quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

HOMENAGEM Á DOUTORA MARIA DE JESUS BARROSO SOARES


EMBAIXADORA AMÉLIA PAIVA





Nesta tão justa e merecida homenagem à Dra. Maria de Jesus Barroso tenho muita honra e gosto em associar-me à comemoração que assinala a vida desta notável portuguesa.


A actuação da Dra. Maria Barroso, numa vida longa e plena de causas e projectos, pautou-se sempre pela coerência na defesa dos valores da democracia, neles se integrando a sua postura de defesa e promoção da igualdade de género pelo que com estas minhas palavras, quero prestar o meu apreço e reconhecimento público pela acção consistente em prol desses valores.


Ao longo dos anos tive o privilégio e o gosto de poder, em diversas ocasiões, privar da companhia e da sabedoria da Dra. Maria de Jesus Barroso, quer quando pela primeira vez tive a oportunidade de a conhecer no papel de Primeira-Dama em Nova Iorque, por ocasião da celebração do 50º aniversário das Nações Unidas, quer mais tarde na minha qualidade de Presidente da Comissão para Igualdade e para os Direitos das Mulheres. Uns anos mais tarde voltámos a encontrar-nos, em Toronto, onde fui co-organizadora dos “Encontros para a Cidadania: A Igualdade entre Mulheres e Homens nas Comunidades Portuguesas” naquela cidade, em 2007, promovidos pela Associação Mulher Migrante. Tive então o grande gosto de receber a Dra. Maria de Jesus Barroso que, com as suas intervenções, muito enriqueceu os debates que, nesse contexto, aí tiveram lugar. Cruzei-me e tive ainda a oportunidade de trocar ideias com a Dra. Maria de Jesus quando coincidimos em várias Conferências e Congressos, o último dos quais nos Açores.


A sua postura pautou-se sempre pela inteligência, sensibilidade e integridade na defesa do respeito dos direitos humanos e, dos direitos das mulheres, em particular. Nas suas intervenções, de grande qualidade e entendimento das realidades sobre as quais se debruçava, mostrou sempre um enorme empenhamento na defesa da igualdade de género e da cidadania em geral, que sempre ancorou num profundo humanismo.


Mª Amélia Paiva
Embaixadora de Portugal em Varsóvia


ANTÓNIO PACHECO



“SOS-África”- um combate de Maria Barroso pela dignidade dos media, também a partir de Cabo Verde

- A génese


Maria Barroso saíra magoada da Cruz Vermelha Portuguesaem 2003. Não era o afastamento em si, decidido pelo ministro da altura. O que a incomodava era o modus faciendi", pouco digno de pessoas de caráter: os maneirismos,os complots, os jovens de gabinete do ministro, promovendo notícias e boatos sobre a gestão danosa” da Presidente deixaram-na de rastos.

A nível internacional Maria Barroso estava a trabalhar, a partir do segundo mandato , no fortalecimento dos laços entre as CVlusófonas. Era um projeto inovador e que reforçava o peso e a presença da língua portuguesa no espaço internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Em 2003, na reunião de Maputo lançava a CPLP da Cruz Vermelha de Língua Portuguesa que ficaria conhecida como o “fórum das sociedades nacionais de língua portuguesa”, uma ideia que seria aprovada por unanimidade e com estatuto legal autorizado em Dezembro de 2003.

Mas toda a gente sabia e era correntemente admitido e pressentido pelas direções das CP do espaço lusófono que o Ministro Paulo Portas queria afastar a curto prazo a Presidente da CVP. Tinham comigo conversas de corredor sobre essa convicção. Eu também sabia que quando do final do primeiro mandato, numa reunião entre Paulo Portas e Maria Barroso pouco se tinha falado dos problemas da CVP; o Ministro passou a maior parte do encontro a falar da “importância e relevo” que a Presidente da CVP tivera, como cidadã, na eleição do Mário Soares para a Presidência da República. Eu sempre achara esta conversa desapropriada e relacionada com o risco do prestígio de Maria Barroso vir a influenciar e promover próximas candidaturas presidenciais. Era desconhecer Maria Barroso…mas para mim, o destino da Presidente ficara traçado nesse momento.

Em 2003, de forma discreta mas eficaz, os presidentes das sociedades lusófonas presentes quiseram ultrapassar o risco do afastamento de Maria Barroso, institucionalizando o cargo de presidente do “Fórum das sociedades de língua portuguesa, propondo, por unanimidade o seu nome para tais funções.
Um dos grandes promotores deste projeto foi o Dr. Dário Dantas dos Reis, um distinto médico cabo verdiano que regressara ao país depois da independência e que assumira as funções de Presidente da Cruz Vermelha de Cabo Verde.

De volta a Cabo Verde

Em 2004, ainda por influência e sob os auspícios do Dr. Dantas, a Presidente da Cruz Vermelha de Cabo Verde e o ministério da defesa, então dirigido pelo comandante Armindo Maurício lançam um repto à Pro Dignitate, aquele que seria um dos grandes projetos dos últimos anos da vida de Maria Barroso : O combate contra a violência nos media, sobretudo nas rádios e televisões. Uma luta que conduzira também a partir da Cruz Vermelha, com mesas redondas envolvendo jornalistas prestigiados, as “ong” e a organização internacional “repórteres sem fronteiras”.

Ano de debate em Cabo Verde. Havia um verdadeiro caso estudo: o desastre de aviação no aeroporto de Santo Antão. Reinava ainda no ar a poeira dos boatos, má-informação e o “diz-que-diz” à volta de um terrível desastre aéreo que ocorrera alguns anos antes no aeroporto de Santo Antão, que levara ao encerramento do aeroporto por longos anos:

- e a sociedade civil como se tinha comportado?

- os órgãos de comunicação social tinham sido capazes de transmitir o drama com objetividade, com distanciamento jornalístico, quimicamente puro?


- tinham as organizações chamadas para atuar na ocasião -serviço de proteção civil, bombeiros, polícia e outras forças de segurança atuado de forma correta?


- tinham prestado a informação correta, esclarecedora às populações, através de comunicados transmitidos na rádio e nos restantes media? Era necessário fazer uma reflexão. Estava tudo debaixo do tapete e em aberto.

A proposta que nos fora endereçada, através do ministro da defesa era: está a Presidente da Fundação Pro Dignitate e antiga presidente da CVP disposta a organizar, aqui em Cabo Verde, um debate sobre esta matéria? Tem equipa para o fazer?

Esta matéria ligava-se a outras duas também fundamentais. É que o jornalismo em situação de crise levanta questões de "direito internacional humanitário” –como proteger e o que proteger. Colocava outro problema: a Fundação devia alargar a sua tarefa à formação de quadros africanos permanentes nas áreas de da atuação do jornalista em situações de crise e de conflito: o tal jornalismo ao serviço da paz .

