É significativo que o possamos fazer na sala Bourjac da Sorbonne - é sinal de que uma universidade de renome universal há muitos séculos, se tornou já a um espaço aberto às segundas gerações de portugueses, e não só como estudantes, mas também como professores e diretores de departamentos. Com todo o gosto o sublinhámos: é este o caso da organizadora do colóquio e dirigente da AEMM, Porf Doutora Isabelle Oliveira , e também da Doutora Custódia Domingues, que com ela colaborou. Para ambas, os nossos agradecimentos!
O título escolhido pela Profª Isabelle Oliveira para a jornada de trabalho que aqui nos reune termina com um ponto de interrogação - lança-nos perguntas, para as quais queremos encontrar respostas: Que perspetivas para a emigração portuguesa?
É a antecipação do futuro num ciclo de colóquios da Associação de Estudo Mulher Migrante, que começa no tempo passado, na revolução do 25 de Abril, percorrendo quatro décadas de grandes mudanças, de democratização da vida política no País, com projeção nas políticas de emigração, no relacionamento dos poderes públicos com os cidadãos e as instituições da "Diáspora".
O nosso objetivo principal é ouvir o que têm a dizer os muitos participantes nestas jornadas sobre as migrações contemporâneas, assim como, em particular, sobre a evolução do papel das mulheres nos
movimentos de expatriação e de retorno e no movimento associativo:. Partimos da história e da memória de sucessivas gerações para chegarmos ao momento atual, às linhas de continuidade ou de rotura, que se antevêem.
Se em anteriores encontros acentuámos diversos momentos desta trajetória, hoje, aqui, vamos, sobretudo, convidar a uma avaliação da dimensão atual do fenómeno migratório, sua composição, em termos de género, de qualificação, de projetos, de situação profissional, de propensão associativa (as novas formas que vai configurando) assim como da evolução das relações entre os emigrantes e as sociedades de origem e de residência.
Demos ao ciclo de debates o título de "4 décadas de migrações em Liberdade", e estamos a desenvolve-lo em parceria com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e várias instituições da sociedade civil, dentro e fora do país. O primeiro ato foi em Março, no Palácio das Necessidades, com intervenção de abertura do Secretário de Estado Dr José Cesário, que assim nos deu mais uma prova no seu empenho em promover a igualdade de género na emigração, condição de uma liberdade realmente vivida no quotidiano das comunidades..
Seguiram-se outros colóquios em duas escolas secundárias de Espinho, e, em fins de abril, na Universidade de Berkeley (Califórnia), pela mão da Prof Doutora Deolinda Adão; em Junho, na Universidade Aberta de Lisboa/ CEMRI, com organização da Prof Doutora Ana Paula Beja Horta, que hoje está de novo connosco para a partilha das suas experiências e estudos. E mais iremos realizar, até ao termo de 2014...
Na minha intervenção no 1º painel terei ocasião de falar sobre os mecanismos institucionais para a execução das políticas de emigração e, em especial, de um órgão que marca o princípio de uma era de diálogo e de relacionamento democrático entre governo e representantes das comunidades, como é o CCP.
Agora farei apenas uma chamada de atenção para a natureza essencialmente interministerial das políticas neste domínio - pois a resolução dos problemas dos migrantes passa por todos os pelouros e ao Secretário de Estado compete, para além da ação direta em determinados setores - caso do acompanhamento dos movimentos migratórios, dos condicionalismos concretos oferecidos no estrangeiro aos nacionais, da vida associativa, do apoio consular, informativo, cultural e social ou da participação em organizações internacionais sobre migrações - também uma ação constante de sensibilização dos colegas de governo para as especificidades da situação dos emigrantes nas mais diversas áreas.
E eu sei, por experiência própria, que esta última tarefa é a mais difícil.. .Quantas vezes outros governantes falam dos assuntos impropriamente, sem o ouvir ou consultar, como deviam... Todos estamos lembrados daquela infeliz exortação de um novíssimo Secretário de Estado a que os jovens portugueses deixem a sua "zona de conforto" e se expatriem... Nunca ouviriam coisa semelhante da boca de nenhum SECP e muito menos do Dr José Cesário, que se preocupa em dar informações corretas, quer ao País sobre o número avassalador dos que saem, quer aos candidatos à emigração sobre a absoluta necessidade de nenhum deixar o país, sem procurar saber o que o espera, e com o que pode contar...
