quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Entrevista Jornal As artes entre as Letras

1 - Este ano o Encontro da AEMM tem como tema geral "Expressões femininas da cidadania". Que aspectos esperam abordar a partir desse "mote"
 
As muitas faces femininas da cidadania...
 Os direitos e a prática da cidadania, no caso particular das mulheres da Diáspora, têm estado no centro das iniciativas da AEMM, desde o seu início, há 20 anos. Cidadania no sentido mais amplo do conceito. E são as suas formas várias de exercício que consideraremos, ao longo do Encontro, passando da política e do associativismo, para a iniciativa empresarial, ou para a afirmação do “feminino” no espaço da cultura" – onde, aliás, o feminismo nasceu, em Portugal, com o envolvimento de notáveis escritoras e jornalistas. Não esqueceremos, muito em especial, as que foram emigrantes. As primeiras palavras serão  para Maria Lamas, que viveu a dolorosa experiência do exílio, em Paris. Uma cidadã exemplar, que faria neste mês de Outubro, 120 anos.
Sabemos que a emigração feminina, ainda hoje, é muitas vezes tratada num capítulo aparte, como que num pequeno compartimento isolado de uma casa grande. Neste congresso vamos contrariar essa tendência, olhando a evolução do fenómeno migratório actual a partir da história ou das histórias de vida das mulheres, da sua capacidade de afirmação, de influência nos destinos que partilham com os homens, nas comunidades portuguesas do estrangeiro.
 
2 -O primeiro tema do debate será "Mulheres Migrantes na política -um princípio de paridade". Há paridade nesta área, ou procuram aqui denunciar a falta dela?

A meu, ver há, como se denuncia no título do painel, apenas o seu princípio... A perfeita paridade é uma Utopia, com que queremos apressar o futuro. O nosso mundo é ainda feito de repúblicas dos homens - veja-se a imagem de uma cimeira europeia ou mundial de governantes, a relação dos prémios Nobel, a lista dos mais poderosos  do planeta... Todavia, a emigração tem sido, contra o previsto e o previsível, um factor de mais igualdade de género, pelo menos no caso português. Mas, sem dúvida, mais no campo da cultura do que no da política, ou em qualquer outro.
 
 3 - A Lei da Paridade foi uma medida positva para ajudar à igualdade entre os sexos?
 
 Sim, sem dúvida, apesar de cumprir o princípio da "paridade", de uma forma modesta e gradualista – garantindo, para já, apenas um mínimo de 1/3de cada um dos sexos nas listas eleitorais. Num país onde os partidos, que livremente ordenavam as listas, eram e são estruturas herméticas, onde o eleitorado, o povo, não é "quem mais ordena", foram os partidos mais fechados às mulheres os que mais se opuseram às novas regras… Não ousando desafiar o princípio em abstracto, são muitos os que, no campo conservador, contestam os meios de o impor "ex vi legis". Criticam-na por "fabricar" artificialmente a igualdade... Eu penso precisamente o contrário - considero que as  organizações partidárias, a começar pelas da juventude, pelas chamadas "jotas" , é que, de uma forma artificial, promovem  habitualmente os amigos e marginalizam as mulheres...De facto,  as "quotas" não põem em causa o "mérito" (que dentro dos partidos, não abunda...),  antes abrem portas a quem se presume ter méritos iguais ao dos escolhidos no interior das fortalezas partidárias. As quotas são, assim, uma fenda na muralha... 

4- Quem são hoje as mulheres da diáspora?
 
 Não resisto a dizer que, agora, como no passado, são mulheres de coragem e de visão,  verdadeiras construtoras de pontes entre culturas e países. O seu papel e o seu relevo no quadro global das migrações não será muito diferente, hoje, do que era na segunda metade do século XX - a percepção que deles se foi ganhando é que é mais ajustada às realidades. O primeiro grande contributo veio do associativismo feminino, apesar do sua posição periférica no movimento geral... Depois, das primeiras audições das próprias mulheres pelos governos e, sobretudo, da investigação científica, de estudos pioneiros, como, por exemplo, os de Engrácia Leandro, em Paris, na década de 90. Hoje em dia, é crescente a atenção por parte dos “media”, dos políticos, das próprias organizações das comunidade que eram bastiões tradicionais do dirigismo masculino.
A emigração revelou-se uma via inesperada de emancipação para um sem número de mulheres portuguesas, no seu trânsito de uma sociedade rural para meios urbanos, onde aproveitam a influência de novos paradigmas de relacionamento familiar e, sobretudo, da autonomia pessoal que lhes dá o acesso a trabalho remunerado ( às vezes mais ou melhor do que o do marido)...
Actualmente dá-se muita visibilidade a um novo perfil de mulheres emigrantes, mais qualificadas e independentes -  as que partem por sua conta e risco e que estão conhecendo o sucesso profissional noutros patamares. De todas-  das primeiras gerações, aparentemente mais conformistas, e das jovens, em regra, mais competitivas e conscientes da sua competência profissional- se faz o mundo da emigração feminina, cada vez mais complexo e heterogéneo.