Todo o sucesso da iniciativa se ficou a dever a uma série de nomes de pessoas de Cabo Verde:
O Ministro da defesa participou e coorganizou o colóquio sobre “o comportamento dos media em situações de crise” que constituiu uma ação de formação para jornalistas, animadores sociais de todo Cabo Verde e que para esse efeito se deslocaram ao Mindelo. Do lado da Pro Dignitate, fora escolhido Ronaldo Monteiro, um estagiário e bolseiro da Fundação para preparar o evento e organizar, in loco, toda a viagem de Maria Barroso a Cabo Verde.

Presente também Isaura Gomes, Presidente da Câmara de São Vicente, uma grande Amiga de Maria Barroso. Em muitas ocasiões ouvi Maria Barroso incentivar Isaura: “Não se fique pela Câmara, você tem estofo para vir a ser a primeira Mulher a ocupar o cargo de Presidente da República de Cabo Verde” e perante o silêncio dos presentes acrescentava: “já viu a importância e o exemplo que seria para todo o espaço de língua portuguesa”? E não resisto a uma observação pessoal: acho que Maria Barroso gostaria de ter ocupado tal cargo em Portugal. Recordo a esse propósito uma outra nota: Maria Barroso costumava contar que a Rainha de Espanha a incentivara diversas vezes: “porque não concorres à Presidência?” Nunca respondera mas sempre entendera, julgo eu, que tal facto não seria bem aceite pelo Marido.

Outro dos grandes Amigos com que ficou na altura foi o Presidente da Câmara de Porto Novo, Dr. Amadeu Cruz. que a convidou para proferir, a 10 de Dezembro, uma palestra sobre os Direitos Humanos e o Direito Internacional Humanitário. Ficou encantada com a visita a Porto Novo, que incluiu visitas ao hospital e a escolas primárias. Ficou sempre ligada à ilha de Santo Antão que tentou apoiar em diversas ocasiões e através de distintos projetos.


Os nomes da Rádio Nova, e do seu diretor dessa altura também não podem ser esquecidos.


Não é por acaso que nasce de dois destes Homens, Amadeu Cruz e Ronaldo Monteiro, a ideia de que se dê continuidade à Pro Dignitate e aos seus programas na área do combate à violência nos media, sobretudo em África, pela criação da ONG-SOS-África, sedeada precisamente em Mindelo, onde se iniciara em 2004, o envolvimento da Pro Dignitate no projeto de jornalismo ao serviço da paz e do desenvolvimento. Trabalharam com Ela nas últimas décadas.

A Comunicação Social no Terceiro e Quarto Mundo infelizmente não acompanha a realidade dos países e das regiões fora do espaço do mundo industrializado; o poder e os lobbies dos media são controlados por preocupações que nada têm de ético; as escolas de jornalismo, dentro de uma tradição eurocêntrica e colonial , reforçam a perspetiva de uma informação acética que não sabe ler, escutar e ver as comunidades em que se inserem. Esta será a luta que, em nome de Maria Barroso, vamos continuar num verdadeiro esforço SOS.

António Pacheco
Secretário-Geral da Fundação PRO DIGNITATE




ARCELINA SANTIAGO


MARIA BARROSO EM ESPINHO

Conhecer Maria Barroso pessoalmente foi para mim a confirmação daquilo que eu imaginava desta cidadã que se afirmou na sociedade portuguesa pela sua ação e postura. Sempre a admirei muito e penso que é um sentimento generalizado a todos os portugueses. Habituamo-nos a admirá-la não apenas pela sua ação enquanto primeira dama do país, como mulher do primeiro ministro, e depois como mulher do Presidente da República, mas por aquilo que ela foi enquanto cidadã, defensora de causas, pedagoga, mulher sensível e com uma capacidade de comunicação excepcional.

Foi em Espinho, na altura do Encontro Mundial da Associação Mulher Migrante. Cumprimentámos-nos e sorrímos. Encetámos uma conversa onde temas diversos foram aflorados. Mais adiante, revelámos projetos, e trocámos ideias. Parecia que nos conhecíamos-nos há muitos anos. Certamente que tínhamos muito em comum, mas a empatia que se apoderou de nós foi determinante. E não me esqueço da expressão acolhedora, simpática , sempre atenta e atenciosa, escutando tudo serenamente. No fim, disse-me " tem já tanta experiência, faz tantas coisas e é tão novinha!" Foi um elogio marcante, embora eu lhe tenha dito que não era assim tão nova...
Mais tarde, outra vez em Espinho, encontramos-nos nas comemorações do Centenário da República. Maria Barroso presenteou-nos com uma comunicação fantástica, fazendo jus às mulheres mais marcantes da Primeira República.
Apresentei-lhe um grupo de alunos que ansiavam conhecê-la. Maria Barroso foi a inspiradora da vontade destes alunos quererem estudar a vida dessas mulheres naquele período da nossa história. O papel das mulheres na Primeira República apresentado pela Dra Maria Barroso deu-lhes a conhecer os papéis relevantes de mulheres numa sociedade marcada pelo masculino. Quando mais tarde aconteceu uma réplica de um serão republicano , promovido pela Câmara Municipal de Espinho, alguns destes alunos encarnaram algumas dessas personagens. Entretanto, estava prestes a chegar o dia 28 de Maio. Esse dia era muito especial pois fazia 99 anos que a primeira mulher portuguesa votou. Ela foi pioneira em Portugal e na Europa. Com base numa carta que a própria Carolina Beatriz Ângelo escreveu ao director do jornal A Capital, tentando repor a verdade e esclarecendo sobre o que se passara no dia anterior, foi elaborada uma peça, recriando esse momento histórico. Vivemos intensamente toda a envolvência da época, do vestuário ao local, sentimentos, opiniões, tomadas de posição, ou seja, um cenário revelador de um tipo de sociedade, numa República ainda a despontar. Fomos convidados pela senhora Vereadora da Cultura , Dra Manuela Aguiar, para representar na Tertúlia “ O Papel das mulheres na República dos homens” na Biblioteca Municipal no dia 28 de Maio e aceitámos o desafio. Poderemos concluir que tudo isto aconteceu inspirados pela Dra Maria Barroso.
Os alunos ficaram surpresos com a sua jovialidade, entrega, simpatia e simplicidade. Na verdade, todos concordaram que estavamos perante uma grande senhora que ficará para sempre na memória coletiva de um povo.
Foi uma mulher inspiradora, mulher de pensamento e de ação. Mulher sábia, mulher solidária , mulher acolhedora, mulher de paz, mas mulher guerreira na defesa de causas e valores. Partiu, mas deixou-nos um precioso legado, um exemplo como pessoa e cidadã . Foi para mim um privilégio conhecê-la de perto e ter tido a honra de estar em algumas iniciativas promovida pela Associação Mulher Migrante. A última aconteceu em Lisboa na Fundação Pro Dignitate que acolheu a exposição de arte no feminino e onde celebrámos os vinte anos da Associação e os da nossa inesquecível anfitriã - Maria Barroso!

