MARIA MANUELA AGUIAR
POLÍTICAS DE GÉNERO NA EMIGRAÇÃO PORTUGUESA
1 - As políticas para a emigração portuguesa
até meados do século XX limitavam-se praticamente ao controlo dos fluxos
migratórios e, ao longo de séculos (se olharmos o fenómeno em sentido lato, por
forma a abranger o êxodo que começou com a Expansão, o Império do Oriente, a
colonização do Brasil), tiveram um carater sobretudo limitativo ou repressivo,
atingindo muito mais as mulheres do que os homens. Foi sempre nítida a
diferenciação de género, que discriminava fortemente o feminino, a ponto de
podermos afirmar que a mais invariável das políticas de colonização e de
emigração, no caso português, é a proibição geral da saída de mulheres.
Os normativos e as práticas em que se
traduziu, sob uma capa do protecionismo, não parecem ter suscitado grande
oposição pública, nem entre os populares nem a nível das elites sociais e
políticas. Talvez o mesmo se possa dizer das próprias interessadas, embora
saibamos que algumas quiseram partir com maridos ou pais e obtiveram a necessária
autorização régia. E períodos houve de inflexão da estratégia dominante de
povoamento e colonização através da miscigenação, da união incentivada ou
permitida de portugueses com mulheres nativas. Foi o caso da colonização de
casais, ensaiada em várias parcelas do Império, - nas ilhas do Atlântico,
Angola, Brasil... - , ou de casamentos das "orfãs d'El- Rey", que iam
do reino ao encontro de compatriotas estabelecidos em paragens longínquas.
Destas relativamente poucas pioneiras da
história da Expansão dá-nos Júlia Néry um retrato no seu romance "Da
Índia, com amor - a extraordinária e desconhecida aventura das mulheres na
Carreira da India" - um retrato, que para além do seu interesse literário,
nos leva a pensar nas pessoas, jovens sujeitas aos perigos e incertezas de
viagens sem regresso, à vida em comum com homens que lhes eram destinados, em
terras desconhecidas: o preço humano das políticas de Estado, numa leitura
feminista.
Da literatura à ciência, o olhar retrospetivo
sobre as políticas de género na colonização portuguesa, é, ou pode ser,
igualmente negativo.
CR Boxer, historiador e especialista desta
época, que abordou questões de género, mais ou menos negligenciadas por quase
todos os outros, dedicou-lhes especial atenção numa série de palestras,
publicadas, em 1975, com o título original de "Mary and Misoginy". Na
tradução portuguesa, de 1977, o enfoque na misoginia perde-se completamente,
num invólucro de contrastante neutralidade, que aponta apenas para "O
papel da Mulher na Expansão Ultramarina Ibérica" Mas,de facto, em múltiplas
passagens desta sua obra, Boxer não poupa críticas à situação das mulheres
portuguesas, enclausuradas dentro de suas casas por pais ou maridos, tal como
nas fronteiras do território por imposição estatal, ao invés com o que
acontecia no resto da península.
É certo que Boxer compara, sobretudo, a
colonização castelhana das Américas com a nossa presença no Império do Oriente,
e que o número e proporção de mulheres envolvidas na edificação do Brasil, em
condições de vida mais semelhantes às do reino, é bastante superior, como ele
próprio não deixa de reconhecer. Contudo, a divergência fundamental persistia:
a Coroa espanhola (ou castelhana) fomentava a colonização por famílias
inteiras, enquanto a portuguesa barrava a partida das mulheres. Castela
legislou, recorrentemente, sobre a obrigação de os homens chamarem as esposas
para junto de si, ou regressarem ao Reino para fazerem "vida de
casados". Preocupação humanista - ou feminista – que era central no plano
de povoamento do Novo Mundo de fala castelhana, e servia, em simultâneo, outros
obetivos essenciais, como o da expansão da língua e da cultura. Dimensão
ausente nas preocupações dos monarcas portugueses, aparentemente insensíveis,
tanto face à sorte das mulheres, quanto à sua importância na preservação dos
costumes, formas de estar em sociedade, valores culturais.
