Maria Eduarda Fonseca
Na tertúlia, como é habitual acontecer, as conversas encadearam-se, cruzaram-se, dispersaram-se por muitos temas...Questões culturais ou sociais que preocupam as diásporas, alternaram com recordações do lugar onde estávamos - as instalações provisórias da Biblioteca Municipal, no antigo salão de festas da Piscina de Espinho - e com histórias da cidade.
Na gravação nem sempre se conseguiu captar os comentários, as intervenções, as respostas, o som de muitas vozes a falar, em simultâneo, em várias partes da sala, em grupos, que se formavam, espontaneamente, muito embora houvesse uma mesa central - com a anfitriã, Dr.ª Isabel de Sousa, a Profª Graça Guedes e a Dr.ª Manuela Aguiar. De facto, a maioria dos participantes nem sequer falava directamente para a câmara de vídeo e, por tudo isso, a transcrição que se fez dos diálogos é muito incompleta.
O meu trabalho foi o de fazer uma selecção dos extractos "intactos", eliminando aqueles que estão prejudicados por falhas de gravação.
Estando nós nas instalações da Bibloteca, era natural começarmos por falar em livros e leitura.
POR UMA REDE DE BIBLIOTECAS LUSÓFONAS
Isabel de Sousa
Agradeço o terem escolhido a Biblioteca para a realização da tertúlia e, ao mesmo tempo, quero dar os parabéns a Espinho por este Encontro.
Gostaria, também, de agradecer à Dr.ª Graça Guedes e à Dr.ª Manuela Aguiar o carinho que têm tido com a Biblioteca, connosco. Especialmente porque os bibliotecários são, na sua maioria, mulheres, com um grande carinho pela lusofonia...
Pensamos que o melhor para divulgar a língua portuguesa são, de facto, os livros e a leitura, embora nem toda a gente ache isso.
O decreto que saiu em Novembro não é muito esclarecedor, não fala em livros e bibliotecas para fomentar a língua portuguesa.
(...) Sobre a "rede de bibliotecas para: Divulgar e promover a língua e a cultura de todos os países lusófonos, fomentando a educação e a capacitação das populações dos países integrantes da CPLP nas novas oportunidades, reforçando a língua portuguesa e servindo para que todos nos conheçamos melhor. Os 21 anos da Rede Portuguesa de Bibliotecas Públicas e os 11 anos da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares são hoje um exemplo a nível internacional para que se possa estender o projecto a todos os países lusófonos, em estreita articulação coma as políticas culturais e as especificidades administrativas de cada país e de cada cultura.
OBJECTIVOS
- Estender a todos os países a Rede de Bibliotecas Públicas Portuguesas que, em 1994 foi premiado pelo International Book Comitee, na pessoa da Dr.ª Mª José Moura, (co)autora desse Projecto da RNBP ordenado e iniciado com a ex-secretária de Estado da Cultura, Dr.ª Teresa Patrício Gouveia que é hoje um projecto de grande sucesso em todos os municípios portugueses .
- Criar uma comissão de técnicos de Biblioteca/Informação, arquitectos e instituições que, conjuntamente, adaptem e elaborem um documento normativo para Serviços de Leitura Pública dos países lusófonos, no período de 1 ano
- Dado que a Biblioteca Pública é o centro local de informação, tornando acessíveis aos seus utilizadores/clientes o conhecimento e a informação de todos os géneros os seus serviços devem ser oferecidos com base na igualdade de acesso para todos, sem distinção da idade, raça, sexo, religião, nacionalidade, língua ou condição social
- Direccionar fundos financeiros de cada país lusófono para a implementação de um modelo de serviços públicos de acesso local ao conhecimento, à aprendizagem ao longo da vida, para uma tomada de decisão independente no desenvolvimento cultural do indivíduo e dos grupos sociais, interligando este projecto com o da Biblioteca Digital Lusófona
- Criar e fortalecer hábitos de leitura nas crianças desde a primeira infância para todos independentemente da condição social e económica de cada um
- Apoiar a educação individual e a auto formação, assim como, a educação formal a todos os níveis
- A liberdade de acesso à informação independentemente, do suporte e fronteiras, é uma responsabilidade Da Biblioteca pública e dos profissionais de informação
- O livre acesso à Internet, oferecido pelas bibliotecas públicas contribui para que as comunidades e os indivíduos atinjam a liberdade, a prosperidade e o desenvolvimento
- A criação de um documento normativo de todas as bibliotecas lusófonas que, em articulação com o projecto da Biblioteca Digital Lusófona, disponibilize ao mundo a cultura de todos os países lusófonos com pontos de acesso gratuito na REDE DE BIBLIOTECAS LUSÓFONAS.
Eu passava agora a palavra à Dr.ª Manuela Aguiar.
Maria Manuela Aguiar
Dr.ª Isabel, eu só queria dizer que em toda a minha vida não me lembro de ter feito um pedido a um serviço que fosse tão prontamente e tão simpaticamente respondido, como foi este que fizemos à biblioteca para organizar aqui a "tertúlia", neste ambiente esplêndido, com livros à volta, de um lado, e o mar do outro lado. Muito obrigado. Acho que foram absolutamente extraordinários, de uma simpatia enorme. Até o programa imprimiram, não houve nada que não fizessem muito bem. Realmente, como escrevi ali no livro de entrada, se em Portugal houvesse mais serviços e mais pessoas assim, que grande país Portugal se tornaria. Muito obrigada.
Isabel de Sousa
De nada! Em nome da minha equipa agradeço à Sr.ª Dr.ª as palavras. Foi há dois dias que nos pediram isto e foi respondido imediatamente. Estava a fazer uma palestra… fora de Espinho e a Dr.ª Andreia fez a ligação e cinco minutos depois estava a dizer que sim.
Palmas
Vozes: Se todos fossem iguais a você! É isso aí, se todos fossem iguais a você Eu não sei eu acho que este tema é um tema…
ESPINHO, COMO COMUNIDADE
Graça Guedes
A simpatia do Dr. Durval Marques! Tinha nada mais nada menos que uma comemoração de uma viagem que fez com o Orfeão Académico do Porto, não é? Uma viagem a Moçambique, há 50 anos. Trocou tudo isso pela nossa companhia. Muito obrigado…
Bem, eu estou aqui a fazer pandam com a Dr.ª Manuela e com a Dr.ª Isabel ao meio, mas ela faz questão, porque sou Presidente da Assembleia Municipal …
Maria Manuela Aguiar
É a Primeira-dama de Espinho!
Graça Guedes
Escrevi isto no livro: este espaço foi a minha piscina (...) e também dancei aqui.
Este espaço foi feito nos finais dos anos 40 … Os meus pais eram accionistas e eu comecei a nadar aos três anos na piscina. Aqui passei a minha infância, a minha juventude. Vinha para cá, quando abria no dia 15 de Junho, fizesse sol ou chuva …eu cheguei a vir de galochas, guarda-chuva e impermeável, abrir a piscina e até ao dia em que fechava, a 30 de Setembro. Todos os dias. Esta sala tinha aquelas luzes, havia uma cremalheira que dava sol… Eram os bailes… Já de manhã falei um pouco disso, muito rapidamente. É um sítio, para mim, de saudades, recordações, de alegrias, de frustrações.
Não… não foi aqui que eu conheci o Pires da Rocha, não...
Não, não de frustrações um pouco mais tarde, quando isto deixou de ser assim (...)
