Género e desigualdades no trabalho: Situação em Portugal e na União Europeia
João Miguel Aguiar
Paula Costa Pereira
Introdução
Quando nos debruçamos sobre a relação entre o género e o trabalho percebe-se desde logo que esta não é uma questão meramente ideológica, incorpora, antes de mais, um dado incontornável: a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho e no emprego. No entanto, ao abordar esta temática, temos igualmente de accionar uma perspectiva diacrónica na análise deste processo relacional de mudança social, que tem ocorrido, embora com dinâmicas e incidências diversas, um pouco por todo o mundo ocidental, já que nas sociedades pré industriais não existia uma clara divisão entre actividades produtivas e actividades domésticas.
Sendo assim, com as sociedades industriais desenvolve-se a separação entre trabalho em casa (no contexto doméstico) e o trabalho fora de casa (no contexto do emprego). Inicialmente no sector industrial, durante a 2ª Guerra Mundial, e posteriormente no sector dos serviços, nomeadamente a partir dos anos 60. Isto ocorre fundamentalmente pelas seguintes razões: um progressivo aumento dos níveis de escolaridade das mulheres; profundas alterações no contexto familiar, nomeadamente através de uma redistribuição das tarefas domésticas e um aumento da participação feminina nas tomadas de decisão no seio da família; por uma crescente necessidade de contribuição das mulheres para os orçamentos familiares; e ainda pelo desejo, por parte destas, de realização pessoal e de maior autonomia, não só financeira, mas também no desenho do seu projecto de vida.
Desta forma, com o trabalho aqui desenvolvido, procura-se analisar o panorama actual em Portugal e na União Europeia em geral, relativamente à questão da desigualdade de género no trabalho e no emprego, recorrendo, para tal, à informação estatística existente.
Assim, este trabalho está organizado em dois eixos principais. No capítulo Género e trabalho apresentam-se algumas das principais teorias que consideramos relevantes para a problemática em estudo. No capítulo dedicado ao Género e desigualdades no trabalho, num primeiro momento, analisa-se a informação estatística existente relativamente à situação em Portugal, articulando, sempre que a propósito, com a situação na União Europeia. Num segundo momento procura-se analisar, a partir de alguns documentos oficiais, as políticas de combate à desigualdade e de conciliação do trabalho com a vida familiar.
2. Género e desigualdades no trabalho
2.1. Situação em Portugal e na União Europeia
Se a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho, nomeadamente a partir dos anos 60 do século XX, parece ser consensual, importa perceber de que forma esse processo ocorre e que dimensões atravessa. Essa participação deve-se, fundamentalmente, ao desenvolvimento do sector dos serviços, porque essas actividades, em forte expansão, “ […] são tidas como femininas, […] requerem atributos socialmente reconhecidos às mulheres, designadamente competências emotivas e relacionais” (Falcão Casaca, 2005, pp. 55-56). Esta tendência incorpora, desde logo, uma característica profundamente ambígua, ou seja, tanto pode representar um processo de inclusão feminina no contexto laboral – o que pode reforçar uma maior igualdade entre géneros -, como, ao mesmo tempo, pode revelar um processo de diferenciação e de segregação sexual.
Com o presente trabalho, o que nos parece importante perceber é se de facto as mulheres se encontram inseridas no mercado de trabalho, se, pelo mesmo tipo de trabalho, auferem um salário igual ao dos homens, se apresentam vínculos laborais semelhantes aos dos homens e se têm o mesmo tipo de oportunidades de dedicação às suas carreiras profissionais.
Ao analisarmos os dados estatísticos, tanto nacionais como europeus, pretende-se descrever e interpretar alguns dos aspectos detectáveis deste fenómeno. Percebemos a limitação do alcance dos dados estudados, nomeadamente na detecção das formas «flexíveis» ou «atípicas» de trabalho e emprego – extremamente heterogéneas, de difícil identificação e que facilmente escapam às fontes estatísticas oficiais. No entanto, os dados recolhidos permitem identificar as principais tendências de transformação do mercado de trabalho, as formas contratuais, os tempos de trabalho (laboral e doméstico), ajudando a perceber as implicações dessas transformações a partir de variáveis como «sexo», «idade», «nível de escolaridade», «sector de actividade», entre outras. (Falcão Casaca, 2005, pp. 55-56)
Começando por analisar a taxa de actividade no período entre os anos 2000 e 2009 da população residente em Portugal (Quadro 1), podemos verificar que, apesar da taxa de actividade total (homens e mulheres) ter aumentado neste período, apenas 1,4%, é a taxa de actividade feminina que contribui para tal, passando de 44,8% em 2000 para 48% em 2009. A taxa de actividade dos homens, neste período, regista uma ligeira redução, ou seja, de 57,9% em 2000 passou para 57,3% em 2009.