Arcelina Santiago
Professora


Maria de Jesus Barroso - 2 de Maio de 1925 – 7 de Julho de 2015
In Memorium
A forma súbita e abrupta como se desenrolaram os eventos dos primeiros dias de julho de 2015, provocaram em nós uma enorme onda, inicialmente de incredibilidade e susbsequentemente de sentimento de perda indescritível. É sempre difícil, se não impossível, descrecer o que sentimos quando somos confrontados com a perda de uma referência de cidadania e humanismo como sempre foi a Dr. Maria de Jesus Barroso.  
Enumerar, mesmo muito ligeiramente, cada um dos objectivos que alcançou e cada uma das suas contribuições para a sociedade portuguesa em particular e para a humanidade em geral seria um processo quase impossível de alcançar, pois muitas foram as suas áreas de intervenção tanto na sociedade privada e pública, como na política, nas artes, e no mecenato. Distinguiu-se em todas estas atividades fruto ao rigor e zelo que dedicava a tudo o que fazia, mas acima de tudo pela sua entrega total a todas e cada uma das causas que defendia. Aliás a sua capacidade de entrega absoluta era precisamente uma das suas caraterísticas mais impressionantes. Sempre que a sua presença era solicitada, em prol de qualquer causa ou em representação de alguma das muitas instituições que representava, estava sempre presente e ativamente participante.
Uma das melhores recordações que guardo está relacionada com a sua ida à Califórnia, mais precisamente à Universidade da Califórnia, Berkeley para participar no 5º Encontro para a Cidadania promovido pela Associação Mulher Migrante e o Programa de Estudos Portugueses da referida Universidade. Tive a honra de ser designada para fazer o transporte entre o aeroporto de San Francisco e a cidade de Berkeley. Como a viagem entre Portugal e San Francisco é consideravelmente longa, o plano era ir diretamente para o hotel, mas para minha surpresa, foi levantada a sugestão que seria muito agradável fazermos um pequeno passeio por San Francisco antes de nos dirigirmos para Berkeley. Assim fizemos por várias horas, e quando estávamos a atravessar a famosa ponte do Golden Gate, a Dr. Maria Barroso disse calmamente: “o que eu gostava muito de fazer era molhar os pés no Pacífico, com todas as viagens que fiz com o meu marido, nunca tive a oportunidade de molhar os pés no Pacífico.” Claro que fizemos o desvio, e nesse dia todos molhamos os pés no Pacífico, gelado e magnífico. Sei que o Congresso e outros eventos relacionados com o Encontro tiveram todo o sucesso, mas do que nunca me esquecerei foi a alegria desse fim de tarde numa pequena praia a norte de San Francisco. Alegria esta que se repetiu quando visitamos a sede da campanha eleitoral do então candidato para a Presidência dos Estados Unidos -  Barack Obama. A visita da Dr. Maria Barroso a esse pequeno centro cheio de voluntários a preparar cartazes, encher envelopes e ao telefone com prováveis eleitores, fez com que o mesmo parasse completamente quando entramos e apresentamos a visitante como a ex-primeira Dama de Portugal. A sua simplicidade e simpatia cativou os jovens voluntários que ficaram com uma ótima imagem de Portugal e dos Portugueses. Melhor que ninguém, a Dr. Maria Barroso sempre foi uma excelente representante do nosso país e da nossa gente. Para todos ela tinha um ouvido atento, e uma palavra afável.
A Dr. Maria de Jesus Barroso era sem dúvida uma mulher admirável e inesquecível, por muitas razões e um exemplo a seguir. No meu caso, agradeço-lhe o ter-me ensinado que só se pode ser integra e digna se fizermos todo o possível para que os nossos cocidadãos também tenham oportunidade de o ser. A Dr. Maria de Jesus Barroso nunca deixou de ser mulher para ser militante política, ou deixou de ser militante política para ser humanitária. Nela tudo se conjugava e complementava sem conflito. Durante a sua vida serviu Portugal e os Portugueses de forma exemplar, teremos muitas saudades, mas os grandes, os verdadeiramente grandes, nunca morrem e Maria de Jesus Barroso viverá eternamente na memória de todos nós e nas páginas de honra da história de Portugal.
Saudosamente
Deolinda Adão



GONÇALO NUNO PERESTRELO SANTOS


MARIA DE JESUS SIMÕES BARROSO SOARES

Todos os portugueses saberão tudo sobre Maria de Jesus Simões Barroso Soares. Sobre a mulher, a esposa, a atriz, a ativista, a professora, a lutadora pela cidadania e pela igualdade entre homens e mulheres. A Senhora das grandes causas ou, sobre a “outra metade” de Mário Soares e eu francamente nada mais sei que os meus compatriotas, sobretudo dos que mais a estimam.

Foi graças à Manuela Aguiar que organizou o Encontro Mundial de Mulheres Migrantes, na cidade de Espinho, em Março de 1995, que me levou a conhecer a Doutora Maria Barroso. Encontrei-A, nesta e em tantas outras ocasiões, mas Ela nunca me reconhecia a não ser que eu falasse; -já me lembro, o senhor é da Madeira, olhe que a sua Terra é muito bonita, já lá estive com o Mário.

A primeira vez também foi assim. O Mário estava em todas as frases, em todas as vírgulas em todos os pensamentos. Eu gostava de ter uma mulher que falasse de mim em todos os momentos. Uma mulher que tirasse as vírgulas das frases e as substituísse pelo meu nome. Uma mulher que visse em todos os homens a minha cara e que mesmo assim fosse tão independente e livre como Ela era.

No tal jantar, na primeira vez que nos encontramos, ficamos um ao lado do outro. Os nomes de chefes de estado, de presidentes, de viagens e de lugares surgiam a uma velocidade que ultrapassava o sonho e nenhum sonho de nenhum mortal poderia ser tão completo. Fiquei quieto. Às tantas fez-me uma pergunta que eu não percebi. Pelo que e muito bem, deu a resposta e desatamos a rir. Sorria inclinando-se ligeiramente para a frente para que ninguém percebesse. Falava amiúde de nobres causas mas notava-se que das suas palavras saiam ações. Militante da liberdade, admiradora da Humanidade e da Obra sublime da Criação entendia que o Seu dever para com todos ultrapassava de longe a sua própria e frágil forma física. Não julguei nunca que necessitasse de reconhecimento. Bastava-lhe o Povo português, a sua família e, claro está o Mário.


