Portugal nunca foi só um
país de imigração.
O fenómeno da significativa entrada de
estrangeiros no nosso território co-existiu sempre com a saída de nacionais
portugueses para o exterior.
Esta situação ambivalente provocou em Portugal
alterações sociais profundamente antagónicas, embora de sinais diferentes.
Especificamente no que respeita à imigração,
o nosso país passou a estar confrontado com muitos e variados desafios,
designadamente os relativos à entrada, à integração dos estrangeiros, aos
direitos que lhes devíamos conceder, à forma e ao modo como teríamos que lidar
com o multiculturalismo.
O debate da cidadania não poderá, pois, ser aprofundado sem uma análise cuidada desta
realidade e das interligações que ela gera.
Na verdade, a sociedade de acolhimento
“beneficiou” de uma diversidade sócio/cultural nova, enfrentando desafios mais
ou menos significativos sem a natureza dos laços sociais dominantes e o tipo de
coesão social que daí decorre.
Os imigrantes também enfrentam novos
desafios, procurando acomodar-se a um meio que lhes é estranho (mas não
hostil), por vezes com especificidades sócio/económicas particulares e
singulares.
Afinal e como refere J. Peixoto, a imigração
significa “mudança social”, pelo que portugueses e imigrantes são convocados a
redefinir os seus papéis (como atores sociais) e a sua acção, por forma a que a
integração destes últimos se possa concretizar de uma forma harmoniosa e sem
convulsões.
Sobretudo desde a década 90 do séc. passado,
o Estado português reconheceu a imigração como um fenómeno estrutural novo e
natural e procurou adoptar medidas e políticas de admissão e integração
perfeitamente adequadas.
Aliás, nem as mudanças governativas têm tido
especial influência nesta política inclusiva dos estrangeiros.
Embora se assista a algumas limitações no que
respeita ao exercício dos direitos políticos (situação esta que também vem
sendo melhorada nos últimos anos, muito por causa do trabalho desenvolvido em
parceria pelo Governo, associações de imigrantes, ONGs e Igreja), não se poderá
ignorar que ao longo das décadas foi criado um espaço de cidadania para os
imigrantes em Portugal muito amplo.
Neste contexto, pode-se afirmar que a
sociedade portuguesa, através dos seus representantes institucionais, aceitou e
incorporou a nova realidade da imigração de uma forma eficaz.
Aliás, Portugal é, no âmbito das migrações,
um caso singular e inédito. Na verdade, a co-existência de entradas e saídas de
cidadãos, o assinalável consenso político em torno da imigração, as políticas
de inclusão e integração cosmopolitas e vanguardistas e as reduzidas tensões
sociais em torno da presença de importantes comunidades de estrangeiros,
permitem afirmar que o caso português é perfeitamente paradigmático.
Os problemas que neste momento vão ocorrendo
aqui e ali, resultam mais das consequências graves provocadas pela crise e de
uma sociedade estratificada e desigual, do que da relação dos portugueses com
os estrangeiros.
Portugal é hoje um país aberto, dialogante,
compreensivo e cosmopolita.
Os modos de relacionamento de um povo e as
suas identidades vão evoluindo através do contacto com novas culturas, novos
usos, novos costumes, novos hábitos, pelo que estão sempre em perfeita mutação.
Pode-se, assim, concluir que a sociedade
portuguesa ao acomodar a imigração no espaço de algumas décadas, reinventou
novos conceitos de cidadania.
Tal como atrás referimos, a Constituição
portuguesa concede igualdade de direitos aos cidadãos nacionais, estrangeiros e
apátridas, excepto no domínio dos direitos políticos, pelo que cidadãos em
Portugal serão todos os residentes no
país, sejam portugueses ou estrangeiros.
8.Identidade Nacional
portuguesa e as atitudes face à União Europeia.
Depois
de tudo o referido a propósito de cidadania, procuraremos agora alinhavar
algumas ideias sobre uma questão que muitas vezes se confunde com ela e que
respeita à identidade nacional.
Portugal
é um Estado antigo, cuja história remonta ao séc. XII (época medieval) e as
suas fronteiras ficaram definidas por volta do séc. XIII.
A
população partilhou desde cedo atributos culturais comuns, como a língua, a
religiosidade cristã e os portugueses reconhecem-se como possuidores de uma
identidade colectiva própria e de uma Nação.