Quadro nº 1
Sexo Grupo etário
(anos) Taxa de actividade (Série 1998 - %) da população residente por Sexo e Grupo etário; Anual
Período de referência dos dados
2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000
HM Total 52,50 53 53 52,80 52,50 52,20 52,30 52,20 51,70 51,10
15 – 24 39,20 41,60 41,90 42,70 43 43,60 45,10 47,40 47 45,70
25 – 34 89,80 90 89,70 89,70 89,70 88,80 88,80 88,30 87,60 87,50
35 – 44 89,70 89,90 90,10 89,60 88,50 88,60 88 87,10 87,20 86,80
45 – 54 83,80 83,80 83,10 83,30 82,40 80,80 80,10 79,90 80,30 79,30
55 – 64 53,90 54,40 54,40 53,50 53,80 53,20 54 53,40 51,90 52,40
Mais de 65 17 17,60 18,20 18 18 17,90 18,70 18,90 18,70 18
H Total 57,30 58,20 58,20 58,20 57,90 58,10 58,40 58,70 58,40 57,90
15 – 24 40,80 44,40 45,30 46,60 46,90 47,60 48,50 52,30 51,70 50,50
25 – 34 92,30 93 92,40 92,80 92,60 91,90 91,90 92,40 92,20 92,50
35 – 44 93,40 94,80 94,70 94,60 94,30 94,50 94,70 94,80 94,80 93,90
45 – 54 91,40 91,60 91,40 91 90,20 89,80 90 89,90 90,50 90,70
55 – 64 62,70 63 63 62,70 62,40 62,80 65,20 64,30 63,60 64,40
Mais de 65 22,20 23,40 24,20 24,60 24,60 25,60 25,80 25,70 25,90 25
M Total 48 48 48,10 47,70 47,40 46,70 46,60 46,10 45,50 44,80
15 – 24 37,50 38,60 38,40 38,70 38,90 39,50 41,50 42,40 42,10 40,80
25 – 34 87,20 86,90 86,90 86,60 86,70 85,70 85,70 84,10 83,10 82,40
35 – 44 86 85 85,70 84,70 82,90 82,90 81,60 79,60 79,80 80
45 – 54 76,50 76,40 75,20 76 74,90 72,20 70,70 70,40 70,80 68,60
55 – 64 45,90 46,60 46,70 45,10 46,10 44,80 44 43,80 41,50 41,90
Mais de 65 13,30 13,50 13,90 13,20 13,20 12,40 13,60 14,10 13,60 12,90
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego
Relativamente à taxa de actividade da população da União Europeia (Quadro A1 em anexo), segundo os dados de 2008 do Eurostat, verifica-se que a diferença média entre as taxas de actividade de homens e mulheres dos estados membros da EU é de 14,1%, ou seja, existem em média menos 14,1% de mulheres empregadas/desempregadas, ou à procura de novo ou de primeiro emprego na EU. Portugal situa-se no conjunto de países onde esta diferença é menor do que a média europeia – 10,6%. Se a situação na Finlândia, uma diferença de 4%, e da Suécia (4,8%) indicia uma forte participação feminina no mercado de trabalho, já em Itália (22,8%), Grécia (24%) e Malta (36,7%) essa participação é muito menor.
Importa, neste contexto, perceber como se distribuem as mulheres pelas diferentes actividades profissionais. De uma população média empregada de cerca 5,020 milhões de indivíduos em 2000 passou-se para 5,054 em 2009 – com ligeiras oscilações ao longo deste período - (Quadro A2 em anexo). Se o número de homens empregados apresenta uma diminuição, entre 2000 e 2009, de 110,8 mil indivíduos, já o número de mulheres têm vindo a apresentar um progressivo aumento, passando de 2,255 milhões em 2000 para 2,366 em 2009 – uma tendência para a convergência dos dois contingentes.