Tiramos uma foto, a Manuela a falar, a Rita Gomes a olhar para mim, a Maria Beatriz muito séria, a Doutora Maria de Jesus Barroso e eu, olhando um para o outro, rindo de nós próprios, não me lembro porquê. Guardo esta foto no meu “ wall of fame”, onde estão outras individualidades que a vida me levou a conhecer.

Das outras vezes que falamos recordo sempre o carinho, a simpatia mas sobretudo a determinação de Maria Barroso e o seu empenho em executar algo de extraordinário. Tratava-se de uma Figura de Estado ímpar que incorporava em si o que de melhor a Pátria tem para oferecer, de uma dimensão que ultrapassava o comum dos mortais. Sempre que podia, sentava-me ao seu lado, mesmo que não me reconhecesse, mesmo que fosse para dizer nada.

Aqui têm o meu motivo. Falo pois e tenho legitimidade de falar, de quem vive comigo na minha casa, na casa dos meus sonhos, não tenho outros amigos senão os que vivem em mim e admiro, pois é graças a eles que encontro o meu caminho e a minha responsabilidade de servir o coletivo, Maria Barroso foi um grande exemplo para muitos de nós.

Paz à Sua Alma

Gonçalo Nuno Mendonça Perestrelo dos Santos
Funchal, 29 de Setembro de 2015


GRAÇA GUEDES

ATÉ SEMPRE, DRª. MARIA DE JESUS BARROSO
O que dizer mais nesta minha singela, mas muito sentida homenagem a esta grande Mulher, que há tão pouco tempo nos deixou e de quem já tantas saudades nos invadem? E, tal como
Manuela Aguiar afirma nesta publicação… deixou um país inteiro saudoso de si, definitivamente orfão do seu sorriso maternal, da sua demanda de justiça e de bem estar para todos, da mobilização para uma cultura de paz e de amizade.
O que dizer mais, depois de ter lido tantos textos magníficos e que tive o privilégio de conhecer, uma vez que integro o grupo que coordena esta edição?
É uma tarefa difícil, impossível até, reduzindo-me a um resumo dos momentos de partilha e de aprendizagem que me foram proporcionados pela Associação ECS Mulher Migrante, aquando dos muitos eventos que realizou e onde estivemos juntas.
E tudo começou em 1995, no aeroporto de Pedras Rubras, agora Sá Carneiro, quando tive a honra de a ir esperar para trazer para Espinho ao encerramento do Encontro Mundial Mulheres Migrantes – Gerações em Diálogo ao que iria presidir. Tal como diz a Arcelina no seu texto, também quando nos cumprimentamos, … o seu sorriso aberto e franco, dava a entender que já nos conhecíamos há muito tempo.
De então para cá, muitas oportunidades houve para a conhecer e que me levam a ter a ousadia de fazer minhas, todas as palavras das restantes autoras.
Viajamos juntas, ficamos alojadas no mesmo hotel em Buenos Aires, em Estocolmo, em Joanesburgo aquando da nossa deslocação para os Encontros para a Cidadania. Oportunidades fantásticas para ouvir as suas conferências, sempre brilhantes e poéticas, para conversarmos durante as refeições, para andarmos às compras ou visitar museus, sempre interrompidas por anónimos que a cumprimentavam e com quem conversava amenamente, não para dizer palavras de circunstância, mas para as conhecer melhor, com aquela simpatia e simplicidade que magistralmente a caraterizavam.
Mas também em Portugal, sempre em organizações da Associação Mulher Migrante.
Em todos esses momentos pude perceber a dimensão multifacetada da sua personalidade vanguardista, que felizmente é dada a conhecer nos testemunhos incluídos nesta publicação, qual instrumento precioso para nunca esquecermos esta Mulher e dar a conhecer às gerações vindouras, o seu… legado de cidadania verdadeiramente intemporal, tal como nos diz Manuela Aguiar.

Graça Guedes
Professora Catedrática Universidade do Porto

ISABELLE OLIVEIRA













HOMMAGE À UNE FEMME D’EXCEPTION





Les gens dépassionnés, je les plains.
Je trouve qu'il faut être passionné.
Si on veut donner un sens à sa vie,
il faut aimer quelque chose au-delà de soi-même. (Jenny Alpha)


