UNIVERSIDADE ABERTA
Mesa Redonda MULHERES MIGRANTES E CIDADANIA ANTES E DEPOIS DE ABRIL
5 de Junho
HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS FEMINISTAS E SUA PROJECÇÃO NA DIÁSPORA
Maria Manuela Aguiar
Resumo
-O movimento feminista português, e o seu paradigma de intervenção cívica nos “fora” do "congressismo", tem sido, no âmbito das iniciativas da AEMM, por várias vezes, tema em debate. O mesmo se pode dizer do associativismo feminino nas comunidades da emigração. Todavia o objectivo principal de tais reflexões não foi o de avaliar a projecção do feminismo português na nossa diáspora, o maior ou menor relacionamento entre diferentes formas de organização para a defesa dos direitos e interesses das mulheres dentro e fora do país, e as
suas similitudes e diferenças. Propomos, agora, esta abordagem, numa visão comparativa de realidades não necessariamente coincidentes no tempo, na busca dos traços persistentes da acção das mulheres portuguesas, em diversas épocas e espaços geográficos.
1 –A Génese do Movimento Feminista em Portugal
O movimento feminista surgiu tardiamente em Portugal, nas vésperas da revolução republicana, embora as suas raízes se possam encontrar em muitas e notáveis precursoras de oitocentos - que se afirmavam, pela inteligência e pela cultura no outeiros, em salões literários, ou no jornalismo, na imprensa feminina, nas Letras – num "espaço privado", ou em círculos restritos de vanguardismo..Tinha razão Carolina Michaelis de Vasconcelos, quando, em 1902, lamentava que em Portugal o feminismo estivesse totalmente por organizar, estava certa. Ninguém poderia prever que mudança iria ocorrer a breve prazo... Dois anos depois, Ana de Castro Osório, e algumas outras feministas participaram no Congresso do Livre pensamento. Em 2007, Ana Osório, Adelaide Cabete, Maria Veleda e outras das republicanas que seriam as
líderes do movimento foram aceites na Maçonaria. Pequenos passos na boa direcção. A súbita transformação de um estado de coisas dá-se na travessia da fronteira entre o espaço privado e o público, na invasão pelas mulheres de um domínio que lhes era proibido, em resultado de um pacto entre os líderes do Partido Republicano Português e mulheres republicanas já com “curricula” de luta cívica. Um escol feminino foi chamado à secreta preparação e à propaganda pública de uma revolução de regime, portadora de grandes esperanças de progresso nas leis, nos costumes, na vida democrática.
Nesse ano de 1908, foi, para isso, constituída a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, a solicitação dos dirigentes do PRP Bernardino Machado, António José de Almeida e Magalhães Lima. No ano seguinte, a Liga” foi integrada formalmente nas estruturas do partido. Estendeu-se, então, rapidamente, de norte a sul do país, convertendo-se na maior colectividade feminina do seu tempo (1) Resistiu, mesmo às cisões verificadas a partir de 1911, que levaram, nesse ano, à criação da Associação de Propaganda Feminista e, em 1914, do Conselho Nacional
das Mulheres Portuguesas, pelas principais ideólogas e dirigentes da Liga – Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo, Elzira Dantas Machado…Sem o suporte de uma máquina partidária omnipresente, tiveram influencia e fizeram história, mas ficaram muito
aquém da organização matricial, em número de associadas e de núcleos.
A extensa rede da “Liga” cobria o país, de norte a sul, alicerçada em ligações políticas e familiares – as militantes eram as mulheres, as filhas, as irmãs dos dirigentes republicanos, a nível nacional e local, como o comprovam os muitos apelidos comuns. Família por
parentesco e família ideológica entrelaçadas, constantemente! Ao lado de Ana de Castro Osório está o marido, o poeta e jornalista republicano Paulino de Oliveira, o pai, o juiz João
Baptista Osório, a mãe Mariana Osório de Castro, que viria a ser a segunda presidente da APF. Adelaide Cabete deve ao marido, cujo apelido adopta, a formação académica tardia, a licenciatura em medicina e o apoio constante no seu envolvimento cívico. Elzira Dantas Machado, casada com Bernardino Machado, por duas vezes Presidente da República, militava com as filhas na primeira linha das iniciativas feministas…·O mesmo acontecia com aquelas que Fina d’ Armada devolve à memória no século XXI· – as “Republicanas quase esquecidas” recordadas nas páginas do seu livro, com esse título: as Moura Portugal, Maria Clementina e as filhas, Maria Adelaide, Maria José e Antónia na Beira interior, as 3 irmãs de
Évora, Ana Laura, Cristina e Maria Chaveiro Calhau. (Ana tornou-se, em 1908, aos 16 anos, a primeira mulher do sul do país a falar num comício). As Cortesão, em Cantanhede - Maria Ester, presidente do núcleo da "Liga" era irmã de Jaime Cortesão e Maria Cortesão Paes,
também dirigente da "Liga Republicana”, casou com o activista republicano Avelino de Faria.. A algarvia Adelina Berger, casada com o Presidente da Câmara de Lagos. Laura Sumaviele, cujo marido, emigrante, “brasileiro de torna viagem”, seria, em 1913, presidente da
Câmara de Fafe. E tantas, tantas outras… (2).
Também houve, como sabemos, as que aderiram ao processo revolucionário, sem o apoio de parentes famosos, um grupo em que pontificam, naturalmente, escritoras, jornalistas, professoras primárias, como Maria Veleda, Laura Licínia Ramos, Maria José Pires dos Santos….
A aliança com os correligionários se, por um lado, projectou a organização feminista, no seu fulgurante começo, por outro, ter-lhe-á dado, a perspectiva da luta das mulheres como parte de um todo, num universo, em que queriam ser iguais, solidariamente - uma consciência muito clara de que a libertação das mulheres é também a libertação dos homens.
Nas palavras de Angelina Vidal:”Não separemos a nossa emancipação da emancipação do Homem”. Na mesma linha de pensamento, Ana de Castro Osório escrevia: “O verdadeiro feminismo é um dever, partilhado por homens e mulheres, de desejar que as mulheres sejam criaturas de inteligência e razão, educadas útil e praticamente, de modo a verem-se ao abrigo da dependência” .Vamos encontrar a mesmo pensamento no discurso de Maria
Veleda: “A necessidade de viver honestamente pelo trabalho é que nos inspirou o feminismo”::
Um feminismo muito feminino, em que queriam assumir, na tradicional veste de mães e de esposas, o reivindicado estatuto de direitos e deveres da cidadania plena. Animava-as uma ideia, verdadeiramente moderna nesse tempo, e até no nosso, da igualdade na diferença, da
paridade. O feminismo era visto como uma vertente do humanismo – “humanismo integral”, de que falava o escritor e feminista francês Léopold Lacour.
Todavia, logo após a implantação da República, tornou-se evidente que a utopia libertária, igualitária e fraternalista do programa do PRP chocava com um grosseiro oportunismo político, com o invencível receio do sentido de voto conservador do eleitorado feminino. A promessa do
sufrágio universal, do sufrágio feminino, não iria, nunca, ser honrada pelos homens da 1ª República, Foi, por isso, um tempo de desilusão e de cisões dentro do movimento, antes de mais entre as que eram mais republicanas do que feministas e aceitavam o passo que o partido impunha no tratamento das questões da cidadania feminina (caso de
Maria Veleda) e as que eram mais feministas do que republicanas e manifestavam abertamente o seu inconformismo, abandonado a Liga Republicana – entre elas, como dissemos, as fundadoras e suas primeiras líderes históricas
Apesar dos avanços registados noutros domínios – o divórcio, as leis de família, acesso a carreiras profissionais, à função pública, à abertura de escolas, à co-educação – muitas das feministas, que haviam estado em campos opostos, sentiam que a Revolução lhes dera muito
menos do que elas haviam dado à Revolução e à Republica, onde queriam direitos, antes de mais, para cumprir deveres, para trabalhar. É sintomático que tanto Ana de Castro Osório, como Maria Veleda se tenham afastado da vida política, antes mesmo da 1ª República se findar numa ditadura…
2 – Mulheres Republicanas na Emigração
O movimento feminista e republicano não teve um grande impacto nas comunidades do estrangeiro.
Nas vésperas da Revolução, nos seus primeiros tempos, estendeu-se a algumas cidades nas colónias portuguesas e há, sobretudo no Brasil, registo de actividades de membros da “Liga”, assim como da APF, mas as intervenções que são conhecidas devem-se a activistas que tomaram parte no movimento em Portugal, ou que eram porta vozes suas, fora de fronteiras, e não membros de organizações autónomas fundadas localmente ou de núcleos muito activos
É o caso de Domingas Lazary do Amaral, que participou na cerimónia pública de proclamação da República em Luanda (e que, após o seu regresso de Angola, militou na “Liga” em Portugal), de Ana de Castro Osório, enquanto viveu no Brasil, com o marido (que fora nomeado
Cônsul em São Paulo, entre 1911 e 1914), de Adelaide Cabete, anos mais tarde, entre 1929 e 1934, em Luanda (aí exerceu medicina, manteve o vigor da intervenção cívica e foi a primeira mulher a votar no plebiscito constitucional de 1933).
