Conheci Maria Lamas ainda na dácada de 40 quando ela estava à frente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. Frequentava eu então a Faculdade de Letras e representava no Teatro Nacional.
O Conselho tinha junto das mulheres portuguesas um prestígio muito
grande sendo, no Portugal de então, um oásis de liberdade onde várias
mulheres reflectiam e discutiam sobre diversos temas podendo fazê-lo ali
com outra liberdade que não aquela de que gozavam fora dele.
Mesmo assim, é verdade, havia uma vigilância constante da parte da polícia
política – a famigerada PIDE – que estava atenta a tudo o que se dizia e
fazia no país.
O Conselho já vinha da primeira República onde funcionava sem
vigilâncias nem censuras ou intervenções policiais.
Maria Lamas exerceu sempre o seu cargo com grande competência,
merecendo o apoio e consideração da generalidade das mulheres
portuguesas muito embora maior das que tinham actividade política
e aproveitavam as poucas oportunidades que se lhes ofereciam para
exprimirem as suas opiniões e afirmarem o seu repúdio pelo regime
político que nos perseguia ao mínimo pretexto.
Era o tempo da ditadura, do governo persecutório, intolerante e violento de
Salazar que nos dominou durante vários anos, quase meio século.
Maria Lamas, mulher de grande carácter e grande coragem não se coibiu de
exercer a sua cidadania mesmo com grandes riscos, ameaças e até prisões.
Foi conhecida a sua atitude de apoio à candidatura do General Norton de
Matos aproveitando o exíguo mês de pseudo-liberdade do período eleitoral
para denunciar as acções e até verdadeiros crimes que eram cometidos
pelos servidores do Estado Novo. Prisões e perseguições perpetradas pelos
apoiantes e servidores do regime eram denunciados por ela sem hesitações
ou receios. Isso mereceu-lhe, obviamente, a nossa profunda admiração.
É evidente que em Portugal segui sempre o seu percurso cultural e político
e li com grande interesse e entusiasmo os seus imensos e muito belos
escritos e os seus famosos e conhecidos livros, sobretudo os que escreveu
especialmente sobre a mulher em Portugal e no mundo.
Quando cansada e desgostosa com o procedimento injusto e desumano
com que era tratada no país exila-se para França, para Paris, onde a visitei
muitas vezes no Hotel Saint Michel, na Rue Cujas. Foi aí, aliás, onde me
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Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diáspora
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Maria de Jesus Barroso Soares
apresentou um poeta cubano de quem eu aproveitei um muito interessante
poema para o recital que fiz no Teatro São Luís, em Lisboa.
Foi aí também que ela seguiu e apoiou os Movimentos Revolucionários
como, por exemplo, o Maio de 1968. E foi a sua influência e grande
empenho que me levou a comprar em Paris o “Avaloir” da “Voz Humana”,
de Jean Cocteau que ela tinha visto nessa cidade representar por uma
grande artista francesa. Tratava-se de uma linda peça, apenas para uma
mulher que – depois de a conseguir maravilhosamente traduzida pelo
grande poeta e amigo Carlos de Oliveira – me serviu de inspiração para
o recital do São Luís e que constituiu a parte principal desse recital que
também levei a vários pontos do país.
Maria Lamas foi, pois, para mim como para grande parte das mulheres
portuguesas, inesquecível.
As suas netas também foram influenciadas pelas atitudes da sua ilustre avó.
É o caso de Maria Benedita Monteiro que participa nesta homenagem que
se lhe presta e também de uma outra que foi educadora no meu Colégio e
que me acompanhou a Aveiro quando eu participei num célebre Congresso
de 1973 em que ela foi brutalmente maltratada pela polícia durante a
arrancada de uma marcha de homenagem a um ilustre Aveirense.
Tudo isso são factos inesquecíveis para mim e que só reforçaram toda a
admiração e amizade por essa grande mulher que foi Maria Lamas fazendo
que ela esteja sempre presente no meu pensamento e no meu coração.
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