terça-feira, 6 de novembro de 2012

GRAÇA GUEDES Mulheres em movimento II

Biblioteca Municipal José Marmelo e Silva
UNIVERSIDADE, POLÍTICA E CIDADANIA
Graça Guedes
Professora Catedrática Aposentada da Universidade do Porto
Professora Catedrática do ISCS-N/CESPU
gracaguedes@net.sapo.pt

É normal pensar que POLÍTICA significa governo dos homens, administração das coisas e direcção dos Estados.
Mas este conceito é muito mais lato e abrangente.
Pode ser considerado Arte, Ciência, Ideologia, Filosofia, Ética, Metafísica, Teologia, com diferentes níveis, dimensões e aspectos, que se interligam ou dialecticamente se postulam. O problema reside em saber o que é que verdadeiramente se encontra unido.
Porque POLÍTICA releva da intuição criadora, do juízo teórico-prático, da percepção das mediações necessárias entre quem governa e a comunidade que é governada, releva também dos diversos corpos que constituem o universo social e estatal que se relacionam com as aspirações que polarizam a vida dos Homens.
E, assim sendo, POLÍTICA é um FAZER e, sobretudo, um AGIR.
Esta perspectiva é aliás já muito antiga e inspirada em Aristóteles, que assim define Política: … uma espécie de savoir-faire, de que nem a sensibilidade nem a imaginação podem estar ausentes, embora a prioridade seja atribuída à racionalização tecnológica e à reflexão crítica.
POLÍTICA será um ponto de focagem de um campo larguíssimo de relações entre governantes e governados; entre as Instituições e a vida real; entre as partes e o todo. E, todos nós, somos a parte deste todo!
Embora lhe estejam normalmente associadas questões ideológicas e partidárias, teremos de pensar sobretudo em CIDADANIA, que deverá nortear os nossos comportamentos e os nossos relacionamentos, qualquer que seja a idade, o género, a etnia, a religião; qualquer que seja o contexto onde possamos estar inseridos.
Cada uma de nós aqui, tem certamente histórias de vida que testemunham os seus contributos para a renovação de uma organização partilhada entre homens e mulheres, a todos os níveis e em todas as esferas, num efetivo exercício de cidadania que sempre caracterizou tudo quanto a vida me fez confrontar.
Agradecendo a honra que me foi dada para participar neste II Encontro Mulheres em Movimento e aqui apresentar um testemunho pessoal, salientarei algumas vivências em diferentes contextos e, consequentemente, com diferentes tipos de intervenção. Seja na Universidade, na vida associativa e desportiva, na política, mas sempre norteada por esteparadigma de CIDADANIA.



Uma carreira académica na Universidade do Porto.
Uma actividade associativa: vice-presidente dos Bombeiros Voluntários de Espinho nos finais dos anos 90; Presidente da Assembleia Geral do Sporting Clube de Espinho; Vice-
Presidente da Assembleia Geral do Orfeão de Espinho.
Na vida política activa, Presidente da Assembleia Municipal de Espinho no anterior mandato.
Profissionalmente, a minha carreira docente universitária impôs a realização de doutoramento e, como na minha área científica ainda não havia em Portugal ninguém com esse grau, tive de emigrar, para em Paris e durante cinco anos, realizar os meus estudos conducentes à obtenção do grau de Doutor em Psicologia. Foram cinco anos difíceis, longe de casa, dos filhos, da família; sem bolsa de estudo. Mas consegui, tendo sido a primeira mulher que em Portugal obteve esse grau para as Ciências do Desporto. Depois, fui novamente a primeira a chegar a Catedrática, depois das provas de agregação e de ter ganho o concurso para este estatuto universitário.



No desporto, pertenci á primeira equipa de voleibol do Sporting Club de Espinho, onde agora e já desde há alguns anos sou Presidente da Assembleia Geral.
Ter sido Vice-Presidente dos Bombeiros Voluntários de Espinho, foi uma experiência enriquecedora, num contexto especial, com pessoas muito especiais, sobretudo porque me foi dado o privilégio de organizar as comemorações do seu centenário.
Ter sido uma das 18 Presidentes das 308 Assembleias Municipais Portuguesas é também algo a que não pude ficar indiferente, como também registo com muito orgulho e satisfação o resultado da votação para a actual Presidência da Assembleia Municipal de Espinho. Apesar de não ter sido eleita, votaram em mim todos os elementos do CDS-PP, da
CDU, do BE e, obviamente, do Partido Socialista.
Selecionei alguns extratos de intervenções públicas que poderão eventualmentecontribuir para o diálogo que julgo irá acontecer a seguir às nossas intervenções, sobretudo porque sempre procurei destacar o papel da Mulher na sociedade.