Muitas outras eminentes feministas passaram pelo estrangeiro – a monárquica Olga de Moraes Sarmento (Paris, Bruxelas, Buenos Aires, Nova York), Maria O’ Neil (Brasil), Cláudia de Campos (Londres), Alice Moderno, (nasceu em Paris, morou em Londres), Virgínia Quaresma (Rio de Janeiro) Regina Quintanilha (tinha escritórios de advocacia abertos em Nova York e no Rio de Janeiro), Elzira Dantas Machado (seguiu o marido, Bernardino Machado nos tempos penoso de exílio), Clementina Dupin de Seabra, grande empresária em Espanha, republicana, mecenas, uma das primeiras portuguesas a pedir o divórcio, e, durante o Estado Novo, a primeira procuradora à Câmara Corporativa. Particularmente interessante é o caso de Ana de Castro Osório, que de S Paulo influenciava, decisivamente, o discurso da recém criada APF.O jornal da Associação, (“A Semeadora”), publicado ao longo de três anos e meio, era financiado, em cerca de 40%, por accionistas de São Paulo (3).
Poderemos, assim, dizer que houve vozes feministas, mas não propriamente movimentos feministas na emigração… A singularidade do processo revolucionário no país fazia com que fosse irrepetível no estrangeiro. Era difícil a aproximação entre portuguesas separadas não
só pela distância, como pelas condições de luta cívica e política (4). E mais difícil era ainda a
organização das emigrantes num meio associativo, globalmente, fechado à sua participação – mais fechado do que a própria sociedade portuguesa.
A revolução republicana não transformou nem as políticas nem a realidade das comunidades da emigração, embora no período que se seguiu à revolução, nos anos de 1912/13, o êxodo migratório para o Brasil fosse o maior de sempre, e levasse para fora uma proporção crescente de mulheres. Era, todavia, muito mais uma emigração de massas, fugindo à pobreza do que um exílio de aristocratas, escapando do novo regime... Exilados houve alguns, e a revolução despertou, naturalmente, reacções, no interior das comunidades distantes, através de novas formas de associativismo – foram criados centros republicanos, centros monárquicos, mas poucos tiveram vida longa (5).
A presença feminina foi discreta, e ainda é, pelo menos nas grandes instituições portuguesas ou luso-brasileiras…As respectivas lideranças, admiráveis a muitos títulos, não se distinguiram pela preocupação com as questões de género, à maneira de um Magalhães Lima ou de um Bernardino Machado….
E não houve -fora dos períodos em que elas próprias estiveram emigradas - prosélitas como Ana de Castro Osório ou Adelaide Cabete.(6)
3 – Associativismo Feminino da Diáspora, no Século XX
O associativismo da “diáspora”, no século passado, distingue-se do associativismo feminista, a meu ver, por três divergências fundamentais, que respeitam ao posicionamento face à política, à religião e às próprias questões de género.
A ausência de uma componente política partidária na acção das emigrantes é a regra – quer no que respeita ao país onde vivem, quer em relação ao poder político em Portugal. Também de muitas formas de associativismo masculino, ou misto, se poderá dizer que a regra é a
mesma, mas com muito mais excepções, sobretudo na relação com Portugal.
O facto do associativismo feminino da diáspora ser menos politizado é, “de per si”, obstáculo a um enfoque na defesa dos direitos das mulheres. A intervenção feminina em colectivo, começa por se centrar em objectivos que melhor se coadunam com uma visão tradicional dos papéis de género, embora, em alguns casos, a tenham, num segundo tempo, ultrapassado corajosamente.
A conexão religiosa pode existir, ou não, mas, em qualquer caso, não conheço na Diáspora querela semelhante à que condicionou a primeira cisão da Liga, na sequência da qual as sufragistas, fundaram a APF, aberta a todos os credos, apartidária e internacionalista, Na mesma linha seria, depois, criado o CNMP
A “Liga Republicana” era eminentemente anti clerical, vendo na influência reaccionária da igreja do seu tempo a primeira das causas da submissão feminina, Pelo contrário, nas comunidades da emigração e noutro contexto, as paróquias católicas foram, por vezes, vistas como espaço propício à emancipação feminina. O melhor exemplo é o da comunidade de Oackland, na Califórnia, onde a igreja se revelou um lugar ideal para as mulheres conviverem e agirem, ao abrigo de proibições familiares ou crítica social. As duas maiores associações
portuguesas do século nasceram precisamente nesse reduto de confraternização feminina – a Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel derivou de uma sociedade de altar na Igreja de São José daquela cidade, para o modelo de sociedade mutualista A União Portuguesa
Protectora di Estado da Califórnia foi criada, também em Oackland, como obra de beneficência, sob a égide de Nossa Senhora da Imaculada Conceição e evoluiu, igualmente, para a integração nas correntes fraternalistas de socorros mútuos (8).
A SPRSI (1898) e a UPPEC (em 1901) constituíram uma resposta à exclusão de que as mulheres eram vítimas nas associações fraternais da sua comunidade. Pode dizer-se que foi resposta eficaz e sensacional.
Mesmo que essa não fosse a intenção que movia aquelas mulheres, na sua maioria de origem açoriana, elas converteram-se em símbolo vivo da capacidade feminina de gestão económica e de intervenção social. Para além do objectivo principal de prestar auxílio às filiadas – cuja
consecução já era, em si, um feito extraordinário numa época em que às mulheres a lei dos homens negava a administração dos seus bens próprios…- cooperaram activamente na sociedade local, tanto na vertente de beneficência, como da cultura. Ao longo de quase um
século, ambas as colectividades – e outras existiram, de menor dimensão – agregaram milhares de associadas, marcaram a vida das comunidades da Califórnia, combateram preconceitos, deram uma imagem extraordinária de empreendedorismo e evoluíram como modernas companhias de seguros. Já nos nossos dias, viria a ser questionada a razão de existir de seguradoras exclusivamente femininas, e aconteceu o que era previsível, primeiro a UPPEC, depois a SPRSI, optaram pela fusão com sociedades do mesmo ramo, com as quais ombreavam do ponto de vista do sucesso empresarial.
Na segunda metade de novecentos, as maiores associações femininas, nomeadamente as três que mencionarei, de uma forma muito sintética, estão voltadas, fundamentalmente, para o Bem fazer: a Sociedade de Beneficência das Damas Portuguesas, de Caracas, a Liga da Mulher
Portuguesa da África do Sul, a Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina.
A Sociedade de Beneficência das Damas Portuguesas foi pensada por conselho da Embaixatriz Susana Teixeira de Sampayo, que ainda hoje é lembrada como figura emblemática da instituição. Na sua sede própria de Caracas, começaram uma actividade que foi em crescendo, prestando cuidados médicos e alimentos a mulheres e crianças pobres –
independentemente da nacionalidade – e ajudando portugueses em situações de carência. Numa comunidade em que a primeira geração envelhecia, foi germinando o magno projecto da construção de um lar de terceira de idade, que, ao fim de anos, conseguiram por de pé – e é, talvez, o mais grandioso de todos quantos existem na Diáspora.
A Liga da Mulher Portuguesa da África do Sul, que tem núcleos espalhados pelas principais cidades do país, é mais orientada para as rmigrantes de vários estratos sociais e económicos, procurando o diálogo entre elas, a entreajuda, a formação profissional, a valorização dos
seus saberes. A Liga da Mulher foi, por isso, escolhida como parceira para a organização, em 2008, de um dos Encontros para a Cidadania, promovido pela AEMM, com o patrocínio da SECP; Na sequência dessa memorável reunião, que contou com larga participação de mulheres e homens, dando cumprimento a uma das propostas aí aprovadas, a Liga tornou-se pioneira na transposição do figurino das universidades seniores para as comunidades portuguesas.
A Associação da Mulher Migrante Portuguesa da Argentina é a mais recente e está, desde a origem, no final do século, ligada à AEMM – não como núcleo, mas como instituição autónoma, com o seu próprio programa para o repensar do papel das mulheres no mundo associativo Luso-.Argentino. A sua prioridade recaiu, justamente, na área da assistência social. Desde a falência da Beneficência Portuguesa em Buenos Aires, o vazio que deixara, nesta área, não tinha sido cabalmente preenchido, e estas mulheres mostraram querer tenta-lo.
O êxito que alcançaram foi relevante, tanto para a comunidade, beneficiária da obra realizada, como para o propósito de enaltecer as mulheres na vida das comunidades, perante os outros, na sociedade, e perante si próprias, dando-lhes auto-confiança. Em boa parte, o sucesso fica a dever-se à experiência associativa de quase todas elas nos bastidores, como coadjuvantes dos maridos, que se revelou valiosíssima quando se lançaram na aventura de uma afirmação colectiva e independente, para fazerem coisas novas, necessárias e bem feitas em conjunto – sem prejuízo de continuarem o trabalho nos centros e clubes comunitários.