Os números, são de facto avassaladores e falam, por si, expressivamente, de falta de oportunidades e de horizontes de esperança dentro da fronteiras..
É uma realidade tremenda! Portugal, ao longo destes 40 anos deu aos portugueses o direito de emigrar e de regressar, mas ainda não lhes deu o "direito a não emigrar"...
E, ao mesmo tempo a que vê partir uma imensidão de portugueses (de todas as idades, mulheres e homens muito ou pouco qualificados...), como forma de resolver problemas de desemprego e de pobreza, não consegue dotar-se dos meios institucionais que já teve e veio a desmantelar, na década de 90, quando, prematuramente, se ufanou de ter deixado de ser país de emigração, poucos depois da adesão à CEE...
Um outro aspeto que me preocupa é uma eventual junção dos serviços de emigração e oimigração, de que se tem falado. A ideia da articulação de políticas é evidentemente boa, mas não a fusão de serviços, que, em Portugal, com toda a probabilidade, levaria a subvalorizar a componente da emigração portuguesa - a que está mais longe, a que se ignora com mais facilidade...
Estas são algumas das questões que sugiro para debate
INTERVENÇÃO NO COLÓQUIO
A Revolução de Abril de 1974 e o seu significado na área específica das migrações são o tema do ciclo de colóquios que a AEMM leva a cabo ao longo de 2014. É um olhar sobre os quarenta anos decorridos desde a revolução, à qual associamos uma flor, o cravo (o cravo no cano das metralhadoras) - e uma palavra: liberdade! Liberdade para todos os portugueses, mulheres e homens, liberdade para os emigrantes - os que já o eram e os que o queriam ser. É, assim, uma realidade admiravelmente nova, em rotura definitiva com o passado, porque, de facto, a saída do país nunca fora, ao longo de mais de quinhentos anos, inteiramente livre. As mais antigas e persistentes políticas neste domínio iam todas no sentido de condicionar ou proibir um êxodo continuado em sucessivos ciclos, quase sempre visto como excessivo (sobretudo quando envolvia mulheres ou famílias inteiras, porque se considerava aumentar as probabilidades de não retorno...).
A Constituição de 1976 ao proclamar a liberdade de circulação, nela expressamente englobando o direito de partir e o direito de regressar (nº 1º do art.º 44), estabeleceu um precedente histórico, numa história multissecular.
Precedente constitucional de igual alcance é o reconhecimento de direitos políticos e a imposição ao Estado de obrigações para com os portugueses do exterior, na qual se vai fundamentar o emergente estatuto jurídico dos expatriados. Estatuto evolutivo, que começa na concessão do direito de voto para a AR em círculos não territoriais (nº 2 do art. 152).
Direitos e deveres de todos os Portugueses! Segundo o art. 14: "Os cidadãos portugueses que se encontram ou residam no estrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência".
O conceito de "compatibilidade" com a ausência, na interpretação do próprio legislador, que tem vindo a aumentar esse domínio, progressivamente, tornou-se um instrumento do aprofundamento dos laços de cidadania face ao país de origem. Um exemplo: o sufrágio na eleição para o PR, excluído na Constituição em 1976, é aceite na revisão constitucional de 1997 - 23 longos anos depois de ser visto como "incompatível" com a ausência do território, deixa de o ser...
O princípio da igualdade de direitos entre todos os portugueses, no interior ou exterior das fronteiras, está adquirido, cumpridas que sejam as condições do seu exercício, incumbindo ao Estado desenvolver políticas de apoio aos cidadãos num espaço transnacional .