Se neste aspecto parece existir uma tendência para a diminuição das resistências no acesso das mulheres ao mercado de trabalho, no que diz respeito ao tipo, situação e qualidade do emprego o panorama é diferente. Ao observarmos os valores da distribuição da população média empregada pelas diferentes profissões, no ano de 2009, segundo o inquérito ao emprego do INE, verificamos que existe uma concentração de mulheres em sectores profissionais como: pessoal administrativo e similares (307,4 mil); pessoal dos serviços e vendedores (543,9 mil); e trabalhadores não qualificados (403,5 mil), ou seja, estes três grupos profissionais representam cerca de 53% do total de mulheres empregadas em Portugal no ano de 2009. (Quadro A2 em anexo).
No entanto, importa salientar dois aspectos: a duplicação do número de mulheres no contingente das forças armadas, passando de 1,6 mil em 2000 para 3,3 mil em 2009 – um sector tradicionalmente mais resistente à contratação de mulheres; e um significativo aumento do número de mulheres nas profissões intelectuais e científicas - ultrapassando o número de homens. Confirma-se assim a crescente participação feminina no mercado de trabalho, embora se torne mais expressiva esta tendência se compararmos com dados relativos a anos anteriores a 2000 (site do INE: www.ine.pt).
Relativamente à situação na profissão (Quadro A3 em anexo), verifica-se uma tendência para a convergência dos dois grupos (homens e mulheres), nomeadamente nos trabalhadores por conta de outrem, embora com o número de homens a diminuir ligeiramente e o das mulheres a aumentar – de 1,662 milhões de mulheres em 2000 para 1,864 em 2009. Quanto aos trabalhadores por conta própria como empregador, em 2009 a situação é de algum equilíbrio entre homens e mulheres, 476,7 mil homens e 403,7 mil mulheres - uma tendência de estabilização do número de homens nesta situação e um crescente aumento do número de mulheres . Outro aspecto a salientar é a tendência para a diminuição do número de «trabalhadores familiares não remunerados», tanto homens como mulheres, embora no caso feminino a descida seja mais acentuada – de 122,5 mil em 2000 para 26,9 mil em 2009.
Analisando a distribuição por sexos da média anual da população empregada segundo o sector de actividade e o nível de escolaridade completo em 2009 (Quadro 2), podemos verificar que o número de mulheres ultrapassa o número de homens em dois grupos opostos, ou seja, entre os indivíduos com nenhum nível de escolaridade – de um total de 215,6 mil, 120,5 mil são mulheres – e no conjunto de indivíduos com nível de escolaridade superior – de um total de 799,7 mil, 476,1 mil são mulheres. Observa-se que de todos estes grupos – segundo o nível de escolaridade – as mulheres tendem a situar-se no sector dos serviços, mesmo nos casos em que são a minoria, ou seja, existindo menos mulheres com o ensino secundário, básico (1º, 2º e 3º ciclo), são estas que mais contribuem para o sector, exceptuando aquelas que não têm nenhum nível de escolaridade, já que estas exercem maioritariamente as suas actividades na agricultura e pescas.
Quadro 2 - População empregada segundo o sector de actividade principal, por nível de escolaridade completo e sexo – Média anual 2009
Unidade: Milhares de indivíduos
Nível de escolaridade completo Sexo Total Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca Indústria, construção, energia e água Serviços
População empregada HM 5 054,1 564,8 1 425,7 3 063,6
H 2 687,6 293,7 1 040,1 1 353,8
M 2 366,5 271,0 385,6 1 709,9
Nenhum HM 215,6 138,7 35,2 41,6
H 95,1 55,1 30,9 9,1
M 120,5 83,7 4,3 32,5
Básico - 1º ciclo HM 1 260,9 306,8 417,1 537,1
H 705,7 162,6 312,4 230,8
M 555,2 144,3 104,7 306,3
Básico - 2º ciclo HM 876,0 61,4 387,2 427,4
H 529,3 36,1 283,1 210,1
M 346,7 25,3 104,1 217,3
Básico - 3º ciclo HM 1 053,0 39,1 331,3 682,7
H 597,0 25,5 243,1 328,4
M 456,1 13,6 88,2 354,3
Secundário/pós-secundário HM 848,8 11,6 171,0 666,2
H 436,9 8,9 117,8 310,2
M 412,0 2,7 53,3 356,0
Superior HM 799,7 7,1 83,9 708,7
H 323,5 5,5 52,9 265,1
M 476,1 1,6 31,0 443,5
Fonte: INE, Estatísticas do Emprego.