Têm sido, por isso, excelentes mediadoras no interior do mundo associativo e na relação com a Embaixada de Portugal para o auxílio aos portugueses mais carenciados, por exemplo na aplicação dos subsídios do ASIC (apoio social a idosos carenciados). Em 2005, coube-lhes a responsabilidade da organização do 1º Encontro para a Cidadania, que foi um verdadeiro paradigma de eficácia e qualidade (10 )
Em 2013, a “Mulher Migrante” da Argentina fundou, em Villa Elisa, a primeira universidade sénior na América do Sul, aberta a dezenas de mulheres portuguesas e argentinas.
O primado dos projectos assistenciais na génese deste associativismo é, assim, uma característica que parece distancia-lo do movimento feminista, voltado, em primeira linha para a defesa dos direitos das mulheres, mas, apesar disso, há muitos pontos de contacto na forma como todas concretamente se envolveram no voluntariado, num e noutro paradigma, olhando atentamente os males e problemas sociais do seu tempo e procuraram minora-los. De facto, as principais organizações feministas estiveram ligadas ou patrocinaram iniciativas benéficas… E, por outro lado, as preocupações de intervenção cívica estão cada vez mais presentes nas associações femininas de feição tradicional. – que, todavia, ainda evitam as reivindicações da paridade no associativismo de perfil masculino - que equivaleria à exigência, em 1910, da influência directa na “res publica”, pelo voto e pela elegibilidade.
A via de um associativismo próprio, separado, nos dias de hoje, parece ser uma contestação indirecta à exclusão no associativismo misto, servindo o intuito de evitar a confrontação.
Falo de colectividades, não de figuras individuais, que fizeram ou fazem da defesa dos direitos das mulheres a sua causa. Para além das que já foram citadas, as escritoras e jornalistas Maria Archer, em São Paulo - onde chegou a presidir à “União da Mulheres Portuguesas (11) - e Maria Lamas em Paris; por exemplo, a actriz Ruth Escobar, a primeira mulher eleita para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo; a médica Manuela Santos, a primeira mulher
Secretária de Estado no Rio de Janeiro. E outras – agindo, em geral, também, fora do centro de gravidade comunitário…
De facto, a problemática da igualdade nas comunidades da emigração começou por ser suscitada não tanto do seu interior, como de fora – pelo governo português
O 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo, em Junho de 1985, foi, de facto, convocado pela Secretaria de Estado da Emigração, ainda que a pedido de duas dequelas “mulheres excepção” – Natália Dutra e Maria Alice Ribeiro, durante a reunião regional do Conselho das Comunidades Portuguesas, em Danbury, Connecticut, no Outono de 1984 .
Ao 1º Encontro vieram algumas das que mais se haviam notabilizado, até então, no jornalismo e no movimento associativo. Nas suas análises e conclusões se inspiraram as principais iniciativas que têm reunido, desde então, num esforço de mobilização cívica as mulheres emigradas, o Governo, organizações, como a AEMM: e associações da Diáspora
O Encontro Mundial de 1995, levado a efeito pela AEMM, e as parcerias entre governo e sociedade civil que permitiram a realização dos já referidos “Encontros para a Cidadania sob a presidência da Dr.ª Maria Barroso (entre 2005 e 2009), e dos congressos mundiais de 2011 e 2013. O congressismo” como instrumento de luta pela emancipação da mulher migrante, recuperou, assim, os valores intemporais do primeiro movimento feminista. (12)
”
4 – Associativismo Feminino Hoje - longe e perto de 1910
Na intervenção cívica das mulheres portuguesas, dentro e fora de fronteiras, ao longo do século XX, pontuado por duas revoluções e uma longa ditadura, encontramos, para além de algumas diferenças, muitas constantes. Vou, pois, propor para o tempo de debate desta mesa redonda, algumas das que me parecem mais significativas, esperando que outras possam assomar na reflexão conjunta que nos propomos
.
Enquadramento no grupo familiar
À congregação de famílias inteiras na luta pela revolução que prometia igualdade para todos, corresponde um envolvimento semelhante no movimento associativo da emigração, onde vamos encontrar as mulheres ao lado dos maridos, colaborando, com eles, formal ou
informalmente, mais ou menos na sombra.. E, quando são elas a organizar-se, a “entrar em cena”, a recíproca é, em regra, também se verifica - é normal serem os maridos os seus primeiros apoiantes. No passado, como actualmente, poderíamos citar um sem número de exemplos. Só de entre as protagonistas do 1º Encontro Mundial de1985 lembrarei: Maria Alice Ribeiro, indissociável do António Ribeiro, na direcção do mais antigo jornal da comunidade de Toronto, o Correio Português: Natália e Ramiro Dutra, ela dirigente de uma sociedade de beneficência, ele professor universitário e conselheiro do CCP,: Benvinda Maria e o Comendador Marques Mendes, ambos à frente do “Portugal em Foco” do Rio de Janeiro; Manuela da Luz Chaplin – advogada dos emigrantes, conselheira do CCP, escritora, presidente de múltiplas associações, sempre secundada, num infindo vaivém de meritórias actividades, pelo Charles.Chaplin, britânico tranquilo e perfeito lusófono. …
Mesa Redonda MULHERES MIGRANTES E CIDADANIA ANTES E DEPOIS DE ABRIL
5 de Junho
HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS FEMINISTAS E SUA PROJECÇÃO NA DIÁSPORA
Maria Manuela Aguiar
Resumo
-O movimento feminista português, e o seu paradigma de intervenção cívica nos “fora” do "congressismo", tem sido, no âmbito das iniciativas da AEMM, por várias vezes, tema em debate. O mesmo se pode dizer do associativismo feminino nas comunidades da emigração. Todavia o objectivo principal de tais reflexões não foi o de avaliar a projecção do feminismo português na nossa diáspora, o maior ou menor relacionamento entre diferentes formas de organização para a defesa dos direitos e interesses das mulheres dentro e fora do país, e as
suas similitudes e diferenças. Propomos, agora, esta abordagem, numa visão comparativa de realidades não necessariamente coincidentes no tempo, na busca dos traços persistentes da acção das mulheres portuguesas, em diversas épocas e espaços geográficos.
1 –A Génese do Movimento Feminista em Portugal
O movimento feminista surgiu tardiamente em Portugal, nas vésperas da revolução republicana, embora as suas raízes se possam encontrar em muitas e notáveis precursoras de oitocentos - que se afirmavam, pela inteligência e pela cultura no outeiros, em salões literários, ou no jornalismo, na imprensa feminina, nas Letras – num "espaço privado", ou em círculos restritos de vanguardismo..Tinha razão Carolina Michaelis de Vasconcelos, quando, em 1902, lamentava que em Portugal o feminismo estivesse totalmente por organizar, estava certa. Ninguém poderia prever que mudança iria ocorrer a breve prazo... Dois anos depois, Ana de Castro Osório, e algumas outras feministas participaram no Congresso do Livre pensamento. Em 2007, Ana Osório, Adelaide Cabete, Maria Veleda e outras das republicanas que seriam as
líderes do movimento foram aceites na Maçonaria. Pequenos passos na boa direcção. A súbita transformação de um estado de coisas dá-se na travessia da fronteira entre o espaço privado e o público, na invasão pelas mulheres de um domínio que lhes era proibido, em resultado de um pacto entre os líderes do Partido Republicano Português e mulheres republicanas já com “curricula” de luta cívica. Um escol feminino foi chamado à secreta preparação e à propaganda pública de uma revolução de regime, portadora de grandes esperanças de progresso nas leis, nos costumes, na vida democrática.
Nesse ano de 1908, foi, para isso, constituída a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, a solicitação dos dirigentes do PRP Bernardino Machado, António José de Almeida e Magalhães Lima. No ano seguinte, a Liga” foi integrada formalmente nas estruturas do partido. Estendeu-se, então, rapidamente, de norte a sul do país, convertendo-se na maior colectividade feminina do seu tempo (1) Resistiu, mesmo às cisões verificadas a partir de 1911, que levaram, nesse ano, à criação da Associação de Propaganda Feminista e, em 1914, do Conselho Nacional
das Mulheres Portuguesas, pelas principais ideólogas e dirigentes da Liga – Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete, Carolina Beatriz Ângelo, Elzira Dantas Machado…Sem o suporte de uma máquina partidária omnipresente, tiveram influencia e fizeram história, mas ficaram muito
aquém da organização matricial, em número de associadas e de núcleos.