Uma coisa que os meus pais me ensinaram, foi a solidariedade. A minha mãe fazia parte de um grupo de madrinhas do Hospital. E o Hospital de Espinho fez-se porque esse grupo se juntava todas as 5ªs feiras em tertúlias, faziam lençóis, faziam isto, faziam aquilo, faziam aqui os bailes em que havia angariação de fundos para se construir o Hospital. E foi assim ao longo de 10 anos. Este palco também foi para esses passos de solidariedade.Entretanto, a piscina foi restaurada e manteve a traça original, tal e qual, e, transitoriamente, é aqui a biblioteca…
Vocês, e desculpem tratar-vos por "vocês", minhas amigas e meus amigos, hão-de verificar, e agora estou a falar como Presidente da Assembleia Municipal, responsável pela terra, tenho que fazer um bocadinho de propaganda à Biblioteca Municipal, cujo desenho é de um arquitecto espinhense, que ela está a ser construída em frente ao Multimeios, entre a Multimeios e a Câmara... (...)
Eu tenho de vos dizer, esta Dr.ª Isabel é um espanto, já o seu pai era um espanto, era um artista – dono dos Móveis Sousa. Já acabou, mas realmente era o melhor que havia em marcenaria de arte, cópias de modelos antigo... (...) Não quero aqui criticar ninguém mas é só uma constatação. A Biblioteca estava adiada porque o projecto ia para quem devia ir. Até começar a ser construída estávamos numas instalações para onde passou a Universidade (...)
Graça Guedes
.Quando a Dr.ª Isabel chegou à Direcção da Biblioteca foi a revolução total, julgo que para ai num mês… não foi? Vieram para aqui e estão aqui nestas condições transitórias, mas super eficazes. Por isso, eu, como espinhense, gostaria também de expressar a minha estima, a minha admiração e as minhas felicitações. Tal como a Dr.ª Manuela disse, lembrámo-nos: e se pedíssemos à Biblioteca? E imediatamente as funcionárias apareceram, como caídas do céu…. E imediatamente dois e dois, quatro. Tudo pronto! … O meu reconhecimento e também o meu orgulho, como espinhense, nascida… A Dr.ª Manuela é de Gondomar, eu nasci cá.
Bom, mas posto isto, estamos aqui para a tertúlia...
Maria Manuela Aguiar
Querias dizer que eu sou da terra onde agora está o Valentim... Ele não é, mas eu, realmente, sou de lá! De uma família que tem séculos, em Gondomar.
Graça Guedes
Não, não! No fundo, era para ver se se animavam para falar porque se não... daqui a bocado, ele vai cantar
Vozes
Maria Manuela Aguiar
Temos aqui inscrito o pontapé de saída do Dr. Durval Marques. Vamos ouvir falar de uma tertúlia, que começou como tertúlia e acabou num dos maiores movimentos associativos, que há, hoje, no mundo português hoje.
UM MOVIMENTO SOLIDÁRIO
As Academias do Bacalhau
Durval Marques
A ideia se criar a primeira Academia do Bacalhau surgiu num jantar oferecido ao jornalista de "O Primeiro de Janeiro" do Porto, Manuel Dias, que na altura estava de visita à África do Sul e que teve lugar no "Hotel Moulin Rouge", em Hillbrow - Joanesburgo, em Março de 1968. Estiveram presentes nesse jantar, além daquele jornalista, o Eng.º José Ataíde (já falecido e que ao tempo era Administrador-Delegado da Sonarep - África do Sul), Ivo Cordeiro (recentemente falecido e que foi Delegado do ICEP, na África do Sul), Rui Pericão e Durval Marques. Depois desse jantar, realizaram-se algumas reuniões entre os quatro, para se estabelecer alguns princípios e se pôr a ideia em marcha e, no dia 10 de Junho desse mesmo ano (1968), realizou-se então um grande jantar no Restaurante Chave d'Ouro, em que se comemorou, e pela primeira vez em Joanesburgo, o Dia de Portugal e se inaugurou também a Academia do Bacalhau de Joanesburgo, a que hoje se chama de Academia Mãe.
Foi seu primeiro presidente o Eng.º José Ataíde, que era a pessoa mais idosa daquele grupo de quatro e que costumava referir-se ao facto de ter sido escolhido como presidente com as seguintes palavras: "Na Academia somos todos iguais, pelo que todos são presidentes, mas como alguém tem que dirigir os almoços e tocar o badalo, é só nessa acepção que me considero presidente."
E por falar em badalo, instrumento que se entendeu dever ser usado para impor alguma ordem nos almoços, ele foi feito, e oferecido à Academia, pela Bronzarte, de que eram sócios os saudosos compadres Paulo dos Santos, Latino Carocho e Guy Ferraz. Foi também a Bronzarte que ofereceu os badalos às outras Academias que entretanto se foram criando e, se não favoreceu todas elas, foi porque essa firma acabou por encerrar a sua actividade.
O "Gavião de Penacho" foi importado do "Orfeão Universitário do Porto", organismo de que fiz parte durante 5 anos da sua vida académica, e que era cantado pelos estudantes quando, em grupo, davam azo à sua alegria, à sua boa disposição e até a uma certa dose de alguma salutar irreverência.
É de salientar que, quando o "Orfeão Universitário do Porto", em 1969, fez a sua primeira digressão pela África do Sul, a convite da Academia, os estudantes sentiram-se como que em casa, quando cantavam com os compadres locais o seu "Gavião de Penacho".
Os almoços começaram por ter lugar às sextas-feiras, porque, sendo a maior parte dos portugueses católicos, esse dia era considerado como de jejum, dia em que se não devia portanto comer carne. Depois de alguns anos, mudaram-se os almoços para as quintas-feiras, por ser o dia mais conveniente para a maioria dos compadres, por a sexta-feira ser o melhor dia para os seus negócios. Escolheu-se o bacalhau como prato dos almoços, porque se pretendia estreitar e consolidar uma verdadeira e sã amizade entre todos e o bacalhau, conhecido como "fiel amigo", representava o símbolo dessa amizade. Além do bacalhau, o vinho era português, o azeite também e até o pão (papo-seco) era confeccionado por padaria portuguesa.
O nome “Academia” queria significar mais uma Tertúlia, que congregava pessoas ligadas por uma sólida amizade e que pretendiam valorizar-se e obter o merecido reconhecimento no país de acolhimento, e não qualquer conexão com habilitações académicas, que os seus membros pudessem ou não possuir. De resto, como na Academia os títulos, as posições sociais e de negócios não tinham cabimento nas salas das nossas reuniões, uma tal ligação com habilitações escolares estaria totalmente fora de qualquer contexto. Decidiu-se pelo tratamento de Compadre, porque era esse o nome que se usava dar ao melhor amigo que se escolhia para ser padrinho dos nossos filhos e, na Academia, o denominador comum de união entre todos era exactamente a amizade. Segundo os "Princípios e Objectivos das Academias", que foram feitos para a Academia Mãe e que acabaram por ser adoptados por todas as outras Tertúlias que sucessivamente se foram criando, a definição de Academia do Bacalhau é a seguinte:
"Tertúlia de amigos, que se reúnem sem finalidades políticas, religiosas ou de negócios."
E, entre os seus Objectivos, para além dos que referem ao encorajamento e desenvolvimento de laços de amizade entre os seus membros, independentemente da posição social e grau de cultura de cada um e ainda ao da difusão da sua cultura e valores tradicionais, há um princípio que constitui como que a essência, a razão de ser das Academias, e que é o de: "fomentar, encorajar e desenvolver a assistência moral e material junto dos nossos semelhantes necessitados".
Na Academia Mãe sempre se prestou assistência, começando-se logo nos seus primeiros tempos de existência, e o dinheiro, quando necessário, aparecia em cima da mesa dos almoços ou jantares, contribuindo cada um com o que quisesse e pudesse.
