O caso de França: a afirmação de uma autonomia
Custódia Domingues
Maia - Novembro 2011
Resumo
Em primeiro lugar permitam - me dizer o quanto dou valor a esta iniciativa
da associação “Mulher Migrante”. Considero que é um trabalho marcante
o que tem sido e está a ser feito por esta associação, em prol das
mulheres das comunidades portuguesas. O contributo que tem dado para
permitir uma maior visibilidade e um conhecimento real da história destas
mulheres ficará para o futuro.
Introdução
A evolução das comunidades portuguesas, e em particular as mulheres,
conheceu várias idades, desde os anos mais longínquos da emigração –
com carácter legal ou não – e da chegada aos países que as receberam até
aos dias de hoje. Este trabalho vai centrar-se no caso de França como país
de acolhimento, pois não é possível tratar o tema sem o limitar em termos
geográficos.
Caracterização
Para memória: na altura da Segunda Guerra Mundial, o número de
portugueses em França era cerca de 22 mil. (1)
A partir das décadas seguintes, é possível caracterizar melhor a emigração
portuguesa em França:
- Final dos anos 50 até 1974: A idade da emigração como procura da
sobrevivência e de uma vida material mais sólida. Em 1968, contavam-se
cerca de 500 mil portugueses em França. (2)
- Após 1974 até aos anos 90: A idade de uma conquista económica
baseada no trabalho, na procura da estabilidade financeira e na
transmissão de novos valores aos filhos.
(1) Janus 2001 –Estudo sobre a comunidade portuguesa em França
(2) “Le va-et-vient des Portugais en Europe” - revue Projet – 2001
Nos anos 90, as estatísticas francesas falavam de 900 mil a 1 milhão
de portugueses no país, ou até mais.
- Dos anos 90 até hoje: A idade da afirmação de uma autonomia
para a comunidade portuguesa que é igualmente o tempo de uma
segunda e mesmo de uma terceira geração que nasceu, cresceu e se
tornou adulta em território francês.
São os binacionais, ou luso-descendentes, que vivem, em simultâneo, a
riqueza e a complexidade de pertencerem a duas culturas. Em termos
demográficos, é complexo saber o número exato das pessoas nesta
situação, uma vez que o processo de «melting-pot» é pujante e significa
que os padrões de classificação são claramente difusos. De qualquer
modo, embora o ministério português dos Negócios Estrangeiros fale em
cerca de cinco milhões de portugueses e luso-descendentes espalhados
pelo mundo, este número será possivelmente mais elevado, com algumas
fontes a apontarem para números entre 10 e 15 milhões. Destes,
seguramente, mais de um milhão encontra-se em França.
- Ainda está para chegar, com plena maturidade e sobretudo com
maior visibilidade e reconhecimento a idade do exercício da cidadania.
Uma idade de poder político, poder no mundo dos negócios e poder cívico
com consciência.
É importante, no entanto, referir que algum caminho já foi percorrido e
existem hoje em França cerca de três mil luso-descendentes eleitos para
cargos políticos. Podemos citar os casos de algumas mulheres como Alda
Pereira-Lemaître, presidente da câmara de Noisy-le-Sec entre 2008 e
2010 ou Cristelle de Oliveira, a primeira portuguesa a apresentar-se como
candidata às eleições para o Parlamento Europeu. Existe ainda a CIVICA
- Associação de autarcas portugueses e luso-descendentes em França.
Segundo dados fornecidos por esta instituição, nas eleições municipais
francesas, em 2001, foram eleitos 350 autarcas de origem portuguesa.
As Mulheres da Diáspora em França: da idade da sobrevivência à idade
da autonomia
As mulheres tiveram um papel notório no movimento da emigração, em
particular nos anos 60, quando começaram a juntar-se aos familiares que
já se encontravam no país e a dedicar-se a tarefas pouco qualificadas
como, por exemplo, trabalhos domésticos e funções de «concierges».
