Maria Alice Ribeiro , jornalista e directora do mais antigo jornal de língua portuguesa em Toronto era uma Mulher de cultura, de Letras e de causas, com um intenso interesse pelas coisas da política, tanto nacional, como canadiana e mais ainda pelas da sua comunidade. Sempre pronta a conversar à mesa do café, ou ao telefone, como se o tempo que perdia connosco, não o fosse gastar em noitadas de porfiado trabalho.
Sim, havia o seu “quê” de excessivo na personalidade de Maria Alice – mas todos os seus excessos eram virtuosos (salvo o de ser fumadora inveterada): excesso de generosidade, de voluntariado, de cuidado com o detalhe, com o sucesso de todas as vertentes de uma acção, que a fazia uma parceira mais do que fiável, infalível, em qualquer iniciativa conjunta. As suas organizações tinham o rigor de um relógio suíço, a par de um entusiasmo e uma emotividade muito à portuguesa.
Amigos não lhe faltavam, Sabia escolhe-los na perfeição, e pô-los a trabalhar para o “bem comum”. Foi através dela que conheci o filantropo Virgílio Pires, o Manuel Leal (que ela achava “esquerdista” – que exagero! …) ou o Laurentino Esteves, o jovem promissor, que tratava como um segundo filho.
Só ela me faria estar numa passagem de ano em Toronto (porque para além da minha família portuguesa, achava que eu tinha obrigações para com a minha vasta família de afectos luso-canadiana…). E não nos limitamos a confraternizar em duas ou três festas de associações, mas em quatro ou cinco, umas visitadas no ano que findava e outras já no ano seguinte,,, No meio de um nevão que cobria os passeios, onde se afundavam os nossos sapatos de salto alto. Coisa benigna, quando comparada a uma ida de Toronto a Kingston, que durou horas e horas, sob sucessivas tempestades de neve, com o Virgílio Pires firmemente ao volante do seu Cadillac, que resvalava aqui e ali, mas sempre sem perder o rumo…. E, depois de cumprirmos na íntegra o programa – visita à Igreja portuguesa, encontro no clube, entrevistas à rádio e à televisão e jantar como Mayor – regressamos à aventura de mais umas horas de condução exímia do Virgílio, sob a fúria da intempérie. Em ininterrupta e divertida conversação a três, naturalmente… Com Malice não havia silêncios nem tempos mortos, era assim, cheia de energia, de ideias e de projectos, que levava por diante contra todos os obstáculos, fossem os da natureza ou os dos seus opositores - que nunca a venceram nem convenceram...
O que a movia? Julgo que era, antes do mais, o portuguesismo, a vontade de defender a cultura portuguesa na imensa panóplia de culturas conviventes no Canadá e também o inconformismo face às práticas e tradições que desvalorizavam o modo de ser feminino.
O Correio Português era o jornal da Maria Alice e do António Ribeiro, numa paridade completa, pragmática e eficaz. Mas para Malice, como os amigos lhe chamavam, o jornal foi mais do que um periódico bem gerido e bem escrito. Com ele deu voz à comunidade, fez a história da comunidade, mas também soube ter voz própria e ser protagonista de primeiro plano na construção de um universo luso canadiano que não parava de crescer, após o início das migrações em massa dos anos 50.
Do seu pioneirismo no campo da escrita e do jornalismo ao seu pioneirismo na representação dos emigrantes no Conselho das Comunidades Portuguesas, desde os anos 8o até ao último dia de uma luta contra grave doença, fica a força de um exemplo de vida,.
Fica a memória da fase primordial da emigração portuguesa no Canadá, em páginas e páginas do seu "Correio". E fica, também, à espera dos investigadores que o possam tratar e divulgar, um precioso arquivo fotográfico, recolhido no Museu Português de Toronto, graças a uma intervenção atempada de Virgílio Pires.
Na verdade, Malice tinha sempre à mão, para além do inevitável maço de cigarros, a sua máquina fotográfica de profissional...Nesse arquivo, está, em imagens, muito do passado português em Toronto – cabe agora ao “Museu”
revela-lo, valorizando-se.
E, por fim, numa revista que fala de mulheres na diáspora não poderíamos esquecer que a ela se deve a proposta para a realização do “1º Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas no Associativismo e no Jornalismo”, em 1985. Esse
seu gesto é, de algum modo, o precursor da longa caminhada, em que andamos, e em que a sua memória nos acompanha.
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