* Saudação no DIA INTERNACIONAL DA MULHER, 2006
Homens e mulheres constituem os dois sexos, diferentes entre si, que compõem a Humanidade.
As sociedades, em função das diferenças biológicas, foram construindo ao longo dos séculos representações, papeis e expectativas, também diferentes entre si, originando o que se passou a designar de género: género feminino e género masculino.
Diferenças de género que, segundo Bordieu (1999), estão bem impressas nas estruturas mentais e sociais da humanidade.
Para Knoppers (1988), estão reconhecidas três concepções de género:
- entendido como um atributo pessoal, que resulta da interacção de factores biológicos, com factores sociais, dando lugar às diferenças de género;
- baseada na noção de papeis, seja associada ao sexo, ou ao género, muito embora subsista ainda uma certa confusão relativa ao significado que , segundo Hall (1985), é atribuído a uns e a ontras;
- concebendo o género em termos de relações sociais entre homens e mulheres, bem como entre o género e as estruturas sociais. Nesta perspectiva, Hall (1985) considera que dado que as relações se constroem socialmente, elas não são imutáveis, pelo que podem sofrer transformações
No passado, as diferenças fundamentavam-se no reconhecimento aos homens e a exclusão às mulheres dos direitos inerentes à autonomia individual e à cidadania. As mulheres eram consideradas desiguais pelo Direito, desigualdade traduzida numa determinada hierarquiaentre uns e outras: os homens, que constituíam um padrão em torno do qual e para a qual a sociedade se organizou; as mulheres, principalmente as casadas, uma “classe” inferior, com capacidade jurídica diminuída e, consequentemente, discriminada.
Actualmente, o Direito português, considera ilegal, no quadro dos Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais, a discriminação em função do género, reconhecendo a igualdade de homens e mulheres: duas expressões concretas do conceito abstracto que é a Pessoa - as duascomponentes da Humanidade. E, como tal, reconhece que todos os Direitos Humanos eLiberdades Fundamentais são inerentes ao mero facto de se ser Pessoa, de ser Mulher, ou Homem.
Mulheres e homens têm direitos iguais, porque a Humanidade se desenvolveu, porque as ciências avançaram, porque as sociedades evoluíram, porque a Justiça e a Democracia são assumidas como ideais em constante aprofundamento.
E o Direito, que é uma construção humana, procurou assim acompanhar e encorajar progressos, avanços, evoluções e aprofundamentos. Hoje, não é aceitável que às mulheres corresponda um estatuto com menos direitos dos que são reconhecidos aos homens, como a título de exemplo, do acesso ou das condições de trabalho remunerado, quando simultaneamente, têm acumuladas responsabilidades familiares, que comodamente os cônjuges tantas vezes não partilham.
Numa sociedade que se pretende justa e democrática, todos devem ter as mesmas oportunidades para aceder ao poder.
E aqui introduzo o conceito de paridade.
Um conceito e um objectivo, através do qual se pretende reconhecer com igualdade o valor das pessoas, não importa o género, a raça ou a etnia.
Um conceito que dá visibilidade à igual dignidade dos homens e das mulheres, balizando renovar a organização social e, consequentemente, que os homens e as mulheres partilhem, de facto, direitos e responsabilidades, de forma a usufruírem, com plena igualdade e liberdade, da participação a todos os níveis e em todas as esferas.
Associando-me às saudações feitas para a comemoração do dia internacional da mulher no próximo dia 8 de Março e acreditando veementemente na implementação de uma efectiva paridade entre géneros, que favorecerá a adaptação do ordenamento das sociedadesdemocráticas às legítimas expectativas de um efectivo exercício de cidadania, cumprimento afectuosamente todas as mulheres e todas as jovens de Espinho, propondo que num horizonte próximo a ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE ESPINHO comece a adoptar este paradigma de paridade com uma maior dimensão.


* Sessão Extraordinária para a Comemoração do 25 de Abril de 2006

Nesta Sessão Extraordinária da Assembleia Municipal de Espinho e exclusivamente destinada a comemorar a Revolução de Abril, acabamos de ouvir dos senhores vogais, representantes dos partidos que aqui têm assento, elogios e críticas; sonhos que se concretizaram ou que ficaram inacabados; alegrias e frustrações; esperança e desilusão.
Opiniões e perspectivas, que traduzem afinal a grande conquista de Abril – a DEMOCRACIA – e reflectem a sociedade actual. Tal como há um ano atrás o meu digníssimo antecessor afirmava e citando-o “ …uma sociedade assente nos princípios e valores da democracia; uma sociedade em que não existe um pensamento único, corporizado em alguém infalível e absoluto, que impunha um sistema sem alternativas e castrador da liberdade das pessoas e das comunidades “.