O papel das mulheres na expansão ibérica que
surge irmanado no título da edição portuguesa de “Mary and Misiginy” era, pois,
muito diferentemente reconhecido pelas duas potências ibéricas que, então,
dividiam o senhorio dos mares...
Com isso, ao longo dos tempos, desde o Século
XVI, terão perdido as portuguesas, os portugueses e, igualmente, Portugal.
Di-lo, com meridiana clareza, Lokchart, ao
comparar as estratégias de colonização peninsulares:
[…] grandes regiões da América espanhola
tinham mulheres em número suficiente para permitir manter intactas a cultura e
tradições ibéricas, ao contrário do que aconteceu em muitos estabelecimentos
portugueses, onde elas eram poucas ou nenhumas, e onde a língua, a religião e a
cultura dos portugueses se reduziram drasticamente (Boxer, 1977:37))
Assim aconteceria, depois da partida dos
navegadores portugueses por todo o Oriente, salvando-se alguns preciosos
núcleos de lusofonia, que a pertença religiosa e através dela, laços culturais
e afetivos vêm mantendo até hoje (pensemos, por exemplo, em Malaca, onde o
próprio falar, originário da língua quinhentista, tomou a designação de
“kristang” e vem sendo defendido contra o risco de extinção, por professores e
dirigentes associativos locais, como Joan Marbeck (Marbeck, 2004), em ligação
com universidades asiáticas, e com a Fundação Gulbenkian (Marbeck, (1).
O português manteve, como sabemos, o seu
estatuto de “língua franca”, por quase um século, depois do declínio do império
do Oriente. Mas isso revela-nos, essencialmente, que se tornara veículo de
comunicação no mundo das transações comerciais, um mundo de homens.
Em muitos lugares da antiga presença lusa
ficou a pedra dos monumentos, os apelidos dos descendentes dos navegadores,
difusas memórias, porventura também afetos, potencialmente criadores de um
espaço onde a lusofilia poderá renascer, como, na atualidade, só Adriano
Moreira parece ter compreendido, com a convocação dos primeiros congressos
mundiais de cultura portuguesa, nos anos 60 do século XX.(2)
2 - Se na própria colonização promovida pelo
Estado o papel das portuguesas foi subavaliado e a sua inclusão contrariada,
não era de esperar que o fosse menos na fase de emigração.
A marginalidade das mulheres na aventura da
exploração dos mares e das terras teve a ver, como Boxer salientou, com uma
tradição misógina que se manteve incólume, ao longo de 500 anos. Só ela explica
a incompreensão do significado da componente feminina num projeto colonização,
em que se visava implantar valores civilizacionais.
Não era esse o caso na emigração, vista apenas
como meio de ganho material, sem se entrever a autêntica relevância social e
cultural das comunidades nascidas de sucessivas vagas migratórias. Na verdade, poucos
foram os que, como Afonso Costa, se deram conta da importância da chegada de
tantos portugueses ao Brasil independente, para aí ajudaram a manter a matriz
lusófona, numa nova situação de concorrência com outros povos europeus. Muitos o
fizeram contra leis e políticas extensivas aos dois sexos, mas sempre mais
permissivas para os homens. Porquê? Antes de mais, porque os Governos queriam
garantir o envio de remessas para o país. O montante atingido por essas verbas
– uma infinidade de pequenas poupanças que representavam grandes sacrifícios, a
acrescer ao sofrimento da separação familiar dos dois lados do oceano – era de
tal ordem, que delas dependia o equilíbrio da balança de pagamentos com o
exterior.
A reunificação familiar significava o fim das
remessas (divisas) e, em muitos casos, também o enraizamento em sociedades
estrangeiras. As mulheres subvertiam, perigosamente, o fenómeno migratório. no
sentido do não retorno, quer das pessoas, quer das divisas - um mal absoluto! Os
académicos foram os primeiros a configurá-lo assim. O Prof. Afonso Costa, que
não se opunha à emigração masculina, via na abalada de mulheres “uma depreciação
do fenómeno migratório”, porque como reconhecia, falando do “emigrante – homem”
[…] é quando a família fica na terra que ele envia mais regularmente as suas
remessas”: (Costa, 1913: 182). O Prof. Emídio da Silva, outro grande especialista
nesta área da investigação, partilhando o mesmo pensamento, escrevia, que a
nova tendência de saída maciça de mulheres era “uma constatação tremenda” pelos
perigos de “desnacionalização” e “cessação de remessas” (Silva, 1917: 132)
Fazedores de opinião, de políticas, numa
avaliação puramente economicista das vantagens do “fenómeno migratório”...