L’exercice en forme de récit auquel je me livre aujourd’hui est étourdissant, et il est vrai que j’ai le droit de le craindre. On ne sort pas indemne d’une rencontre avec Maria de Jesus Barroso Soares, femme exemplaire, généreuse, avec une sincérité désarmante.
Des mots qui traversent les âges et ré-inventent le passé.
Cette Grande Dame petite par la taille mais grande par sa conviction a consacré sa vie à se battre contre les systèmes qui brisent femmes et hommes, pour plus de Justice, pour l’humanité, pour la vie tout simplement.
Vous avez été certainement abreuvée de jalousie par une minorité, mais une large majorité continue à vouer une sorte de culte à l'icône que vous êtes devenue.
Avec une rigueur à toute épreuve, vous êtes, en vérité, une éternelle rebelle sous un habit de douceur. Vous êtes féministe, vous défendez la cause des femmes avec une fermeté implacable, mais vous n'adhérez pas aux thèses de celles qui, à l'image de Simone de Beauvoir, nient les différences entre les sexes. Vous êtes du côté des plus faibles, mais vous refusez toute victimisation. La vie, qui n’a pas toujours été tendre avec vous, n’a cessé, cependant, comme pour s'excuser, de vous offrir des chances qui sont autant d'hommages à votre personne, à votre intégrité et à votre talent. Vous avez toujours été libre, véhémente et sereine. Vous le resterez, tout au long de vos fonctions, et au-delà. Sur plusieurs points, vous avez su marquer votre indépendance.
À plusieurs reprises, dans des bouches modestes ou dans des bouches augustes, j'ai entendu parler de votre caractère. C'était toujours dit avec respect, avec admiration, avec affection, mais avec une certaine conviction : il semblerait, Madame, que vous aviez un caractère difficile. Difficile ! Oui, Madame Maria de Jesus Barroso était une femme de caractère et avant-gardiste dans bien des domaines, elle savait exactement ce qu’elle voulait.
Il y a en vous comme un secret : vous êtes la tradition même et la modernité incarnée. Je vous regardais, Madame : vous me faisiez alors penser à ces grandes dames d'autrefois dont la dignité et l'allure imposaient le respect. Et puis, en regardant votre parcours, je vous ai toujours vu comme l’une de ces figures de proue en avance sur l'histoire. Votre curiosité intellectuelle insatiable et votre sens aigu des détails signalaient une nature inquiète et fiévreuse qui a fait avancer le monde. J’ai retenu de vous qu’on apprenait souvent davantage de vos interrogations que de vos réponses.
Oui, il y avait de l'énigme en vous : une énigme limpide et lumineuse jusqu'à la transparence qui suscitait de l’admiration mais, dans votre cas, quelque chose d'autre s'y mêlait : du respect, de l'affection, une sorte de fascination. Beaucoup, au Portugal et au-delà des frontières, auraient voulu vous avoir, pour confidente, pour amie. J’ai eu la chance inouïe d´être votre amie et le bonheur de passer des instants inoubliables à vos côtés, d’apprendre de votre exigence, de votre savoir, de votre humanisme et de votre liberté.
De toutes les figures de notre époque, vous êtes sans l’ombre d’un doute l'une de celles que préfèrent les portugais, mais non seulement. Les seuls sentiments que vous pouvez inspirer et à eux et à nous sont l'admiration et l'affection. Vous incarnez avec plus d'éclat que personne les temps terrifiants où nous vivons, où la violence s'est déchaînée comme peut-être jamais tout au long de l'histoire de l’humanité et où quelques-uns, comme vous, ont lutté contre elle avec détermination et courage et illustré les principes, qui ne nous sont pas tout à fait étrangers, de liberté, d'égalité et de fraternité.
En guise de conclusion, il y a encore des personnes hors du commun qui vous font changer votre façon de voir les choses et de croire en ce rêve d’un monde meilleur. Non pas par la force brute, mais par la force de la vie, la beauté et la puissance de leur personnalité. Votre seul défaut, Madame, était de vous oublier pour les autres, mais comment pouvait-on vous le reprocher? Aujourd’hui, je veux avant tout me souvenir de ces moments que nous avons partagés et je continuerai à porter avec d’autres, les mêmes combats que vous avez portés. Votre mémoire perdure à jamais parmi nous ! Soyez-assurée que votre survie est un pont entre deux mondes !


Isabelle Oliveira
Vice Reitora da Universidade Sorbonne



D. JANUÁRIO TORGAL FERREIRA
 
Cidadã do mundo, a Drª Maria de Jesus Barroso Soares atravessou a existência, plena de humanidade e de são inconformismo, recriando-a através da promoção da realidade cívica e do culto da arte.
A edificação da Cidade é sempre irmã – gémea da criação cultural: em todos os instantes urge defender a realidade pública do viver  humano e pronunciá-la  como  obra  sempre inacabada.
Quem teve a dita e o usufruto pessoal de contactar com esta Senhora, acolheu do seu exemplo esta vertigem da responsabilidade: a comunidade das pessoas exige direitos e deveres, à semelhança de um reduto onde deverá ser impossível a violência.
O espaço da paz é uma instância aberta aos seus protagonistas, cultivando a justiça, a liberdade, a cooperação solidária, iluminando-as, ao mesmo tempo, com o cultivo do bom gosto e da arte. A Vida real é feita de acontecimentos, tanto mais reais quanto sentidos pelos outros.
Mais singulares que os nossos, são sempre os valores (presentes ou ausentes) alheios. O exílio da realidade é o estado normal da desumanização.   Pois  bem.   O  tom  humano  e  humanizado  da Drª Maria de Jesus, manifesto da forma mais espontânea, representou sempre uma lição de sensibilidade, de envolvência cívica, de unidade franca e afectiva.
As pessoas e os seus acontecimentos foram uma sua porção, uma sua pátria, uma sua comunidade, uma sua família, sem exibicionismos nem saltos à visibilidade. O mundo humano e desumano era a sua casa, sempre a habitar e a prover das entidades com que se transforma o mundo.
Esta a exigência de uma ética planetária, a qual rege o comportamento comum, sem monopólios nem discriminações.
É missão de qualquer convivente do universo a prática da justiça, a incomodidade face ao desrespeito dos direitos, o devotamente aos vazios, para que cessem, de acordo com a sentenças clínica e transversal a diferentes culturais: “faz aos outros o que querias que os outros te fizessem”.
A “Pro Dignitate”, instituição que dirigiu, teve sempre o sentido de um brasão: a favor da dignidade: Mas, mais do que um emblema, sempre personificou um compêndio de convicções ou da certeza de princípios. A luta a favor da erradicação da pobreza, o serviço á paz nas suas dimensões plurais, a sensibilidade à educação e à pedagogia, o culto da verdade e da isenção da comunicação social, a vivência da diáspora portuguesa e da sua condição migrante, o diálogo inter-religioso, a cultura nas suas várias manifestações com relevo para a arte da representação e da dicção, e demais sectores humanos, traduziram respostas concretas a problemas da cidadania.
Desde sempre foi este universo de saberes e preocupações, um gesto e uma predilecção. De igual modo, as suas naturais boas maneiras constituíram um modelo de respeitabilidade. Talvez por esse motivo, que nunca por tom palaciano, a opinião pública sempre a distinguiu como “Senhora”, que era!
A naturalidade, a dedicação sem limites, a abertura de espírito, a adesão a causas de exclusão, a tolerância, a cordialidade solidária, o carisma do diálogo, a coerência prática diante de opções cívicas, políticas e até confessionais, são muitas das cores com que pinto, interiormente, o retrato que me deixou da sua vida !
A alguns meses de sua morte, confidenciou-me que se andava a desprender da vida.
E acrescentou: “Vivo em paz e em serenidade”.
Uma mulher portuguesa, digna, recta, justa e solidária, a Senhora Drª Maria de Jesus Barroso Soares!
O seu sonho de mudar o mundo nunca foi em vão!
Há pessoas que não morrem. Foi o caso!     


                                                          Januário Torgal Mendes Ferreira 
                                                                            Bispo emérito
Lisboa, 30 de Novembro de 2015


LEONOR XAVIER






MARIA BARROSO
Ausente Presença
Por Leonor Xavier
Nela, vejo a liberdade como princípio de vida, a família como força e estrutura de caráter, a política como disciplina de comportamento, a fé como misteriosa e firme revelação em idade madura. Vinte anos depois de me ter perguntado se eu queria escrever a sua biografia, penso em Maria Barroso com a alegria de bem a ter conhecido e o fundo desgosto de a ter perdido. Ausente presença a guardo e a revejo, até hoje sou capaz de ouvir o som da sua voz.