Minhas senhoras e meus senhores.

Antes de dar por encerrada esta cerimónia solene, gostaria de aqui deixar algumas reflexões pessoais.
Há 32 anos, Abril chegou.
Chegou límpido de esperança, de amor, de sonho; não utópico nem inatingível, mas ali, à distância da mão de todos nós (Fausto Neves, 2005).
Uma data que hoje e aqui comemoramos e que permitiu traçar o caminho do nosso colectivo. Mas os traços deste caminho que percorremos nestes últimos trinta anos, foram rigorosamente riscados numa Constituição.
Uma Constituição, aprovada em 2 de Abril de 1976 e que foi elaborada por uma Assembleia Constitucional durante longos meses de trabalhos, desenvolvidos em tempo de conflito, entre a legitimidade revolucionária e a legitimidade democrática.
Legitimidade democrática que acabou por prevalecer.
Uma Constituição, muito preocupada com os direitos fundamentais dos cidadãos e dos trabalhadores, bem como com o equilíbrio do poder entre os Órgãos de soberania.
Uma Constituição, que estabelece a igualdade para homens e mulheres, numa multiplicidade de domínios e que possibilita um quadro jurídico novo, no que se refere às mulheres e à igualdade.



Uma preocupação que então já era pertinente, uma vez que 1975 foi uma data internacionalmente marcante na evolução das questões relativas à condição feminina e à igualdade: foi proclamado o Ano Internacional da Mulher das Nações Unidas e realizou-se na Cidade do México a I Conferência Mundial sobre as Mulheres.
Valerá a pena salientar e com orgulho, que esta tomada de consciência que então se começou a esboçar no mundo, em Portugal já remonta a 1970, quando apesar dos constrangimentos políticos que vivíamos, é criado um grupo de trabalho para a Participação da Mulher na Vida Económica e Social, ao qual se lhe seguiu, em 1973, a Comissão para a Política Social Relativa à Mulher.
Esta Comissão atravessa intocável a Revolução de Abril e, em Janeiro de 1975, por iniciativa da Dra. Maria de Lourdes Pintassilgo, então Ministra dos Assuntos Sociais, é substituída pela Comissão da Condição Feminina, ficando em regime de instalação até 1977, altura em que é institucionalizada e são definidos os seus objectivos, bem como as atribuições e competências– apoiar todas as formas de consciencialização das discriminações contra elas praticada em ordem à sua inserção no processo de transformação da sociedade portuguesa de acordo com os princípios consignados na Constituição.
Em 1991, esta Comissão adopta uma nova filosofia, com melhores possibilidades de intervenção e passa a ser denominada Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulher (CIDM), na medida em que a Igualdade é um direito fundamental dos homens e das mulheres
Valerá também a pena salientar que em 1979 a então Secretaria de Estado do Trabalho, com a Dra. Manuela Aguiar ao leme, prepara uma legislação que veio a instituir a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, que procurou assegurar as condições de acesso epromoção da mulher em contexto laboral.

Minhas senhoras e meus senhores





Foi esta Constituição, que permitiu que 1980 Portugal fosse um dos primeiros países a ratificar, sem reservas, a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de todas as formas de descriminação contra as mulheres, adoptada pela Assembleia Geral em 1979.
Como referia Jorge Miranda há alguns dias no Jornal Público, “ …é uma Constituição garantia e uma constituição prospectiva ”.
Uma Constituição, que após sete revisões, a entrada de Portugal para a Comunidade Europeia e a passagem desta para a União Europeia, para além da imensidade de transformações que se foram registando no país e no mundo, continua sendo a mesma Constituição que a Assembleia Constituinte aprovou em 1976, pelo facto de ser um complexo de princípios e não de preceitos.
Já houve toda a espécie de governos, de maioria ou não, com legislaturas completas ou interrompidas, com o Parlamento dissolvido por três vezes pelos Presidentes da República, mas esta Constituição permanece a defender os direitos e deveres fundamentais em que aceita a dignidade humana.
Efectivamente, foram modificados múltiplos artigos, testemunho de novas respostas aos novos desafios inerentes ao processo de desenvolvimento, mas permaneceram os princípios cardeais que lhe conferem sentido e coerência. Citando novamente Jorge Miranda, “… a Constituição continua sendo Constituição de liberdade e Constituição de solidariedade “
Foi um fenómeno de desenvolvimento constitucional e não de ruptura, aquele que atravessou a Constituição de 1976 ao longo destas três décadas, por efeito da jurisprudência, das revisões constitucionais e da interacção dialéctica da aplicação das normas e do crescimento da cultura cívica de Portugal.
Orgulhamo-nos do 25 de Abril que estamos hoje aqui a comemorar, mas também no orgulhamos e igualmente teremos de comemorar a nossa Constituição, que tão bem traçou o caminho que foi aberto pela Revolução dos Cravos.
Mas também será legítimo e oportuno aqui e hoje comemorarmos os poucos dias de vida de uma nova e bem recente conquista, na senda de um novo paradigma – a democracia paritária - já defendido em 1989 no Conselho da Europa e que fez caminho entre nós.
Um conceito que assenta no reconhecimento da dualidade da humanidade, que é composta por homens e mulheres, iguais em direitos e iguais em dignidade, independentemente das diferenças que lhes são próprias.