5 - Os  problemas da mulheres migrantes são muito diferentes hoje?
 Alguns novos e graves problemas podem surgir, contrariando o clima de optimismo, de crença numa mais fácil integração de uma superior formação académica e profissional (que, em média, é uma realidade, para mulheres e homens). Temos de admitir, ao menos em alguns casos, ou numa primeira fase, o possível não aproveitamento dessas qualificações, a falta de oportunidades concretas, e o consequente sentimento de frustração e de desânimo. O êxodo a que assistimos é tremendo, é uma fuga generalizada, apressada. São muitas, muitos os que partem cegamente à aventura, ignorando  advertências e conselhos...E não sei se terão por parte da "sociedade civil", do associativismo, que na história das nossas migrações sempre se soube substituir ao Estado, o mesmo apoio, a mesma solidariedade de que beneficiaram gerações sucessivas de emigrantes. Talvez à nova emigração corresponda um novo associativismo, ou uma renovação do antigo, com a importância que isso tem na ligação colectiva ao País.  Talvez... certezas, não tenho...

 6 - A componente cultural continua a ser uma aposta destes Encontros, especialmente nas Artes plásticas Encontram nesta área em concreto mais necessidade de intervenção?
 
 O programa que a AEMM preparou, num ano de comemorações (que é sempre, sobretudo, um ano de especial reflexão, retrospectiva e prospectiva) tem um enfoque especial nesta componente,  antes de mais pelo facto da ligação das comunidades a Portugal se originar e se fortalecer  no seu âmbito, com o ensino da língua e o culto das tradições, das artes, da música, do teatro, da dança, no quadro de um associativismo felizmente omnipresente nas nossas comunidades. E também porque muitas são as mulheres  que estão à frente dos projectos e acções, neste domínio fundamental. O dar-lhes reconhecimento e visibilidade é, em si mesmo, um factor de mobilização  para o exercício dos direitos da cidadania.  Tem sido prioridade constante da AEMM. Já o acento colocado nas Artes Plásticas é coisa mais recente, bem justificada pela proeminência de  geniais Artistas da diáspora  - Vieira da Silva, Isabel Meyrelles, Paula Rego...
Foi a Drª Nassalete Miranda,  a impulsionadora e a comissária da 1ª exposição colectiva de Mulheres, que realizámos em 2011, durante o Encontro Mundial na Maia. Uma nova colectiva será inaugurada durante o Encontro de Lisboa, reunindo pintoras das comunidades e outras cujas obras têm corrido o mundo.
 
 7 - São iniciadas no Encontro Mundial as comemorações dos 20 anos da AEMM. Há outras acções previstas?
 
 Este Encontro de Outubro dá continuidade a um primeiro Colóquio, que teve lugar em fins de Maio, em Espinho, no contexto da II Bienal Internacional “Mulheres d’Artes", com uma marcante adesão do SECP  Dr. José Cesário. O tema foi “Migrações e artes no feminino” . Contámos com mais de 200 presenças. e um diálogo vivo sobre a especificidade (ou não) do feminino na arte, sobre percursos de vida muito concretos, interinfluências culturais que se transmutam nas artes…  com esplêndidas introduções das Professoras Ana Gabriela Macedo e Isabel Ponce de Leão. Esse colóquio foi seguido, em Agosto, de um Encontro, na mesma Bienal e na mesma linha de análise e indagação, com estudantes dos cursos de língua portuguesa da Professora Deolinda Adão, nas Universidades de Berkeley e S. José (Califórnia) e com alunos finalistas das Escolas Secundárias de Espinho. 
Ainda em 2013 está prevista a organização de um  Colóquio sobre “As Mulheres na Carreira Diplomática” e a abertura, no Brasil, uma nova Delegação da AEMM, por iniciativa da Dr.ª Berta Guedes, que foi recentemente candidata à Prefeitura dessa cidade. Finalmente, em Dezembro, contamos fazer o lançamento da publicação das actas do Encontro de Outubro.
 
 8 - O que pode adiantar sobre as ASAS, Universidades Seniores?

A ideia da criação de universidades seniores impõe-se numa emigração onde esta componente é tão grande e pode dar muito mais do que dá às instituições das comunidades, em voluntariado.
A cidadania é para ser vivida em todas as idades e há nos mais velhos não só experiência e sabedoria, mas também muito mais energia do que aquela que se lhes reconhece... E temos em Portugal incontáveis exemplos de sucesso deste modelo de animação cultural, de aprendizagem e convívio permanentes. 

Foi o que procuramos levar ás comunidades, com o projecto das US ou das ASAS, "Academias Seniores de Artes e Saberes". Na África do Sul,  em  diferentes cidades, por acção da Liga da Mulher, na Argentina, graças à Associação Mulher Migrante , em Toronto, pela mão da Profª Manuela Marujo da Universidade de Toronto  a ideia vai tomando formas concretas. Mas, em muitas associações portuguesas do estrangeiro há já  iniciativas semelhantes, ainda que com outras designações - iniciativas que podem ser redimensionadas, partilhadas, renovadas.

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