Esta
coincidência Estado/Nação não é caso único na Europa ( veja-se o caso da
Inglaterra, por exemplo), mas muitos dos Estados que a constituem não tiveram
uma história semelhante. Muitos derivaram a partir de grandes conglomerados , por vezes
muito diversificados, como foi o caso dos Impérios Sacro Romano/Germânico, o Austro/Húngaro,
o Russo, o Turco. Outros há em que a identidade nacional resulta da agregação
de entidades políticas previamente existentes, como será o caso da Espanha e da
Jugoslávia.
O
nacionalismo, como doutrina política que postula que cada Povo ou Nação deve
ser autónomo, ter um Estado próprio, torna-se hegemónico a partir do séc. XVIII
e teve um grande impacto na construção da Europa.
Embora
se possa falar historicamente de uma configuração europeia, a verdade é que no seu seio sempre
existiram divergências e conflitos reais ou latentes.
O
Império Romano moldou a Europa, mas não abrangeu a sua totalidade e o
cristianismo, importante, com importância significativa até aos nossos dias, não a
conseguiu unificar.
As
questões nacionais tiveram, assim, um grande impacto na história da Europa, as quais foram, até há bem pouco
tempo, sempre marcadas por conflitos armados.
Os
Estados competiam pelo poder económico e territorial. Cada Estado tinha o seu
espaço económico e procurava defendê-lo e alargá-lo.
A
capacidade militar outorgava a algumas potências ocidentais vantagens decisivas
nos conflitos.
Estes
eram acompanhados por um exacerbamento das representações nacionalistas ou
protonacionalistas.
Este
enquadramento geral conduziu a Europa a duas Guerras Mundiais. Foi então no final
do último conflito sanguinolento que alguns europeístas visionários decidiram
propor a criação da CECA e depois da CEE, por forma a construir entre os Estados
Europeus saídos da guerra ,uma paz duradoura., experiência única e que vive
actualmente a sua maior criseeconómica, social e política.
Ora,
a compreensão da situação presente não se pode dissociar da história e das relações conflituosas que sempre existiram de uma
forma latente ou efectiva entre os Estados Europeus.
A
crise actual é económica, financeira, social, mas também é política, sendo
percepcionada e vivida em termos nacionalistas.
A UE,
nas palavras de Ulrich Beck, é uma sociedade pós-nacional de Estados Nacionais.
A
relação entre estes, entre os Estados e a UE tem sido muito distinta, tendo a
construção da Europa (diga-se comunitária) passado de uma União Económica, para
uma União Europeia, que se alargou a outros Estados, os quais foram cedendo
alguma da sua soberania, que foi visível na construção do mercado único, das
políticas comuns, da moeda única.
Viveram-se
momentos de grande euforia, mas as insuficiências e má percepção na construção
das diversas fases e a falta de vontade política para rectificar os evidentes
erros, conduziu a Europa à crise actual.
E o
problema é tanto mais grave quanto é certo que, infelizmente, a UE não tem um
timoneiro, um sujeito, mas sim um soberano que exige, que manda fazer remendos
na UEM, mal concebida e estruturada, sem se preocupar com as consequências
desses passos avulso sobre as economias dos EM mais expostos, sem procurar
soluções institucionais.
Hoje
a UE é um “amontoado” de países , não possui uma Constituição, está dependente
dos interesses da Alemanha, que “manda”, mas não lidera, rumo a uma Europa sem
futuro, com um jogo de soma zero, em vez de soma mais, em que todos os EM
pudessem partilhar e ganhar. Conforme as
últimas eleições europeias bem demonstraram, a Europa que se está a construir
não tem futuro, abre brechas bem visíveis, denota falhas na sua arquitectura,
não atende à especificidade dos Estados Membros, não é solidária.
Por
isso não será estranho que os diversos inquéritos publicados confirmem que a
identificação com a Europa nunca se sobrepôs à nacional. Esta constatação não
poderá ser surpreendente, como muito bem refere José Manuel Sobral, “os
europeus foram e são socializados como sujeitos nacionais: a primeira língua, é
a nacional, os seus ascendentes, o território, os usos, os costumes, a comida, a cultura, são na esmagadora maioria de
matriz nacional.”
A
identidade nacional tornou-se parte do seu ser individual, enquanto a europeia,
pelo contrário foi caldeada pela vontade de políticos interessados em evitar
novas guerras e em promover a paz. É, portanto, algo muito recente face à
consolidação mais antiga das identidades nacionais.
Constata-se,
ainda, que os interesses nacionais nunca estiveram separados dos económicos.