A democracia é, pela primeira vez, concebida à dimensão nacional, e irá sendo aprofundada na transição do "paradigma territorialista" para o "paradigma personalista", centrado na pessoa, nos seus direitos individuais, na sua pertença a uma comunidade que extravasa fronteiras. É o fim de um dogma que se impunha com carácter absoluto, em nome da soberania territorial do Estado. - muito embora subsistam, como disse, certas restrições, tanto no que respeita à participação política, como em matéria de direitos à prestações sociais, por velhice ou doença, ou de acesso ao ensino da língua e da cultura.
Por isso, há que falar de transição, de processo evolutivo, inacabado, aquém de bons exemplos de direito comparado, como o de Espanha, da Itália, França e outros países culturalmente próximos. De qualquer modo, há, de facto, um "antes" e um "depois" do 25 de Abril: antes, os emigrantes sofriam uma verdadeira "capitis diminutio", perdendo, ao fixar residência no estrangeiro, todos os direitos políticos, a nacionalidade, se adoptassem voluntariamente a de outro país (no caso das mulheres, automaticamente, pelo casamento com estrangeiros), assim como direitos sociais e culturais, “maxime”, o direito ao ensino da língua; depois daquele Abril, os emigrantes são reconhecidos como sujeitos da comunidade, da cultura e da história portuguesas, que se desenvolvem num espaço verdadeiramente universal. As instituições do Estado procuram, neste processo, ainda impereitamente, corresponder à dimensão da Nação inteira
OS DIREITOS POLÍTICOS
O paradigama territorialista teve o seu fim assinalado na Constituição de 1976, com o reconhecimento do direito de voto dos expatriados para a Assembleia da República, que resulta claro na conjugação do nº 1 do artº 48 ( "Todos os cidadãos têm o direito de tomar partena vida política e na direcção dos assuntos políticos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos") e do nº 2 do artº 152, que restringe a aplicação do sistema proporcional aos círculos territoriais, assim claramente enunciando um regime de excepção para os círculos organizados fora do país. Excepção que vai servir para impor, na lei eleitoral, um tecto de apenas quatro representantes em dois círculos da emigração (europeia e transoceânica) Não é, pois, ainda, um "voto igual" - com apenas 2% de representantes na Assembleia, para uma população residente no estrangeiro que se estima em 30% (embora ,seja muito menor a proporção de recenseados no estrangeiro - actualmente cerca de 260.000,
A territorialidade do sufrágio manteve-se, como disse, inicialmente, na eleição para oPresidente da República (artª 124). Podemos perguntar porquê. Porque a Constituição só admitia a participação dos emigrados através da diminuição do peso e influência do seu voto, o que em círculo
nacional é impossível? A jrazão foi certamente essa.
Quando voto para o PR lhes foi concedido, mais de duas décadas depois, entre públicas controvérsias e difíceis negociações interpartidárias, na evisão Constitucional de 1997, a mesma finalidade de lhe dar uma menor real, reduzindo o número de votantes, estará presente no articulado do nº2 do art. 121,ao exigir aos candidatos ao recenceamento no estrangeiro "a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional".
Solução que obrigou à co-existência de dois diferentes cadernos eleitorais no estrangeiro - um, mais selectivo, para os eleitores do PR, cumprido o condicionalismo imposto pelo art. 121, outro, mais aberto, para os eleitores exclusivos da AR - como se fosse para estes irrelevante a permanência de laços de efectiva ligação a Portugal - uma contradição insusceptível de fundamentação jurídica, que, todavia levou o seu tempo a erradicar...
Mais restritiva ainda - embora diga respeito a um órgão de soberania, à sua plena dignidade, mas a um instrumento de expressão da vontade popular - é a norma que prevê a participação destes Portugueses nos "referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito (nº 2º do artº 115). Ainda não houve um único referendo em que tivessem tido voz...
A exigência de residência no respectivo território mantém-se nas eleições autárquicas e regionais. Outra podia ser a solução, como é em tantos países europeus, designadamente na Espanha, onde os emigrantes votam a todos os níveis, nacional, autonómico e local. Mas não é tão evidente a discriminação, com o argumento de que todos os naturais dessas circunscrições eleitorais são igualmente excluídos.