Confirmado o crescimento do contingente feminino no mercado de trabalho, a sua situação na profissão, o aumento dos níveis de escolaridade, verifica-se uma tendência para que exerçam funções no sector dos serviços e trabalhos menos qualificados. Importa, assim, ter em atenção os rendimentos mensais líquidos da população empregada por conta de outrem, nomeadamente comparando a evolução das remunerações líquidas no período entre 2000 e 2009. (Quadro A4 em anexo)
Podemos confirmar a existência de divergências salariais relevantes em todas as actividades profissionais. Em termos gerais, no 4º trimestre de 2009, os homens auferem, em média, 831 € e as mulheres 712€, apesar da tendência, ainda que ligeira, de redução da diferença salarial em função do sexo. Segundo os dados do INE (Quadro A4 em anexo), no mesmo período de 2000, os homens auferiam em média um salário líquido de 604€ e as mulheres 499€, ou seja, se em 2000 as mulheres auferiam 82,6% da remuneração média mensal dos homens, em 2009 esse valor passou para 85,7%.
É importante verificar como se comporta esta diferenciação salarial em determinadas categorias profissionais, nomeadamente naquelas em que o contingente feminino é maior do que o masculino (serviços e agricultura e pescas) e aquele em que as mulheres, pelo forte aumento das suas qualificações académicas, poderiam apresentar um quadro remuneratório mais favorável (especialistas das profissões intelectuais e científicas).
No que diz respeito aos trabalhadores da agricultura e pescas, as baixas remunerações imperam, apenas 504€ de rendimento médio mensal líquido no 4º trimestre de 2009. Se em 2000 as mulheres empregadas nestas categorias profissionais auferiam 76% do salário dos homens, em 2009 passaram a auferir apenas 71%, ou seja, aumentou, nos últimos 10 anos, a diferença salarial entre homens e mulheres. Nos profissionais dos serviços, em 2000, as mulheres auferiam 68% do salário médio mensal dos homens, passando, em 2009, a receber 72%. Na categoria dos especialistas das profissões intelectuais e científicas a tendência mantém-se, embora o valor de referência [4º trimestre de 2000] seja elevado, isto é, em 2000 as mulheres com estas categorias profissionais recebiam 84% da remuneração dos homens, passando a receber no mesmo período de 2009, em média, 90% da remuneração líquida dos homens.
A merecer nota de destaque surge o caso dos quadros superiores da administração pública e quadros superiores de empresas, já que, em 2000, as mulheres destas profissões auferiam cerca de 90% da remuneração média mensal dos homens, passando em 2009 para 82%, uma variação negativa de 8% superior à das trabalhadoras da agricultura e pescas.
A evolução do rendimento médio mensal líquido da população tendo em consideração a diferenciação por sexo, segundo os dados estatísticos do INE no 4º trimestre de 2009 (Quadro A4 em anexo), apresenta em linhas gerais, dois aspectos significativos e que merecem toda a atenção: é nas categorias profissionais onde as mulheres auferem as mais baixas remunerações (agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e pescas com 383€ em média por mês) e onde auferem as mais altas remunerações, ou seja, os quadros superiores da administração pública e dirigentes e quadros superiores de empresas, com 1397€ no mesmo período, que se verifica uma tendência contrária à das restantes actividades profissionais, ou seja, observa-se um aumento da diferença salarial em relação aos homens.
Neste domínio, segundo os dados do Eurostat (Quadro A5 em anexo), Portugal parece situar-se bem acima da média da EU-27, ou seja, em 2008, apresenta uma diferença no salário bruto entre homens e mulheres de 9,2%, enquanto a média da União Europeia situa-se nos 18%. Note-se que em alguns países as disparidades salariais entre homens e mulheres têm vindo a aumentar. Itália (4,9%), Eslovénia (8,5%) e Bélgica (9%), são os países que apresentam menos diferenças salariais entre homens e mulheres, no ano de 2008. República Checa (26,2%), Áustria (25,5%) e Alemanha (23,2%), são os que apresentam maiores diferenças.
No entanto, importa ressalvar que este quadro foi construído na forma não ajustada. O «Gender pay gap» (GPG) sob forma não corrigida representa a diferença entre a remuneração média ilíquida/hora de homens e mulheres. Embora o valor do GPG certamente dê uma indicação da situação que enfrentam as mulheres no mercado de trabalho europeu, faz sentido considerar outros indicadores, a fim de obter uma imagem mais completa das possíveis razões subjacentes a essas disparidades salariais.
Um desses indicadores é o trabalho em «part-time». E aí convém sublinhar que, nos países do norte da Europa, as tarefas em «part-time» reflectem, de uma maneira geral, as preferências das mulheres e a sua necessidade de combinar o trabalho com a educação dos filhos, enquanto que, no sul da Europa, as tarefas em «part-time» são, muitas vezes, involuntárias (Petrongolo, 2004).