Entretanto, já com outras Academias a funcionar, começaram a surgir imensos casos a necessitar de assistência, principalmente de compatriotas provenientes de Moçambique e, um pouco mais tarde, de Angola, o que originou a que, no IV Congresso das Academias do Bacalhau, realizado na Suazilândia, de 8 a 10 de Novembro de 1974, fosse tomada a decisão de se criar a Sociedade Portuguesa de Beneficência da África do Sul, que começou a funcionar em 1975, embora só fosse oficialmente registada em 13/03/79.
A sua primeira sede ficou instalada mesmo ao lado do Restaurante Chave d'Ouro, onde se reunia a Academia Mãe, e localizava-se no 1.º Andar do Camperdown Building nº. 99, na esquina da Pol1y & Kerk Streets, em Joanesburgo. A Sociedade está agora a funcionar, em amplas instalações próprias, em: 219 - 3rd Street, Albertskroon, Joanesburgo 2195 - África do Sul, onde se situa também o Lar de Santa Isabel, que constitui uma admirável obra de acolhimento para os portugueses da terceira idade e que é considerado um dos melhores lares de idosos do país. Daqui nasceu o movimento das Academias do Bacalhau, que é hoje constituído por 50 Tertúlias espalhadas pelos quatro cantos do mundo e todas elas ligadas pelos mesmos princípios de: amizade e solidariedade. Todas elas apoiam uma ou mais obras de beneficência.
Em Maputo, por exemplo, apoiam a Casa do Gaiato, tendo ajudado a construir o edifício das oficinas e também a capela; em Luanda, dão ajuda a um lar da terceira idade e a uma instituição dos meninos da rua; em Caracas, construíram uma casa para idosos, onde se gastaram cerca de 5 milhões de dólares; em Joanesburgo criou-se um lar para a terceira idade “Lar de Santa Isabel”, que é uma das melhores instituições para idosos da África do Sul, etc., etc.
Realizam-se todos os anos Congressos das Academias do Bacalhau, em sistema rotativo e por ordem de antiguidade das Tertúlias, o último dos quais (o XXXVII) teve lugar em Toronto, em Outubro do ano passado. O deste ano de 2009 (o XXXVIII), efectua-se em Outubro, em Pietermaritzburg, capital de Kwazulu-Natal, na África do Sul e o de 2010 (o XXXIX), em Paris.
Quando há 41 anos se criou a primeira Academia (a Academia-Mãe), em Joanesburgo, os almoços eram quase exclusivos para homens, porque estes trabalhavam na cidade e era muito difícil, por razão das distâncias, que a eles se pudessem juntar as suas mulheres e também outras senhoras. Estas, no entanto, estavam sempre presentes aos jantares, que tinham quase sempre uma ou outra atracção (conjuntos para dança, cantores, fadistas e outros) e que os prolongavam até às primeiras horas da madrugada.
Entretanto, durante este curto período, abriram-se umas poucas excepções nos convívios dos almoços, onde estiveram presentes algumas distintas e queridas senhoras, a quem foram entregues Diplomas de Comadres, das quais se destacam: Amália Rodrigues (foi a primeira Senhora a receber um Diploma da Academia do Bacalhau), Dr.ª Manuela Aguiar e Dr.ª Vera Lagoa.
Hoje, 41 anos depois da fundação deste movimento de Amizade e Bem-Fazer, as Academias do Bacalhau espalhadas pelo mundo constituem possivelmente a organização mais importante da Diáspora, estão abertas a receber, em pé de igualdade Comadres e Compadres e têm já três Senhoras a ocupar o lugar de Presidente das respectivas Academias, como são os casos das Tertúlias de Toronto, Nova Inglaterra e Brasília.
Maria Manuela Aguiar
Eu vou acrescentar uma coisa. Quando a Academia era formada pelos homens, as "comadres" que compareciam nos convívios, como mulheres dos "compadres". Mas, as que, já nessa altura tinha o diploma de membro honorário da Academia do Bacalhau, eram compadres ou comadres?
Voz
Sei, sei, eu percebo... Então eram compadres ou comadres?
Maria Manuela Aguiar
Havia a dúvida. Não sendo casada com nenhum compadre não poderiam ser comadres, mas compadres honorários. O que acham? … A Rainha de Inglaterra… não vamos comparar, mas...
(risos)
Vozes
Why not?
Maria Manuela Aguiar
A Rainha de Inglaterra é, por exemplo, Queen, Duchess, … Tem dezenas de títulos, no feminino, e um, por tradição, no masculino. "Count" ou "Baron", não me lembro e, para efeito de argumento, o título, em concreto, não interessa...
Durval Marques
Posso esclarecer?
Maria Manuela Aguiar
Com certeza! Estamos aqui a debater um ponto importante, a gramática do "género", a discriminação da gramática...
Durval Marques
Inicialmente, como disse, as Academias eram só para homens.
A primeira excepção foi Amália Rodrigues. Foi nomeada como nossa Sócia, como comadre da Academia. O cidadão, compadre, a cidadã, comadre…
Maria Manuela Aguiar
Mas eu não me importava: se a Rainha me quisesse fazer duque de qualquer coisa em vez de duquesa… Olhem que é verdade: a Rainha de Inglaterra tem um título qualquer no masculino!
Voz
Eles iam a restaurantes cinco estrelas...homens de negócios da África do Sul!
Maria Manuela Aguiar
Eu sempre fui uma grande apoiante da Academia do Bacalhau, porque acho excelente que, em volta de uma mesa, não se faça somente conversa.
O Dr. Durval entrou em alguns pormenores, um ritual é muito interessante… Ele, que é formado pela Universidade do Porto, transportou para a Academia do Bacalhau algumas das respectivas praxes!
O Presidente com o tal referido badalo, impõe ali o cumprimento de regras rígidas, cuja infracção dá multa pesada...
Eles não podem falar de religião, eles não podem falar de política... há uma série de restrições, feitas para arrecadar dinheiro... falam, pagam logo uma multa! E, se ninguém se enganar, inventam alguma coisa… para porem dinheiro em cima da mesa, para fins de beneficência!... Acho genial esta ideia.
Sempre compreendi que fossem 100% homens... Também há associações 100% femininas! Fazia sentido um almoço de homens de negócios, porque não havia mulheres nesse sector... Hoje, já vai havendo... mas as mulheres entraram, apesar de tudo, mais na política e muito pouco nos negócios, devo dizer. Bom, vão entrando, à medida que as coisas mudam… A Academia adaptou-se aos tempos. Hoje as mulheres estão lá em pé de igualdade. No Porto, por exemplo, a Academia tem muitas senhoras.
Voz
O que é preciso para se ser sócio?
Durval Marques
Ser convidado por um compadre ou comadre…
Maria Manuela Aguiar
Está convidada, Dr.ª!
Voz
bola preta… é bola preta
Maria Manuela Aguiar
Bola preta? Mas a Dr.ª não apanha bola preta...
Voz – Ó Durval, vamos lá a saber uma coisa. Na Academia do Bacalhau um casal pode estar duplamente inscrito ou só um é que pode estar inscrito?
Durval Marques
Podem os dois...
Manuela da Rosa
Quando começou a Academia do Bacalhau, o meu marido é que estava à frente...
.Durval Marques
Claro!
A LIGA DA MULHER DA ÁFRICA DO SUL
Manuela da Rosa
E nessa altura começavam-se a fazer os jantares e a convidar as comadres, as esposas, que também iam.
Um dia, e eu disse: vou convidar as senhoras que estiverem no jantar do bacalhau, se quiserem juntar-se todas e fazer uma organização de mulheres… Era a 1ª vez que se ia fazer, com estatutos e com tudo, queríamos a coisa realmente formalizada, como deve ser.