Nas celebrações da morte, perguntaram-me a sua maneira de ser, o ambiente em que nasceu, os estudos, os amigos, o teatro, o amor, a política. Falou-se dos seus gestos de atenção aos outros, aos mais simples, aos anónimos. Foi relembrada a sua maneira clássica de vestir, a determinação no estilo, a harmonia nas cores, conforme as variadas circunstâncias em que estava presente. Forte e claro era o seu discurso amoroso constante, sempre que falava do seu amor de juventude, com devoção. As prisões, os exílios, as separações, os medos. Compensados pela coragem, pelo atrevimento, pela liberdade com que sempre se exprimiu nas causas que desde sempre defendeu.


Na sua expressão pública, Maria Barroso disse a importância da família na ordenação da sociedade, o perigo da violência, o valor da educação, a firmeza da palavra dada. Empenhou-se na assistência, aos flagelados, às vítimas de seca ou de chuva, no socorro às margens da sociedade. Nas questões políticas e sociais, intervinha, bem conhecendo os problemas comuns a todos e a todas, neste tempo. Podendo ser intolerante e até radical quando discordava, ela sentia a compaixão e praticava a misericórdia, a solidariedade, a doçura.
Na sua postura, vejo a marca de formação que recebeu como atriz nos anos 40 da sua juventude. Desde que no Teatro Nacional pertenceu à Companhia de Amélia Rey-Colaço-Robles Monteiro, para sempre lhe ficou a clareza na maneira de falar, a certa medida das frases, a colocação de pausas e pontos finais, o momento justo da respiração. As costas direitas, o olhar determinado, a expressão dos olhos a confirmar o que dizia e como dizia.


Desde o fim do segundo mandato do Presidente Mário Soares e até à morte, Maria Barroso teve uma média de duzentas intervenções públicas por ano. Dezenas de percursos pelo país inteiro. Uma vintena de viagens anuais, para destinos de curta e de longa distância. Fez conferências em escolas e universidades, participou em debates e congressos. Pela defesa dos direitos humanos, e pela cooperação lançou campanhas, procurou e conseguiu ajudas, apoios, parcerias. Na urgência de realizar, acreditava que as soluções possíveis existem.


E até hoje recordo e aqui cito o testemunho que deixou: “O meu reencontro com a fé deu-me uma serenidade muito grande para olhar todo o percurso da minha vida, despedir-me deste mundo sem receio nem angústia.” Escrevi-o no último capítulo da sua biografia. Sem imaginar que algum tempo depois, a hora da morte lhe chegava.
O segredo de Maria de Jesus Barroso
Em 2002, em nome da Universidade de Toronto, e por sugestão da nossa Leitora do Instituto Camões, Dra. Aida Baptista, enderecei um convite a Maria de Jesus Barroso, para fazer a abertura do I Congresso Internacional A Vez e a Voz da Mulher Imigrante Portuguesa.  Esse congresso seria parte das comemorações do cinquentenário da imigração portuguesa para o Canadá.  Como não conhecia pessoalmente Maria Barroso, imaginava que tivesse uma agenda muito preenchida, e receava que não aceitasse viajar para Toronto.
Para grande regozijo das organizadoras e de cerca de centena e meia de participantes, em setembro de 2003, tivemos o privilégio de contar com a sua comunicação de abertura no auditório do edifício Northrop Frye, Victoria College.  Nessa e noutras sessões do congresso, apercebemo-nos da simpatia, afabilidade e simplicidade no trato, ao partilhar connosco os seus conhecimentos e preocupações.
Creio que esse encontro de 2003 sobre a temática da imigração, com enfoque na mulher imigrante portuguesa, foi inesquecível também para Maria Barroso. Confessou-nos que algumas das questões abordadas nos trabalhos do congresso lhe pareciam dizer respeito, dada a sua experiência de exilada em Paris, na década de sessenta e mulher de um ativista constantemente preso e exilado. Afirmou a certa altura:
“A situação da mulher migrante é, em geral, mal conhecida. [...] eu própria convivi de perto com o problema da emigração, quando acompanhei o meu marido no exílio político a que o antigo regime o votou. Aí vivi esse problema, experimentando os mesmos dramas e dificuldades com que os nossos concidadãos se confrontavam.” (Marujo, Batista, Barbosa, 2003, p. 12).  
Bem informada também sobre as questões que diziam respeito ao Canadá, realçou a importância da educação das crianças e jovens luso-canadianos, o valor do ensino do português como língua de herança e de identidade, a taxa de emprego das mulheres imigrantes portuguesas, o envelhecimento e, sobretudo, referiu a importância da integração na sociedade canadiana. Deixou uma mensagem muito clara sobre os direitos devidos às mulheres e salientou que
“a voz da mulher migrante tem de começar a ser ouvida. Através da sua participação política, individual ou concertada, é menos provável que se atinjam os graves problemas da exclusão”.


