A DÉCADA 1974-1984
MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS
Os movimentos migratórios neste período não foram directamente influenciados
pelo processo revolucionário, com excepção do retorno em massa das colónias de África.
O grande êxodo dos anos 50 e 60, o maior registado na nossa
história, chegava ao fim, com a crise económica europeia e mundial de
1973/74, simplesmente porque os mercados de trabalho se fechavam a novos
imigrantes.
No sentido contrário, a descolonização trouxe, em
1974/75, de volta ao País, mais de 800.000 pessoas, em situação dramática, com
perda dos seus bens nas colónias, e muitas delas, sem passado
próximo em Portugal. No mesmo período, supõe-se que muitos ex-residentes
nas colónias (100.000 a 200.000?) terão reemigrado, sobretudo para a Republica
da África do Sul e para o Brasil. O Brasil foi o único país que abriu as fronteiras
a todos os portugueses vindos de África, numa situação humanamente, se não
juridicamente em situação semelhante à de refugiados. Aí, qualquer que fosse a
idade, as condições de saúde ou fortuna, todos receberam vistos de residência
definitiva, com a qual beneficiavam do Estatuto de Direito Civis e do Estatuto
de Direitos Políticos, nos termos do Tratado de Igualdade de Direitos e
Deveres entre Portugueses e Brasileiros (de 1971) -.
Também os regressos voluntários cresceram, sobretudo da Europa,
atingindo números próximos dos 30.000/ano, em média (um primeiro estudo,
completado em 1984 pelo grupo de investigação da Profª Manuela Silva (com base
no censo de 1980) apontava para cerca de meio milhão de regressos já
verificados. e mais algumas centenas de milhares até ao fim da década de 90. É
um dos temas, então, mais mediatizados, levantando, infundadamente, receio de
novos movimentos caóticos, que poriam em risco uma economia debilitada. De
facto, os processo de retorno de Angola e Moçambique, entre 1974 e 1976, e da
Europa, que muitos já então preparavam, nada têm de comum – estes últimos são
voluntários, planeados a médio prazo, dirigem-se às terras de origem, sub povoadas
pelas suas partidas, aproveitam casas recuperadas ou já construídas, poupanças
e benefícios fiscais em projectos de investimento. Na sua maioria, vêm para
viver de reformas, de rendimentos, de pequenos negócios, trazem prosperidade e
dinamismo a aldeias do interior. É uma reinserção natural, tão natural e
discreta que se torna praticamente invisível. Soma-se ao sucesso que,
retrospectivamente se reconhece, globalmente, ao retorno de África, também por
força de uma disseminação destes outros portugueses pelo país inteiro e pelo
vazio que vieram preencher em muitas regiões – um vazio de qualificações e
empreendedorismo que traziam consigo (um perfil muito diferente do trabalhar
rural que emigrara em meados do século XX
Com as novas saídas praticamente limitada ao
reagrupamento familiar, assiste-se à "feminização" da emigração, e os
fluxos registados até à meia década de 80 são os mais baixos do século. As
mulheres passam a constituir cerca de metade nas estatísticas da emigração.Com
elas, com famílias inteiras, as comunidades vão entrar num novo ciclo, marcado
pela vivência e preservação de costumes , de tradições, da língua.
Mas não cessara a propensão migratória dos portugueses e
esboçava-se já, em 84/85, a procura de novas destinos, como a Suiça, a par de
engajamento temporário no médio Oriente – em Israel, no Iraque.
II -NOVOS MEIOS INSTITUCIONAIS PARA A EXECUÇÃO DAS POLÍTICAS
DE EMIGRAÇÃO
Em 1974 é criada, no Ministério do Trabalho, a Secretaria de
Estado da Emigração (integrando os serviços preexistentes do Secretariado
Nacional da Emigação, que substituíra, em inícios de 70, a “Junta de Emigração”)..
Em fins de 1974, a SEE transite para o MNE, e, seguidamente, estende os seus
serviços em algumas Delegações no estrangeiro e no País
A vontade de melhor sustentar as políticas mais ambiciosas, com
estruturas mais diversificadas, leva à criação, pela AR, de um novo “Instituto
de Apoio à Emigração”, com competências específicas em matéria de regresso, e
de um “Fundo de Apoio a Emigração”, destinado a subsidia, nomeadamente, a
construção de centros associativos e as suas actividades (teria algo de inédito
na diáspora portuguesa, onde tudo o que está feito é extraordinário, mas nunca
se deveu a ajudas do Estado, pelo menos do Estado português.). De qualquer modo,
esses edifícios de uma nova arquitectura nunca arrancaram, a partir da Lei, nem
durante o governo que estava então no poder nem nos seguintes. Na verdade,
ambos os serviços se limitavam a duplicar competências já existentes, para o
melhor exercício das quais o que faltava era verba. Em 1980, o orçamento para
acções com as comunidades teve um enorme aumento (cerca de 400%), mas entendeu o
VI Governo Constitucional, em 1980, que, para o melhor acompanhamento de todo o
ciclo migratório, nas suas diferentes fases, se deveria, de preferência,
caminhar no sentido da unificação de serviços. Foi, assim, criado, o Instituto
de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas, em resultado da fusão da
Direcção Geral da Emigração e do Instituto de Emigração. A partir do IAECP, praticamente
sem custos, através de protocolos celebrados com Governos Civis e com algumas
Câmaras Municipais se cria uma rede de novas delegações – assim se começando a
desenhar a descentralização em regiões de forte emigração e regresso. A partir
de 1983, passou a Delegação do Porto a coordenar o acompanhamento do regresso,
a nível de um Centro de Estudo (funcionando por projectos de investigação
articulados com Universidades) e uma Comissão interdepartamental (à qual
organismos sedeados no Porto, como o IAPMEI, o ICEP, a CCRN,e muitas Câmara da regia, deram
excelente contributo).