(...) convidei as senhoras, as que estavam interessadas nessa organização com fins culturais, etc. Também íamos para os hospitais ajudar as pessoas, traduzir para português isto e aquilo, mas o nosso fim especial não foi propriamente caridade, embora nós, mulheres, saibamos que a beneficência é uma coisa necessária… mas o nosso fim era outro…
Vou dar um testemunho, que é verdadeiro. Trabalhei muitos anos na escola da Associação, quase 40 anos … E o que eu notava nos clubes, é que as pessoas tinham vindo da aldeia, … pessoas inocentes, boas, trabalhavam em todo o lado, mas o tema das conversas, o tema das conversas era muito rudimentar. Os comentários que faziam eram sobre quererem um vestido de noite, ou sobre aquela que trazia não sei que sapatos... E eu ficava triste. Convidavam-me – eu ia para o jantar das associações e pensava assim: realmente, porque não havemos de dar mais um pedacinho de elevação às conversas das senhoras? Temos de lhes dar outros conhecimentos… Eram donas de casa, eram exímias donas de casa, que tinham muito jeito para culinária e outras coisas boas.
Começámos a fazer competições, a ver qual é que fazia, sei lá… um prato mais interessante, para também podermos defender as nossas coisas, os nossos doces tradicionais, os nossos sabores. E começámos a faze-lo, para pessoas desse nível, ficavam muito felizes porque sabiam, faziam realmente doces extraordinários. Arranjaram-se prémios para dar, com júri.
Houve pessoas que escreveram livros…
E, às vezes, convidávamos médicas. Temos, pelo menos, duas ou três médicas que estiveram connosco. Falaram sobre o cancro da mama, e tantos problemas sobre os quais as mulheres precisam de ser esclarecidas... sobre a saúde…
Programas interessantes! As donas de casa vinham e outras, profissionais, engenheiras, aprender coisas tão variadas. Até sobre os astros: havia uma pequena formada em astronomia, em matéria planetária... preparava aquilo de uma maneira realmente extraordinária, com slides muitas vezes (...)
Tenho aqui ao meu lado a Lígia, que é a Presidente da Liga.
Maria Manuela Aguiar
Temos aqui estas duas senhoras que, uma e outra, pertenceram ao Conselho das Comunidades Portuguesas, órgão de elite, onde as mulheres eram raras.
Uma vez, há 4 ou 5 anos, estava eu na Namíbia e comecei a ouvir uma frases estranhíssimas. Só falavam dos Talibãs. Talibãs, entre portugueses? Fiquei completamente perdida no meio daquela conversa. Depois é que me explicaram que os Talibãs eram, naquela linguagem cifrada, os membros do Conselho das Comunidades a nível local, todos homens. Do outro lado, quase só mulheres a tentarem organizar-se.
O CCP, ainda hoje, não tem muitas mulheres, apesar de já ter beneficiado do regime de quotas, mas então era pior...
A partir daí, eu própria, que, como sabem, não me preocupo demais com as consequências do que digo, num Colóquio da Associação "Mulher Migrante", que a Rita estava presidindo, falei do Conselho das Comunidades como um órgão ainda bastante misógeno, de "Talibãs", e a frase veio nos jornais. Foi uma chamada de atenção, tal como acontecera na Namíbia, e com mais efeito mediático. As coisas são para se dizer… E isto tem a sua força: "os Talibãs!" Como mensagem de que é preciso mudar.
Sobre o sistema de quotas no CCP escrevi um artigo - posso disponibiliza-lo, se quiserem - em que procurei fazer as contas aos ganhos reais, separando os casos das mulheres que eram cabeça de lista , e que, à partida, tinham a eleição garantida, e, portanto, não precisavam de quotas para entrar - é o caso destas duas senhoras da RAS, aqui presentes, e de muito poucas mais... - e daquelas que ficavam em 2º ou 3º lugar, que, realmente, podem ter sido agora ajudadas pelas quotas.
Fiz as contas, assim, e algum ganho se verificou, mas não é um ganho extraordinário. Como foi a primeira eleição feita pelo com imposição de quotas pode dar uma ideia do que virá a ser a sua aplicação … nas autárquicas e noutras eleições.
UM PROJECTO LUSÓFONO
António Pacheco
A propósito da lusofonia… e também da língua portuguesa. Em 1989, fui trabalhar com refugiados Moçambicanos do lado Sul-africano da fronteira. Havia para cima de 50.000 refugiados …. Elas… eles vinham de várias partes do país mas, de facto, contactámos através da língua portuguesa. O projecto começou (...) com a questão de um professor de português e fomos à Embaixada, ao consulado… "Os professores de português são para os portugueses" - não podiam ser dispensados para ir fazer esse tipo de trabalho. Depois pensámos…. Porque não fazer uma revista em português só para refugiados, utilizando a língua … e utilizando o inglês?
Mas precisávamos, obviamente, de financiamento. Eu hoje não sei se foi a Academia do Bacalhau, se não (que ajudou...). Nós precisávamos entre os refugiados de distribuir uma publicação na língua portuguesa e posso dizer que era vista como um acto de paixão… eles agarravam nas revistas! … A Manuela estava lá nessa altura...
Maria Manuela Aguiar
Fiquei muito impressionada. Lembro-me que estávamos debaixo de uma árvore enorme, sentados em hemiciclo, e um jovem Moçambicano, não me lembro bem do nome, Pedro, não era? Dizia ele que também para um Moçambicano a língua era um factor identitário… Comovente a forma como eles falavam da nossa língua comum, com paixão, sim, com paixão. A alemães ou italianos, pediam outras coisas, farinha ou arroz, ou materiais de construção... De nós só queriam o ensino do português. Para mim esse apego tão forte foi uma surpresa! Uma aprendizagem...
António Pacheco
As refugiadas, na África do Sul, para poderem sobreviver tinham que esconder que eram Moçambicanas, portanto o português para elas era uma coisa fantástica … Fui ter com ele, vestido quase como missionário...
Maria Manuela Aguiar
Com este ar de missionário que ele ainda hoje tem!...
António Pacheco
Cheguei lá e disse: nós queremos fazer uma revista com estas características e com este fim, que ajudar, de facto, os refugiados a continuarem ligados ao seu país, a continuarem ligados à língua,... E por aí fora. Durante 2 anos a revista foi subsidiada… Capas bonitas, fotografias...
Voz – Como é que se chamava?
António Pacheco
(...) queria dizer o princípio. Nós fomos à Bíblia... ao começo, ao início.
Durante dois anos, nunca mais vi o Durval mas, durante esses dois anos, o dinheiro esteve lá sempre, certo, para a revista. E foi o elo primeiro entre a comunidade portuguesa na África do Sul - havia outros obviamente, não quero ser injusto - e os Moçambicanos, que estavam ali . Todos irmanados numa coisa que era a língua portuguesa.
Era este depoimento que eu queria deixar aqui. Eu acho que hoje há alguma dúvida em relação ao facto de a língua portuguesa ser realmente o elo de ligação. Mas, quando deixar de haver a língua portuguesa para unir as pessoas que estão fora, os emigrantes, os portugueses da diáspora, nós deixamos de ter o poder que temos hoje, deixamos de existir
Voz – É igual ao albanês!
Maria Manuela Aguiar
Exactamente! Portugal, sozinho, é a Albânia do ocidente...
Voz – É isso!
Maria Manuela Aguiar
Os portugueses ainda não se aperceberam disso … é fundamental o Brasil e a África
Vozes - Brasil...
Maria Manuela Aguiar
Sim, é claro, mas a África lusófona também tem milhões e vão crescendo, em grandes países de futuro... (...)