A extensa rede da “Liga” cobria o país, de norte a sul, alicerçada em ligações políticas e familiares – as militantes eram as mulheres, as filhas, as irmãs dos dirigentes republicanos, a nível nacional e local, como o comprovam os muitos apelidos comuns. Família por
parentesco e família ideológica entrelaçadas, constantemente! Ao lado de Ana de Castro Osório está o marido, o poeta e jornalista republicano Paulino de Oliveira, o pai, o juiz João
Baptista Osório, a mãe Mariana Osório de Castro, que viria a ser a segunda presidente da APF. Adelaide Cabete deve ao marido, cujo apelido adopta, a formação académica tardia, a licenciatura em medicina e o apoio constante no seu envolvimento cívico. Elzira Dantas Machado, casada com Bernardino Machado, por duas vezes Presidente da República, militava com as filhas na primeira linha das iniciativas feministas…·O mesmo acontecia com aquelas que Fina d’ Armada devolve à memória no século XXI· – as “Republicanas quase esquecidas” recordadas nas páginas do seu livro, com esse título: as Moura Portugal, Maria Clementina e as filhas, Maria Adelaide, Maria José e Antónia na Beira interior, as 3 irmãs de
Évora, Ana Laura, Cristina e Maria Chaveiro Calhau. (Ana tornou-se, em 1908, aos 16 anos, a primeira mulher do sul do país a falar num comício). As Cortesão, em Cantanhede - Maria Ester, presidente do núcleo da "Liga" era irmã de Jaime Cortesão e Maria Cortesão Paes,
também dirigente da "Liga Republicana”, casou com o activista republicano Avelino de Faria.. A algarvia Adelina Berger, casada com o Presidente da Câmara de Lagos. Laura Sumaviele, cujo marido, emigrante, “brasileiro de torna viagem”, seria, em 1913, presidente da
Câmara de Fafe. E tantas, tantas outras… (2).
Também houve, como sabemos, as que aderiram ao processo revolucionário, sem o apoio de parentes famosos, um grupo em que pontificam, naturalmente, escritoras, jornalistas, professoras primárias, como Maria Veleda, Laura Licínia Ramos, Maria José Pires dos Santos….
A aliança com os correligionários se, por um lado, projectou a organização feminista, no seu fulgurante começo, por outro, ter-lhe-á dado, a perspectiva da luta das mulheres como parte de um todo, num universo, em que queriam ser iguais, solidariamente - uma consciência muito clara de que a libertação das mulheres é também a libertação dos homens.
Nas palavras de Angelina Vidal:”Não separemos a nossa emancipação da emancipação do Homem”. Na mesma linha de pensamento, Ana de Castro Osório escrevia: “O verdadeiro feminismo é um dever, partilhado por homens e mulheres, de desejar que as mulheres sejam criaturas de inteligência e razão, educadas útil e praticamente, de modo a verem-se ao abrigo da dependência” .Vamos encontrar a mesmo pensamento no discurso de Maria
Veleda: “A necessidade de viver honestamente pelo trabalho é que nos inspirou o feminismo”::
Um feminismo muito feminino, em que queriam assumir, na tradicional veste de mães e de esposas, o reivindicado estatuto de direitos e deveres da cidadania plena. Animava-as uma ideia, verdadeiramente moderna nesse tempo, e até no nosso, da igualdade na diferença, da
paridade. O feminismo era visto como uma vertente do humanismo – “humanismo integral”, de que falava o escritor e feminista francês Léopold Lacour.
Todavia, logo após a implantação da República, tornou-se evidente que a utopia libertária, igualitária e fraternalista do programa do PRP chocava com um grosseiro oportunismo político, com o invencível receio do sentido de voto conservador do eleitorado feminino. A promessa do
sufrágio universal, do sufrágio feminino, não iria, nunca, ser honrada pelos homens da 1ª República, Foi, por isso, um tempo de desilusão e de cisões dentro do movimento, antes de mais entre as que eram mais republicanas do que feministas e aceitavam o passo que o partido impunha no tratamento das questões da cidadania feminina (caso de
Maria Veleda) e as que eram mais feministas do que republicanas e manifestavam abertamente o seu inconformismo, abandonado a Liga Republicana – entre elas, como dissemos, as fundadoras e suas primeiras líderes históricas
Apesar dos avanços registados noutros domínios – o divórcio, as leis de família, acesso a carreiras profissionais, à função pública, à abertura de escolas, à co-educação – muitas das feministas, que haviam estado em campos opostos, sentiam que a Revolução lhes dera muito
menos do que elas haviam dado à Revolução e à Republica, onde queriam direitos, antes de mais, para cumprir deveres, para trabalhar. É sintomático que tanto Ana de Castro Osório, como Maria Veleda se tenham afastado da vida política, antes mesmo da 1ª República se findar numa ditadura…
2 – Mulheres Republicanas na Emigração
O movimento feminista e republicano não teve um grande impacto nas comunidades do estrangeiro.
Nas vésperas da Revolução, nos seus primeiros tempos, estendeu-se a algumas cidades nas colónias portuguesas e há, sobretudo no Brasil, registo de actividades de membros da “Liga”, assim como da APF, mas as intervenções que são conhecidas devem-se a activistas que tomaram parte no movimento em Portugal, ou que eram porta vozes suas, fora de fronteiras, e não membros de organizações autónomas fundadas localmente ou de núcleos muito activos
É o caso de Domingas Lazary do Amaral, que participou na cerimónia pública de proclamação da República em Luanda (e que, após o seu regresso de Angola, militou na “Liga” em Portugal), de Ana de Castro Osório, enquanto viveu no Brasil, com o marido (que fora nomeado
Cônsul em São Paulo, entre 1911 e 1914), de Adelaide Cabete, anos mais tarde, entre 1929 e 1934, em Luanda (aí exerceu medicina, manteve o vigor da intervenção cívica e foi a primeira mulher a votar no plebiscito constitucional de 1933).
Muitas outras eminentes feministas passaram pelo estrangeiro – a monárquica Olga de Moraes Sarmento (Paris, Bruxelas, Buenos Aires, Nova York), Maria O’ Neil (Brasil), Cláudia de Campos (Londres), Alice Moderno, (nasceu em Paris, morou em Londres), Virgínia Quaresma (Rio de Janeiro) Regina Quintanilha (tinha escritórios de advocacia abertos em Nova York e no Rio de Janeiro), Elzira Dantas Machado (seguiu o marido, Bernardino Machado nos tempos penoso de exílio), Clementina Dupin de Seabra, grande empresária em Espanha, republicana, mecenas, uma das primeiras portuguesas a pedir o divórcio, e, durante o Estado Novo, a primeira procuradora à Câmara Corporativa. Particularmente interessante é o caso de Ana de Castro Osório, que de S Paulo influenciava, decisivamente, o discurso da recém criada APF.O jornal da Associação, (“A Semeadora”), publicado ao longo de três anos e meio, era financiado, em cerca de 40%, por accionistas de São Paulo (3).
Poderemos, assim, dizer que houve vozes feministas, mas não propriamente movimentos feministas na emigração… A singularidade do processo revolucionário no país fazia com que fosse irrepetível no estrangeiro. Era difícil a aproximação entre portuguesas separadas não
só pela distância, como pelas condições de luta cívica e política (4). E mais difícil era ainda a
organização das emigrantes num meio associativo, globalmente, fechado à sua participação – mais fechado do que a própria sociedade portuguesa.
A revolução republicana não transformou nem as políticas nem a realidade das comunidades da emigração, embora no período que se seguiu à revolução, nos anos de 1912/13, o êxodo migratório para o Brasil fosse o maior de sempre, e levasse para fora uma proporção crescente de mulheres. Era, todavia, muito mais uma emigração de massas, fugindo à pobreza do que um exílio de aristocratas, escapando do novo regime... Exilados houve alguns, e a revolução despertou, naturalmente, reacções, no interior das comunidades distantes, através de novas formas de associativismo – foram criados centros republicanos, centros monárquicos, mas poucos tiveram vida longa (5).
A presença feminina foi discreta, e ainda é, pelo menos nas grandes instituições portuguesas ou luso-brasileiras…As respectivas lideranças, admiráveis a muitos títulos, não se distinguiram pela preocupação com as questões de género, à maneira de um Magalhães Lima ou de um Bernardino Machado….
E não houve -fora dos períodos em que elas próprias estiveram emigradas - prosélitas como Ana de Castro Osório ou Adelaide Cabete.(6)
3 – Associativismo Feminino da Diáspora, no Século XX
O associativismo da “diáspora”, no século passado, distingue-se do associativismo feminista, a meu ver, por três divergências fundamentais, que respeitam ao posicionamento face à política, à religião e às próprias questões de género.
A ausência de uma componente política partidária na acção das emigrantes é a regra – quer no que respeita ao país onde vivem, quer em relação ao poder político em Portugal. Também de muitas formas de associativismo masculino, ou misto, se poderá dizer que a regra é a
mesma, mas com muito mais excepções, sobretudo na relação com Portugal.