Outra categoria que importa analisar é o tempo dedicado à actividade profissional de homens e mulheres. Analisando a duração semanal efectiva de trabalho da população empregada em Portugal, verifica-se que os homens trabalham 38 horas e as mulheres 34 horas (Quadro 3).
Quadro 3 - Duração semanal efectiva de trabalho da população empregada por Sexo, Sector de actividade económica e Regime de duração de trabalho
Sexo Sector de actividade económica Período de referência dos dados
4.º Trimestre de 2009
Regime de duração de trabalho
Total Tempo completo Tempo parcial
h h h
HM Total 36 38 17
Agric., prod. animal, caça, floresta e pesca 29 42 16
Indústria, construção, energia e água 37 37 16
Serviços 36 38 18
H Total 38 39 17
Agric., prod. animal, caça, floresta e pesca 32 43 16
Indústria, construção, energia e água 37 38 16
Serviços 39 40 18
M Total 34 37 17
Agric., prod. animal, caça, floresta e pesca 25 40 15
Indústria, construção, energia e água 35 36 17
Serviços 34 37 18
Fonte: INE, Inquérito ao Emprego
Esta diferença poderá estar relacionada com o tempo dedicado pelas mulheres às tarefas domésticas, ou seja, as mulheres que exercem uma actividade profissional e têm de assegurar o trabalho doméstico e o cuidado à família deparam-se com a necessidade de conciliação das duas actividades – aquilo que se designou como a «dupla jornada de trabalho». Segundo o inquérito à ocupação do tempo levado a cabo pelo INE em 1999, verifica-se que as mulheres, embora consagrem menos 2,20 horas por dia às suas actividades profissionais e estudo, dedicam mais 3 horas por dia, do que os homens, ao trabalho doméstico e cuidados à família e menos 90 minutos às actividades de lazer. Esta realidade pode explicar a necessidade das mulheres dedicarem menos horas às suas actividades profissionais. (Quadros 3 e A6)
2.2. Políticas de combate à desigualdade e de conciliação do trabalho com a vida familiar
A participação do Estado nestes processos torna-se da maior importância, nomeadamente ao nível das decisões governamentais e instrumentos políticos. A Europa do sul em geral e particularmente Portugal apresentam um conjunto de características resultantes de condições peculiares da sua construção histórica e realidade económico-social que explicam a existência de um modelo atípico de Estado-Providência.
Neste sentido, importa perceber qual o quadro político/legal que a problemática da (des)igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho e no emprego assume em Portugal, já que só em 1976, com a nova constituição da república portuguesa, se passou a consignar a igualdade entre homens e mulheres em vários domínios da sociedade portuguesa. Mais tarde, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 329/79, de 20 de Setembro, passam a estar previstos princípios igualitários entre homens e mulheres referentes às condições de trabalho, nomeadamente: no acesso ao emprego e à formação, à carreira profissional e à remuneração. Consequentemente, verifica-se uma transformação ao nível das políticas públicas, ou seja, de uma perspectiva baseada na manutenção das funções sociais de esposa e mãe (saúde da mulher e maternidade), para uma perspectiva assente em princípios não discriminatórios em função de género. (Cerdeira, 2009, pp. 87-89)
Actualmente, o panorama legislativo português traduz aquilo que são as directivas comunitárias no que concerne à “ […] aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na actividade profissional.” (Jornal Oficial da União Europeia, 2006, L 204/26). Com a entrada em vigor do novo código de trabalho, Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, pretendeu-se garantir, não só o cumprimento da directiva comunitária, mas também o seu controlo e sancionamento dos transgressores.
Outro instrumento que visa combater a discriminação das mulheres na actividade profissional é a comissão para a igualdade no trabalho e no emprego (CITE), criada em 1979. Esta Comissão é constituída por representantes do governo e pelos parceiros sociais – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN), Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) e União Geral de Trabalhadores (UGT). As suas principais atribuições são: “ […] a promoção da igualdade e da não discriminação entre mulheres e homens no trabalho, no emprego e na formação profissional; a protecção na parentalidade; a conciliação da vida profissional, familiar e pessoal.” (Site do CITE em: www.cite.gov.pt)
3. Notas finais
De uma forma geral, com este trabalho podemos perceber que, apesar do enquadramento legal e da acção política assentes na igualdade de oportunidades e na igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na actividade profissional, tanto em Portugal como na União Europeia, persistem fortes indicadores de segregação sexual.
