terça-feira, 6 de janeiro de 2015

COM A DOUTORA MARIA BARROSO

Entre 2005 e 2009, a Dr.ª Maria Barroso foi a Presidente de Honra dos Encontros para a Cidadania - a Igualdade entre Homens e Mulheres, uma iniciativa inédita, em Portugal - e, ao que julgamos, única em países de emigração - destinada a levar às comunidades portuguesas da Diáspora um forte apelo à participação de todos na afirmaçâo dos valores de género e geração, na vivência da democracia e na valorização de uma cultura universalista, como é a nossa,
Foi verdadeiramente um "correr mundo" para a Dr.ª Maria Barroso e para um conjunto de personalidades que a acompanhava, e que incluía, para além de membros do Governo, representantes de organizações da "sociedade civil", unidos e motivados pela mesma causa, a de aprofundar a consciência das discriminações que subsistem e assumem contornos específicos no quadro das migrações, assim promovendo a inclusão dos grupos mais marginalizados da sociedade, através do exercício concreto e efectivo dos seus direitos e dos seus talentos.
Há muitos anos que admirava a Dr.ª Maria Barroso e que com ela tinha colaborado, sobretudo nestes domínios dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, em colóquios e congressos da Associação de Estudos Mulher Migrante, onde sempre foi uma presença influente e mobilizadora. Contudo, nunca tinha partilhado com ela longas viagens através dos oceanos (um tempo que, em conversa, ouvindo-a, passava célere), e a intensidade do dia a dia feito de debates vivos e memoráveis, de convívio em que os temas dos encontros se continuavam, incessantes, nas pausas, nos almoços e jantares, com que as nossas comunidades gostam de acolher os visitantes... Nunca tinha podido sentir tão de perto a profunda afectividade que desperta a Dr.ª Maria Barroso em todos quantos escutavam as suas palavras brilhantes, na substância e na forma como as diz, com a marca da convicção e da autenticidade, e com a simplicidade natural, com que se torna tão próxima (“uma de nós”, sem que nunca esqueçamos a sua absoluta excepcionalidade!).
Esses Encontros faziam História, como reconhecíamos já então, porque significavam o princípio da aplicação das políticas da igualdade de género em Portugal, no seu inteiro espaço humano, para além das fronteiras territoriais, e também porque eram encabeçados por um autêntico expoente das qualidades e capacidades da Mulher Portuguesa. Para as emigrantes, um exemplo vivo de como ser Mulher e Cidadã, que estava ali a seu lado, tão acessível e solidária. Para os convidados de um País estrangeiro, uma singular mensageira de Portugal, da sua verdadeira dimensão cultural e política.
O primeiro de seis encontros foi o da América do Sul, realizado em Buenos Aires, seguindo-se o da Europa, em Estocolmo, os da América do Norte, no leste do Canadá, em Toronto e no ocidente dos EUA, em Berkeley, o da Africa em Joanesburgo e, por último, o “encontro dos encontros”, um congresso internacional no nosso País. Sobre cada um deles se poderia escrever uma longa crónica – longa e feliz. Aqui fica apenas um breve e objectivo registo de factos, que se espera sejam, de qualquer modo, sugestivos do ambiente vivido, das esperanças despertadas, do impacte que se prolonga até hoje, em novas iniciativas, deixando-nos a convicção de que há um período antes e depois deste encadeamento de congressos, no que respeita à política de Estado para as comunidades, que passou a incorporar, esperamos que definitivamente, uma componente de género.
O ENCONTRO NA AMÉRICA DO SUL
Buenos Aires, 16 e 17 de Novembro de 2005
Biblioteca Nacional, Salão Jorge Luís Borges
Organização local da Embaixada de Portugal e da Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina.