Pode-se afirmar que os alemães impuseram a actual política de austeridade,
atingindo mais os países do Sul, impedindo uma equitativa repartição dos
efeitos da crise. Ela afecta menos os países com mais capital económico e
humano, fortemente industrializados e alfabetizados do que os do Sul, pondo
assim em causa os princípios da solidariedade, igualdade, fraternidade, que
presidiram à criação da CEE.
Aliás,
o modo como a crise tem sido enfrentada é bem revelador da força do
nacionalismo e das fragilidades na construção da Europa cosmopolita e
tendencialmente pós-nacional.
Nunca
é demais recordar que o projecto da União Europeia nasceu no tempo da Guerra Fria,
a Alemanha estava dividida, destruída e estigmatizada pela associação ao
nazismo. Em 1991, a União Soviética implode e dá-se a unificação da Alemanha,
que já não contava com inimigos a Leste e passou a ter uma importante área de
influência à sua volta.
Em
2008, a Alemanha é, de novo, a maior e mais poderosa potência e neste contexto
tem reivindicado que a crise deve ser superada respeitando a sua soberania e a
democracia interna, pois são os eleitores alemães que decidem da política
europeia do Estado.
Isto
faz com que os outros Estados nacionais se tornem mais frágeis e tenham
que se acomodar aos interesses alemães.
Daqui
surge a Europa a várias velocidades (alguns até referem que estamos perante uma
Europa a 28 velocidades), com profundos desequilíbrios e de uma falta de
solidariedade gritante.
E é
neste contexto que poderemos situar a identidade nacional portuguesa, que
sempre esteve ligada à Europa, mesmo quando possuía outras âncoras no exterior,
como foi o caso dos territórios ultramarinos.
A
emigração passada e a actual reforçam esta ligação europeia.
Assim
sendo, para nós, não será importante observar a matriz europeia da identidade
nacional, mas antes o modo como tem evoluído a identificação dos portugueses
com a União Europeia.
Segundo
recente inquérito do Eurobarómetro , conforme já se referiu, 59% dos
portugueses sentem-se cidadãos europeus, no entanto a perca de confiança na UE entre 2007 e 2014 tem
vindo a crescer, atingindo recentemente 24%, o que representa uma das mais
altas percentagens da Europa.
Ao
mesmo tempo, a discussão sobre a saída do Euro, os efeitos da crise, o modo como
a Europa lidou com ela, a percepção de que só os países do Norte têm
beneficiado com a crise, a nossa incapacidade para deixarmos de ser
subservientes face aos países do Norte e a constatação de que estamos de mãos
atadas e dependentes da política egoísta da Alemanha, tudo isto tem vindo a alimentar o debate público e a
confirmar que os portugueses mais desacreditam nas virtualidades da Europa.
A
crise veio ainda demonstrar como a economia, a política e as emoções andam
associadas e podem pôr em movimento processos cujo controlo pode escapar a quem
os desencadeou, sem ter consciência dos efeitos que possam vir a ter para o
próprio projecto europeu.
Conforme
já sublinhámos, a definição de identidade nacional constitui uma tarefa
complexa e que vem sendo estudada por diversos investigadores, sociólogos,
antropólogos.
Optámos
aqui pelo caminho mais fácil e por isso apenas apresentaremos as principais
características da identidade nacional, partindo do princípio de que ela é uma
parte importante de um complexo de identidades: sociais, familiares, locais,
regionais, políticas de género:
·
A
partilha de um nome - Portugal
·
A
partilha de uma língua, de um território, de fronteiras delimitadas
·
Ter
nascido em Portugal e cumprir a nossa legislação.
·
O
sentido de formar um colectivo que se identifica por um nome (os portugueses) e
que abrange os emigrantes
·
A
percepção de que existe uma continuidade passado – presente, a nossa História.
·
A
forma como percepcionamos os estrangeiros, a sua presença, o seu contributo.
·
O
orgulho de ser português, no desporto, nas artes, nas letras, na cultura, mas
desencanto com a forma como os políticos exercem o seu poder.
Se a
Nação está indissociavelmente ligada ao Estado, tal confere aos portugueses
direitos enquanto cidadãos no seu território.
Mas
esta realidade pode ser fonte de constrangimentos e de subalternizações para
quem não usufrui desses direitos – os imigrantes- embora, como já vimos,
Portugal é, neste contexto, um país reconhecido como exemplar no que respeita
às políticas inclusivas em benefício dos estrangeiros.
Conforme
José Manuel Sobral salienta, “ser-se português é ser participativo, mesmo
quando silencioso, ou silenciado, numa conversa continuada que procura
reflectir não só sobre o passado, como também sobre o presente e que se alarga
para construir um futuro comum melhor”.