Porém, não houve discurso, nem lei, nem
autoridade que conseguisse estancar o êxodo (nem tão pouco, desviá-lo do
destino brasileiro para as colónias que restavam). De facto, na primeira década
do século passado, com o embaratecimento dos custos do transporte marítimo,
aumentou substancialmente, a reunificação familiar do outro lado do Atlântico. As
portuguesas e as crianças que as acompanhavam, constituíam cerca de 30% (um
acréscimo de 107% nessa fase, segundo Emygdio. da Silva), percentagem, que, ao
longo do século, aumentou, progressivamente, atingindo a quase igualdade na
emigração intra europeia.
Apesar da proximidade geográfica, também para
a Europa, os homens iam à frente, como dantes, mas, os tempos eram outros, com
o reagrupamento familiar a ser facilitado, em nome de direitos humanos
fundamentais, embora, em muitos países, as mulheres tivessem autorização de
residência com um estatuto jurídico de dependência, que não lhes dava acesso ao
trabalho – restrição que, porém, quase todas foram eficazmente torneando. E o
trabalho salariado mudou o seu destino e, também, o das comunidades
portuguesas. Com dois salários e um relacionamento mais igual e mais aberto com
os outros, compatriotas ou estrangeiros, se avançou na boa integração do casal
e dos filhos. (Leandro, 1995)
O mundo associativo refletia esta realidade,
do mesmo passo que favorecia a recriação de espaços extra territoriais de
língua e de costumes portugueses. A participação de mulheres, de famílias
inteiras, transformou os clubes masculinos – muitos criados à imagem de
tabernas ou cafés de aldeia - em verdadeiros centros de cultura popular, com o
folclore, o teatro, o restaurante de sabores caseiros, o desporto, as escolas.
As mulheres contribuíram poderosamente para o
enraizamento lá fora e, em grande número, como é sabido, resistem ao regresso, em maior
sintonia com as segundas gerações (Ramos, 2009). Mas não se pode ignorar que,
em contrapartida, são, sobretudo, elas as guardiãs da língua e da memória das
origens, do espírito da Diáspora, em que, bem vistas as coisas, se continua, no
povo e na cultura, uma segunda vida da Expansão
.
3 - A história das nossas políticas de
emigração demonstra que mais facilmente mudaram os regimes do que as políticas,
que praticamente se resumiam ao controlo e condicionamento dos fluxos de saída
(sobretudo femininos), ao desígnio nacional de captação e exploração das
remessas, e a uma constante falta de apoios no estrangeiro. Da monarquia
tradicional à constitucional, do regime monárquico à Republica e desta à
ditadura do "Estado Novo", neste campo, quase nada mudou.
Os serviços que foram sendo criados -
Comissariado da Emigração, em 1919, Junta de Emigração em 1948- destinavam-se a
prosseguir, essencialmente, aqueles objetivos (Gomes, 2014: 7 ). As primeiras
medidas de proteção dos expatriados procuravam responder às críticas de que a
imprensa se fazia eco das péssimas condições nas viagens marítimas, das doenças
e mortes a bordo e limitavam-se ao acompanhamento durante a viagem
transoceânica " (políticas do trajeto de ida", na formulação de Maria
Beatriz Rocha Trindade).
Os prenúncios de viragem, com extensão os
serviços de assistência do Estado fora de fronteiras, no auge da emigração
"a salto", deve-se ao dramatismo, de que aquela se revestiu, ao
crescente conhecimento público do que se passava, sobretudo, nos “bairros de
lata” (bidonville), à volta de Paris. O Secretariado Nacional da Emigração
(1971) criou delegações nessa e em outras cidades e as suas políticas de apoio aos portugueses
no estrangeiroà visavam não só a área
social, mas também o ensino da língua, dando um incipiente suporte material ao
associativismo, até então ignorado, apesar seu papel fundamental na entreajuda aos
compatriotas e até, também, na defesa dos seus valores culturais.