A Dra. Maria Barroso participou nos debates com interesse, sensibilizou-se com alguns dos testemunhos, e mostrou-se grata pela oportunidade de estar a conviver não só com académicos do Canadá mas também da Austrália, do Brasil, dos EUA, da Inglaterra, de Portugal continental e do arquipélago dos Açores.
Voltei a encontrar em 2007, a Dra. Maria Barroso, em Toronto, a convite da organização Associação Mulher Migrante, e da Dra. Amélia Paiva que, nessa altura, exercia as funções de Cônsul-Geral de Portugal. Nesses “Encontros para a Cidadania”, uma vez mais nos impressionou pela sua participação ativa, entusiasta e conhecedora das questões. O cansaço de uma viagem intercontinental não era razão para recusar o desafio, sempre que a sua presença fosse considerada essencial.
Em 2008, atrevi-me a convidá-la para ir a Ponta Delgada participar no I Congresso Internacional A Voz dos Avós: Migração e Património Cultural.  Este Congresso foi organizado pela Universidade de Toronto em parceria com a Universidade dos Açores.  O reitor, Professor Avelino Menezes, e a Doutora Rosa Simas, do Departamento de Línguas e Literaturas Modernas, deram apoio incondicional para a organização de um primeiro congresso memorável. Na sessão de abertura, a Dra. Maria Barroso lembrou comovida o papel que a sua avó materna tivera na sua formação, sublinhando:
“É indispensável e fundamental não esquecer o papel dos avós, que urge recuperar. Tão importantes são os avós sobretudo no acompanhamento dos netos. São um enorme reservatório de afetos.
Temos de encurtar o salto geracional entre os anciãos e os jovens para que estes possam beneficiar de toda a sua sabedoria – como disse alguém ‘a sabedoria amadurecida no coração, a sabedoria que é como a plenitude de Outono, rica de cores e de tonalidades’”. (Marujo, 2010, p. 13).
A estadia na ilha de São Miguel, na companhia desta senhora sempre conversadora, dinâmica e amável, foi uma dádiva. O apoio do Presidente do Governo Autónomo Carlos César e de Maria Luísa César foi imprescindível. A Dra. Maria Barroso teve o acolhimento que lhe era devido como ex-primeira-dama do governo da República, celebrado com um jantar dado em sua honra, no elegante palácio da Conceição, sede do governo Regional, e para o qual foram convidados todos os participantes. Foi, então, motivo de comentários de admiração geral, a belíssima e maior carpete de Arraiolos que cobre o soalho de um dos salões do palácio, oferecida por Mário Soares nos anos da Presidência Aberta, e que a esposa nunca tivera oportunidade de apreciar. Nesse ambiente de festa, uma Maria de Jesus divertida e cheia de humor animou um serão que se prolongou noite fora.
O congresso com a temática “Avós”, que a levara aos Açores, impressionou de forma muito positiva a Doutora Maria Barroso. Por esse razão, prontificou-se, de imediato,  a ceder as instalações da Fundação Pro Dignitate em Lisboa, para a realização do segundo, dois anos depois.  Assim, foi nossa graciosa anfitriã no II Congresso A Voz dos Avós: Migração, Memória e Património Cultural realizado em 2010. Este congresso foi organizado pela Universidade de Toronto, em parceria com a  Universidade Aberta (CEMRI – Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais) e a Fundação. Maria Barroso esteve presente em todas as sessões, acolheu os participantes dos vários países, atendeu jornalistas e entidades especiais presentes nesse encontro, que teve a amabilidade de convidar. Graças a esse valioso patrocínio da Fundação foi publicado o livro  A Voz dos Avós – Migração, Memória e Património Cultural, já em segunda edição.
Depois destas manifestações de simpatia, sempre que me deslocava a Lisboa, nunca deixei de a ir cumprimentar à Fundação Pro Dignitate. Ia com o coração aberto para a ouvir e com ela aprender. A sua memória e cultura geral fascinavam-me. O seu interesse pelas causas que lhe tocavam a alma  eram contagiantes.
Em dez anos de convívio espaçado, passei bons momentos no seu belo e histórico gabinete - denominado A Sala da Rainha (ou de D. Maria I), junto à Basílica da Estrela, parte do antigo Convento do Sagrado Coração de Jesus -, a partilhar conversa, cafezinhos e chocolates que ela muito apreciava. E até um almoço amigável e inesquecível, no seu apartamento do Campo Grande, com a amiga comum Aida Baptista. Muito ao jeito português, mostrou-nos a casa, fotografias e objetos queridos.
Ficar-lhe-ei para sempre grata, em particular pela sua compreensão pelas minhas causas, sua generosidade e extrema/inexcedível simpatia. Perguntei-lhe muitas vezes a brincar, “Gostaria de ser como a senhora! Qual é o seu segredo?” e ela respondia: “Não se pode parar, o segredo é não parar”.  
Maia Barroso parou, por fim, a sua atividade. Porém, a sua incansável energia, cultura e maneira de estar no mundo não vão parar de me inspirar!
Manuela Marujo
Diretora Associada,
Departamento de Espanhol e Português
Universidade de Toronto


MARIA DE BELÉM ROSEIRA






TESTEMUNHO
A Senhora Doutora Maria de Jesus Barroso era uma das personalidades públicas mais estimadas do País.
O seu desaparecimento provocou um sentimento muito alargado de consternação. Eram infindáveis a s filas de pessoas que quiseram prestar-lhe uma última homenagem, num movimento a que raramente se assiste em Portugal. Apesar da sua avançada idade, a doçura do seu sorriso fazia-nos pensar nela como uma Mãe de todos nós.
Dizia sempre “presente” quando lhe pediam conselho, colaboração ou participação. Nunca abandonou as causas da sua vida e não recusava qualquer convite onde pudesse exprimir e verbalizar a importância de lutar por aquilo em que acreditava.
A primeira das suas batalhas, a da defesa da Liberdade, condição de base para o exercício dos direitos humanos que sempre defendeu e promoveu. Fê-lo com denodo, coragem e verticalidade quando era difícil e perigoso e nunca se amedrontou.
A segunda das batalhas que empreendeu ao longo de toda a sua vida foi a do ensino e do ensino com qualidade. Pedagoga de méritos reconhecidos e com provas dadas, orgulhava-se das diferentes gerações das mesmas famílias que tinha tido o gosto de ensinar e conhecia todos pelo nome! Lia-se-lhe nos olhos o afecto com que tinha exercido a docência e como continuava a acompanhar, todos os dias, o que se passava no seu Colégio.
A terceira das batalhas, a defesa e a promoção da Cultura.
Declamadora respeitada e reputada, contribuiu para a divulgação da obra das nossas grandes poetisas e dos nossos grandes poetas.
Era incansável, generosa, afectiva, corajosa e doce. Nunca receou envolver-se na defesa de princípios, mesmo quando essa defesa era incómoda, como a da denúncia da cultura de violência veiculada pelos meios de grande difusão. Entregava-se às ideias que defendia de corpo inteiro: com convicção e sólida argumentação!
Foi uma Mulher enorme, na sua vida privada e na sua vida pública. E soube estar sempre junto das portuguesas e dos portugueses lá onde quer que elas e eles se encontrassem –em qualquer parte do Mundo.
O que dela podemos dizer, em tempos conturbados como aqueles que estamos a viver, é que esta grande Senhora, que espalhou portugalidade pelo Mundo inteiro, que soube sofrer com os que sofriam e construir esperança junto de quem não a tinha, nos faz falta!
Faz-nos, mesmo, muita falta, sobretudo pela imensidão do que ainda teríamos que aprender com ela e com a sua generosa forma solidária de estar no Mundo!

Maria de Belém Roseira
Antiga Ministra da Igualdade




MARIA MANUELA AGUIAR
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MARIA BARROSO E A SUA LUTA PRO DIGNITATE

Maria Barroso. deixou um país inteiro saudoso de si, definitivamente orfão do seu sorriso maternal, da sua demanda de justiça, de uma cultura de paz e tolerância constantemente praticada de forma inegualável, afetiva, inteligente, pragmática. Ouvir, compreender, ajudar, achar as soluções possíveis estavam quotidianamente numa agenda ciclópica, que começava dentro de sua casa ou dentro do país, mas que, com facidade, ultrapassava quaisquer fronteiras , da Europa, da lusofonia, do mundo...
Era alguém que pensava sobre os desafios de uma sociedade em transformação, que traçava estratégias, e sabia passar da teoria à realidade, da defesa dos valores em abstrato à solidariedade muito concreta, Avaliava a importância da sua presença, da sua palavra, do seu incentivo - e estava sempre disposta a dá-los, generosamente, sem se poupar a esforços. Era uma maneira de estar na vida com os outros, pensando neles.
Não há. no nosso século XX, nenhuma outra portuguesa que se lhe possa comparar, no percurso de mais de 70 anos de militância por causas nobres, mobilizando amavel e poderosamente um sem número de pessoas com quem se cruzou. Percurso que passou pelos palcos do teatro, pela intervenção política - no tempo de lutar contra a ditadura ou de refazer a democracia - pelas salas de aula, pelo palácio presidencial, pelo espaço do voluntariado, da luta cidadã pela igualdade,...

