segunda-feira, 29 de dezembro de 2014


Sobre a exposição de Luísa Prior 

                                                   Casa Barbot, novembro, 2014

 

 

 Tudo tem o seu lado superficial e o seu lado profundo, o visível e o invisível, a realidade imediata e a outra. E é isto que nos afeta, para sermos quem somos, naquilo que nos rodeia (…)
  Vergílio Ferreira  (1992,p 78 ênfase do autor)

A dicotomia olhar e ver explicada por Vergílio Ferreira implica dois níveis de perceção: “olhar” significa, fixar, mirar, no lexema “ver” há um alcance de um nível superior de perceção. Nele é definida cumulativamente o perceber, compreender, ponderar, deduzir prever, imaginar … conhecer.

 Contemplar a obra criativa de Luísa Prior segundo esta perspetiva, significa que um olhar, mesmo que atento, não chega para a absorver plenamente, e deixarmo-nos seduzir por ela. Vê-la, permitir-nos-á a descoberta, conduzir-nos-á  a uma leitura crítica do universo que Luísa tem para nos oferecer.

 As minúsculas formas coloridas, simuladas, ou não, impelidas de movimento pelo pincel veloz e eficaz, reproduzem o pensamento da artista. Perante nós, desfila um painel de presenças, e de ausências, que corporizam ideias avassaladoras, remetendo-nos à reflexão. Ver as pinturas de Luísa leva-nos a pensar, divagar… a autora assim apela.

 Assim, Luísa não se limita a pintar, ela constrói, dá-nos pistas da sua leitura da sociedade, no entanto, dá-nos espaço para a construção da nossa própria leitura. Na sua expressão plástica, há uma dimensão simples, ingénua que contrasta com uma outra, complexa e profunda.

 O grito no silêncio, os mascarados, as múltiplas figuras reais, terrenas em contraste com outras, com dimensão metafísica, onde a cor, o movimento potencializam o lado transcendente que Luísa tão bem sabe partilhar. O universo unido em torno da mudança desejada e anunciada num mundo em angústia, a roda do tempo onde coabitam: a serenidade e o caos; a leveza e a densidade. A cor abre caminhos para a interpretação e dela se ampliam sentimentos que a autora nos propõe, não como algo formatado ou enclausurado, mas aberto a outras interpretações.

 

Na sua obra, tal como um espelho, vemo-nos refletidos, nas nossas múltiplas facetas, bem como a vida que nos rodeia. Nela coabita a heterogeneidade de afetos, de sentimentos e de estados de alma: da opressão à libertação, do grito de revolta ao suspense, à admiração, do sofrimento à felicidade, da fragilidade humana à sua grandiosidade imensa, do fracasso ao sucesso, da alegria à tristeza, da mágoa à luminosidade e musicalidade,  da existência terrena à leveza da dimensão metafísica…em suma, as várias dimensões que Luísa nos revela de forma sintetizada, condensada e, por isso, nem sempre fácil de identificar,  mas mais profundo e interiorizado quando se descobre – o universo de Luísa extravasa a dimensão terrena…
Termino como comecei: a obra de Luísa Prior não pode ser remetida a um efêmero olhar, pois ele pode ser redutor. As suas telas têm significantes e significados e, não estando presentes as palavras, estão as formas, o movimento, a cor e as técnicas artísticas que são expressão máxima que Luísa tem para nos oferecer, dando-nos a conhecer o seu universo e a sua complexidade enquanto Pessoa, rica e profunda, mas sempre em construção. Afinal a sua proposta é essa mesma: contribuir para que todos nós possamos tornando-nos mais Pessoas.

  Como observadora e recetora da mensagem, sinto-me privilegiada enquanto pessoa e cidadã. Obrigada, Luísa!