A partir de agora, é capaz de não ser má ideia, quem quiser fazer um "statement" - ai, desculpem ! Devo falar apenas em português, esta língua maravilhosa, mas o inglês saiu-me porque ia propor que fosse falar, um a um, ou uma a uma, como se estivessem numa espécie de "Hyde Park Corner".
Voz – Exactamente, em cima da cadeira ou em cima de um caixote...
Maria Manuela Aguiar
Sim, mas não é preciso subir, basta tomar a palavra...
NO ESTRANGEIRO, FALAR PORTUGUÊS EM FAMÍLIA
Participantes não identificados: "... Muitas pessoas, que vão para o estrangeiro… mandam os filhos para a escola portuguesa mas dentro de casa fala-se inglês "...." ainda quando é inglês, ainda vá, mas quando é inglês com português"…
"Na França é a mesma coisa. Em todo o lado"…" muitas vezes necessário explicar aos pais, que é uma coisa que eles não entendem … às mães sobretudo...
Maria Manuela Aguiar
... Mas sabe porque é que fazem isso, Manuela? É porque as mães entendem que para os filhos serem cidadãos iguais aos outros, no país onde estão, têm sobretudo que falar a língua do país e não o português. Não estou a dizer que esteja certa ou errado...
Voz – É assim, é...
Maria Manuela Aguiar
Concordo… o que eu estou a explicar é o que as pessoas pensam.
Vêm de um meio rural, não sabem a outra língua, valorizam muito quem saiba. Querem que os filhos saibam falar a língua do país e dizem que é a mais importante para eles…
Nós o que temos de explicar às pessoas é que aprender uma língua não impede, antes facilita, a aprendizagem da outra...
E não só aos portugueses...
Por exemplo, na América há, de vez em quando, vagas, como que "Macartistas", contra o que é estrangeiro, não americano, e, neste sentido, houve, há alguns anos, um surto desses contra o ensino das línguas estrangeiras, como se afectassem a qualidade do inglês, não foi?
Isto a nível da política de ensino de um país ou Estado é completamente ridículo! A este nível não se pode ignorar que, quanto mais línguas a pessoa sabe, mais facilidade tem de aprender outras línguas e de as falar todas bem. No Conselho da Europa tive um colega que dominava cerca de 20 línguas...
É como, noutro domínio, por exemplo, defender que os imigrantes devem participar politicamente só no país de residência ou no de origem. Em boa verdade, se os cidadãos estiverem despertos para as realidades da política, querem participar nos dois países, seguem a vida política dos dois países. E, se não tiverem interesse nenhum na política, não acompanham nem uma nem outra. Isto é que é a verdade, não é? E com as línguas a mesma coisa pode acontecer. Mas explicar isto a quem não têm, digamos, a nossa mentalidade, a nossa visão das coisas da cultura, não é fácil. Mas não é caso para desistir.
Maria Amélia Paiva
... Esta realidade é uma realidade que se vive no Canadá e em todas as Comunidades, e, como dizia a Dr.ª Manuela Aguiar, há este preconceito em relação à aprendizagem (...) para que os miúdos melhor se integrem na sociedade onde estão inseridos, na língua do país onde estão. Mas, além disso, há também a necessidade dos pais de menores habilitações literárias aprenderem com os filhos a língua do país onde vivem, e isso é uma realidade que marca muito a vida familiar. Os pais melhoram o seu inglês, o seu francês, o seu alemão, e por aí fora, falando em casa com os filhos. Os filhos trazem da escola a aprendizagem e os pais melhoram o seu domínio dessa língua... e por isso temos que os entender.
Vozes - Não posso estar mais de acordo consigo!
Maria Amélia Paiva
… O estudo de uma jovem universitária que fez uma tese sobre isso... os miúdos são, muitas vezes, utilizados na ida ao hospital, na ida à polícia … é, portanto, natural que uma comunidade que está a integrar-se, a passar todos esses obstáculos, tenha várias estratégias.
... No Canadá, por exemplo, há a possibilidade, e sempre houve, e continua a haver, da aprendizagem de língua estrangeira, o próprio governo canadiano a disponibiliza aos imigrantes. Mas as pessoas têm outras prioridades, a prioridade de ganharem dinheiro … a língua é sempre a última coisa …
As comunidades portuguesas, como muitas outras, tendem a viver juntas, tendem a trabalhar em empresas de portugueses e tendem, muitas vezes, a fazerem toda a sua vida em português.
Voz – Eu sei...
Maria Amélia Paiva
E por isso, às vezes, até para combater isso, eles têm nos miúdos, nos filhos, nos netos, etc., esse interlocutor privilegiado.
Eu defendo completamente, em quase todas as minhas intervenções, a aprendizagem da língua, o papel dos pais e dos avós …. Quanto a falarem em casa em português, não posso estar mais de acordo, mas percebo quais são as circunstâncias que o dificulta.
Voz – eu entendo, eu também estive como imigrante … mas uma coisa é certa, é que essa criança vem do estrangeiro para Portugal e é um estranho!
Maria Amélia Paiva
É preciso perceber uma outra coisa, as segundas e as terceiras gerações não são portuguesas como nós, como os nossos avós e é preciso perceber essa realidade.
Deixe-me só terminar, eu digo isto por várias razões, porque, muitas vezes, as próprias primeiras gerações discriminam as segundas e as terceiras - eu vou ser um bocadinho dura - quando criticam o português daquele jovem, esquecendo-se que, por vezes, também o inglês deles, o francês ou o inglês deles, é o que é, não é perfeito.
O importante é que as pessoas comuniquem, o importante é que eles venham para os clubes e associações.
Quando se queixam: " Sr.ª. Cônsul, os jovens não aparecem, os jovens não querem vir", (respondo) "já lhes deram espaço, já lhes deram responsabilidade, se eles quiserem falar inglês?". O português para eles é a 2ª língua e, nalguns casos, é a 3ª. É preciso ter alguma flexibilidade. Nós temos que os conquistar!
MACAU
António Bondoso
(...) Já que se falou um pouco de Lisboa e da questão da língua… queria só chamar a atenção para um pequeno pormenor. Recebi há dias um mail, que posso disponibilizar para quem quiser, com todo o gosto, uma comunicação de uns amigos de Macau onde está em perigo a livraria. E gostaria que este assunto, porque a Diáspora tem muita força.... (fosse tratado...).Seria óptimo que pudessem passar a palavra durante o vosso encontro, durante o dia de amanhã e depois, enfim, espalhá-la, porque há uma petição a correr … já vai quase em 3700 assinaturas. (…) A livraria - é uma questão muito estranha: é do IPOR, é do MNE, é do MEC, é de muitos e não é de nenhum. E é um grande negócio que se está a tentar gerar ali, através da Fundação Oriente, porque a Livraria Portuguesa é um espaço nobre na cidade de Macau. E, enfim, eu não sei avaliar, hoje, quanto é que valerá aquele espaço, mas vale muito certamente e, por isso, a Fundação quererá alienar o espaço, eventualmente, para bibliotecas particulares. Mas é uma pena porque, para além do sentimento, foram ali apresentados tantos livros, não só em língua portuguesa mas em língua chinesa, inglesa … num espaço tão nobre e era uma pena perder-se... Muito obrigado. Obrigado a todos.
GOA
Graça Guedes
...Eu só queria dar uma achega em termos de paradigma: a Sr.ª Cônsul falou no Instituto Camões. A propósito, direi que, às vezes, os investimentos que o Estado faz que não dão frutos. Eu vou contar uma história que se passou comigo. Fui bolseira da Fundação Oriente e estive um mês em Goa. Fiquei alojada na casa da Fundação Oriente e, no dia seguinte, o Presidente muito simpaticamente convidou-me para jantar. E dizia: "vou aproveitar, pois está aí a Sr.ª do Instituto Camões e assim, dois em um, o jantar é para as duas".