O facto do associativismo feminino da diáspora ser menos politizado é, “de per si”, obstáculo a um enfoque na defesa dos direitos das mulheres. A intervenção feminina em colectivo, começa por se centrar em objectivos que melhor se coadunam com uma visão tradicional dos papéis de género, embora, em alguns casos, a tenham, num segundo tempo, ultrapassado corajosamente.
A conexão religiosa pode existir, ou não, mas, em qualquer caso, não conheço na Diáspora querela semelhante à que condicionou a primeira cisão da Liga, na sequência da qual as sufragistas, fundaram a APF, aberta a todos os credos, apartidária e internacionalista, Na mesma linha seria, depois, criado o CNMP
A “Liga Republicana” era eminentemente anti clerical, vendo na influência reaccionária da igreja do seu tempo a primeira das causas da submissão feminina, Pelo contrário, nas comunidades da emigração e noutro contexto, as paróquias católicas foram, por vezes, vistas como espaço propício à emancipação feminina. O melhor exemplo é o da comunidade de Oackland, na Califórnia, onde a igreja se revelou um lugar ideal para as mulheres conviverem e agirem, ao abrigo de proibições familiares ou crítica social. As duas maiores associações
portuguesas do século nasceram precisamente nesse reduto de confraternização feminina – a Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel derivou de uma sociedade de altar na Igreja de São José daquela cidade, para o modelo de sociedade mutualista A União Portuguesa
Protectora di Estado da Califórnia foi criada, também em Oackland, como obra de beneficência, sob a égide de Nossa Senhora da Imaculada Conceição e evoluiu, igualmente, para a integração nas correntes fraternalistas de socorros mútuos (8).
A SPRSI (1898) e a UPPEC (em 1901) constituíram uma resposta à exclusão de que as mulheres eram vítimas nas associações fraternais da sua comunidade. Pode dizer-se que foi resposta eficaz e sensacional.
Mesmo que essa não fosse a intenção que movia aquelas mulheres, na sua maioria de origem açoriana, elas converteram-se em símbolo vivo da capacidade feminina de gestão económica e de intervenção social. Para além do objectivo principal de prestar auxílio às filiadas – cuja
consecução já era, em si, um feito extraordinário numa época em que às mulheres a lei dos homens negava a administração dos seus bens próprios…- cooperaram activamente na sociedade local, tanto na vertente de beneficência, como da cultura. Ao longo de quase um
século, ambas as colectividades – e outras existiram, de menor dimensão – agregaram milhares de associadas, marcaram a vida das comunidades da Califórnia, combateram preconceitos, deram uma imagem extraordinária de empreendedorismo e evoluíram como modernas companhias de seguros. Já nos nossos dias, viria a ser questionada a razão de existir de seguradoras exclusivamente femininas, e aconteceu o que era previsível, primeiro a UPPEC, depois a SPRSI, optaram pela fusão com sociedades do mesmo ramo, com as quais ombreavam do ponto de vista do sucesso empresarial.
Na segunda metade de novecentos, as maiores associações femininas, nomeadamente as três que mencionarei, de uma forma muito sintética, estão voltadas, fundamentalmente, para o Bem fazer: a Sociedade de Beneficência das Damas Portuguesas, de Caracas, a Liga da Mulher
Portuguesa da África do Sul, a Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina.
A Sociedade de Beneficência das Damas Portuguesas foi pensada por conselho da Embaixatriz Susana Teixeira de Sampayo, que ainda hoje é lembrada como figura emblemática da instituição. Na sua sede própria de Caracas, começaram uma actividade que foi em crescendo, prestando cuidados médicos e alimentos a mulheres e crianças pobres –
independentemente da nacionalidade – e ajudando portugueses em situações de carência. Numa comunidade em que a primeira geração envelhecia, foi germinando o magno projecto da construção de um lar de terceira de idade, que, ao fim de anos, conseguiram por de pé – e é, talvez, o mais grandioso de todos quantos existem na Diáspora.
A Liga da Mulher Portuguesa da África do Sul, que tem núcleos espalhados pelas principais cidades do país, é mais orientada para as rmigrantes de vários estratos sociais e económicos, procurando o diálogo entre elas, a entreajuda, a formação profissional, a valorização dos
seus saberes. A Liga da Mulher foi, por isso, escolhida como parceira para a organização, em 2008, de um dos Encontros para a Cidadania, promovido pela AEMM, com o patrocínio da SECP; Na sequência dessa memorável reunião, que contou com larga participação de mulheres e homens, dando cumprimento a uma das propostas aí aprovadas, a Liga tornou-se pioneira na transposição do figurino das universidades seniores para as comunidades portuguesas.
A Associação da Mulher Migrante Portuguesa da Argentina é a mais recente e está, desde a origem, no final do século, ligada à AEMM – não como núcleo, mas como instituição autónoma, com o seu próprio programa para o repensar do papel das mulheres no mundo associativo Luso-.Argentino. A sua prioridade recaiu, justamente, na área da assistência social. Desde a falência da Beneficência Portuguesa em Buenos Aires, o vazio que deixara, nesta área, não tinha sido cabalmente preenchido, e estas mulheres mostraram querer tenta-lo.
O êxito que alcançaram foi relevante, tanto para a comunidade, beneficiária da obra realizada, como para o propósito de enaltecer as mulheres na vida das comunidades, perante os outros, na sociedade, e perante si próprias, dando-lhes auto-confiança. Em boa parte, o sucesso fica a dever-se à experiência associativa de quase todas elas nos bastidores, como coadjuvantes dos maridos, que se revelou valiosíssima quando se lançaram na aventura de uma afirmação colectiva e independente, para fazerem coisas novas, necessárias e bem feitas em conjunto – sem prejuízo de continuarem o trabalho nos centros e clubes comunitários.
Têm sido, por isso, excelentes mediadoras no interior do mundo associativo e na relação com a Embaixada de Portugal para o auxílio aos portugueses mais carenciados, por exemplo na aplicação dos subsídios do ASIC (apoio social a idosos carenciados). Em 2005, coube-lhes a responsabilidade da organização do 1º Encontro para a Cidadania, que foi um verdadeiro paradigma de eficácia e qualidade (10 )
Em 2013, a “Mulher Migrante” da Argentina fundou, em Villa Elisa, a primeira universidade sénior na América do Sul, aberta a dezenas de mulheres portuguesas e argentinas.
O primado dos projectos assistenciais na génese deste associativismo é, assim, uma característica que parece distancia-lo do movimento feminista, voltado, em primeira linha para a defesa dos direitos das mulheres, mas, apesar disso, há muitos pontos de contacto na forma como todas concretamente se envolveram no voluntariado, num e noutro paradigma, olhando atentamente os males e problemas sociais do seu tempo e procuraram minora-los. De facto, as principais organizações feministas estiveram ligadas ou patrocinaram iniciativas benéficas… E, por outro lado, as preocupações de intervenção cívica estão cada vez mais presentes nas associações femininas de feição tradicional. – que, todavia, ainda evitam as reivindicações da paridade no associativismo de perfil masculino - que equivaleria à exigência, em 1910, da influência directa na “res publica”, pelo voto e pela elegibilidade.
A via de um associativismo próprio, separado, nos dias de hoje, parece ser uma contestação indirecta à exclusão no associativismo misto, servindo o intuito de evitar a confrontação.
Falo de colectividades, não de figuras individuais, que fizeram ou fazem da defesa dos direitos das mulheres a sua causa. Para além das que já foram citadas, as escritoras e jornalistas Maria Archer, em São Paulo - onde chegou a presidir à “União da Mulheres Portuguesas (11) - e Maria Lamas em Paris; por exemplo, a actriz Ruth Escobar, a primeira mulher eleita para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo; a médica Manuela Santos, a primeira mulher
Secretária de Estado no Rio de Janeiro. E outras – agindo, em geral, também, fora do centro de gravidade comunitário…
De facto, a problemática da igualdade nas comunidades da emigração começou por ser suscitada não tanto do seu interior, como de fora – pelo governo português
O 1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo, em Junho de 1985, foi, de facto, convocado pela Secretaria de Estado da Emigração, ainda que a pedido de duas dequelas “mulheres excepção” – Natália Dutra e Maria Alice Ribeiro, durante a reunião regional do Conselho das Comunidades Portuguesas, em Danbury, Connecticut, no Outono de 1984 .