                                                                                 Arcelina Santiago

 

 

 

sábado, 27 de dezembro de 2014

EDMUNDO MACEDO

Edmundo Macedo foi, durante mais de quatro décadas o responsável pelo
Consulado de Los Angeles, em cuja área se englobava todo o sul do
Estado da Califórnia e serviu, de uma forma exemplar, Portugal e as
numerosas comunidades de Portugueses até à data do seu inesperado
falecimento a 4 de Maio de 2014.
A notícia chegou por email - pela mesma via em que nos últimos anos
comunicávamos com regularidade. Foi um choque, uma grande mágoa!

 Eu tinha por Edmundo Macedo muita admiração, mas não só admiração,
também uma grande estima, que eu sabia recíproca. Quantas vezes me
enviou palavras de estímulo, comentários simpáticos a uma ou outra
iniciativa que, de longe, acompanhava, e até felicitações pelas
vitórias do FCP (ele que gostava imenso de futebol, mas “torcia” pelo
SLB…)! Era sempre um prazer ler as suas missivas, tanto pelo conteúdo,
como pela forma, que me leva a considera-lo um criativo e talentoso
cultor da língua
portuguesa.
Gentileza, fair-play, talento, sensibilidade...A amizade cimenta-se
nestes pequenos gestos significativos, tão reveladores do carácter e
da ética pessoal
Mas a admiração precedera esta amizade antiga, pois tivera a ver com a
sua capacidade profissional, a eficiência e boa vontade com que
resolvia os problemas de tantos portugueses, o modo como se
relacionava com o mundo associativo da Diáspora, como respondia às
solicitações da Secretaria de Estado da Emigração. Impressionante! Já
em 1980 o colocava no topo da lista dos nossos melhores representantes
consulares e diplomáticos em todo o mundo. Era um modelo, uma
referência!
Antes de assumir o posto de Los Angeles já sabia tudo o que devia
saber, no que respeita a leis, regras processuais, burocracia,
protocolo. E desempenhava as funções de representação oficial do País,
com uma distinção inexcedível, com pleno reconhecimento da sociedade,
dos políticos e dos serviços da administração americanos.
Onde se esperaria uma estrutura de média dimensão, atendendo aos
números da comunidade, às questões a resolver, ás solicitações
sociais, não tinha colaboradores. - o Consulado era ele! Ele e a
Senhora Dona Maria do Carmo, que sempre o acompanhava, com a mesma
simpatia, a mesma elegância.
Para com ambos o País tem uma enorme dívida de gratidão, que não soube
satisfazer em vida do grande Português, do inesquecível Cônsul que foi
Edmundo Macedo



Maria Manuela Aguiar…

A AEMM agradece toda a colaboração que o Cônsul de Portugal Edmundo
Macedo amavelmente lhe prestou, e dá-lhe voz, nesta edição,
reproduzindo um dos textos com que enriqueceu as nossas publicações:

.A Rosinha da Foz Velha do Porto faz-me lembrar a "Babe" Didrikson
Zaharias, uma de sete filhos de imigrantes noruegueses que foram
fixar-se no Sudeste do Texas e se afirmou como uma mulher-gigante do
Século XX, juntando-se em toda a sua magnificência a Margaret Mead -
célebre autora e antropologista americana -, a Eleanor Roosevelt -
quiçá uma das mais admiradas Primeira Dama dos Estados Unidos e
decerto Primeira Dama do Universo, reconhecida internacionalmente pelo
seu trabalho e esforços humanitários e, finalmente, a Agnes Gonxha
Bojaxhiu - a santíssima Mother Teresa nascida em 1910 em Skopje, então
parte da Jugoslávia.
Quatro Mulheres-Gigantes do Século XX!
Há pontos de similaridade entre a nossa Rosa Maria ("Rosinha") Correia
dos Santos Mota e a Mildred Ella ("Babe") Didrikson Zaharias.
Entre elas - colossais atletas! - há sinais e marcas distintivas
comuns, que desde logo as colocam num horizonte, num trono e num “céu”
inacessíveis a menos do que gigantes!
De aí que as diga fenómenos raros e as admire incondicionalmente. De
aí que as considere eminentes pelo seu talento, valor e coragem. De aí
que lhes reconheça qualidades de paridade com o Homem.
Curiosamente, são ambas de Junho. A Babe - que viveu apenas até 1956 -
nasceu há 97 anos em Port Arthur no Texas e a Rosinha há 50 anos emFoz
Velha do Porto.
Zaharias distinguiu-se no princípio - em competições nos seus
primeiros anos de escola - como uma atleta tão dotada que excedia
todas as outras a correr, saltar, jogar e a pensar - parecendo que a
Natureza a produzira num rasgo de excepcional perfeição. Na
Universidade salientou-se nas equipas femininas de basquetebol e ténis
e durante os Jogos Olímpicos de 1932 em Los Angeles - o mesmo ano
emque Amelia Earhart se tornou na primeira mulher a voar solo sobre o
Atlântico! - Zaharias conquistou medalhas de ouro, com recordes
mundiais, no lançamento do dardo e nos 80 metros barreiras, enquanto
um pormenor técnico a privou de terceiro ouro no salto em altura.
A Babe excedeu no Desporto a Mulher! Não conseguiu exceder-se a si
própria porque foi inesgotável! O seu multifacetado e incomparável
legado que a qualificou como a melhor atleta - homem ou mulher – da
primeira metade do Século XX, nutre o aplauso público pela
suaexcelência em desportos tradicionalmente competitivos e absorve de
umtrago a plêiade que com ela e contra ela competiu.
Zaharias dominou em saltos aquáticos, softbol, golf, basquetebol e
atletismo. Zaharias desafiou noções consuetudinárias de feminidade com
as suas arrojadas piadas à imprensa. Zaharias dilatou os limites
aceitáveis do que uma atleta podia e devia ser. A biografia de Babe
Didrikson Zaharias obriga o fascínio, dá razão a trabalho longo e
torna delicioso escrever.
Como, porém, se torna igualmente delicioso escrever sobre uma
mulher-gigante da Nobre Cidade Invicta, vou deixar por agora a Babe e
falar da nossa Rosinha.
Irei falar da Rosa Maria como quem fala de uma das mais delicadas
rosinhas-de-Portugal - como as que salpicam com cor suave tufos
alindando o lindo da inigualável Sintra e despontam como a aurora
entre o verde-alourado do musgo, o fresco dos limoeiros e a giesta a
explodir uma sinfonia de amarelo.
Rosa Mota foi considerada como uma das melhores maratonistas do Século XX.
Rosa Mota corria como o vento.
Corria com a agilidade da gazela.
Com a intrepidez do menino Gavroche.
A Rosinha saltitava como a alvéloa.
Legou às estradas imagens de pura elegância.
Por pouco não transformou ligeireza em volátil.
Tratava o asfalto com reverente delicadeza.
Parecia não querer beliscar o betume negro e lustroso.
Corria como lume que ela ateava soprando.
Tinha no mínimo três pulmões, não apenas dois.
Corria-lhe nas veias sangue Lusitano.
A nossa Rosinha pediu asas emprestadas.
Tardou a devolvê-las e Portugal benfeitorizou.
Corria a Maratona como se fosse em passeio de Lordelo do Ouro a Cedofeita.
Nos recônditos do seu peito pulsou sempre um coração tão Nortenho quão
Português.