Gradualmente, chegaram a um lugar e um espaço próprio: o do respeito
e o da autonomia. As mulheres conquistaram o respeito dos maridos,
dos filhos e da própria sociedade de acolhimento. Foram as grandes
transmissoras de valores no interior da família e fizeram a ponte entre
as duas sociedades. Foram elas que procuraram escolarizar os filhos
e permitiram a comunicação entre as duas culturas através de uma
aproximação e convivência com a sociedade de acolhimento, em
particular por meio das tarefas profissionais que exerciam. Essas mulheres
conquistaram autonomia financeira ao trabalharem tanto como os
maridos e contribuíram para o crescimento das capacidades financeiras
das famílias. Em paralelo, tomaram consciência do seu papel na sociedade
e souberam transmitir à geração seguinte o sentido da cidadania, em
particular através do acesso à educação, caminho para a autonomia.
A chegada das mulheres emigrantes aos media confunde-se com a
história da diáspora.
Porquê, dir-me-ão, a necessidade de descrever, mesmo que em grandes
linhas, a evolução histórica e social da emigração e das mulheres, quando
o que se pretende é caracterizar o papel das mulheres na comunicação
social da diáspora em França?
Porque o caminho é o mesmo.
Porque uma história confunde-se com a outra.
Porque se existem – e existem ainda que em quantidade limitada –, em
2011, mulheres jornalistas binacionais ou luso-descendentes é porque
foi traçado um percurso, o da idade da sobrevivência até à idade da
afirmação da autonomia.
Essa autonomia é, hoje, a de mulheres de segunda ou terceira geração
capazes de viver e trabalhar na sociedade francesa, inclusivamente nos
media, onde continuam a fazer crescer as consciências e o saber.
Os desafios atuais
Mulheres franco-portuguesas nos media franceses
Vamos citar alguns nomes presentes nos media nacionais franceses:
- Helena Morna – TV5
- Dulce Dias – Jornalista freelancer instalada na região de Lyon, que
também trabalha para a redacção portuguesa da Euronews.
A Radio France Internationale é um meio de comunicação francês que
conservou uma redacção de língua portuguesa, após vários meses de
luta por parte dos jornalistas. Salientamos que uma mulher da segunda
geração, Úrsula Soares, dirige a redacção de língua portuguesa para os
países africanos francófonos.
E, porque não referir alguns nomes no masculino?
- Paul Moreira – Trabalhou na RFI e atualmente desenvolve a sua atividade
no conhecido magazine “90 minutes” do Canal Plus
- Jorge Silva – Apresenta uma crónica na TV5 e trabalhou alguns anos no
programa “Encore” com a jornalista de origem espanhola Christine Bravo.
Quando assistimos ao telejornal da TF1 ou da France 2, é já relativamente
frequente, quando citam os repórteres, ouvirem-se nomes com
ressonância portuguesa: Paul Teixeira, Carine Santos, etc.
Mulheres franco-portuguesas nos media da Comunidade Portuguesa
Podem ser igualmente referidas aqui jovens jornalistas, presentes em
meios associativos e que escrevem para media menos conhecidos. São os
casos, por exemplo, de Liliane Saraiva, Stéphanie Ribeiro, Estelle Valente
na revista CapMag ou Carina Branco e Christine Soares da Lusopress TV.
É igualmente relevante citar alguns dos desafios que se colocam hoje às
mulheres da diáspora, apesar do percurso já feito. As mulheres jornalistas
da comunidade portuguesa em França conhecem problemas similares
aos das colegas jornalistas francesas, sendo que como se pode entender
a realidade da imprensa de língua portuguesa em França nada tem a ver
com a realidade do mercado profissional da comunicação e imprensa
francês:
-O nível de responsabilidades nas redacções é inferior ao dos
colegas homens.
- O nível de remuneração é inferior ao dos homens.
Alguns aspetos particulares da imprensa da comunidade portuguesa em
França:
- A precariedade da atividade: Ela é desenvolvida em carácter
de free-lance ou até sem verdadeiro vínculo ou estatuto e em órgãos
de comunicação que por vezes se encontram em situações demasiado
frágeis do ponto de vista económico e que não possuem uma estrutura
suficientemente profissionalizada.