Ao 1º Encontro vieram algumas das que mais se haviam notabilizado, até então, no jornalismo e no movimento associativo. Nas suas análises e conclusões se inspiraram as principais iniciativas que têm reunido, desde então, num esforço de mobilização cívica as mulheres emigradas, o Governo, organizações, como a AEMM: e associações da Diáspora
O Encontro Mundial de 1995, levado a efeito pela AEMM, e as parcerias entre governo e sociedade civil que permitiram a realização dos já referidos “Encontros para a Cidadania sob a presidência da Dr.ª Maria Barroso (entre 2005 e 2009), e dos congressos mundiais de 2011 e 2013. O congressismo” como instrumento de luta pela emancipação da mulher migrante, recuperou, assim, os valores intemporais do primeiro movimento feminista. (12)
”
4 – Associativismo Feminino Hoje - longe e perto de 1910
Na intervenção cívica das mulheres portuguesas, dentro e fora de fronteiras, ao longo do século XX, pontuado por duas revoluções e uma longa ditadura, encontramos, para além de algumas diferenças, muitas constantes. Vou, pois, propor para o tempo de debate desta mesa redonda, algumas das que me parecem mais significativas, esperando que outras possam assomar na reflexão conjunta que nos propomos
.
Enquadramento no grupo familiar
À congregação de famílias inteiras na luta pela revolução que prometia igualdade para todos, corresponde um envolvimento semelhante no movimento associativo da emigração, onde vamos encontrar as mulheres ao lado dos maridos, colaborando, com eles, formal ou
informalmente, mais ou menos na sombra.. E, quando são elas a organizar-se, a “entrar em cena”, a recíproca é, em regra, também se verifica - é normal serem os maridos os seus primeiros apoiantes. No passado, como actualmente, poderíamos citar um sem número de exemplos. Só de entre as protagonistas do 1º Encontro Mundial de1985 lembrarei: Maria Alice Ribeiro, indissociável do António Ribeiro, na direcção do mais antigo jornal da comunidade de Toronto, o Correio Português: Natália e Ramiro Dutra, ela dirigente de uma sociedade de beneficência, ele professor universitário e conselheiro do CCP,: Benvinda Maria e o Comendador Marques Mendes, ambos à frente do “Portugal em Foco” do Rio de Janeiro; Manuela da Luz Chaplin – advogada dos emigrantes, conselheira do CCP, escritora, presidente de múltiplas associações, sempre secundada, num infindo vaivém de meritórias actividades, pelo Charles.Chaplin, britânico tranquilo e perfeito lusófono. …
Uma visão abrangente das questões de género e das questões
sociais
A aceitação geral da presença feminina, contra os cânones de
uma tradição misógina, nos palcos dos comícios nas
vésperas da revolução, ou nos salões
associativos da Diáspora, muito se deverá ao facto de elas não estarem a lutar apenas em causa própria, mas
em causa comum - na propaganda
republicana, em sessões públicas onde a absoluta inovação da ingerência feminina era recebida com verdadeiro regozijo,
assim como, actualmente, no reordenamento da
orientação da vida associativa para as
questões culturais.... Os clubes
puramente recreativos, do tipo do café ou do bar da aldeia, redutos masculinos, transformam-se em agentes de
agregação e de cultura popular com a
chegada das mulheres, da juventude, ou seja, coma programação de comemorações,
de festas, com a gastronomia, o folclore,
o teatro, o desporto. Uma evolução que foi sublinhada em muitas das intervenções do 1ºEncontro Mundial, em
Viana do Castelo, onde se fez, ou refez,
pela voz das mulheres, numa primeira audição oficial, a autêntica história do associativismo, com um enfoque essencial no todo, no colectivo, mais do que naquela
parte que elas próprias constituíam.(13)
Desse discurso ressaltava, claramente a consciência
de que a mudança qualitativa se conseguira com elas – na família, nas colectividades, na comunidade. Uma
intenção de melhoria das condições
sociais, e não só individuais (ou de género)., que já encontráramos nas republicanas do início de novecentos
A mesma ausência de radicalismo, de conflito aberto com o outro sexo … A mesma
compreensão de todos ganham caminhando lado a
lado
Entre o conservadorismo e o vanguardismo
A procura de um equilíbrio – entre mulheres e homens, entre a vida familiar e o trabalho profissional, entre velhos costumes e novas ideias – foi apanágio da primeira vaga do feminismo nacional, claramente expresso no discurso como na praxis. Um discurso, forte,
moderno, incisivo, que ecoou na praça pública e ficou perpetuado nos seus escritos, porém feito por senhoras na aparência iguais às outras senhoras do mesmo estrato social. Contraste que nos dá um retrato de corpo e alma, destas portuguesas, que bordavam as bandeiras
republicanas pelas mãos delicadas, com que queriam votar, escrever, trabalhar para o futuro da democracia…
Esta é mais uma faceta presente ainda mas organizações femininas, ou mesmo, mais latamente, na actuação da generalidade das portuguesas activas nas comunidades da emigração na segunda metade do século XX. São mães de família, que assumem dedicadamente esse papel e cuja intervenção pública, em muitos casos, é fundamentalmente determinada pela preocupação com a escolarização e a formação das segundas gerações (14)
O associativismo das mulheres ainda tem o seu lugar hoje - e terá, na medida em que lhes oportunidades de agir que, de outro modo não teriam. Mais difícil é respondes à pergunta até quando? São cada vez mais as jovens que, quando participam, participam no associativismo misto. São cada vez mais as comunidades onde o acesso das segundas gerações ao dirigismo significa igualdade de género e onde as novas ideias se cruzam com os novos costumes (15)
A Libertação da Mulher pela educação e pelo trabalho
O primado da educação e da cultura na sua intervenção cívica é outro traço de união entre portuguesas épocas e lugares diferentes. Ocombate pela educação das mulheres tem, aliás, um passado bem mais longo do que o do feminismo republicano, e conta também com nomes de homens esclarecidos, e não necessariamente anti-clericais ou republicanos, como Verney ou Dom António Costa, primeiro-ministro da monarquia. Mas a causa do ensino público e generalizado assumia para as feministas uma enorme importância, constituindo o máximo
denominador comum entre todas elas. Unia as que o sufrágio separava…Umas aceitavam a posição partidária de que primeiro era preciso libertar a mulher pela via da educação, para que, num segundo tempo, pudesse aceder ao “minus” que consideravam a igualdade de direitos políticos.. Contudo, a rendição das mais notáveis sufragistas à ideia de condicionar o voto feminino em função do nível de instrução, acaba por as aproximar das opositoras, na mesma crença na força emancipadora do saber, e, bem assim, da independência da
mulher pelo acesso ao trabalho remunerado, a todas as profissões de
prestígio que eram coutada dos homens.
Decorrido um século, a questão do acesso ao trabalho, a boa integração dos filhos no sistema escolar local (a educação, praticamente sem distinção de sexo) continua a ser uma prioridade na agenda das mulheres. A emigração foi, aliás, para uma maioria delas, mesmo para as que
vinham de meios rurais ou operários, e não tinham curriculum académico, um caminho de emancipação pelo trabalho, pela abertura a sociedades multiculturais, onde tiveram capacidade de se adaptar tão bem ou melhor do que os maridos, sendo, em regra, as primeiras a contribuir para a integração de toda a família.
Os movimentos feministas – não só em Portugal, como um pouco por todo o lado – não tiveram em grande atenção os problemas específicos das mulheres migrantes, mas, no caso português, bem podemos dizer que as expatriadas foram, na maioria dos casos, na maioria das comunidades, as que melhor souberam cumprir as esperanças da luta das feministas, pela autonomia que alcançaram, através do trabalho fora de casa e da vivência de um papel mais igualitário dentro da família, e da sua influência decisiva no bom sucesso do projecto migratório. Feministas, sem se reconhecerem como tal – podemos afirma-lo, citando Ana de Castro Osório que considerava feminista “muita gente que se horroriza ou escandaliza com a palavra”
Em suma, hoje como no passado, vemos o percurso de afirmação colectiva das mulheres portuguesas no associativismo pautar-se por uma hábil procura de harmonia entre sexos, pela recusa de agressividade e de radicalismo. Não saberemos nunca se uma postura diferente, se a opção por um maior afrontamento no discurso e na actuação concreta, teria, ou não, obtido mais rápidos e melhores resultados…
Entre o conservadorismo e o vanguardismo
A procura de um equilíbrio – entre mulheres e homens, entre a vida familiar e o trabalho profissional, entre velhos costumes e novas ideias – foi apanágio da primeira vaga do feminismo nacional, claramente expresso no discurso como na praxis. Um discurso, forte,
moderno, incisivo, que ecoou na praça pública e ficou perpetuado nos seus escritos, porém feito por senhoras na aparência iguais às outras senhoras do mesmo estrato social. Contraste que nos dá um retrato de corpo e alma, destas portuguesas, que bordavam as bandeiras
republicanas pelas mãos delicadas, com que queriam votar, escrever, trabalhar para o futuro da democracia…
Esta é mais uma faceta presente ainda mas organizações femininas, ou mesmo, mais latamente, na actuação da generalidade das portuguesas activas nas comunidades da emigração na segunda metade do século XX. São mães de família, que assumem dedicadamente esse papel e cuja intervenção pública, em muitos casos, é fundamentalmente determinada pela preocupação com a escolarização e a formação das segundas gerações (14)
O associativismo das mulheres ainda tem o seu lugar hoje - e terá, na medida em que lhes oportunidades de agir que, de outro modo não teriam. Mais difícil é respondes à pergunta até quando? São cada vez mais as jovens que, quando participam, participam no associativismo misto. São cada vez mais as comunidades onde o acesso das segundas gerações ao dirigismo significa igualdade de género e onde as novas ideias se cruzam com os novos costumes (15)
A Libertação da Mulher pela educação e pelo trabalho
O primado da educação e da cultura na sua intervenção cívica é outro traço de união entre portuguesas épocas e lugares diferentes. Ocombate pela educação das mulheres tem, aliás, um passado bem mais longo do que o do feminismo republicano, e conta também com nomes de homens esclarecidos, e não necessariamente anti-clericais ou republicanos, como Verney ou Dom António Costa, primeiro-ministro da monarquia. Mas a causa do ensino público e generalizado assumia para as feministas uma enorme importância, constituindo o máximo
denominador comum entre todas elas. Unia as que o sufrágio separava…Umas aceitavam a posição partidária de que primeiro era preciso libertar a mulher pela via da educação, para que, num segundo tempo, pudesse aceder ao “minus” que consideravam a igualdade de direitos políticos.. Contudo, a rendição das mais notáveis sufragistas à ideia de condicionar o voto feminino em função do nível de instrução, acaba por as aproximar das opositoras, na mesma crença na força emancipadora do saber, e, bem assim, da independência da
mulher pelo acesso ao trabalho remunerado, a todas as profissões de
prestígio que eram coutada dos homens.
