terça-feira, 17 de janeiro de 2012

COMUNICAÇÃO DE MARIA AMÉLIA PAIVA

Encontro Mundial de Mulheres da Diáspora
Maia, 25 de Novembro de 2011


Caras Amigas e Amigos
Minhas Senhoras e meus Senhores


“I feel that what we must say to one another is based on encouraging each of us to be true to herself: “Now that we are equal, let us dare to be different” .

Estas são palavras da Engenheira Mª de Lourdes Pintasilgo – uma das mais notáveis portuguesas do século XX e inícios do século XXI, que tive o privilégio de conhecer e, que no decurso da sua vida, muito fez pela promoção da igualdade entre mulheres e homens, tendo sido uma das precursoras na defesa de uma acção pró-activa e consistente por parte da Administração Pública no sentido de combater a discriminação a que as mulheres foram sujeitas durante séculos.

Comemora-se hoje, 25 de Novembro, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres e, estou certa que em Portugal, como um pouco por todo o mundo serão muitas as iniciativas, que nos convocarão a reflectir sobre esta questão e a manter o tema na agenda pública.

Poderão perguntar-se porque é que eu como diplomata e exercendo pela segunda vez as funções de Cônsul-Geral vos trago hoje este tema. Faço-o sobretudo por que não obstante os muitos progressos e a crescente consciencialização de que a violência contra as mulheres é intolerável, muitas são infelizmente as mulheres e as famílias que nas nossas comunidades continuam, em silêncio, a sofrer esta terrível forma de discriminação. O tema não faz notícia nos jornais comunitários, mas a sua invisibilidade não é sinónimo de inexistência.

Apesar daquele silêncio, a minha experiência profissional mostra-me, no entanto, o contrário já que muitos dos detidos que visitei e visito me dão conta de estar a cumprir pena por crimes de violência doméstica. São eles próprios que me relatam a “surpresa” de serem detidos pelo facto de, nas suas palavras, apenas “terem dado uma bofetada ou um encontrão”.

Por essa razão, e porque a persistência da violência em qualquer das formas que ela possa ter é uma violação dos direitos humanos de todas as mulheres e claro também das mulheres migrantes, me permito trazer-vos estas curtas palavras de reflexão e alerta.

Por outro lado, e numa tónica mais pessoal, o tema também me toca porque foi há doze anos quando era delegada de Portugal nas Nações Unidas e responsável por estas temáticas, que foi adoptada, a 17 de Dezembro de 1999, pela Assembleia Geral das Nações Unidas a Resolução 54/134, pela qual se decidiu designar o dia 25 de Novembro como Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Podemos, creio, afirmar que a comemoração deste Dia Internacional tem constituído em todo o mundo, mas também no nosso país, uma importante chamada de atenção para o facto de que “a violência contra as mulheres é uma manifestação da desigualdade histórica das relações de poder entre as mulheres e os homens…e que a violência contra as mulheres é um dos mecanismos sociais pelo qual as mulheres são forçadas a assumir posições de subordinação, em comparação com os homens” (parágrafo preambular 6 da Resolução 54/134).

Importa ainda referir que no próximo dia 18 de Dezembro se comemora o 32º aniversário da adopção, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, depois de um longo e duro processo de negociação entre os Estados, da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW).

Verdadeira Carta dos Direitos Humanos das Mulheres, a Convenção é um documento de carácter global e vinculativo para todos os países que a ratifiquem. É o caso de Portugal que ratificou a Convenção sem reservas, em 1980, tendo sido o quinto país do mundo a fazê-lo.

A Convenção integra um conjunto de disposições muito amplo, abrangendo direitos civis e políticos e também direitos económicos, sociais e culturais, o que constitui uma inovação a registar. Por outro lado, contém uma definição clara de discriminação, isto é, a distinção, exclusão ou limitação com base no sexo que prejudica o reconhecimento ou exercício de direitos fundamentais.

A Convenção, conhecida habitualmente pela sigla CEDAW (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women) é um documento fundamental na evolução do pensamento internacional e do respectivo discurso sobre a igualdade de género. Se é certo que a Convenção não resolve todos os problemas, até porque o seu cumprimento envolve problemas estruturais muito profundos, por outro lado, ela abre a porta a uma nova compreensão das questões relativas à igualdade e aos direitos humanos das mulheres. São matérias que se tornam progressivamente questões políticas e que o poder político começa a olhar como questões de sociedade, e não apenas das mulheres.

Para combater a violência doméstica, bem como outras formas de violência, não basta proteger e ajudar as vítimas (mulheres, ou crianças, idosas/os ou deficientes), sendo necessário que a sociedade se ocupe também da pessoa violenta para evitar a repetição desses comportamentos e o surgimento de novas vítimas. A redução ou eliminação da violência contra as mulheres obtêm-se, não apenas lidando com as suas consequências, mas, particularmente, atacando as suas causas.

Estou consciente das dificuldades deste combate mas convicta que só através de uma abordagem multidisciplinar é possível responder ao desafio de tornar possível a existência de famílias e de uma sociedade em geral livres da violência contra as mulheres. Este é um desafio que podemos vencer e para o qual todas e todos somos chamadas/os a dar o nosso contributo, em Portugal e nas comunidades da diáspora.

O problema da violência contra as mulheres – assuma ele a forma de violência doméstica, tráfico e exploração sexual ou outras formas de discriminação nos mais variados domínios, não são problemas das mulheres, são problemas de toda a sociedade, logo o seu combate é um dever de cidadania.

Estamos aqui neste Encontro Mundial para celebrar as muitas conquistas das mulheres portuguesas da diáspora, pelo que gostaria de concluir estas minhas palavras com uma saudação para as congratular pelos muitos progressos alcançados mas também para vos dizer que o progresso do mundo em que vivemos necessita de mais mulheres em posições de responsabilidade, não apenas na esfera política, mas também nas áreas da economia, das finanças e da cultura, e da mesma forma nas organizações das comunidades lusas espalhadas pelo mundo.

Ser mulher, ser diferente e propor novas formas de ver e construir uma sociedade mais justa, mais democrática, e mais inclusiva e por isso e para isso mais igual, não é um desafio que, se levado até às suas últimas consequências e em coerência, seja fácil de concretizar sem desagradar a muitos sectores, sendo, por essa razão, urgente e necessário.

Na realidade, o desenvolvimento sustentável e o futuro dos nossos países dependem claramente de uma participação mais activa de todos os cidadãos – homens e mulheres – a todos os níveis da vida (económica, demográfica, social, política e cultural).

Não há domínios a excluir, pois esse é o significado cabal do termo consagrado na Conferência de Pequim – a integração da perspectiva de género - isto é, a integração plena dos interesses e dos “olhares femininos” sobre o mundo e as suas realidades. Essa partilha de responsabilidades é um instrumento fundamental na construção de uma sociedade em que todos são efectivamente iguais perante a lei e se sentem realizados/as.

Muito obrigada pela vossa atenção

Mª Amélia Paiva
Cônsul-Geral de Portugal em Newark

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