Sem me alongar sobre as vicissitudes destes processos, em que tive intervenção ao longo de mais de 20 anos, sempre, em favor do alargamento do estatuto político dos expatriados, a todos os níveis,,
com base em exemplos do direito comparado, direi, apenas, em síntese que, a meu ver, entre nós, os partidos actuaram, regra geral, de acordo com as expectativas em relação ao sentido de voto dos emigrantes. Os que se consideravam menos favorecidos desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão do eleitorado da diáspora, artificialmente engendrada pelos partidos beneficiários desse voto. Ao fim de 40 anos de experiência democrática, já não restam dúvidas sobre o seu irrealismo dessa previsão ou profecia: no estrangeiro o universo eleitoral é reduzido e estável - pouco mais de 260.000 recenseados - e cresceram tremendamente os abstencionistas..
Números de recenseados e, sobretudo, de votantes, muito inferiores aos da Galiza, onde a taxa de abstenção é exemplarmente baixa...
Creio que o clamor sobre a anunciada. ainda que nunca vista, avalanche de votos "de fora" (que redobrou a partir da aprovação da Lei nº 73/8, a popularmente chamada "lei da dupla nacionalidade"...). se ficou a dever a confusão entre emigração recente - a que, tendo passaporte português, pode recensear-se voluntariamente, embora a maioria não o faça... - e Diáspora, cuja ligação ao País passa por laços afectivos e pela intervenção cultural, não pela política...
A meu ver, é excelente que se deixe os próprios emigrantes e seus descendentes a escolha das formas de "ser português", sem pressões e sem recriminações, qualquer que seja a opção...
AS NOVAS POLÍTICAS, OS NOVOS MEIOS INSTITUCIONAIS
A preocupação com as questões da emigração revelou-se, na cronologia das iniciativas nesta área, antes de mais, na criação, em 1974, da Secretaria de Estado da Emigração, que integra os serviços
preexistentes do Secretariado Nacional da Emigração, a partir dos quais se haviam planificado e executado, nas vésperas da Revolução, as primeiras medidas de apoio social e cultural às comunidades do estrangeiro, sobretudo na Europa. Com o novo regime, essas políticas embrionárias vão conhecer um seguro desenvolvimento, nomeadamente no que respeita:
- À representação política e à aceitação da dupla nacionalidade:
- À defesa activa dos direitos dos portugueses e à negociação de acordos bilaterais de emigração e segurança social. de que havia já diversos exemplos, antes de 1974
- À atenção dada ao associativismo, às instituições que criaram um espaço extra-territorial de vivência portuguesa, e que, dentro dele, desde sempre, se substituíram ao Estado ausente. Quando este decidiu intervir, olhou-as, naturalmente, como parceiras em todas as vertentes das políticas para a emigração e a Diáspora, em que elas possuem experiência e meios operacionais. Com isso ganharam todos, e o próprio Governo potenciou a sua ação enormemente:
- Ao ensino da língua, que, depois da revisão constitucional de 1982, se converte nos termos da alínea i do art.º74 em dever de "assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa". Ao longo destas quatro décadas esta obrigação do Estado não tem sido exemplarmente cumprida, registando-se grandes desigualdades entre comunidades em diversos países e continentes
- À informação: informação sobre as condições de emigração e de regresso e, também, sobre o país, devendo neste domínio realçar-se o lançamento, na década de noventa, da RTPI, uma aposta inédita e inteligente, todavia subaproveitada até hoje:
- Ao apoio ao regresso voluntário ao País, através de um conjunto de benefícios fiscais, empréstimos a juros bonificados. para aquisição de casa própria ou par lançar empreendimentos, cuja eficácia se viria a comprovar nos anos seguintes. A reinserção de centenas de milhares de portugueses, vindos, sobretudo, de França e de outros países do nosso continente foi por eles, em regra, bem gerida, no quadro dessas medidas, a ponto de se poder falar de "regressos invisíveis”, como me lembro de ter feito, no período alto desses movimentos
- Ao apoio social, em casos de extrema pobreza, na velhice e na doença, medida imprescindível em muitos países sem sistemas públicos de saúde e segurança social. São ainda esquemas incipientes, como o ASIC, que não configura verdadeira pensões sociais, como as que existem em outros países europeus de emigração:
- Às medidas para a promoção da igualdade de género, que é, hoje, de acordo com um novo inciso introduzido na revisão de 1997, oart. 109 -um dever do Estado, que os governos do século XXI souberam tornar extensivo às comunidades do exterior, dando, 20 anos depois, sequência a um 1º encontro mundial de mulheres no associativismo e no jornalismo, realizado em 1985 (em termos europeus, uma iniciativa precursora). A audição das mulheres e o impulso à sua participação cívica foi retomada com os "encontros para a cidadania" (2005 2009), dos quais a AEMM foi um dos principais co-organizadores, por parte da sociedade civil. Foi e continua a sê-lo, com o atual governo, no mesmo espírito têm sido desenvolvidas iniciativas múltiplas para a igualdade, fundamentalmente em diálogo com ONG's.