Conclusões
Quando
se analisam as questões inerentes às relações entre a evolução europeia e a
construção de novas cidadanias em Portugal, não podemos ignorar que os cidadãos
portugueses têm tido, em todo esse processo um comportamento muito distante,
residual, o qual não será alheio aos problemas que o nosso país sente nesta fase da
evolução europeia.
Na
verdade, os portugueses, ressalvando o trabalho dos nossos emigrantes e o
esforço diplomático e técnico no acompanhamento do processo de integração, têm
sido meros espectadores, sem qualquer influência no desenvolvimento dos
acontecimentos que degeneraram na actual Grande Recessão..
Apesar
disso, os direitos de cidadania beneficiaram de um impulso significativo com a
adesão, ocorrida em 1986 e depois com a ratificação, em 1992, do Tratado de
Maastricht.
O
processo de integração influenciou a cidadania, na esfera jurídica, económica,
social, política, na igualdade de género.
Se é
verdade que a democratização ocorreu em Portugal com a Revolução de Abril de
1974, não é menos verdade que os portugueses apenas tiveram acesso a um
importante conjunto de direitos de cidadania com a entrada na CEE e a
consequente europeização do país.
A
europeização reforçou, assim, a cidadania.
A
adesão à UE também teve impacto nos direitos das camadas populacionais que até
aí eram mais discriminadas, como era o caso dos migrantes.
De
um modo geral, os portugueses sentem-se cidadãos europeus , tal como a média
dos nacionais dos outros Estados Membros.
No
entanto, quando são questionados sobre os seus direitos e deveres que resultam
do facto de serem cidadãos europeus, o desconhecimento é muito grande, sentimento ainda recentemente evidenciado na fraca
participação nas eleições europeias.
Parece
que, depois de um período de grande euforia com a entrada na CEE e pelo facto de pertencermos à
Europa, passámos agora para uma fase de descrédito, de desilusão face ao modo
como as Instituições têm (melhor dizendo, não têm) sabido lidar com a actual
crise, evidenciando uma gritante falta de solidariedade, de compreensão face à situação
dos países do Sul.
Aliás,
o falhanço das políticas europeias na
resolução da crise resulta de um erro de diagnóstico da raiz do problema.
Tem
sido voz corrente, que os Órgãos de Comunicação Social (OCS), os politólogos,
“economistas, sociólogos, comentaristas, esforçam-se por tentar demonstrar que
esta Grande Recessão se deve, sobretudo, ao endividamento dos Estados e dos
cidadãos, que pretenderam viver acima das suas possibilidades.
Esta
era (e é) ainda segundo essa plêiade de personagens, um problema nacional,
esquecendo-se que as suas raízes se devem entroncar na deficiente organização,
arquitectura e formação da UEM, da moeda única, do papel reservado ao BCE, o
que, em período de crise grave, tornou uma tarefa difícil encontrar os
antídotos para solucionar as dificuldades, permitindo assim que os países com
economias mais frágeis, mais expostas externamente, fossem os primeiros a dar
sinais de colapsar.
A UE,
comandada pela Alemanha, não foi capaz, ou não esteve interessada, em
rapidamente atalhar o problema estrutural e de enquadramento institucional da
UEM e da moeda única e das consequências, para os países com economias frágeis.
A acrescer a tudo isto houve o descuido de não identificar os problemas
inerentes à Organização Mundial do Comércio (OMC) para os países externamente
mais expostos. Provavelmente também tiveram um erro grave de diagnóstico ao
pensarem que a terapia adequada seria implementar políticas de austeridade
nestes países, com os resultados que todos os portugueses sentem no seu
quotidiano, enquanto que os países do
Norte iam crescendo, aumentando exponencialmente as suas exportações.
Aliás,
o erro fundamental da política de austeridade preconizada e imposta
(irreflectidamente) pela Alemanha não reside apenas em definir o bem comum
europeu de uma forma nacional e unilateral, mas sobretudo na arrogância,
prepotência, de definir os interesses nacionais de outras democracias
europeias.
Esta
constatação não nos pode tolher o raciocínio, a reflexão, antes deveremos
congregar forças para reflectir sobre o que correu menos bem, o que deverá ser
rectificado, que papel deveremos ter no contexto europeu, nós que sempre
estivemos ligados à Europa, que temos uma História riquíssima, com identidade
própria.
Vivemos
hoje, provavelmente, os dias de maior desilusão desde que aderimos ao espaço europeu.