No entanto, no que respeita à emigração feminina,
apenas se regista uma maior tolerância do reagrupamento das famílias, possivelmente
na antevisão de um regresso, a prazo. De facto, quer da parte dos países de
destino como dos de origem as migrações intra europeias eram consideradas
processos temporários.
Estávamos nas vésperas da revolução de 1974, a
primeira das revoluções que teve uma significativa e imediata repercussão no
domínio das migrações: com o reconhecimento da liberdade de circulação e de um
estatuto de cidadania dos expatriados, visando estabelecer a igualdade de
direitos para os que vivem fora, direitos de participação política, e direito à
proteção do Estado.
Para definir e executar as novas políticas foi
criada, logo em 1974, a Secretaria de Estado da Emigração.
À Constituição veio proclamar a igualdade de
direitos de ambos os sexos, impondo ao Estado a criação de condições para a sua
efetivação, nomeadamente no que respeita à participação na vida pública. Todavia,
o organismo constituído para esse fim, uma comissão para a igualdade
(designação genérica, que uso para serviços cuja denominação, ao longo das últimas
quatro décadas, tem mudado com frequência) desenvolveu o seu trabalho,
prioritariamente, dentro das fronteiras territoriais, sem articular ações com
os serviços da Secretaria de Estado da Emigração, que, por seu lado, ignoravam
a especificidade das situações das migrantes
- só muitos anos depois, num caso exemplar, mas esporádico,(organização
de cursos de formação profissional para mulheres, após a nossa adesão à CEE), suscitaram
a colaboração da comissão da igualdade (Paiva.2005:14)
Pode perguntar-se o porquê dessa constante
omissão, num período em que as fronteiras se fecharam aos ingressos de homens
trabalhadores e se abriam, apenas, às mulheres, para reunião familiar. A
"feminização" da emigração era um fenómeno muito visível, e não se
ignorava os particulares problemas que implicava. Falava-se, correntemente, de
"dupla discriminação" das emigrantes, enquanto mulheres e enquanto
estrangeiras, mas isso não levava o Estado a empreender, como se esperaria, um
conjunto de medidas de resposta às discriminações.
Uma das explicações poderá encontrar-se na
falta de um paradigma, em termos de direito comparado, porque, de facto, a
falta de audição e representação das mulheres estendia-se à generalidade dos
países de emigração.
Uma outra tem a ver com o manifesto
desinteresse dos movimentos da sociedade civil por estas questões: dos
movimentos feministas, do início do século, que nunca olharam, solidariamente,
as mulheres das Diásporas (Aguiar, 2008: 1248); do próprio associativismo
feminino das nossas comunidades, mais voltado para meritórias obras de beneficência,
à maneira convencional, do que para questões de sufrágio, do exercício da
cidadania, e “empoderamento” das mulheres; do movimento associativismo misto na
emigração, que era dirigido quase exclusivamente por homens.
O Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP),
io órgão consultivo do governo, para a co-participação nas políticas de
emigração, criado em 1980 e eleito dentro do universo associativo (incluindo os
meios de comunicação social), veio evidenciar esta realidade. Por um lado, pela
total ausência de mulheres eleitas no 1º Conselho, que reuniu em abril de 1981,
por outro, pela inexistência de recomendações respeitantes às questões de
género.
Uma segunda eleição, em 1983, trouxe ao CCP
duas jornalistas, Maria Alice Ribeiro, de Toronto, e Custódia Domingos, de
Paris. Fica a dever-se à Conselheira do Canadá a proposta inédita de convocação
de um encontro mundial de mulheres migrantes, para delinear políticas com a
componente de género. A Secretaria de Estado aceitou a ideia, os trabalhos
preparatórios foram logo iniciados e o encontro teve lugar em Viana do Castelo,
em Junho de 1985, com a presença de portuguesas que, nas principais comunidades
dispersas pelo mundo, se dedicavam ao jornalismo e ao associativismo (as duas
componentes do CCP).