- As iniciativas para a juventude, muitas das quais orientadas por uma estratégia de aproximação e sensibilização, que passa por encontros no e com o país, na linha que poderemos chamar de "congressismo", assim como por acções de formação e incentivo a novas formas de associativismo.
É urgente, fazer, na actual conjuntura, o balanço destas e de outras medidas tomadas, em concreto, por sucessivos governos. Poderemos ter, sobre o seu grau de execução e de sucesso, diferentes opiniões, assim como sobre as políticas que se impõem, precisamente agora, em tempo de um êxodo tremendo, que parece não ter fim. É, porém, um facto inegável o progresso que representa a assunção pelo Estado das suas responsabilidades para com os expatriados, mesmo que ainda lhes não dê, eventualmente, no terreno, um perfeito cumprimento.
Ficam para trás, e creio que em definitivo, quinhentos anos de políticas que se limitavam a tentar o controlo dos fluxos migratórios e a fechar ou abrir as fronteiras conforme as conveniências ou, como aconteceu após a criação da Junta da Emigração, em 1948, a acompanhar a vicissitudes da viagem transoceânica até ao ponto de chegada, aí deixando os portugueses entregues a si próprios em terra estranha. Maria Beatriz Rocha Trindade designa-as, expressivamente, por "políticas de trajecto de ida", propugnando a adopção de "políticas de ciclo completo", que são hoje, a meu ver, impostas pela Lei em cada fase do ciclo migratório, quer este termine no regresso, ou na integração no exterior (o que eu sempre referia como as políticas de "apoio à dupla opção", opção livre que não cabe ao Estado influenciar, mas, na minha perspectiva, apoiar, qualquer que seja.
MEIOS INSTITUCIONAIS
Uma nota preliminar sobre o enquadramento institucional das políticas de emigração, para salientar que estas têm sempre de ser desenvolvidas num eixo interministerial, pois as matérias que respeitam aos problemas, aos interesses e aos direitos dos expatriados, exatamente como as que concernem os residentes no país, só podem, na sua globalidade, ser resolvidas pelo conjunto dos serviços da administração pública, Num país com cerca de um terço da população no exterior todos os governantes e todos os funcionários devem lembrar a sua existência nas decisões quotidianas. Contudo, isso não acontece só porque deveria acontecer - a verdade é que a realidade da vida dos cidadãos e das comunidades do estrangeiro é, muitas vezes, esquecida ou mal conhecida. E, por isso, principal papel dos serviços da emigração (ou, desde 74, do pelouro governamental que os
superintende), é chamar a atenção para essa realidade, é sensibilizar para eventuais especificidades, num trabalho incessante de coordenação.
Os primeiros organismos criados para este objetivo foram de natureza semelhante às atuais comissões interministeriais, embora com outra designação: no primeiro quartel do século XX, sem historial relevante, o "Comissariado da Emigração", e, em meados do século (1948), com vida activa mais longa e eficaz, a "Junta de Emigração", sedeada no Ministério do Interior - sede adequada a um organismo que se propunha, antes de mais, o controlo dos movimentos migratórios, o recrutamento e acompanhamento da saída dos portugueses.