Um conceito que reconhece e valoriza a diferença, combatendo a discriminação e adesigualdade. Consequentemente, exige a plena e igual participação de homens e de mulheres a todos os níveis da vida social e política, incluindo os níveis de decisão e de poder.
Mulheres e homens têm direitos iguais, porque a Humanidade se desenvolveu, porque as ciências avançaram, porque as sociedades evoluíram, porque a Justiça e a Democracia são assumidas como ideais em constante aprofundamento (Guedes, 2006).
E em Portugal, porque houve Abril e porque a Constituição de 1976 delineou os traços do caminho da liberdade que temos percorrido.
Viva a democracia e a liberdade. Viva Portugal.





















*CENTENÁRIO DA REPÚBLICA PORTUGUESA









Homenagem a Carolina Beatriz Ângelo - Espinho, 28 de Maio de 2010









Integrada num vasto e dignificante programa de comemorações do Centenário da República Portuguesa que se realizam em Espinho e pela mão da Dra. Manuela Aguiar, que merece o nosso maior aplauso, é hoje homenageada Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher que em Portugal exerceu o seu direito de voto, há exactamente 99 anos, interferindo assim na



república dos homens, com a maior coragem e determinação.



Lamentando não poder estar presente, não queria deixar de me associar a este momento simbólico, como simbólica é esta sessão, no contexto do centenário da república portuguesa.



Apesar dos homens e das mulheres constituírem os dois sexos que compõem a Humanidade, as sociedades, em função das diferenças biológicas, foram construindo ao longo dos séculos representações, papeis e expectativas, também diferentes entre si, originando o que se passou a designar de género: género feminino e género masculino. Diferenças de género, que desde sempre estiveram impressas nas estruturas mentais e sociais da humanidade.









No passado, as diferenças fundamentavam-se no reconhecimento aos homens e a exclusão às mulheres dos direitos inerentes à autonomia individual e à cidadania. As mulheres eram consideradas desiguais pelo Direito, cuja desigualdade se traduzia numa determinada hierarquia entre uns e outras: os homens, que constituíam um padrão em torno do qual e para a qual a sociedade se organizou; as mulheres, principalmente as casadas, uma “classe” inferior, com capacidade jurídica diminuída e, consequentemente, discriminada.









Há 99 anos, Carolina Beatriz Ângelo, atenta aos ganhos civilizacionais e jurídicos, ousou interferir com o seu voto numa república recém criada, constituindo um modelo de mulher que ainda não era suficientemente aceite pela sociedade, mas que deveria ser uma referência para todas nós e que esta sessão dará a conhecer melhor esta figura.















Já passaram quase 100 anos desde esse momento histórico e, actualmente, o Direito português, no quadro dos Direitos, Liberdades e Garantias Fundamentais, considera ilegal a discriminação em função do género, reconhecendo a igualdade de homens e mulheres: duas expressões concretas do conceito abstracto que é a Pessoa - as duas componentes da Humanidade.



E, como tal, reconhece que todos os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais são inerentes ao mero facto de se ser Pessoa, de ser Mulher, ou Homem.



Mulheres e homens têm hoje direitos iguais, porque a Humanidade se desenvolveu, porque as ciências avançaram, porque as sociedades evoluíram, porque a Justiça e a Democracia são assumidas como ideais em constante aprofundamento.









Numa sociedade que se pretende justa e democrática, todos devem ter as mesmas oportunidades para aceder ao poder, mas importa que cada uma de nós tenha a coragem e a determinação de enfrentar todas as vicissitudes que encontre no caminho.



Este testemunho pessoal que aqui humildemente vos deixo, procurou expressar momentos da minha vida, com diferentes vivências e em diferentes contextos, como exercício de CIDADANIA, que sempre caracterizou tudo quanto a vida me fez confrontar.





















Espinho, 27 de Outubro de 2012






















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