Era no Marriott. Bom, era no Marriot, e eu fui vestir-me assim, melhorzinho, para ir jantar ao Marriot. Ele foi buscar-me à Fundação e deixou-me no hotel, dizendo: "Venho já, vou agora buscar a outra Senhora".
Ele estava com a mulher e o filho e, portanto, não cabíamos todos no carro.
E esperamos, esperamos, esperamos e eu pensei: a Sr.ª mora a 10 km do Marriot. Até que finalmente chega a Sr.ª, de havaianas, com uma saia compridona estilo indiano, um top... Nem boa tarde, nem bom dia, nem boa noite, nem a mim nem à mulher do Presidente da Fundação, que era mais ou menos da idade dela.
Descemos para jantar. Era serviço volante e, claro, o Sr. Presidente começou: "bem vindas", etc. e tal… E ela: "eu estou cheia de fome". Levantou-se e foi servir-se. Enquanto ele escolheu os vinhos ela já tinha vindo e estava com o prato, a comer. Depois, fomo-nos servir e quando nós lá estávamos, ela já estava a ir buscar outro prato. E, a certa altura, da pouca conversa que fez, disse: "ai o Marriot! Eu venho para aqui todos os dias de manhã, estou aqui praticamente o dia no SPA..."…
Eu só lhe fiz esta pergunta: "você não está aqui para o ensino da língua portuguesa?".
Ah, e depois, quando acabou o jantar, o Sr. Presidente levou-nos ao Hotel e, afinal, ela morava do outro lado da rua.
O azar daquela Goa, que tem uma pessoa da Fundação, do Instituto Camões, que está a representar Portugal e é responsável pelo ensino da língua portuguesa e está a fazer pouco de nós. Eu tive vergonha!
Vozes – infelizmente isso não é caso único...
A VERTENTE ECONÓMICA DA LÍNGUA
Voz não identificada
Há outra vertente que eu gostaria de abordar. Que foi iniciada esta tarde mas, obviamente, não havia tempo. Como diz a Dr.ª Manuela Aguiar, agora é que é a altura.
É uma vertente muito importante e que eu menciono sempre, a acho que os jovens são muito sensíveis a ela e temos que ser pragmáticos, porque doutra forma não vamos lá. É assim que os nossos concorrentes vão para o terreno. É a vertente económica! Hoje, à tarde, a Profª Isabel Oliveira, que está em França, mencionava isso e mencionava bem: a opção dela por ir para as línguas aplicadas.
Nós temos de nos deixar de pensar apenas que a língua só é importante porque o Camões foi um fantástico poeta e o Fernando Pessoa também. Às vezes, as pessoas ficam-se por aí e esquecem-se que há muitas outras oportunidades. Oportunidades de negócios, de emprego para os nossos jovens, que sabem falar inglês, que sabem falar francês e que sabem falar português. Isto é um currículo que muitas empresas procuram e muitos jovens portugueses, da diáspora portuguesa começam a perceber isso, cada vez mais. Portanto, é importante ter esta versão economicista, sim, mas sem ela não vivemos...
(Risos)
Voz: todas as vias são boas para chegar à língua e para a defender
Maria Manuela Aguiar
A Doutora Ana Paula também quer falar…
Há empresas canadianas que estão à procura de falantes portugueses. Quem quer falar, levanta-se e fala.
Voz
Essa questão é importantíssima e eu chamei à atenção para ela …
É impressionante vermos, nos programas comunitários, a quantidade de jovens luso descendentes... quando nós vamos a ver são jovens luso descendentes, que vêm da França, que vêm da Suíça, que vêm do Brasil. Os jovens já começaram a descobrir essa potencialidade... é uma competência que hoje as empresas valorizam. Saber português na África do Sul é muito importante
Voz: Agora pode falar
Isabel de Sousa
... o diálogo está a ser interessante, e interessava- me e por isso é que estava à espera.
Antes de passar a palavra, aqui à Dra., queria dizer que temos ali para ofertas as actas do 1º encontro dos escritores da lusofonia que se fizeram cá em Espinho... contos... uma biografia de escritores que a DGLB o Instituto do livro nos cedeu, para oferecermos neste Encontro. Está ali na mesa de entrada. Podem pegar para levar.
Muito obrigada .
O RECITAL DA DR-ª ELSA NORONHA
Sou Elsa de Noronha, e sou filha do considerado 1º poeta Moçambicano de língua portuguesa. Rui de Noronha.
Rui de Noronha em 1929 - ele nasceu em 1909, portanto, em 1929 vinte e poucos anos, 20, 21 por aí - entendeu nessa altura, 1929, que a administração portuguesa colonial lá existente em Moçambique não estava a pugnar pela língua portuguesa, que viria um dia a ser o veículo de comunicação entre todos os moçambicanos. Há 7 línguas divididas em 7 dialectos e portanto uma língua de comunicação seria eventualmente o português e não outra.
Ele dizia isso em 1929 e estamos a discutir agora a mesma coisa.
E bom, eu sou filha dele e passaram-se anos, anos e muitos anos e eu pensava: ainda morro sem ver nada do seu trabalho, porque, como não sou de literaturas, tinha entregue o espólio, para fazerem algo sobre o assunto. Mas como se passaram quase 40 anos e eu não via nada. Bem, não sei se repararam eu já fiz 25… 3 vezes, e eu disse assim: bem, tenho de ser eu a fazer alguma coisa.
Resumindo e concluindo, encontrei uma pessoa que nem nasceu em Moçambique, nasceu em Angola, que aceitou fazer pandam comigo e criámos uma Associação que se chama espaço Rui Noronha.
Associação para divulgar não só o poeta Moçambicano, mas outros poetas de língua portuguesa. Criámos a Associação porque, para editar um livro, não tínhamos uma editora, porque o único editor que aceitou cinco dias depois morreu. Deu-lhe uma coisa… o único que aceitou defender esta dama, morreu! E, então, construímos a Associação, uma Associação e ela está a funcionar, legalmente e tudo o mais.
(...) não sabia o que isto ia acontecer. A esta hora eu pensava já estar em Lisboa, mas, quando me disseram que havia uma tertúlia da lusofonia, fiquei. Amanhã de manhã, às 8 horas da manhã apanho o comboio e vou. Tenho um recital de poesia, à tarde, e tenho que lá estar porque a minha vida, desde 1982 até agora, tem sido assim…
Sou professora de contabilidade mas isso é outra coisa, … o que eu gosto de fazer é na área da poesia - não é a literatura em si, mas a arte de transmitir a poesia.
E trago este livro - trazia um só, para oferecer - e, neste momento, ofereço-o à Biblioteca.
(Palmas)
Já vou para a mesa. Não posso carregar esta tralha toda e mais esta prima do Canadá que anda sempre comigo. Esta prima que … é a canadiana ...
(Risos)
E este é o CD, que dura para aí… não chega a uma hora. 50 m ou coisa parecida. E o resumo do livro, porque o livro é o desenvolvimento. Temos um CD, que também ofereço, e que costuma vir acompanhado com o livro. Isto é assim: se a gente faz um CD, as finanças mandam-nos pagar (na altura ) 21% ; se a gente faz um livro ,as finanças mandam pagar 5% . Mas se a gente mete os dois num envelopezinho, que é o que a gente tem feito, só paga os 5%. Os 21 não pagamos.
(Palmas)
Aqui a professora de contabilidade ajuda … é fundamental !