Á "Junta" sucedeu o "Secretariado Nacional da Emigração", que já mencionei como organismo propulsor de um início de proteção dos cidadãos no estrangeiro e de apoio às atividades culturais do associativismo.
Depois do 25 de Abril foi criada a Secretaria de Estado da Emigração, junto do Ministério do Trabalho, transitando, ainda em 74, para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, com a finalidade de melhor interagir com a rede consular. A maioria das delegações da emigração, constituídas nos anos seguintes, passaram, naturalmente, funcionar na órbita dos consulados, muitas delas mesmo nas suas instalações. A partir de então assistimos a um movimento pendular ora no sentido de dar forma a mais departamentos especializados, ora no sentido de os unificar, com o expresso propósito de conseguir melhor articulação entre as várias componentes - uma de perfil mais burocrático - informação, recrutamento, negociação de acordos, legislação, outra mais voltada para a ação cultural externa, para o apoio ao movimento associativo. A SEE incluía, na década de 70, uma Direção-Geral da Emigração e um Instituto de Emigração, dotado de autonomia administrativa e financeira.
Em 1980, numa altura em que, além da DGE e do IE, existiam de jure, embora não de facto, mais duas instituições, o Instituto de Apoio ao Regresso e o Fundo de Apoio às Comunidades a opção foi a de caminhar para a unificação, no IAECP, que manteve a ampla autonomia do IE e reuniu em si todas as competências daquela panóplia de serviços.
Seguidamente o IAECP iniciou o processo da sua regionalização, através de delegações abertas através de protocolos com Câmaras ou Governos Civis, nas regiões de maior fluxo de regressos.
A partir de 1985, o IAECP, no âmbito das suas funções, sedeou na Delegação do Porto, um "Centro de Estudos", para as migrações de regresso. Em simultâneo, foi lançada uma linha editorial e iniciada uma recolha de dados num "Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas", primeiro passo para um futuro museu da emigração.
Assim se prescindia de novas alterações orgânicas, em favor de um experimentalidade com um mínimo de custos.
O IAECP foi extinto, na década de 90, e os seus departamentos, integrados na DGACCP. Este englobamento implicou, desde logo, a perda definitiva da autonomia administrativa e financeira
A mais importante alteração posterior foi a centralização no MNE, através do Instituto Camões, do ensino de português no estrangeiro, em todos os seus níveis - exemplo de um centro de decisão que muda de um ministério sectorial. como o da Educação, para o MNE.
Paradigma contrário se pode apontar no domínio da informação, onde o MNE não tutela a RDPI ou a RTPI. Uma 3ª via, a decisão conjunta do MNE e de outros ministérios, é a que se impôs em matéria de segurança social (ASIC).
Um feixe de soluções diversas, difíceis de harmonizar, que vem das origens dos serviços para a emigração.
Uma última palavra para a instituição de um órgão que não se integra propriamente no organigrama da SECP, mas que desempenha um papel insubstituível na elaboração e execução das políticas para a emigração e para a Diáspora: o Conselho das Comunidades Portuguesas. Um órgão criado na confluência dos diferentes moldes de afirmação nacional da emigração antiga e recente. Neste modelo original proposto pelo DL nº 373/80. era composto por representantes eleitos das associações, independentemente de serem ou não de nacionalidade portuguesa. Servia, assim, tanto a emigração como a Diáspora.
Era um órgão consultivo do Governo, presidido pelo MNE (de facto, uma presidência delegada no Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas). Uma plataforma de encontro e articulação de ações entre comunidades dispersas e praticamente desconhecidas entre si, e de co-participação nas políticas destinadas a um mundo plural na sua essência. Um Conselho pensado para duas vertentes, para a emigração antiga, com a força das suas aspirações e projetos culturais e para a mais jovem, com os seus problemas laborais e sociais. Nem sempre foi fácil a reunião de ambas e teria sido talvez preferível, como sempre propugnou Adriano Moreira, a instituição de estruturas próprias para cada uma delas.