Quando corria, a Rosinha sentia a voz dos nossos egrégios avós que
haveriam de levá-la à vitória.
A Rosa Maria nunca esqueceu as nobres Comunidades  Emigrantes nos
fins-de-semana, cumulou-as, diligentemente, de esperança.
Robusteceu-as de orgulho. Fê-las acreditar. Fê-las sonhar. Levou-lhes,
volta e meia, alegrias indescritíveis, Incitou-as a trazer na lapela o
emblema da Ditosa Pátria. Com o verde e o encarnado, a esfera armilar
e as cinco quinas. O emblema mais bonito do mundo.
Em 1982, nos Campeonatos da Europa em Atenas, a Rosa Maria correu a
sua primeira Maratona. O ouro - dizia-se - pertencia à Ingrid Kristiansen.
Erro crasso pois a corredora portuguesa prevaleceria conquistando na
Grécia a sua primeira peça de sentido valiosíssimo e cara ourivesaria!
É assim em todos os desportos. Só ganha o ouro quem nasceu
predestinado! Na sua primeira Maratona Olímpica em 1984 em Los
Angeles, a Rosinha sofreu um percalço. Trouxe bronze em vez de ouro.
Um transtorno d ofício, remediável nas mãos dela. Quatro anos depois,
na Olimpíada de Seoul na Coreia do Sul, a Rosa Maria atacou a dois
quilómetros da meta conquistando o ouro e deixando a prata para a Lisa
Martin.
Ouro, ouro e ouro enriqueceram também o bolso da nossa Rosinha nos
Europeus de 1986 em Estugarda e de 1990 em Split e no Mundial de 1987
em Roma.
Só ganha o ouro quem nasceu predestinado!

 É assim em todos os desportos.
Em 1987, 1988 e 1990 a Rosa Maria triunfou na Maratona de Boston e em
1985 repetiu em Chicago o triunfo de 1984. Com a sua postura campeã
privilegiou Roterdão em 1983, Tóquio em 1986, Osaka em 1990 e Londres
em 1991, indo ali dizer que a Foz Velha do Porto e Portugal existiam e
conquistar, categoricamente, o primeiro lugar. Sempre o primeiro
lugar! Sempre o ouro!
É assim em todos os desportos.
Só ganha o ouro quem nasceu predestinado!
Como as essências coníferas que predominam nas florestas do norte do
hemisfério, entre 1982 e 1991 predominou no mundo a essência Rosa
Mota!
Predominou a sua qualidade de maratonista extraordinária! Predominou a
sua genética propensão para vencer! Para vencer sem se jactar! Na
excelência e humildade de Rosa Mota, Portugal resplandeceu!
A Rosinha da Foz Velha do Porto faz-me lembrar a "Babe" Didrikson Zaharias…

Ao escrever estas linhas tive sempre a Rosinha no pensamento.
E uma querida Amiga minha que de Espinho me pediu que as escrevesse.
E a infinita paciência da minha Mulher.
E a saudosa memória da minha Mãe.

