UM OLHAR (subjectivo) SOBRE FEMINISMO E DIÁSPORA
Longe e perto de 1910
1- O movimento feminista e republicano do começo de novecentos não teve um grande impacto nas comunidades do estrangeiro, nem mesmo globalmente nas colónias portuguesas - embora em algumas cidades ,como é o caso de Luanda ou de São Paulo, haja registo de actividades da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas ou da Associação de Propaganda Feminista (a Liga com estreitas relações partidárias, a
APF aberta a todos os credos e autenticamente sufragista, criada quando se tornou evidente o incumprimento pelo Partido Republicano das promessas de voto para as mulheres, em 1911. As conhecidas ligações da
APF ao Brasil devem-se à presença nesse país, entre 1911 e 1914, de Ana de Castro Osório, a grande impulsionadora e ideóloga da Associação, que, todavia,logo depois da sua constituição, rumou a São
Paulo, onde deixaria o seu nome na memória e na toponímia da cidade.
Mas a regra foi, naturalmente, a oposta… As singularidades daquele movimento, a sua matriz republicana, maçónica, revolucionária, anti-clerical, tornavam-no irrepetível na emigração. Não se poderia esperar uma
aproximação entre mulheres separadas não só pela distância, como pelas condições de luta cívica e política, numa época em que não existia tradição de diálogo com as instituições das comunidades - aliás, círculos masculinos t,anto ou mais fechados do que a sociedade local.
À absoluta exclusão do movimento associativo, responderam as mulheres com organizações próprias. A primeira terá sido uma sociedade fraternal na Califórnia, em fins do século XIX – a Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel, nascida no interior de uma igreja católica, logo seguida da União Portuguesa Protectora do Estado da Califórnia. Ambas cresceram espantosamente, desenvolvendo, a par da sua vocação mutualista, um papel cimeiro na comunidade portuguesa, sobretudo na área cultural e beneficente. Há registo de mútuas femininas oitocentistas em Portugal, mas sem atingirem a mesma grandiosa dimensão e longevidade...
No domínio social se centram outras grandes organizações da segunda metade do século, como a Sociedade Beneficente das Damas Portuguesas de Caracas, a Liga da Mulher da África do Sul ou, já no alvorecer do
século XXI, a Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina.
2 - À primeira vista, são mais evidentes as diferenças do que as sintonias
entre estas organizações que queremos comparar. Falta no nosso
associativismo da Diáspora uma forte reivindicação pública da
igualdade no dirigismo – o equivalente ao sufragismo de então....De
facto, a sua
expressão nos "fora" do “congressismo” vem sendo suscitada mais do
exterior do que de dentro das comunidades: o 1º Encontro Mundial de
Mulheres no Associativismo e no Jornalismo, foi convocado pelo
Governo, em 1985. Já neste século, os “Encontros para a Cidadania”
(2005-2009) e os congressos mundiais de 2011 e 2013 foram iniciativas
de ONG's, como a Mulher Migrante, com sede no País, em parceria com
a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas.
As conferências periódicas sobre “A vez e a voz da Mulher”, cuja principal
dinamizadora é Manuela Marujo, professora da Universidade de Toronto,
são uma das excepções que confirmam a regra..
Todavia, há também convergências no associativismo das mulheres
portuguesas em diferentes épocas e regiões do mundo.
Movem-se por um feminismo muito feminino ("feminismo" no preciso
sentido em que Ana de Castro Osório falava de "verdadeiro feminismo" -
um humanismo partilhado com o outro sexo, em companheirismo e
cumplicidade ). Um activismo que nasceu, frequentemente, dantes como
nos novos tempos, dentro da família, numa cooperação entre cônjuges,
mães e gerações - realidade que se adivinha nos apelidos comuns de
republicanos de ambos os sexos e que é bem visível no
associativismo da emigração – são as mulheres de dirigentes que, nos
bastidores, com eles colaboram, discretamente. E, quando elas decidem
militar nas suas próprias organizações, são eles, em muitos casos, os
seus primeiros apoiantes.
Mulheres desenquadradas do grupo familiar activo, também existem,
evidentemente, mas são, sobretudo professoras primárias, jornalistas,
escritoras… – tanto na República portuguesa de 1910 , como nessass
“pequenas repúblicas de homens”, que são os clubes e centros
comunitários no estrangeiro.
Proporcionar o ensino da língua, a vivência cultural portuguesa aos
mais jovens, são as prioridades que mais atraiem as mulheres à liderança
associativa, ainda hoje - a relembrar a luta pela educação e instrução
feminina, o máximo denominador comum, dentro do movimento
feminista e republicano, que a reivindicação do sufrágio dividiria
irremediavelmente.
De um século ao outro, e mesma mundivisão, a mesma crença de que a
mulher se emancipa pelo trabalho, ao lado do homem, e que quer
direitos de cidadania para melhor servir a comunidade e o País..
Sobra essa busca da paridade em harmonia, onde falta o afrontamento de
sexos. Até a APF, a mais sufragista de todas, se envolveu enormemente
na vertente humanitária e beneficente do associativismo. Foi assim . É
assim... Se mais resultados teria obtido uma postura mais radical é
coisa que não saberemos nunca...
Sem comentários:
Enviar um comentário