Maria Manuela Aguiar
E agora, Dr.ª Elsa, com essa bela voz que Deus lhe deu vai recitar um poema?
Elsa Noronha
Já agora … em termos de língua portuguesa eu decidi seguir algumas pegadas do Rui, do Rui de Noronha. Editei o 1º CD recital de língua portuguesa quando estava quase a reformar-me – a passar a outra actividade... Não posso da-lo, porque está esgotado. Depois, há um 2º recital de língua portuguesa “Natal, pedir a Paz, exigir a paz”. Há um 3º, está esgotado, que é Brasil e África só… só Brasil e África ...
Claudia Ferreira
E eu não ganhei um!.. Eu tenho um programa de rádio para 700 mil pessoas…
Elsa Noronha
Então vamos falar depois, já a seguir.
Depois, há um 4º recital de poesia, também, de Portugal …. E de Timor, mas com incidência maior em Moçambique. E um 5º, este que aqui está.
São 5 recitais de língua portuguesa, porque não encontrei, na altura, ninguém que estivesse a fazer este trabalho, e até hoje duvido que haja alguém o esteja a fazer…
São antologias faladas, ditas, antologia de língua portuguesa, poetas de língua portuguesa.
O livro fica aí e mais o CD para a biblioteca…
Não teria posto aqui mais uns? Tinha posto mais… se calhar estão ali dentro, devem estar ali. Não vou vende-los. Lá em casa vendo-os mas aqui não…
Voz: Já agora, porque não, Dr.ª Elsa?
Elsa Noronha
Não, não sei. Sei lá ! Faz-se um sorteio. Devia ter trazido mais, mas não posso com o peso… Ali, quem reclamou...
Claudia Ferreira
Eu quero o Brasil
Elsa Noronha
Está esgotado. Nós vamos conversar para eu mandar uma cópia. Está esgotado
Voz: Vai fazer agora pirataria da sua própria obra
Risos
Voz: Auto pirataria
Claudia Ferrreira
Os meus ouvintes são 60% brasileiros. E os portugueses também contam.
20% Portugueses da velha guarda e o resto chineses, japoneses e espanhóis… O programa existe há 30 e tantos anos …eu quero levar essa da antologia Brasil
Vozes: Mas já ouviu a Dr.ª Elsa cantar?
Vamos lá – canta… canta…
Elsa Ferreira
Eu vou beber água… tenha aqui o copo onde bebi vinho
Vinho e água ligam bem. Eu estava com sede
Há pessoas que são capazes de olhar para um poema antes e dize-lo logo. Eu tenho poemas que me levaram mais de 30 horas a preparar antes de o ler no palco.
Preciso de o sentir. Ás vezes, preciso de o escrever, preciso que ele penetre
Tenho de o interiorizar, para o interiorizar mesmo que não o diga de cor. È só por isso que eu não vou ler porque realmente não posso. Antes de cantar alguma coisa, porque eu não vou cantar em português...
Voz: Mas nós adoramos, em qualquer língua ...
Não tem importância, a música é uma linguagem universal
Elsa Noronha
Vou dizer alguns poemas
Quero cantar,
Fazer poesia, ir ao campo colher flores
Quero chorar e ter muito amor para dar
Quero gritar a liberdade que Deus me deu ao nascer
Quero dar sem me obrigarem
Quero ter o meu viver
Por favor não quero mais estar viva só porque
Quero amar a toda a gente sem ter nada que temer
Só assim serei mulher
Só assim serei feliz
Gritando a todos bem alto
Vivi a vida que eu quis
(palmas)
Não sei se continue nesta toada, se…
(Força, força)...
Fina D’ Armada, mulher portuguesa
"Também é possível ser mulher,
É possível ser mulher sem ser pecado
Nascer de Eva sem mito amaldiçoado
É possível ser mulher e não só corpo
Mercadoria de estrada e de afectos
Sem uso e sem preço de objectos
É possível mudar costumes
Mudar normas
Amar sem sofrimento, sem tortura...
É possível conhecer a liberdade
Divisar outro amanhã, outro horizonte
Subir à árvore e voar para lá do monte
É possível saltar muros jamais saltados
Descobrir a luz de estradas por achar
E caminhos que nunca foram encontrados
É possível ter história...
Deixar nomes em Avenidas e na arte
E na música e na pedra. Em qualquer parte
É possível dirigir empresas, multidões
É possível a paz construtiva
E o amor implementar entre as nações
É possível ser mulher sem ser pecado
Ser na terra simplesmente criadora... "
(Palmas)
De Heliodoro Baptista – Poeta Moçambicano. Não vou ler o poema todo, queria ler só um, um excerto de "A mulher do meu país":
Há ainda todo o peso do mundo
sobre os teus ombros. O peso concreto
de uma opressão que vem da hora do primeiro fogo
- e, é distante como a própria idade da pedra.
Mas hoje - agora, neste país,
neste 1º ano duma liberdade a amadurecer
como um sol definitivo entre as nossas veias
juramos-te que serás livre e emancipada
como o país que exige
como o homem merece.
(Palmas)
De Rui de Noronha, meu pai, 1932: "a Preta"
A preta é simplesmente mulher, eduquem-na, instruam-na, guiem-na com o carinho e o mimo com que guiais e educais uma criança e tereis na preta uma futura mãe. Mãe no dilatado sentido de mulher que educa, que guia e ampara os primeiros passos dos filhos...
No berço está o futuro de um povo, vigiai um berço e vigiareis um povo, vigiai uma mulher e vigiareis um berço".
(Palmas)
"Há uma razão para cada um de nós se encontrar neste mundo. Temos de descobrir a razão porque existimos... como podemos servir a humanidade e quais serão os nossos talentos especiais, porque cada um de nós possui um talento especial, que ninguém mais possui. Cada um de nós tem uma maneira especial de exprimir … talento que também mais ninguém possui… razão para cada um de nós se encontrar neste mundo, temos de descobrir a razão porque existimos".
(Palmas)
Eu às 8 da manhã tenho mesmo que ir embora, porque… porque tenho um recital de poemas, deste género, a 8 de Março...
Maria Manuela Aguiar:
Por sorte, nós tivemos aqui a antevisão... E vai cantar também?
Elsa de Noronha
Vou cantar qualquer coisa. Ah, não. Antes disso… "O batuque". A pedido, a pedido…
Eu não o trouxe, vou ver se consigo dizer todo de cor. O batuque é um poema escrito por uma mulher portuguesa, Manuela Amaral, que viveu tantos anos em África.
Vou tentar, porque eu não o trouxe. Eu estudei-o e interpretei-o em vida dela… e perguntei se ela autorizava … Se eu tenho que fazer uma interpretação e se o escritor está vivo eu peço-lhe autorização. Se não está e eu conheço, eventualmente, alguém da sua família, peço-lhes autorização, se não olha…
O batuque , o batuque
O batuque, tuque, tuque
Esperai por mim, minhas irmãs negras:
Estarei convosco antes do amanhecer
tuque, tuque
No vosso batuque as minhas mãos brancas
tuque, tuque
baterão o compasso ao som das marimbas
tuque, tuque
Sem ter cansaço, vossos corpos ágeis
Dançarão ritmos sagrados, dançarão
Sobre o capim a arder
O batuque não é alegria
nem alegria, nem tristeza
É oração e é esperança
O batuque, o batuque
O batuque, tuque, tuque
Bailai e rezai minhas irmãs negras
bailai e rezai antes do sol romper
(Separam-nos os muros de um hospício de alienados, onde estou pensando...)