- A escassa credibilidade dos media e da sua robustez financeira.
- A dificuldade em conquistar a geração mais recente de
binacionais/luso-descendentes para trabalharem nos media das
comunidades portuguesas.
Um parêntese curto
Este último aspecto está ligado, globalmente, a uma imagem de
Portugal que perdeu influência nas segundas e terceiras gerações das
comunidades portuguesas, na Europa e fora de Europa (não estou com isto
a desprezar « a missão de um mundo lusófono» defendido por Agostinho
da Silva, pelo contrário, mas a constatar uma realidade atual).
Se me permitem, no início dos anos 90 vim para Portugal para
dirigir e implementar, em equipa, um projecto que fazia todo o sentido: A
Confederação Mundial dos Empresários das Comunidades Portuguesas -
CMECP, de que fui secretária-geral.
O projeto que surgiu nos anos 90, de forma a implementar uma rede
de influência junto das comunidades portuguesas, estava certo e o timing
era também o certo.
Um projeto empolgante e com muito sentido para quem vive
e conhece a problemática das comunidades portuguesas e a sua
necessidade de se congregar em network, numa rede de influência
empresarial/económica, em particular após a entrada de Portugal na
Comunidade Europeia, em 1986.
Esse projeto, ao qual estive ligada até meados da década de 90, foi
desvirtuado por interesses financeiros e económicos e ficou pelo caminho.
Não serviu os interesses dos empresários da Diáspora, nem, infelizmente,
do país. Mas, o mundo empresarial das Comunidades – para quem o
conhece – continua a existir e com apreciáveis casos de sucessos.
É de lamentar que, perante a crise em que as economias mundiais
e portuguesa se encontram, não ter sido até agora concebido e criado
com seriedade uma verdadeira “Câmara de Comércio das Comunidades
Portuguesas”. Não ouvi até hoje nenhum decisor pensar nesses termos.
Essa sim, bem conduzida e com uma estratégia adequada a realidade
atual, pode dar frutos.
Imprensa online
Os suportes online existem na imprensa de língua portuguesa em França e
permitem a um público mais jovem, e feminino, expressar-se:
Sites:
Três de importância:
-Portugal vivo
- CapMag
-Luso.fr
A blogosfera bilingue
Alguns exemplos
- Fenêtre sur le Portugal
-Portugalmaniac´s
- Oi-campinas
-Aldeia- de-Gralhas.fr
Etc.
Existem luso-franceses e mulheres a trabalharem em jornais, revistas e
rádios das comunidades. Citamos os media mais conhecidos:
- Lusojornal
- Lusopress News
- Encontro
- Portugal Sempre
- Correio Português
- Action Catholique Ouvrière
- Cap Mag
- Vida Lusa
- Rádio Alfa
A este propósito é de referir que existem em França 42 rádios locais com
programas em língua portuguesa, bem como um canal de televisão por
cabo: a Lusopress TV.
Hoje em dia a rádio Alfa é sem dúvida “ la radio des Portugais de France”,
uma rádio com jornalistas profissionais que emite 24 horas por dia na
frequência FM 98.6. É conhecida e ouvida pela comunidade portuguesa e
lusófona em Paris, toda a região parisiense e em França. Existe desde 1987
e é uma referência para a comunidade.
Seria necessário confirmar, via um estudo científico mais aprofundado,
aquilo que nesta fase apurámos através de um levantamento mais
limitado, ou seja a direção dos media acima referidos, por exemplo, ainda
é na sua maioria masculina, com uma excepção, pelo menos nesta altura:
No Lusopress News, é uma mulher a dirigir a publicação: Lídia Sales.
Breve caracterização histórica dos media da diáspora em França
O jornalismo da comunidade portuguesa em França só começou a dar
mais espaço às mulheres – e elas próprias só começaram a conquistar
mais esse espaço – a partir de finais dos anos 80, princípios dos anos 90
com as chamadas «rádios livres».
