CONGRESSO MUNDIAL DA MULHER
0. Nota de introdução
É bom recuar no tempo e relembrar que ao longo dos séculos emergiram
inúmeras teorias pseudo-científicas que pretendiam demonstrar a inferioridade física da
mulher e, por conseguinte, a sua inferioridade intelectual. Basta enunciar algumas delas
como a frenologia de Gall que procurou demonstrar a superioridade intelectual dos
homens pela forma exterior do crânio; ou a teoria de Bischoff segundo a qual a fase de
desenvolvimento intelectual das mulheres se limitava à infância; ou ainda a de Moebius,
autor da inferioridade mental da mulher cujo título indicava claramente as suas
intenções e na qual assentou a sua argumentação a propósito do tamanho do cérebro;
Kormiloff quis demonstrar que o sangue das mulheres tinha menos hemoglobina e mais
água do que o sangue dos homens; Quételet pensava que a mulher sofria de capacidades
inferiores a nível pulmonar, esquelético, vocal, etc... que causavam fraqueza e doenças
crónicas; Spencer tentou demonstrar que a actividade intelectual era incompatível
com a reprodução. As mulheres sendo fisicamente inferiores seriam apenas guiadas
pelo seu útero quando os homens utilizariam o seu cérebro. A fisiologia feminina –
menstruação, gravidez - colocaria as mulheres num estado de constante debilidade física
que implicaria uma diminuição das suas capacidades mentais e morais. (Ortiz 1993).
Há alguns atrás, suponha-se ainda que a mulheres não seriam suficientemente
inteligentes para votar. Elas tinham de pedir a autorização ao marido para trabalhar
e abrir uma conta no banco. Ainda não controlavam o seu próprio corpo e no fundo,
porque temos de dizer as coisas como são, era-lhes recusado o direito de ter uma
sexualidade. Quantas foram as mulheres que tiveram de abandonar o sonho de estudar,
ou de terem uma profissão, porque na altura isso não era para elas? Quantas tiveram de
enfrentar o desprezo da família, amigos e conhecidos porque eram divorciadas, mães
solteiras, solteiras, ou porque não tinham filhos? Tudo isto aconteceu ainda ontem.
As suas conquistas parecem-nos hoje evidentes, mas são, na realidade, ainda bem
frágeis e recentes. Assistimos à ruptura com um modelo de mulher uniforme cuja única
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função social era a de esposa e de mãe e da qual os direitos resultavam dos seus deveres.
Quando se fala hoje de igualdade de género parece fundamental começar por constatar
que se assiste a progressos mas em paralelo subsiste grandes áreas de discriminação que
importa não silenciar ou subestimar.
Este Congresso propõe-se assim convidar-nos para o debate de grandes temas, através
de uma metodologia de convivência entre o exercício da crítica, a aceitação pedagógica
da dúvida e a busca de novos caminhos e de novas perspectivas. Razão pela qual este
Congresso será um processo amplo de debate e de construção partilhada, de todos e para
todos.
- Generosidade, dedicação, trabalho, responsabilidade, família, paz, vida: são estes os
valores das mulheres. São estes os valores que elas colocam no centro da sociedade
sendo elas o motor dessa mesma sociedade.
1. O novo rosto da emigração portuguesa
As motivações que levaram os portugueses a emigrar durante os anos 60
são bem diferentes daquelas que se verificam nos dias de hoje. Uma nova geração
de emigrantes, mais qualificada, está a conduzir este fenómeno para um novo
patamar, onde a variedade de funções e o enquadramento social em que se inserem
os portugueses nos países de acolhimento em muito se distinguem do cenário que
aconteceu há quatro décadas. Surge assim uma outra maneira de encarar a análise
de necessidades numa emigração sedenta de mudança a que podemos qualificar
de “conjuntural”.
Actualmente, abriu-se uma nova era da emigração portuguesa, sobretudo com
jovens de formação técnica e científica que procuram oportunidades de enriquecimento
profissional, o que também num futuro próximo trará reflexos para o desenvolvimento
do país. – Para exemplificar, em França tem-se verificado uma tendência ao aumento
da população emigrante com menos de 28 anos de idade onde a taxa de crescimento
da emigração permanente é já superior à da emigração temporária. É nesta emigração
permanente que nos aproximamos mais de uma paridade entre os dois sexos, ao passo
que a emigração temporária continua a ser predominantemente masculina. O aumento
do desemprego em Portugal levou sobretudo jovens quadros a abandonarem o país na
expectativa de conseguirem melhores oportunidades e salários na esperança de uma
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vida melhor. Estes emigrantes com outro perfil e outro tipo de competências já não são
de reduzido nível de instrução e, mesmo sem conhecer a língua do país que os recebe,
possuem o domínio do inglês que é, hoje em dia, uma língua de abertura facilitando
assim a sua integração no país de acolhimento.
No meu local de trabalho, verifico que um número significativo de jovens
portugueses se integra nos melhores “quadros” não só por encontrarem um meio
favorável para a sua realização sócio-profissional mas também de auto-estima. Esta
nova emigração mais heteróclita começa assim a criar um núcleo mais elitista no
conjunto dos sectores da vida profissional, económica e cultural das sociedades de
acolhimento. A realidade migratória continua, deste modo, a ser altamente dinâmica.
Isto é extremamente positivo e é bom que os portugueses sejam apreciados e
reconhecidos no exterior pelo seu valor.
Apesar da mobilidade de uma percentagem elevada de quadros, uma parte
significativa destes emigrantes são ainda pessoas de nível cultural baixo, praticamente
ligados a profissões menos qualificadas, como a construção civil, empregados da
restauração, prestação de serviços de pouca qualificação. Porém, pessoas essas com
características muito diferentes às que estávamos habituados. Acresce que Portugal
ainda mal despertou para este fenómeno de uma nova emigração, desde que a União
Europeia se tornou um espaço de liberdade de circulação. Há, de facto, uma nova vaga
de emigrantes que requer um novo quadro de análise porque permanece hoje como um
fenómeno pouco visível assente num fluxo silente já que o país não tem conhecimento
que as pessoas partem ficando assim muito isoladas e vulneráveis. Assistimos assim a
novas realidades como situações de exploração de portugueses em países onde deveriam
usufruir dos mesmos direitos que os autóctones.
Verifica-se, por exemplo, em França que não há igualdade de tratamento o que é
uma contradição numa Europa que se proclama respeitadora dos direitos de cidadania.
Os portugueses, como cidadãos europeus, já não sendo considerados emigrantes são
tratados como tal ou pior ainda. Por outro lado, notamos que partes dos problemas
de exploração a que os portugueses acabam muitas das vezes sujeitos têm origem no
grande negócio que é o trabalho temporário, o que designamos em França por “ínterim”.
Por tudo isto, num país estrangeiro, as pessoas ficam entregues a si próprias, sem
conhecerem a realidade local nem saberem a quem recorrer em caso de dificuldades que
possam vir a surgir.
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É verdade que os emigrantes de outrora não são os emigrantes de hoje
obedecendo a outros contornos o que implica principalmente uma participação maior
dos poderes políticos e dos mais diversos sectores da sociedade na discussão desta nova
realidade que foge aos cânones do passado.
Profª Doutora Isabelle Oliveira
Universidade da Sorbonne/CNRS
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