Fora, no escuro da selva,
tuque, tuque
Nossos irmãos doentes acendem fogueiras
E agachados sobre a relva, esperam
Esperam energia para entra na dança
Bailai e rezai, minhas irmãs negras!
Movida pela vossa alegria,
Antes que nasça o dia e surjam novos afãs
Antes do astro da noite
celebrar a sua morte
E ainda antes do sol nascer
Tomada da vossa sorte
Convosco hei-de ser!
Estarei no batuque
Tuque, tuque,
tuque, tuque,
tuque, tuque..."
(Palmas)
Agora cultura europeia: Ave-maria, de Gounot...
Vamos ver como me saio desta...
(canta e é muito aplaudida)
Vou terminar com Summertime, há aqui muita gente a falar inglês!
(Palmas e risos)
Cantou, de novo, como se tivesse 30 anos. Uma voz poderosa e fascinante e uma maneira de "saber cantar" igual à sua maneira de "saber dizer" poemas.
E, assim, com muitas, muitas palmas, com alguém a dizer "inolvidável", com abraços de despedida, terminou a Tertúlia da Lusofonia.
Maria Eduarda Fonseca
Comentários
Maria Teresa Aguiar disse
A Eduarda aposentou-se recentemente da Caixa Nacional de Pensões, mas antes, nos anos 80, foi assessora no Gabinete da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, e, mais tarde, por algum tempo, funcionária do Consulado de Genebra.
O gosto pelas questões da emigração, como se vê, perdura. A par do gosto por tudo quanto é africano.
Viveu uns anos em Luanda e, como me confidenciou, para ela, a Tertúlia da Lusofonia, com aquele espantoso final, oferecido pelo talento de Elsa Noronha, foi o ponto alto deste Encontro.
Por isso foi "voluntária" para fazer este trabalho de selecção de textos. Nós agradecemos!
Maria Manuela Aguiar disse...
Também para mim constituiu um "momento alto" esta Tertúlia, onde tivemos tempo para falar sem os constrangimentos de um programa sobrecarregado - o tempo que nos faltou nos paineis e conferências, no Centro Multimedia... Foi. aliás, por prever essa situação que surgiu a ideia da reunião informal na Biblioteca, logo aceite pela Dr. Isabel de Sousa.
Nessa noite. tinhamos inicialmente previsto um espectáculo, ou uma ida ao "casino" - na boa tradição espinhense, já que o crescimento desta terra se fez à volta da praia de mar, do Casino, dos Cafés-concerto, das tertúlias de café (e graças à bendita linha de caminho de ferro para o Porto e para o interior!).
Mas, quanto a espectáculo de música e poesia, tão consentâneo com o "espírito" do nosso congresso, ninguém seria capaz de superar Elsa Noronha!
Mas também se abordaram questões polémicas, como o "sistema de quotas".
Aqui deixo o artigo meu, que referi, durante a Tertúlia, e que foi publicado em Maio de 2008
ENSAIO PARA A LEI DA PARIDADE (O CCP)
Se bem me lembro, foi em 5 de Abril de 1981, no salão dos espelhos do Palácio Foz, ladeada por vários membros do Governo da República, representantes dos Governos dos Açores e Madeira e deputados, com pompa e circunstância e larga cobertura mediática, que presidi a uma breve e histórica sessão de abertura do primeiro Conselho das Comunidades Portuguesas. Os espelhos reflectiam os rostos dos conselheiros, rostos masculinos. Mulher, apenas uma jovem jornalista de Paris, Custódia Domingues, com o estatuto de observadora… Desde então, a diminuta participação feminina tem sido uma constante na vida do CCP, através das suas várias encarnações. O CCP para 2008 / 2012, que acaba de ser eleito, a 20 de Abril, se não for por outras boas razões – e esperamos que também seja – pelo menos por uma já assegurou um lugar na História, não só na da própria instituição, como na do sistema eleitoral português. De facto, converteu-se na nossa primeira experiência de aplicação da legislação para a paridade, antes das eleições para a Assembleia da República, o Parlamento Europeu e as autarquias, em 2009. A todas se aplica a Lei Orgânica nº 3/2006, de 21 de Agosto – a Lei da Paridade, que obriga a um mínimo de 33% de representação de um ou outro sexo nas candidaturas concorrentes e a ordenação das listas, por forma a que não haja mais de dois candidatos do mesmo sexo colocados consecutivamente. A Portaria nº 112/2008 de 6 de Fevereiro, que regulamenta o CCP, inspira-se nessa estatuição e significa a ruptura com um passado em que a maioria das listas era formada apenas por homens. A partir de 2008, pelo menos o terceiro homem baixa de lugar, para dar lugar a uma mulher. O impacte positivo da lei foi a meu ver sobretudo conseguido pelo número de mulheres colocadas nesse 3º lugar… Há 13 mulheres no total de 58 Conselheiros eleitos. São mais de 20% - longe dos 33% que a legislação visa assegurar, mas longe também dos 8% do Conselho anterior. Face aos números disponíveis (ainda não a titulo oficial) começamos por perguntar: foram alcançadas as metas da paridade? Em que medida a margem de visível progresso (uma vez que mais do que duplicou a participação das mulheres), se deve ao intervencionismo do legislador? Para responder, teremos de comparar o que é e o que poderia ter sido, sem a regra da paridade, a presença feminina. Ou seja, comparar uma certeza com meras hipóteses… É preciso olhar, antes do mais, o posicionamento das candidatas, que alcançaram a titularidade deste órgão. Na verdade, parece-nos razoável afirmar que aquelas que surgem à cabeça de uma lista são as que, com quotas ou sem quotas, estariam no CCP. Só cinco das eleitas encabeçavam listas: na Austrália (uma reeleição), no Canadá, na Venezuela, na Suíça e em França. O segundo lugar é de leitura mais ambígua. Admitamos que se ele era, no cálculo de probabilidades, considerado ainda na zona de elegibilidade há que assimilá-lo ao primeiro. Se não, ao terceiro… Contamos duas eleitas, nessas circunstâncias, no Canadá e na Venezuela. Na dúvida, vamos supor, que só beneficiaram, em linha recta, da norma impositiva as seis eleitas no 3º lugar: em Macau, Brasil, (São Paulo / Santos), África do Sul, Alemanha, Reino Unido e Suíça. Cerca de 50% das eleitas, o que não é de menosprezar. Constatação óbvia: a eficácia da lei foi nula nos pequenos círculos, onde se elege apenas um representante. Aí as mulheres ficaram, quase sempre, de fora – na Argentina, no Uruguai, na Bélgica, no Luxemburgo, na Suécia. Tal como nos círculos em que se verifica o fraccionamento de voto pelas várias listas em confronto: no Brasil (com uma excepção devida à inesperada vitória dos três representantes da lista de Santos, que fizeram o pleno no círculo de São Paulo); na França (salvo em Estrasburgo) ou nos EUA, onde não há uma só eleita! Lista única nos grandes círculos, ou lista votada esmagadoramente, é o que mais favorece a consecução dos objectivos da Lei. O que mais a prejudica é a dispersão, ou um maior equilíbrio entre múltiplas candidaturas. Uma contingência, que se torna, afinal, factor de crucial importância. Prognóstico para 2009: reservado… A ver vamos o que acontece, muito em particular nas autárquicas, que são aquelas onde se regista o maior desfasamento no número de homens e mulheres (94% e 6% respectivamente). Aí dificilmente se atingirá o patamar dos 20%, muito dependendo da concentração ou dispersão de votos por várias listas. Por exemplo, num executivo de 7 membros o 4-3 assegura, no mínimo, duas mulheres no executivo, tal como o 7-0, enquanto o 2-2-2-1 pode dar-nos uma presidência e vereação 100% masculina…