Diz-se
que Portugal se libertou com o fim do Programa de Entendimento com a Troika,
que deixou (nas palavras infelicíssimas, do ponto de vista político), de ser um
Protectorado, puseram-se relógios a funcionar, como se fosse necessário começar
o contar o tempo que restava para Portugal (re)obter a sua independência,
afirmou-se que o país estava melhor, os portugueses é que não, vende-se a
ilusão de que conseguimos ter uma saída limpa, esquecendo-se que não tivemos
nessa opção a mínima intervenção e até lançámos foguetes e bebeu-se champanhe,
dentro e fora do país.
Pura
ilusão.
Se
alguém vos disser que a Troika se foi embora, não acreditem. Ela permanecerá
por mais dez anos e, em versão “doika”, mais 3 décadas.
Ora
esta euforia triste não tem reflexos nos dados que entretanto vêm sendo
anunciados (vide os referentes ao 1º trimestre do corrente ano), nem na
situação social dramática que se vive no país.
Na
verdade, os indicadores sobre a dívida pública, o comércio externo, o défice, a
evolução económica, o desemprego, a educação, a saúde, a pobreza, a exclusão
social, os fluxos emigratórios, não só contrariam aqueles estados de alma, como
têm reflexos evidentes e notórios no
recuo dos direitos de cidadania, nas diversas dimensões (cívica, social e política).
Aliás,
um programa de ajustamento, que visava combater a dívida pública excessiva e
que termina com este objectivo fora de controlo, será um rotundo fracasso,
tendo sido cometidos erros de palmatória no seu desenvolvimento (em recente
publicação da Esfera do Livro, Rui Pedro Jorge aponta, pelo menos, dez erros à
Troika)
Os
números falam por si e não valerá a pena adiantarmos mais indicadores, pois
eles todos os dias vão-se alterando, com uma particularidade, sempre para pior!
O
momento actual não será, pois, de euforia, de tibiezas, antes deveria servir
para reflectirmos sobre o passado, o momento presente, que futuro queremos
construir para Portugal e como poderemos influenciar e participar na gestão da
coisa comunitária. Estamos, não restem quaisquer dúvidas, no momento-chave da
nossa história e que nos interpela a todos para solidariamente encontrarmos a
solução adequada para o futuro.
Poucas
alternativas nos restam, mas, a nível interno, a defesa intransigente do Estado
Social, a protecção do emprego público em sectores deficitários (educação e
saúde), a qualificação dos portugueses, o combate ao desemprego, o fim da
precariedade do emprego, a promoção do emprego, a alteração de paradigma da
estrutura económica ( reconverter recursos dos sectores não transaccionáveis
para os transaccionáveis), o acesso das empresas privadas ao crédito, a
instituição de um sistema fiscal mais justo e , a nível externo, a defesa dos
nossos interesses, especificidades, na UE, tais como pugnar pela alteração
estatutária do BCE, reestruturação da UEM, das Instituições Comunitárias, tudo
isto serão por certo aspectos determinantes e que condicionarão o nosso futuro.
Para
tal importará congregar esforços, interna e externamente, associando os Estados
Membros que sentem as mesmas preocupações, aos grupos e correntes de opinião
diversas, com o objectivo de consagrar um verdadeiro contrato social, assente,
no pensamento de Ulrich Beck, em mais liberdade, mais democracia, mais
segurança social, através de mais Europa e na definição de quem deveria exercer
o papel de fazer cumprir esse mesmo contrato. Só assim se poderá reconstruir
uma Europa dos cidadãos, com liberdade de circulação e pensamento, que enfatize
a igualdade, a solidariedade entre todos, corporizando e concluindo, afinal, a
cidadania europeia inacabada.
Tal
como diria Holderlin, “onde há perigo, também cresce a salvação”, ou, na
interpretação de Ulrich Beck, “onde há perigo, também crescem planos de resgate
– e, simultaneamente, as hipóteses de um forte movimento pró-europeu”
É
uma tarefa enorme, mas se continuarmos a adiá-la, a mostrar indiferença, se preferirmos
observar as árvores em vez da complexa e densa floresta, se optarmos por uma postura demagógica, se continuarmos
a alimentar as questiúnculas internas e as divergências políticas, então
estaremos a pôr em causa a qualidade da democracia, a nossa independência e
soberania.
Tal
como recentemente o economista Darvos referia, Portugal tem pela frente
desafios enormes que não estão reflectidos nas actuais baixas taxas de juro da
dívida pública.
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Manuel dos Santos
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