Sob a égide do grande escritor argentino, que, por ascendência e por afecto, é também nosso, com a presença simbólica de Maria Kodama, a viúva de Borges, num auditório repleto de ilustres participantes portugueses e argentinos, com jornalistas dos principais media nacionais - imprensa, rádio, RTP - se reiniciou uma caminhada histórica, que tivera o seu começo precisamente 20 anos antes, no 1º Encontro Mundial de Portuguesas no Associativismo e no Jornalismo, convocado durante o Governo de Mário Soares. O Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas António Braga propunha-se, como asseverou publicamente, retomar uma questão que andava esquecida pelos governos nas suas políticas de emigração há muitos anos.
Aí, em Buenos Aires (capital de um País onde a Mulher já ascendera à presidência da República, e onde uma Portuguesa - Regina Pacceli - fora a única Primeira Dama estrangeira), partilhando a mesa de honra com António Braga, com o Embaixador Almeida Ribeiro e comigo mesma, a Dr.ª Maria Barroso proferiu a conferência de abertura - dando-nos uma perspectiva diacrónica sobre a luta das mulheres pela plenitude dos direitos de cidadania e convidando-nos a participar na aventura de equacionar e de construir o seu futuro.
Depois de dois dias de debates e da aprovação das conclusões, que são um notável documento sobre as matérias em análise, a Presidente Maria Barroso, como que sintetizando as conclusões, diria: "Considero que foi uma reflexão aprofundada sobre os problemas que dizem respeito às mulheres, e, em particular, às mulheres migrantes. Mulheres e Homens têm de assumir um papel onde ambos os géneros contribuem para a melhoria da sociedade".
As comemorações da Associação Mulher Migrante constituíram, logo depois, a parte festiva destas jornadas de trabalho. E, como são sempre celebradas em ambiente de grande entusiasmo e confraternização inter-associativa, e "paritária" (com os líderes das maiores instituições envolvidos na homenagem aos méritos e realizações da primeira associação feminina da comunidade), foram mais um meio de alargar a reflexão sobre as questões da cidadania, dos direitos e deveres em que esta se expressa, do novo papel das mulheres.

O ENCONTRO NA EUROPA
Estocolmo, Museu Etnográfico, Março de 2006
Organização local da PYCO, Federação Internacional de Mulheres Lusófonas

Presente ao lado da Dr.ª Maria Barroso e do Embaixador de Portugal, a antiga Ministra, Comissária Europeia e Presidente da Internacional Socialista de Mulheres, Anita Gradin, que foi uma próxima e importante colaboradora de Olaf Palme e uma pioneira, grande impulsionadora da "praxis" da paridade na Suécia, primeiramente no seu próprio partido. Entre ambas, como entre todas nós, na organização dos trabalhos, e entre nós e o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Jorge Lacão, representando o Governo, havia uma evidente sintonia de posições. E, tal como na Argentina, foi ampla a participação de personalidades e de ONG's do país que nos acolhia, a permitir a troca de experiências e ensinamentos. A imprensa nacional e regional esteve presente e deu notícia das propostas deste novo congresso.
"É muito importante que os homens estejam presentes, não queremos uma sociedade de mulheres, mas antes de homens e mulheres conscientes dos seus direitos e deveres", salientou a Dr.ª Maria Barroso.
Este ênfase na ideia da cidadania feminina para o serviço da comunidade, na linha de pensamento das feministas da 1ª República, leva-nos a vê-la, nos ideais, como na acção concreta pela liberdade e democracia, como uma genuína herdeira dessa plêiade de notáveis Portuguesas do começo de novecentos.