Decorrido um século, a questão do acesso ao trabalho, a boa integração dos filhos no sistema escolar local (a educação, praticamente sem distinção de sexo) continua a ser uma prioridade na agenda das mulheres. A emigração foi, aliás, para uma maioria delas, mesmo para as que
vinham de meios rurais ou operários, e não tinham curriculum académico, um caminho de emancipação pelo trabalho, pela abertura a sociedades multiculturais, onde tiveram capacidade de se adaptar tão bem ou melhor do que os maridos, sendo, em regra, as primeiras a contribuir para a integração de toda a família.
Os movimentos feministas – não só em Portugal, como um pouco por todo o lado – não tiveram em grande atenção os problemas específicos das mulheres migrantes, mas, no caso português, bem podemos dizer que as expatriadas foram, na maioria dos casos, na maioria das comunidades, as que melhor souberam cumprir as esperanças da luta das feministas, pela autonomia que alcançaram, através do trabalho fora de casa e da vivência de um papel mais igualitário dentro da família, e da sua influência decisiva no bom sucesso do projecto migratório. Feministas, sem se reconhecerem como tal – podemos afirma-lo, citando Ana de Castro Osório que considerava feminista “muita gente que se horroriza ou escandaliza com a palavra”
Em suma, hoje como no passado, vemos o percurso de afirmação colectiva das mulheres portuguesas no associativismo pautar-se por uma hábil procura de harmonia entre sexos, pela recusa de agressividade e de radicalismo. Não saberemos nunca se uma postura diferente, se a opção por um maior afrontamento no discurso e na actuação concreta, teria, ou não, obtido mais rápidos e melhores resultados…
NOTAS
(1) A “Liga Republicana, apesar de contar com muitas centenas de aderentes, nunca foi uma organização de massas, mas de uma elite urbana e revolucionária – as interlocutoras do PRP eram mulheres que tinham tido voz no 1º Congresso do Livre Pensamento, como,
seguidamente na Maçonaria. Ana de Castro Osório e Adelaide Cabete que presidiram às maiores organizações feministas, alcançaram, na Maçonaria, o estatuto de “veneráveis”. Em lojas independentes, 38 anos antes de isso acontecer em qualquer outro país! O que revela o alto prestígio moral e intelectual de que gozavam e o vanguardismo do Grande Oriente Lusitano em matéria de igualdade de sexos – com Magalhães Lima como Grão-mestre.
”A Loja Humanidade, presidida por Ana de Castro Osório, evolui normalmente dentro da hierarquia maçónica até receber a 6 de Junho de 1909 Carta Patente de Soberano Grande Capítulo de Cavaleiros Rosa Cruz”, informa Fernando Marques da Costa, numa das raras obras dedicadas à Maçonaria Feminina em Portugal
(2) Sem o incitamento ou beneplácito paterno, teria uma jovem de 16 anos, como Ana Calhau, podido discursar num comício político? Como ela, muitas jovens nascidas num meio familiar culto e progressista, tiveram a possibilidade de intervir, em público, com grandeinteligência e segurança, quando se lhes ofereceu a ocasião – entusiasmando multidões de republicanos, segundo relatos de época, cujo eco chegou até nós.
(3) A empresa de Propaganda Feminista e de Defesa dos Direitos das Mulheres, que financiava “A Semeadora”, tinha 64 accionistas (espalhados desde Manaus, na Amazónia, ao Rio Grande do sul, dos EUA, Cabo Verde, Angola, Moçambique até Ribandar, na Índia lusófona). 14 eram homens, entre eles, Magalhães Lima e o Juiz João Baptista Osório
(4) A organização feminina que mais eco e ramificações teve no estrangeiro, sobretudo no Brasil, foi a Cruzada das Mulheres Portuguesas, certamente, porque se centrava, não em problemas específicos das mulheres, mas numa causa patriótica, nacional– o apoio à participação do País na 1ª grande guerra. Foi tempo de tréguas entre facções do movimento feminista, entre monárquicos e republicanos, tanto no país como nas comunidades do estrangeiro. A mesma solidariedade se verificou a nível de outros movimentos de emancipação
feminina, por exemplo na Inglaterra, onde até as mais radicais, as “sufragettes,” sob a indómita direcção de Emmeline Pankhurst, se colocaram ao lado do governo, e do exército, do seu país (e aí, um governo do partido conservador, em regime monárquico, soube corresponder, com o reconhecimento do direito de voto feminino, antes mesmo do termo do conflito…).
· (5) A proibição das organizações de cariz político, por Getúlia Vargas, explica o desaparecimento da generalidade destas agremiações.
(6) Estamos, porém, num domínio em que faltam os estudos aprofundados. A imprensa das comunidades é um repositório precioso de informação, ainda largamente inexplorado. Um exemplo, embora mais tardio - décadas de 5o e 60 – é da feminista Maria Archer, que colaborou intensamente em vários periódicos comunitários, assim como em grandes jornais brasileiros, em escritos de intervenção política, que permanecem esquecidos. Nenhum romance ou novela nos deixou Maria, durante o seu longo exílio em São Paulo, ao contrário de Ana de Castro Osório, cuja vivência de apenas três anos, entre portugueses e brasileiros, nessa mesma cidade, a inspirou a escrever “Mundo Novo”. Um romance interessante, não só do ponto de vista literário, como numa perspectiva feminista (um enredo em que introduz constantemente o debate sobre velhos preconceitos e ideias novas sobre as mulheres, relatado pela figura central, que se chama, não por acaso evidentemente, Leonor da Fonseca)
(7) Deolinda Adão, especialista da história deste associativismo, num artigo publicado na revista da AEMM ( “Entre Portuguesas – homenagem a Maria Lamas”) salienta que a margem de autonomia que a SPRSI conserva, neste domínio, lhe pode permitir continuar a sua vocação beneficente.
(9) 30 mulheres portuguesas de Oackland fundaram, na Igreja de São José, em Março de 1898 uma sociedade de altar, cuja primeira presidente foi Rosa Oliveira. Três anos depois, autonomizaram-se da Igreja, criando a SPRSI, em moldes mutualistas, e estendendo, progressivamente a sua acção a todo o Estado da Califórnia, com a mobilização de muitos milhares de aderentes (chegaram a ser cerca de 14.000).
Em 1901, também em Oackland, Maria Leal Soares Fenn e 64 companheiras instituíram uma obra de beneficência, sob a égide de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, que rapidamente se converteu numa grande associação feminina de socorros mútuos - a UPPEC. Manuela Chaplin, no seu livro “Retalhos de Portugal Dispersos pelos EUA - Mulheres Migrantes de Descendência Portuguesa” destaca Rosa Oliveira e Maria Fenn entre as pioneira da presença portuguesa na Califórnia.
(10) As preocupações sociais do movimento feminista, evidenciam-se, por exemplo, na formação da “Obra Maternal”, impulsionada por Maria Veleda, a partir da “Liga Republicana”, ou na ligação de “A Semeadora”, órgão da APF,, à acção beneficente da “Associação Protectora dos Recém nascidos Indigentes” das “Ligas da Bondade”, da Caixa de Auxílio a Estudantes pobres do sexo feminino”, ou da “Obra das Crianças – o Natal das crianças nos hospitais” (projectada por Luthegarda de Caíres, uma das poucas não republicanas que deixou o nome na história desta época)
(1) A “Liga Republicana, apesar de contar com muitas centenas de aderentes, nunca foi uma organização de massas, mas de uma elite urbana e revolucionária – as interlocutoras do PRP eram mulheres que tinham tido voz no 1º Congresso do Livre Pensamento, como,
seguidamente na Maçonaria. Ana de Castro Osório e Adelaide Cabete que presidiram às maiores organizações feministas, alcançaram, na Maçonaria, o estatuto de “veneráveis”. Em lojas independentes, 38 anos antes de isso acontecer em qualquer outro país! O que revela o alto prestígio moral e intelectual de que gozavam e o vanguardismo do Grande Oriente Lusitano em matéria de igualdade de sexos – com Magalhães Lima como Grão-mestre.