Aí as participantes (selecionadas pelo
curriculum e pela apresentação de comunicações) procederam a um vasto levantamento
de situações e de potencialidades, falando não só de si próprias, mas das
comunidades como um todo e do seu futuro. No fim, apresentaram recomendações e
fizeram propostas - tornando a reunião numa espécie de CCP no feminino e
manifestando a intenção de constituir uma organização internacional feminina da
Diáspora. Como quiseram salientar, Portugal tornara-se com este congresso, que
foi patrocinada pela UNESCO, um país pioneiro, pois não havia conhecimento de
nenhuma iniciativa semelhante, a nível europeu ou mundial. No respeitante a
políticas de “empoderamento” das mulheres, antecipara, assim, em 10 anos, uma
das principais recomendações da IV Conferência das Nações Unidas (Rego,
2012:96)
Todavia, a organização internacional de
Mulheres tardava em se constituir e no CCP nada se alterara, neste domínio. O
governo, para implementar as principais recomendações do 1º Encontro e para dar
seguimento à audição das migrantes, decidiu instituir uma "conferência
para a participação das mulheres", com carater periódico, a funcionar, tal
como várias conferências sectoriais, na órbita do CCP (3).
A queda do governo e a sua substituição, nesse
ano, ainda que operada dentro do mesmo quadro partidário, redundou em grandes
alterações na vida do Conselho, que acabaria por ser extinto, e, com ele, se
perdeu o projeto das "conferências". A experiência pioneira começada
em Viana foi interrompida, num interregno de mais de duas décadas.
4 - O relançamento das políticas de audição e
mobilização das mulheres emigrantes para a participação, foi novamente suscitado
pela sociedade civil, por uma associação formada em Lisboa, em 1993 - a
"Mulher migrante - associação de estudo, cooperação e solidariedade”, que
reunia algumas das intervenientes do Encontro de Viana, ligadas àquele projeto
por laços diversos - emigrantes, funcionárias e funcionários (ou
ex-funcionários) dos serviços da Secretaria de Estado das Comunidades
Portuguesas, investigadoras e investigadores, jornalistas, militantes de
movimentos cívicos e de sindicatos, sob a liderança de uma portuguesa do
Brasil, a Eng.ª Fernanda Ramos
A nova ONG inspirava-se na experiência de 1985
e veio, efetivamente, a dar-lhe seguimento, despertando a consciência para o
facto do vazio de atuação pública, retomando o caminho aberto em Viana, numa
via de diálogo e de cooperação Estado - sociedade civil.
Durante um primeiro ciclo, entre 1993 e 2005,
a cooperação estabeleceu-se, sobretudo, com as comissões para a igualdade, que
se mostraram mais recetivas para esta problemática do que a SECP ou o CCP - reativado
em 1996, em novo figurino, com uma eleição por sufrágio direto e universal, que
trouxera a cena um pequeno número de mulheres, em número insuficiente para por
a questão de género na sua agenda). (4).
A rotura com esta tradição de indiferença dos
poderes públicos verifica-se no ano de 2005 e parte, de uma proposta
apresentada pela AEMM ao SECP António Braga - uma oferta de colaboração para
reiniciar o percurso interrompido desde Viana/85, decorrido precisamente 20
anos sobre a data do 1º Encontro
António Braga aceitou a ideia de imediato, e imprimiu ao projeto
um desenho original: as ações de mobilização ficariam diretamente a cargo das
ONG’s, em parceria com o governo e as audições seriam realizadas em diferentes
regiões do mundo, só depois sendo convocado um congresso mundial.
Os chamados “Encontros para a Cidadania – a igualdade entre homens
e mulheres” foram assim da responsabilidade da associação” Mulher
Migrante “e outras organizações atuantes dentro do país, na área dos direitos
da mulher e dos direitos humanos, em estreita colaboração com associações das
comunidades em cada uma das regiões. O ciclo iniciou-se na América do Sul
(Buenos Aires, 2005), prosseguiu na Europa (Estocolmo, 2006), na América do
Norte, costa leste (Toronto, 2007), na África (Joanesburgo, 2008), e na América
do Norte, costa oeste (Berkeley, 2008), terminado com um Encontro
internacional (em Espinho,) com a participação de relatoras de cada uma das
reuniões regionais. (Aguiar, 2009:33-44).