III -EMIGRAÇÃO E CIDADANIA - transição do paradigma
"territorialista" para o "personalista"
A Revolução veio reconhecer aos Portugueses o seu
direito de emigrar livremente e o seu estatuto de cidadania, onde quer que a
emigração os leve a radicar-se.
Até 1974, o exercício da cidadania restringia-se ao
território nacional, pela imposição inexorável do "paradigma
territorialista", na expressão do Prof. Bacelar de Gouveia. A ausência no
estrangeiro implicava a perda de todos os direitos políticos e da própria
nacionalidade (se adoptassem a de outro país e, no caso das mulheres, se
casassem com estrangeiros), assim como de direitos sociais ou culturais
(maxime, o direito ao ensino da língua, de que o Estado nacional não curava,
deixando-o entregue às vicissitudes do associativismo).
A transição para o" paradigma personalista", que
se vai concretizando na evolução de um "estatuto dos expatriados"
norteado pelo princípio da igualdade, é um "acquis" da
Democracia, consagrado na Constituição de 1976 e aprofundado, progressivamente,
em revisões constitucionais e nas leis da República. Um processo ainda em
curso, que, nesta primeira década em democracia, deu passos muito
importantes:
1 - A elegibilidade e o direito de voto para a AR, em dois
círculos de emigração, com um total de 4 deputados - uma representação diminuta,
que constitui a única excepção ao princípio da representação proporcional. E que
era, em termos de direito comparado, na Europa, caso único (comparável enquanto
forma de escolha diferenciada, embora para outro órgão do Estado, só a França,
onde já então havia “senadores” da emigração, eleitos pelo Conséil Supérieur
des Français de l’Étranger” de entre os seus membros)
De fora ficou o sufrágio na eleição do PR , que só
viria a ser aprovado na revisão constitucional de 1997, e, também, o voto nas
eleições locais e regionais, ainda não alcançado.
2 - A aceitação da dupla ou múltipla nacionalidade (Lei nº 37/81).
A lei não dava, porém, eficácia retroactiva à reaquisição da
nacionalidade e, embora, prevendo a reaquisição fácil, por mera declaração do cidadão,
acabou por ser desvirtuada por uma regulamentação, que implicava demoras,
custos e obstáculos. Só em 2004 se conseguiu obter consenso parlamentar
para um processo efectivamente simples, célere com eficácia retroactiva.
3 - A criação, por iniciativa governamental, de um órgão de
representação especifica dos expatriados, junto do MNE - o Conselho das
Comunidades Portuguesas.
O CCP era composto por um núcleo de representantes eleitos
pelas associações de cultura portuguesa (de nacionalidade portuguesa ou não) e
por membros da imprensa, com estatuto de observadores. Constituía uma plataforma
de encontro das comunidades entre si e delas com o governo. O 1º
CCP foi pensado como uma instância para a
co-participação nas políticas para a emigração e a para a diáspora,
abrangendo, tanto nacionais, como outros lusófonos e lusófilos - uma forma de
retomar, em parte, ainda que sob a égide do Estado, o projeto
pioneiro de Adriano Moreira na década anterior (a União das Comunidades de
Cultura Portuguesa.
A partir de 1996/ 97, o CCP passa a ser eleito por
sufrágio universal, e a representar estritamente os emigrantes de nacionalidade
portuguesa.
Uma última referência ao CCP, para destacar o papel
que desempenhou na génese das políticas de género na emigração, ao ter
aprovado. na 1ª Reunião Regional da América do Norte, em 1984, a
recomendação da convocatória de um Encontro Mundial de Mulheres no
Associativismo e no Jornalismo (as duas principais componentes do próprio CCP).
O Encontro foi realizado no ano seguinte e deixou a sua marca na história
da emigração portuguesa.
4 - A instituição oficial do "Dia de Portugal, de Camões e
das Comunidades" .Assim, sem esquecer os emigrantes, se celebra, neste
dia, simbolicamente, toda a dimensão humana e cultural da Nação. Vitorino Magalhães
Godinho evocou como orador num 10 de Junho o "Portugal maior", no
mesmo sentido em que Adriano Moreira falou de "Nação peregrina" e Sá
Carneiro de "Nação de Comunidades", Nação de Povo.
Conclusão
O período de 1974/84 foi a grande década de viragem nas políticas para
a emigração e a Diáspora, traduzidas num novo relacionamento entre o Estado e
os Emigrantes, entre o Estado e a Nação.
Ficou, definitivamente, adquirido um estatuto de direitos dos expatriados,
caracterizado pelo primado dos direitos dos cidadãos sobre o puro nteresse do Estado.
O percurso para a plena afirmação dos direitos civis, políticos e culturais dos
emigrantes prosseguiria, não sem obstáculos e pulsões contraditórias, nas
décadas seguintes. E vai continuar, no caminho do aprofundamento da democracia,
que não se faz sem todos os Portugueses.
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