No CCP, a última acabou por ter mais visibilidade e mais voz, dificultando os consensos naturais no domínio cultural - que é sempre, por excelência, o lugar de uma solidária partilha das raízes matriciais - e focando sobretudo as questões sociais e políticas do quotidiano, as divergências ideológicas e partidárias, que, fora como dentro do país, se confrontavam na sociedade portuguesa. Em qualquer caso, foi uma esplêndida vivência democrática, que, assim, pois, desde a primeira hora, deu do Conselho a imagem mediática da conflitualidade mais do que pela da cooperação e solidariedade, que, por sinal, em matérias fundamentais, também existiram.
Foi, com certeza essa imagem de marca que, a partir de 1987/1988, levou um novo governo a suspender as suas reuniões, a silencia-lo, antes de o substituir por uma organização composta de múltiplos colégios eleitorais, que, como era previsível, não funcionou..
Em 1997, o CCP ressurgiu em novo figurino – numa eleição por sufrágio direto e universal, isto é, restrito aos emigrantes com nacionalidade portuguesa. O Conselho teve, pois, uma vida feita de várias vidas entrecortadas, num percurso mais acidentado do que outros organismos existentes na Europa. Mas resistiu, e será hoje mais fácil do que já foi impor-se como grande forum democrático. Poderá vir a ser, idealmente, uma espécie de 2ª Câmara, de carácter consultivo e representativo, uma "assembleia" dos portugueses do estrangeiro - título que passou a assumir o antigo "Conséil" francês. Um órgão que, a meu ver, deveria ser consagrado na arquitetura da Constituição, ao abrigo do poder discricionário de um qualquer governo. Esta hipótese foi discutida na AR, em 2004, por iniciativa da Sub- comissão das Comunidades Portuguesas, a que eu, então, presidia . Podemos dizer que a ideia já iniciou o seu percurso.
O CCP, ao contrário do IAECP, parece ter futuro e continua a ser incessantemente reequacionado, de facto e "de jure", aguardando-se para breve mais uma reforma legislativa.
O fim do IAECP implicou a perda de uma margem de autonomia essencial no setor das comunidades portuguesas, dentro do universo do MNE. Com esta afirmação, não é no poder e competências do responsável político que estou a pensar, mas nos meios operacionais de que dispõe, no desaparecimento de departamentos e de chefias próprias, com especialização, vocação e experiência nas complexas matérias que integram o setor. .
Em período de nova emigração, a falta vai sentir-se muito mais e a melhor solução não é certamente, depois de um processo de verdadeiro indiferentismo num grande ministério, uma segunda diluição num departamento que se ocupe, em simultâneo (e, com toda a probabilidade, prioritariamente...) da imigração.
A inserção orgânica dos serviços de emigração é, afinal, indiciadora da orientação das prioridades políticas de um Executivo. Em Portugal foram sedeados no Ministério do Interior, quando o primeiro objetivo era o controlo dos movimentos de saída e no Ministério do Trabalho, tal como acontece em Espanha, quando a proteção dos trabalhadores se impôs a quaisquer outras finalidades, só tendo transitado para o MNE, para melhor aproveitar a articulação com os serviços externos do Estado. Na Grécia, integra-se no Ministério da Cultura, a revelar a importância dada aos laços de ligação neste domínio - e, evidentemente, à Diáspora.
A junção, num mesmo pelouro, de políticas de emigração e imigração, que, aparentemente, há quem proponha em Portugal, é, na minha opinião, uma inovação de risco, uma originalidade dispensável, sobretudo na conjuntura que atravessamos. O que é preciso é reforçar os meios institucionais da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, recriar Delegações externas, em países, onde os problemas se avolumam, nomear Conselheiros e Adidos Sociais, onde uma austeridade mal direcionada os eliminou dos quadros das Embaixadas. Este é um domínio onde as boas soluções para o futuro se podem inspirar nas lições dos anos que se seguiram à revolução, quando se procurou construir uma democracia inclusiva dos Portugueses do mundo inteiro
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