Em 1982, o Estado francês emitiu várias licenças de rádio e foi a partir daí
que começou a irromper uma geração de jovens mulheres animadoras
de programas de rádio em toda a França (são os casos dos conhecidos
Radio Club Portugais, Radio Eglantine e Rádio Portugal no Mundo). Este
fenómeno também está ligado à vida associativa, muito intensa em
França: cada organismo criava o seu boletim informativo e o respetivo
espaço de expressão. Hoje, o número de associações que publicam com
regularidade um boletim informativo anda à volta de 30, mas na altura
representavam mais de uma centena.
O jornal «Presença Portuguesa» (1965-1996) foi a publicação que
inicialmente mais marcou a emigração portuguesa em França, pela sua
qualidade e a sua duração no tempo.
A seguir podem- se destacar, pelas suas reportagens e artigos:
- «Publi-Portugal» (anos 80 a 90)
- «Traço-de-União» (1985 – 1992)
- A revista «Peregrinação – des Arts et des Lettres de la diaspora
portugaise» (1983–1990) na qual modestamente publiquei alguns
escritos, também foi um marco na área literária. Existia um espaço para a
escrita feminina e uma expressão mais trabalhada teve oportunidade de
se dar a conhecer nos campos da literatura, teatro e poesia.
- «Luso-jornal» que iniciou a sua atividade em 2004 e que continua
presente no espaço da comunidade portuguesa de França. Trata da
atualidade e também tem um espaço mais dedicado à vida cultural.
Conclusão
O papel das mulheres nos media de expressão portuguesa em França
evoluiu dos anos 70 até ao presente. Passaram do invisível para o visível,
conquistaram um lugar na sociedade e, por consequência, no espaço de
expressão que é a comunicação social.
Tratam temas de atualidade, politica, desporto, economia, literatura
e talvez tenham uma vivência que lhes permite tratar com maior
sensibilidade os temas de cariz social.
As mulheres de segunda e terceira geração estão, na sua grande maioria,
a viver na sociedade de acolhimento que as viu nascer e deram um
salto qualitativo em termos de formação e educação. Da «concierge»
passou-se para mulheres com um currículo universitário e que vivem
plenamente a sua cidadania num mundo global. São cidadãs jornalistas,
advogadas, músicas, empregadas de escritório, administrativas,
professoras universitárias, médicas. No entanto, em Portugal continuam
a ser chamadas de «emigrantes» mesmo quando todos pertencemos a
uma União Europeia – para as que vivem neste espaço – no qual o termo
cidadão é o mais corrente.
Mesmo entendendo que é a expressão mais frequente e comum quando
Portugal fala das suas comunidades portuguesas no mundo, e que a
História e a sociologia têm explicação para essa realidade, não deixa
de ser significativo não se ouvir falar no termo “cidadão de origem
portuguesa ou um binacional ou até um luso- desendente português
a viver em França, ou na Alemanha ou no Luxemburgo” mas sim de
um “emigrante que vive em França, na Alemanha ou no Luxemburgo”.
Em 2011, existe ainda um trabalho de informação e comunicação por
fazer em Portugal sobre a evolução das comunidades portuguesas.
Esse trabalho seria, aliás, um motivo de auto-estima para os próprios
portugueses que vivem no território português. Para além de apaziguar
e repor alguma justiça numa imagem das comunidades no exterior que
continua desajustada no tempo, daria trunfos a Portugal.
É que as novas gerações não ficaram paradas no tempo. Souberam evoluir
e de uma primeira geração mais limitada e sacrificada passou-se para uma
terceira geração que está, ainda lentamente mas certamente, a fazer um
caminho de conhecimento da sua identidade e de qualificação do seu
estatuto profissional e cívico.
As mulheres jornalistas da diáspora são umas guerreiras e mensageiras
que continuam a dar voz, visibilidade, expressão e sentido à vivência de
milhões de portugueses espalhados pelo mundo.
“Especialista em Estratégia de Comunicação e Negociação /Gestão de redes de influência /Assessoria de Imprensa/Jornalismo. Business Development / Experiência na internacionalização”.
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