Em todas as diversas organizações estiveram envolvidas as
missões diplomáticas portuguesas e instituições privadas a Associação da Mulher
Migrante Portuguesa da Argentina, a Federação das Associações de Mulheres
Lusófonas (PIKO), na Suécia, a associação "Working Women" e outras,
no Canadá, a Liga das Mulheres Portuguesas na África do Sul, as professoras
portuguesas do Departamento de Estudos Europeus da Universidade da Califórnia
em Berkeley, nos EUA.
O governo esteve sempre presente como interlocutor, a
nível político, com António Braga, Secretário de Estado das Comunidades, ou
Jorge Lacão, Secretário de Estado da Presidência, (onde estava sedeada a
comissão para a igualdade).
Um paradigma muito eficaz, baseado numa dupla parceria:
entre Estado/ Sociedade Civil e entre as Secretarias de Estado que tutelam os
serviços de emigração e a comissão da igualdade, que tinham, como vimos, quase
sempre tinham agido isoladamente. O projeto comum era, declaradamente, o de
desenvolver políticas de cidadania e de igualdade na emigraçãoportuguesa.
Em 2005, em Buenos Aires, António Braga manifestava a intenção
de "retomar" nas políticas públicas, "a questão de género que
tem andado esquecida ao longo dos anos"
Jorge Lacão, no Encontro de 2006 e na Conferência para a
Igualdade em Toronto, assumia que o dever constitucional imposto ao governo de
promover a igualdade entre mulheres e homens se estende ao espaço da emigração,
dizendo que: “No seu programa, o XVII governo português comprometeu-se a
estimular a participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo
como princípio orientador a Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses
e todas as portuguesas, nomeadamente a igualdade de género, independentemente
de serem ou não residentes em Portugal" Reconhecia, também, que a
igualdade de género ganhara o seu lugar central, “através da transversalização
da perspetiva de género em todas as áreas prioritárias de política social,
económica e cultural (gender mainstreaming), ao qual se associam medidas de
carater positivo onde persistem notórias assimetrias de género”.(Lacão, 2009:9)
Era esse, incontestavelmente, o caso da (não) participação
igualitária no mundo associativo da Diáspora, que, persiste na maior parte dos
países de destino, mesmo em sociedades estrangeiras, onde a integração foi não
só conseguida como impulsionada pelas mulheres (Ramos, 2009:49). Daí que o foco
do programa para a igualdade em 2005/2009 incidisse nas questões de cidadania,
de inclusão no plano da intervenção cívica e política, da liderança do
movimento associativo.
O CCP, órgão de diálogo sobre definição de políticas de
emigração onde as mulheres nunca estiveram em número e posição igual, tornou-se
o alvo da primeira aplicação da "Lei da Paridade", voltando a ser
figurante da história das políticas de género, apesar dos resultados da
aplicação da Lei na sua composição e funcionamento terem sempre, até hoje, ficado
aquém das metas da paridade (5)
Um novo passo significativo foi dado na Assembleia da República
com o debate e a aprovação da Resolução nº 32/2010 sobre a igualdade de género
na emigração.
Nunca antes o parlamento português se debruçara sobre esta problemática,
instando o governo a ação imediata e continuada, apontando a via da cooperação
estreita entre Estado e ONG's das comunidades, fazendo do
"congressismo" - colóquios, debates, jornadas de reflexão . um dos
instrumentos privilegiados de sensibilização para a igualdade.
O XIX governo constitucional, com o Secretário de Estado José
Cesário (que, na qualidade de deputado, havia sido o autor da referida proposta
de recomendação), seguiu as linhas estratégicas contidas na Resolução, com
isso, retomando o fio condutor das políticas do Executivo anterior, com o mesmo
tipo de parceria com as ONG’s do país e do exterior. Os congressos mundiais de
2011 (na cidade da Maia) e de 2013 em Lisboa, no Palácio das Necessidades,
alternaram com encontros e debates em comunidades europeias e transoceânicas,
em alguns casos envolvendo a co-organização com universidades de grande
prestígio, dentro e fora de Portugal, pondo em contacto e interação dois mundos
que nem sempre convivem facilmente: o associativo e o político com o académico,
por outro – mas sem cuja colaboração não há políticas que possam acompanhar as
transformações da realidade às quais se dirigem, nem saber que tenha a melhor
utilização prática.