Ao nível das ocupações, homens e mulheres tendem a dedicar-se a diferentes tipos de trabalho e sectores de actividade - segregação horizontal -, conduzindo as mulheres para a profissionalização em sectores onde as rotinas e os baixos salários são mais comuns - segregação vertical (Giddens, 2004, pp. 393-394).
Outra forma é a concentração das mulheres em actividades a tempo parcial, ou seja, as mulheres recorrem a este tipo de trabalho, normalmente pouco qualificado e precário, no sentido de poderem conciliar a vida profissional e a vida familiar. Isto acontece mais no Norte da Europa e menos em Portugal, embora se possa considerar, no caso português, a redução de horário de trabalho como um modo de parcialização do tempo de trabalho (Giddens, ibidem).
Por fim, surge a segregação por via da disparidade salarial entre homens e mulheres, ou seja, as mulheres auferem salários inferiores aos dos homens e estão mais representadas em categorias profissionais onde a média salarial é mais baixa (Giddens, ibidem).
As disparidades salariais também têm um impacto importante sobre a poupança e as pensões das mulheres. Ganhar salários mais baixos significa ter uma pensão mais baixa, o que provoca um maior risco de pobreza das mulheres mais velhas. As disparidades salariais entre homens e mulheres são uma consequência da discriminação e desigualdades no mercado de trabalho que, na prática, afectam principalmente as mulheres. O diferencial na remuneração está ligado a uma série de factores legais, sociais e económicos que vão muito além da questão do salário igual para trabalho igual.
Bibliografia consultada:
AGACINSKI, Sylviane (1999) – Política dos Sexos. Oeiras: Celta Editora. ISBN: 972-774-036-7.
AMÂNCIO, Lígia (1994) – Masculino e feminino: a construção social da diferença. Porto: Edições Afrontamento. ISBN: 972-36-0333-0.
CASACA, Sara Falcão (2006) - Flexibilidade, emprego e relações de género: a situação de Portugal no contexto da União Europeia, in Kovács, I. (Org.) et al., Flexibilidade de Emprego: Riscos e Oportunidades, Lisboa: Celta Editora, pp. 55-89.
CASACA, Sara Falcão (2005) - Flexibilidade, Trabalho e Emprego - Ensaio de Conceptualização, Working Paper, SOCIUS nº 10/2005, ISEG-UTL.
CASACA, Sara Falcão (2009) - Revisitando as teorias sobre a divisão sexual do trabalho. Lisboa: Instituto Superior de Economia e Gestão – SOCIUS, nº 4-2009.
CERDEIRA, Maria da Conceição (2009) – A perspectiva de género nas relações laborais portuguesas. Sociologia, Problemas e Práticas. Nº 60 (Abril 2009), p. 81-103. ISSN: 0873-6529.
GIDDENS, Anthony (2004) – Sociologia. 5ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. ISBN 978-972-31-1075-3.
TORRES, Anália Cardoso (2004) – Vida conjugal e trabalho: uma perspectiva sociológica, Oeiras: Celta Editora. ISBN: 972-774-206-8.
DECRETO-LEI nº. 7/2009. Diário da República, 1.ª série — N.º 30 — 12 de Fevereiro de 2009, p. 926-930.
DIRECTIVA 2006/54/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO (5 de Julho de 2006), L 204/23.
Consulta de documentação e sistemas de informação [Em linha]:
CITE, Comissão para a igualdade no trabalho e no emprego [em linha], [consultado em 15-04-2010], disponível em: http://www.cite.gov.pt/pt/acite/mulheresehomens02.html.
EUROSTAT [em linha], [consultado em 14-04-2010], disponível em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/.
INE, Instituto Nacional de Estatística [em linha], [consultado em 16-04-2010], disponível em: http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpgid=ine_main&xpid=INE.
MTSS – Ministério do Trabalho e da Segurança Social [em linha], [consultado em 18-04-2010], disponível em: http://www.mtss.gov.pt/.
PETRONGOLO, Barbara (2004) - Gender Segregation in Employment Contracts. Journal of the European Economic Association, Vol. 2, No. 2/3, Documentos e Processos do XVIII Congresso Anual da Associação Económica Europeia (Abril - Maio de 2004), pp. 331-345. [Em Linha], [consultado em 06-04-2010]. Disponível em: The MIT Press on behalf of European Economic Association Stable http://www.jstor.org/stable/40004908.
Sem comentários:
Enviar um comentário