”A Loja Humanidade, presidida por Ana de Castro Osório, evolui normalmente dentro da hierarquia maçónica até receber a 6 de Junho de 1909 Carta Patente de Soberano Grande Capítulo de Cavaleiros Rosa Cruz”, informa Fernando Marques da Costa, numa das raras obras dedicadas à Maçonaria Feminina em Portugal
(2) Sem o incitamento ou beneplácito paterno, teria uma jovem de 16 anos, como Ana Calhau, podido discursar num comício político? Como ela, muitas jovens nascidas num meio familiar culto e progressista, tiveram a possibilidade de intervir, em público, com grandeinteligência e segurança, quando se lhes ofereceu a ocasião – entusiasmando multidões de republicanos, segundo relatos de época, cujo eco chegou até nós.
(3) A empresa de Propaganda Feminista e de Defesa dos Direitos das Mulheres, que financiava “A Semeadora”, tinha 64 accionistas (espalhados desde Manaus, na Amazónia, ao Rio Grande do sul, dos EUA, Cabo Verde, Angola, Moçambique até Ribandar, na Índia lusófona). 14 eram homens, entre eles, Magalhães Lima e o Juiz João Baptista Osório
(4) A organização feminina que mais eco e ramificações teve no estrangeiro, sobretudo no Brasil, foi a Cruzada das Mulheres Portuguesas, certamente, porque se centrava, não em problemas específicos das mulheres, mas numa causa patriótica, nacional– o apoio à participação do País na 1ª grande guerra. Foi tempo de tréguas entre facções do movimento feminista, entre monárquicos e republicanos, tanto no país como nas comunidades do estrangeiro. A mesma solidariedade se verificou a nível de outros movimentos de emancipação
feminina, por exemplo na Inglaterra, onde até as mais radicais, as “sufragettes,” sob a indómita direcção de Emmeline Pankhurst, se colocaram ao lado do governo, e do exército, do seu país (e aí, um governo do partido conservador, em regime monárquico, soube corresponder, com o reconhecimento do direito de voto feminino, antes mesmo do termo do conflito…).
· (5) A proibição das organizações de cariz político, por Getúlia Vargas, explica o desaparecimento da generalidade destas agremiações.
(6) Estamos, porém, num domínio em que faltam os estudos aprofundados. A imprensa das comunidades é um repositório precioso de informação, ainda largamente inexplorado. Um exemplo, embora mais tardio - décadas de 5o e 60 – é da feminista Maria Archer, que colaborou intensamente em vários periódicos comunitários, assim como em grandes jornais brasileiros, em escritos de intervenção política, que permanecem esquecidos. Nenhum romance ou novela nos deixou Maria, durante o seu longo exílio em São Paulo, ao contrário de Ana de Castro Osório, cuja vivência de apenas três anos, entre portugueses e brasileiros, nessa mesma cidade, a inspirou a escrever “Mundo Novo”. Um romance interessante, não só do ponto de vista literário, como numa perspectiva feminista (um enredo em que introduz constantemente o debate sobre velhos preconceitos e ideias novas sobre as mulheres, relatado pela figura central, que se chama, não por acaso evidentemente, Leonor da Fonseca)
(7) Deolinda Adão, especialista da história deste associativismo, num artigo publicado na revista da AEMM ( “Entre Portuguesas – homenagem a Maria Lamas”) salienta que a margem de autonomia que a SPRSI conserva, neste domínio, lhe pode permitir continuar a sua vocação beneficente.
(9) 30 mulheres portuguesas de Oackland fundaram, na Igreja de São José, em Março de 1898 uma sociedade de altar, cuja primeira presidente foi Rosa Oliveira. Três anos depois, autonomizaram-se da Igreja, criando a SPRSI, em moldes mutualistas, e estendendo, progressivamente a sua acção a todo o Estado da Califórnia, com a mobilização de muitos milhares de aderentes (chegaram a ser cerca de 14.000).
Em 1901, também em Oackland, Maria Leal Soares Fenn e 64 companheiras instituíram uma obra de beneficência, sob a égide de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, que rapidamente se converteu numa grande associação feminina de socorros mútuos - a UPPEC. Manuela Chaplin, no seu livro “Retalhos de Portugal Dispersos pelos EUA - Mulheres Migrantes de Descendência Portuguesa” destaca Rosa Oliveira e Maria Fenn entre as pioneira da presença portuguesa na Califórnia.
(10) As preocupações sociais do movimento feminista, evidenciam-se, por exemplo, na formação da “Obra Maternal”, impulsionada por Maria Veleda, a partir da “Liga Republicana”, ou na ligação de “A Semeadora”, órgão da APF,, à acção beneficente da “Associação Protectora dos Recém nascidos Indigentes” das “Ligas da Bondade”, da Caixa de Auxílio a Estudantes pobres do sexo feminino”, ou da “Obra das Crianças – o Natal das crianças nos hospitais” (projectada por Luthegarda de Caíres, uma das poucas não republicanas que deixou o nome na história desta época)
(10) A “Mulher Migrante” da Argentina depressa se tornou interlocutora
indispensável dos serviços da Embaixada e do Governo português, pelo trabalho
de assistência que prestava, e presta, no terreno. De entre muitas centenas de
activas associações comunitárias foi uma das raras a merecer nomeação para os “Prémios
Talento” organizados pela SECP entre 2007 e 2009.
(11) A intervenção política de Maria Archer é particularmente ressaltada numa biografia sua, que acaba de ser publicada: “Acerca de Maria Archer” de Guilherme Bandeira
(11) A intervenção política de Maria Archer é particularmente ressaltada numa biografia sua, que acaba de ser publicada: “Acerca de Maria Archer” de Guilherme Bandeira
(12) Foram cinco os “Encontros para a Cidadania – a Igualdade
entre Mulheres e Homens”, iniciados, em 2005, quando se comemorava o 20º
aniversário do 1º Encontro Mundial: e realizados, sucessivamente na América do
Sul (Buenos Aires, conforme referimos), Europa (Estocolmo, com organização da
PIKO, Federação Internacional de Mulheres Lusófonas), América do Norte costa
leste (Toronto, organização do Consulado de Portugal e de um conjunto de associações
luso-canadianas), África (Joanesburgo, coordenado pela Liga da Mulher
Portuguesa, como foi salientado) e América do Norte, costa oeste (Berkeley, uma
parceria do Consulado de Portugal em São Francisco e Directora do Departamento
de Português, Deolinda Adão)
(13) O 1º Encontro foi, na verdade, uma primeira audição da voz
das emigradas, proposta pelo CCP, que era composto por
dirigentes de associações e jornalistas,
e onde tão poucas tinham assento. Esse terá sido um défice que se quis colmatar, ouvindo representantes dos dois
sectores que o CCP englobava. A reivindicação da igualdade e de políticas de género surge aí em colectivo pela 1ª vez, num conjunto de recomendações ao Governo.
(14) Adelaide Cabete define bem toda uma forma de estar em sociedade, de vestido comprido, em plena revolução. “O verdadeiro feminismo não é o que muitos julgam e pensam, as mulheres a desejar imitar os homens, usando colarinho e gravata e tantas outras imitações ridículas”
sectores que o CCP englobava. A reivindicação da igualdade e de políticas de género surge aí em colectivo pela 1ª vez, num conjunto de recomendações ao Governo.
(14) Adelaide Cabete define bem toda uma forma de estar em sociedade, de vestido comprido, em plena revolução. “O verdadeiro feminismo não é o que muitos julgam e pensam, as mulheres a desejar imitar os homens, usando colarinho e gravata e tantas outras imitações ridículas”
(15) Na primeira celebração do Dia Internacional da Mulher,
promovido
na região de Paris pela Federação das
Associações Portuguesas de França, em
2004, em reunião com mulheres presidentes de Associações federadas, apercebi-me, com surpresa, de que todas
elas tinham aceite o encargo para
garantir o ensino de português às crianças.
(16) A AEMM levou a cabo seu 1º Congresso Mundial, em
1995, sob o lema “Diálogo
de Género e Geração”, reunindo em Espinho cerca de 300 participantes, maioritariamente mulheres, mas com
maior paridade entre a juventude. Já então
se apostava na ascensão dos jovens no
associativismo como meio de diminuir as discriminações de género
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