A maior visibilidade das migrações femininas depende em larga
medida dessa cooperação. E, evidentemente, antes do mais, da tomada de consciência
pelas mulheres migrantes da importância de viverem a igualdade nas comunidades
do estrangeiro. Por outras palavras, do seu “empoderamento”
Conclusão:
Nesta breve exposição, centramos a atenção nas políticas do
Estado, em séculos de discriminação das mulheres (ou de descaso) e numa década
singular, norteada pela ideia da igualdade e pelo acento numa cultura de
diálogo, usando o que chamamos “congressismo” como instrumento insubstituível,
por um lado, para a compreensão de uma realidade em constante mudança
(redimensionada por novas migrações em massa, incluindo as femininas, cada vez
mais heterogéneas e dispersas geograficamente), e, por outro lado, para a
expressão de projetos próprios da sociedade civil, que cabe ao Estado potenciar
com os seus meios, e não dirigir com os seus ditâmes.
Assim aconteceu ao longo
dos últimos dez anos, numa linha de continuidade que resistiu à alternância
democrática de governos. Um tempo demasiadamente curto para falarmos de
enraizamento de uma tradição, mas já suficiente para nos dar esperança de que
isso venha a acontecer, num contexto europeu e até nacional de crescente
sensibilidade para as questões de género.
Notas
(1) Joan Margaret Marbeck foi bolseira da Gulbenkian, e contou
com o apoio da Fundação para publicações sobre o “kristang”, uma fala em risco
de se perder, como expressão de uma comunidade euro asiática, luso malaia, da
qual é é uma dinâmica dirigente
(2) Adriano
Moreira, na qualidade de presidente da Sociedade de Geografia, tomou a
iniciativa de convocar e organizar dois Congressos das Comunidades de Cultura
Portuguesa, que constituíram as primeiras grandes reuniões do mundo lusófono,
unido pela Cultura – tornando-se um verdadeiro precursor da CPLP
(3) Foi o CCP que aprovou uma recomendação para a criação de várias
conferências – para o ensino, a juventude, os assuntos económicos - não, porém,
a destinada a incentivar a participação das mulheres, a única que foi
acrescentada àquela lista, por iniciativa
do próprio Governo
(4). Algumas das poucas
iniciativas tomadas pelo CCP, neste campo, foram muito importantes, mas circunscreveram-se
ao nível local, com destaque para o Canadá, EUA e Uruguai.
No Canada, o coordenador
do CCP, Conselheiro Manuel Leal, promoveu uma série de seminários e ações de
sensibilização para a igualdade, acompanhado, sobretudo, pela Conselheira Maria Alice Ribeiro. Nos EUA,
foi a Conselheira Manuela Chaplin quem desenvolveu algumas ações semelhantes,
com o apoio do coordenador do CCP neste país, conselheiro João Morais. Na América do Sul distinguiu-se o Conselheiro Luís Panasco
Caetano, que representava o Uruguai e um conjunto de outros países com pequenos
núcleos de portugueses, e mantinha contactos estreitos com o movimento
associativo no sul do Brasil e Argentina (é um dos históricos organizadores dos
“Encontros do Cone Sul”).. Em vários desses países, foi ele que diligenciou uma
multiplicidade de encontros informais, visando o envolvimento das mulheres no
associativismo, em colaboração com a associação “Mulher Migrante”
(5), Fernanda Ramos, viúva,
mãe de nove filhos, empresária em Minas Gerais tinha um excecional curriculum
associativo, era conhecida em todo o Brasil e foi a primeira mulher a presidir
ao “Elos Clube Internacional” das comunidades lusíadas.
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"1º Encontro Portuguesas Migrantes no Associativismo e no
Jornalismo", Porto, COPAG, CRL
Silva Emygdio " Emigração Portuguesa", Coimbra, França
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