A imagem ´cidadã de Maria Barroso construiu-se a partir das origens de um admirável trajeto de luta revolucionária, trajeto próprio, bem anterior ao encontro de destinos com Mário Soares, mas foi sedimentada durante "os anos de poder" ao lado do Primeiro Ministro e Presidente da República - anos em que conseguiu sempre ser ela mesma, numa afetiva cumplicidade com o marido, que não escondia a sua absoluta singularidade e independência de espírito, e, por isso, nunca ficou na sombra de um grande homem...

Foi no momento em que se despedia da Drª Maria Barroso, surpreso e comovido, que o País redescobriu - ou descobriu - a inteira dimensão da sua personalidade, o pleno significado de uma história de vida, que atravessou épocas e regimes,  norteada pela coerência de interesses cívicos e humanistas. Uma infinidade de testemunhos, de comentários, de artigos, de reportagens, de entrevistas, acabou por dar uma ideia mais exata da excecionalidade da sua ação, que foi sempre em crescendo, a força da experiência aliada à modernidade do pensamento. 
Depois dos anos passados em Belém, ao lado do presidente Mário Soares, as suas prioridades não passaram pela intervenção nas instituições do Estado nem pela atividade partidária.Tornou-se, no domínio que escolheu para afirmar os valores humanistas, que gostamos de situar no território comum do socialismo democrático e do fraternalismo crstão, uma individualidade cada vez mais admirada e consensual 
 Vivia a sua  crença em valores e princípios  praticando-os exemplarmente -  como católica, como portuguesa, como  lusófona, em espaços sem fronteiras...
Recordo,em especial, nesta publicação em que é homenageada pela Associação "Mulher Migrante", o seu papel num grande projeto desenvolvido em muitos países da nossa Diáspora, quando presidiu aos "Encontros para a Cidadaniai - a igualdade entre Mulheres e Homens", realizados entre 2005 e 2009.  Octogenária, cheia de vigor e entusiasmo, deu, como pudemos testemunhar todos os que com ela participámos nessa saga, às audiências um horizonte de esperança num novo relacionamento, mais próximo, mais confiante entre as pessoas, as gerações, o País.
Para Maria Barroso, na sua luta pela dignidade de cada ser humano, não havia favoritos - :portugueses, africanos, timorenses, refugiados, imigrantes, velhos, jovens, mulheres, homens... Não foi por acaso que deu a felicíssima denominação de PRO DIGNITATE à Fundação, onde levou a cabo.um trabalho incessante, tenaz, admirável em todas as áreas em que constantemente a solicitavam!
Fez imenso e fez tudo tão bem, na família, na profissão, nas instituições públicas, no puro voluntariado, até ao último dia que passou entre nós.!
Maria Barroso será lembrada como uma personalidade vanguardista nos séculos XX e XXI, como uma Mulher que nos deixou um legado de cidadania verdadeiramente intemporal.

Maria Manuela Aguiar
Antiga Seccretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas


NATÁLIA RENDA CORREIA


MARIA BARROSO
Hablar de María Barroso, es realmente hablar de una de las Mujeres más destacadas de Portugal, de todos los tiempos.
Bajo mi óptica puedo decir que fue una Mujer multifacetica, Diputada, Profesora, artista, defensora de los derechos humanos, defensora del sentido de familia, fundadora de la ONGD Pro Dignidade, se ocupó de la lucha contra el Racismo, la Xenofobia, la Violencia, fue creadora del Movimiento de Emergencia de Mozambique, se ocupó de los niños, fue la primera mujer portuguesa presidente de la Cruz Roja, una gran presidente.
Por esta y otras creaciones que ha realizada , María Barroso, está en el corazón de todas las personas que la conocieron, nunca pasaba inadvertida donde se hallara por su gran personalidad, dando el comentario necesario, la palabra justa.
María Barroso era una Mujer con un gran conocimiento de la Historia Portuguesa, siendo parte activa de su Patria al lado de su esposo , Presidente de la Nación, Dr. Mario Soares, se dice de detrás de un gran Hombre siempre hay una gran Mujer y la Dra. María Barroso reunía todos esos conceptos.
Tuve el Honor de recibir a la Dra. María Barroso el día 12 de Noviembre del año 2005 en Buenos Aires, Argentina, donde la Asociación Mulher Migrante Portuguesa de Argentina, organizó en la Sala Jorge Luis Borges, el Seminario Encontros para a Cidadania, que duró varios días, donde participaron 38 panelistas. Hombres y Mujeres de Portugal, de Brasil, de Venezuela, Uruguay,Argentina, Suecia,
Con la presencia del Secretado de Estado Dr. Antonio Braga, del Embajador António de Almeida Ribeiro y su Sra. esposa Sra. Embaixatriz Isabel de Almeida, la Dra. María Manuela Aguiar, Dra. Rita Andrade Gomes Pte. de la Mujlher Migrante de Portugal, Maria Kodama, la viúda de Borges, y muchas personalidades más, con la presencia de personalidades de la RTP de Portugal, Periodistas de la prensa Escrita y Radial, la mayor Delegación que tuvimos en la Argentina.
En otras oportunidades tuve la oportunidad de estar, en Lisboa, luego en Maia, donde pude ver su participación siempre dejando una enseñanza en todos los órdenes , reflejaba su don del saber, fue es y será siempre admirada por todos, ya que Mujeres con estas características quedan en la retina de todos que la conocieron.
Admiro a María Barroso porque le tocó luchar en una época machista, cuando una Mujer conseguía un derecho era todo una lucha personal muy costoso, ya que el papel de la Mujer no tenía ninguna oportunidad para lucirse. La que logró, logró porque tenía muchas virtudes, del conocimiento y de la ubicación personal para poder llegar a donde pretendía con sobrantes valores.
María Barroso una Mujer a imitar, por todas hoy y para siempre

Natália Renda Correia
Dirigente da Associação Mulher Migrante Portuguesa na Argentina

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