O ENCONTRO NA AMÉRICA DO NORTE
"Conferência para a Participação Cívica e Política"
Toronto Março de 2007 Auditório do "Metro Hall"
Organização Local: Consulado Geral de Portugal, e um elevado número de ONG´s luso-canadianas e canadianas.
Patrocínio da Região Autónoma dos Açores
A conferência reuniu muitos membros de associações, universitários e investigadores, deputadas canadianas, e activistas dos direitos humanos, mulheres e homens, e teve uma cobertura excepcional de todos os media em língua portuguesa de Toronto ( muitos e muito bons), que, de uma forma unânime, saudaram aquela realização e deram a medida do seu relevo, contribuindo para que as temáticas desenvolvidas e o essencial de uma mensagem tão clara e forte chegasse à comunidade inteira.
O Secretário de Estado Jorge Lacão, esteve, naturalmente, nos momentos protocolares de abertura e encerramento, mas também participou activamente nos trabalhos de todos os painéis, Aí divulgou o Plano Nacional para a Igualdade e a extensão da Lei da Paridade às eleições do Conselho das Comunidades Portuguesas (que viriam a ser as primeiras a que as novas regras se aplicaram). O Embaixador Silveira de Carvalho e o Dr. Álamo de Oliveira em representação dos Açores foram também brilhantes intervenientes. E a Cônsul-Geral Maria Amélia Paiva foi unanimemente elogiada pela organização da" Conferência", e, mais globalmente, pelo desempenho à frente do Consulado, onde foi a primeira mulher a exercer o cargo.
A Dr.ª Maria Barroso, partilhou do entusiasmo geral, falando da abertura de horizontes ("A Mulher de hoje pode governar uma Nação"), não deixou, todavia, de denunciar, em contra corrente, muitas discriminações que subsistem: "Temos muito que lutar para que a igualdade entre homens e mulheres seja uma realidade, mas tenho a certeza de que um dia venceremos. Já não será para mim, mas para aquelas que nos darão continuidade".
Para além da Conferência, houve ainda ocasião para corresponder a convites da comunidade, do Museu dos Pioneiros e da Associação de Apoio a Deficientes Portugueses, onde a Dr.ª Maria Barroso e eu recebemos o título de Presidentes de Honra.
Recém inaugurada esta grandiosa obra de solidariedade, converteu-se já um "ex-libris" da nossa Comunidade, tornou-se centro de apoio e, também, de animação cultural e de valorização humana dos mais velhos e dos mais marginalizados.
Na despedida de Toronto fica a frase de Jorge Lacão, que a imprensa reproduziu amplamente: "Viemos ver coisas extraordinárias."
O articulista do" Pós milénio" foi um dos que sintetizou bem o espírito destas iniciativas: "Um encontro para a cidadania tem que se lhe diga. É bem capaz de cavar alicerces que nem sempre foram abertos para todos (...) de trazer à discussão temas do maior interesse, que levam a harmonia a uma sociedade, por vezes pouco lógica e racional".
É de assinalar ainda, fora de Toronto, uma deslocação breve da Dr.ª Maria Barroso a Montreal para um outro encontro, a celebrar o Dia Internacional da Mulher - uma iniciativa que o jornal Luso Presse promove todos os anos. Com a presença do Cônsul Geral Dr. Carlos Oliveira e da Ministra da Imigração do Québec, de várias deputadas e de uma vereadora portuguesa, de uma sala cheia de portugueses, viveram-se momentos irrepetíveis de emoção até às lágrimas, com a Dr.ª Maria Barroso a receber uma infindável ovação, no fim de uma memorável mensagem sobre a história e o futuro da nossa democracia.

ENCONTRO EM ÁFRICA
Joanesburgo, Março de 2008
Sala de Conferência do "Lusito", Associação em favor de Crianças Deficientes
Organização Local: Liga da Mulher Portuguesa na África do Sul. Patrocínio da Região Autónoma da Madeira e do Consulado Geral de Portugal

Nas esplêndidas instalações do "Lusito", para uma audiência onde predominavam as mulheres, mas onde estavam também o Embaixador Paulo Barbosa, o Cônsul-Geral Manuel Gomes Samuel e os dirigentes das principais instituições comunidade, a Dr.ª Maria Barroso falou da situação das mulheres através dos tempos e no nosso tempo e lembrou-nos que "apesar da História ter sido tecida por Mulheres e Homens só a estes é dada relevância" - e esta é justamente uma das injustiças a que o exercício da cidadania no feminino procura por fim.
A oradora focou muito em especial a participação das Portuguesas na luta pela democracia e a importância que isso e outros factores, como a grande guerra mundial e a guerra colonial, tiveram na ascensão das mulheres e abordou preocupações e uma nova agenda de temáticas em que as mulheres podem fazer a diferença - a denúncia da violência nos media, o racismo e a xenofobia, a indiferença perante tantos atropelos dos direitos humanos, a exclusão social, os maus tratos a crianças, a violência doméstica.
O Encontro ganhou uma dinâmica original, a marca do modo de funcionamento da "Liga da Mulher", com a organização de quatro "workshops" sobre: a situação das mulheres portuguesas na Àfrica do Sul e o seu diálogo e colaboração com as naturais do País; os diferentes processos de afirmação das Portuguesas na Diáspora e no nosso País; os principais domínios em que se reconhece perdurarem discriminações; o ensino do português a da nossa cultura na África austral.

Na sessão de encerramento, o SECP António Braga manifestou o seu inteiro apoio ao movimento de mudança que ali se confirmara e anunciou a realização em 2009 de um Encontro Mundial de Mulheres em Portugal.
A missão na RAS, como, aliás, as anteriores, traduziu-se na discussão de ideias e no traçar de metas para trabalho futuro, mas também na criação de laços de amizade que facilitarão a cooperação para a sua prossecução concreta.
E houve tempo para a nostalgia, para a Dr.ª Maria Barroso lembrar que ali estivera a acompanhar o seu filho, salvo pelo empenho e qualidade da medicina sul-africana, depois de um acidente quase fatal. Ou para recordar um prévio encontro com o Dr. Paulo Barbosa, então Embaixador em Israel, durante uma visita presidencial, que coincidiu com a trágica morte de Itzak Rabin, um grande amigo do Presidente Mário Soares e da Dr.ª Maria Barroso. Pedaços da história à qual a antiga fundadadora do PS, Deputada e Primeira-Dama, pertence para sempre.

ENCONTRO NA AMÉRICA DO NORTE Califórnia
Berkeley, Universidade da Califórnia
Maude Fife Room, Wheeler Hall
25 de Setembro de 2008
Organização Local: Profa. Deolinda Adão, (Universidade de Berkeley) e Cônsul Geral de Portugal, Dr. António Alves de Carvalho
A nível da coordenação nacional, foi directamente a Fundação Pro Dignitate e não a AEMM que assumiu o papel operacional de coordenação, a cargo do Dr António Pacheco, actualmente o Secretário-geral da "Fundação"
A caminho da costa oeste, uma breve estada em Elizabeth, NJ, a convite de Monsenhor João Antão, e da paróquia portuguesa de Nossa Senhora de Fátima, em cujos salões se realizou um primeiro encontro de formação de jornalistas lusófonos, centrado nas temáticas da Paz e da Igualdade.
Com Monsenhor Antão, um verdadeiro líder espiritual da comunidade, de quem a Dr.ª Maria Barroso diria tratar-se de "uma personalidade de excepção", visitamos a escola que tem o seu nome. (uma honra num país onde é raríssimo atribuir a instituições públicas o nome de pessoas vivas). Um Liceu muito prestigiado, com vocação para as artes e a música, onde jovens americanos cantaram o nosso hino nacional na perfeição. Difícil foi conter a emoção...
Berkeley recebeu o Encontro sobre "O papel da Mulher no futuro do associativismo e movimentos cívicos da Califórnia", pondo o enfoque nas questões do associativismo feminino, (com uma admirável introdução da Profª Adão), e da colaboração intergeracional assim como do papel dos media na formação para a igualdade.
No encerramento, o SECP António Braga e a Presidente Maria Barroso deixaram a certeza de que as soluções ali propostas não seriam esquecidas.
Ao abordar, tanto em Berkeley como em Elizabeth, o tema da interculturalidade entre comunidades migrantes de diferentes países que se expressam em Português, Maria Barroso, mostrava acreditar (e todos nisso a secundávamos) que, também neste domínio, o entendimento entre as mulheres migrantes dos vários quadrantes da lusofonia pode fazer a diferença (1).
Seguiu-se um encontro mais restrito no departamento de Estudos Europeus, com bolseiros portugueses que naquela tão conceituada universidade preparam doutoramento em diversos domínios.
Antes do regresso a Portugal, nova passagem por Elizabeth, onde Monsenhor João nos preparara uma surpresa, uma singular tributo à Dr.ª Maria Barroso, no termo de um longo périplo por tantas comunidades: naqueles poucos dias da nossa ausência na Califórnia, o talentoso artista Roger Gonzalez (a quem se devem as obras primas de arte sacra da Igreja de Nossa Senhora de Fátima) pintara um esplêndido retrato da Dr.ª Maria Barroso, à entrada da ala da residência onde estivera hospedada!
Ao findar um périplo por tantas comunidades, reavivando a importância histórica do "congressismo" na luta pela igualdade das mulheres, readaptada aos tempos de hoje, a Presidente dos Encontros deixava assim simbolicamente o seu retrato num mural na América do Norte, tal como deixara, por todo o lado, o retrato de corpo inteiro de uma cidadã, capaz de mobilizar pela palavra e pelo exemplo para a mudança em sociedades cada vez mais abertas a todos os seres humanos, mais livres e democráticas.

Em Espinho, em Março de 2009, num último Encontro internacional, com a presença das responsáveis pela organização de todos os que ocorreram na Diáspora, e a presidência da Dr.ª Maria Barroso um ciclo se encerrou, na esperança de que o projecto de mobilização para a cidadania iria prosseguir na rede de solidariedades que ficou criada, e em gestos concretos de vivência da cidadania que as mulheres aprenderam umas com as outras. Esperança bem fundada, que hoje podemos ver ínsita emnovas manifestações de mobilização para a igualdade

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