Edmundo Macedo
 2009

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O INESQUCÍVEL DOUTOR ADRIANO SEABRA DA VEIGA

Em Março de 1980, aquando da minha primeira visita aos EUA, partilhei com Adriano Seabra da Veiga e a mulher, Rita, que acabava de conhecer, e com o Deputado José Gama, já um “velho” amigo, um jantar festivo, calorosamente organizado pelos portugueses de Ludlow. No longo roteiro de cidades da costa leste, que então percorri, Waterbury era a que se seguia, e o Dr Veiga, Cônsul Honorário de Portugal no Estado de Connecticut, seria, nessa qualidade, meu anfitrião.
Sabia que ele era um eminente cirurgião, muito prestigiado no meio científico e na sociedade americana, uma verdadeira sumidade, que, nem por isso, deixava de atender, na sua clínica, todos os emigrantes portugueses, com a familiaridade de um médico de terra pequena, a quem todos recorrem, de quem todos dependem. Sabia também, pelo José Gama, ex-emigrante nos EUA, que na sua grande mansão, em Eastfield Road, tinha acolhido, sem olhar a cores políticas, o cantor José Afonso, exilados como o General Spínola, em breve passagem, e, em estadas mais prolongadas, Veiga Simão e Victor Crespo - seus colegas na Universidade de Coimbra– que, entre os amigos muito próximos se contavam Veiga Simão, Almeida Santos, António Maria Pereira, o Cardeal Medeiros, os Aldrich Rockefeller, Amália Rodrigues (a prima, casada com o Engº Seabra). Sá Carneiro também esteve em Eastfield Road (levado por AM Pereira) o tempo suficiente para converter o anfitrião ao PPD.
O Dr. Seabra da Veiga era, realmente, uma celebridade, movia-se no mundo americano e português, com igual naturalidade – um profissional de excepção, um cientista, um filantropo, um patriota, que serviu o país como Cônsul honorário, durante décadas. De Portugal, recebeu as mais altas condecorações, antes e depois do 25 de Abril, e nos EUA, a sua notoriedade era ainda maior.
Dados de conhecimento geral...Muito mais comecei a descobrir nessa viagem de carro, entre Ludlow e Waterbury - ou seja, a fantástica pessoa que dava vida a tão impressionante curriculum.
 É impossível retratar Adriano! Nem vou tentar…Direi apenas que ele tinha uma graça espontânea, um humor muito coimbrão, moderadamente irreverente (como mandam as boas maneiras, quando as senhoras estão presentes), uma energia inesgotável, que o tornavam divertidíssimo, imprevisível e imparável. Qualquer novo projecto o entusiasmava, e não poupava esforços para o realizar em tempo “record” – posso falar, sobretudo, dos que respeitavam à emigração… A seu lado, estava uma mulher encantadora, suave e fleumática, sempre pronta a colaborar com tudo e com todos, a abrir a sua casa a reuniões e a constantes visitas de gente lusa -  ela que é americana de origem canadiana francesa. Era, sem dúvida, a mulher ideal para Adriano e formaram uma família maravilhosa – três filhos (todos fluentes na língua pátria, tal como a Rita), e (anos mais tarde…) quatro netos. Ele adorava crianças e, também, como eu, cães e gatos – recordo-me de uma gata persa, muitos Yorkshire terriers, um São Bernardo. Tudo em paz, como no paraíso de que aquela casa parecia uma antevisão terrena
Para mim, a Rita e o Adriano tornaram-se família chegada, mais do que bons amigos - . Não sei quantas vezes estive com eles em Waterbury, em Lisboa, em Espinho…Em Waterbury, umas vezes como membro do governo ou deputada, outras em viagens privadas, mas com o indispensável envolvimento comunitário, porque havia sempre iniciativas para que me convocavam, através do dinâmico Cônsul Honorário. Antes do mais, para as festas do 10 de Junho, ano após ano…. Telefonava-me, peremptório: “Está convidada pela Comunidade e tem de vir, porque eles estão a contar consigo e eu já dei a notícia para os jornais”
Adriano não admitia recusas, quer se tratasse de projectos comunitários, quer de questões de saúde  dos amigos – assim, por exemplo, se a visita fosse no Outono, ninguém escapava à vacinação contra a gripe. Eu até sou contra, mas ali, não escapava… Recordo-me do dia em que, juntamente com a Presidente do Instituto de Emigração Maria Luísa Pinto, no final de um Encontro do CCP, regressava, com ele, a Waterbury. Antes de seguir para casa, informou-nos que íamos passar pela sua clínica, onde a vacina nos esperava, mas, entretanto, encontrou por lá um doente, quis resolver-lhe o problema e esqueceu-se do nosso caso. A Maria Luísa e eu ficámos felizes… mas por pouco mais de meia hora... Ele deu conta do lapso, chamou, de imediato, uma enfermeira que apareceu em Eastfield Road de bata branca …e, assim, embora a contra-gosto, viemos da América devidamente protegidas contra todas as epidemias invernais…
Adriano, além de generoso, extrovertido e super activo, era, também, muito impaciente.
A morosidade irritava-o por demais – uma vez, numa portagem de auto-estrada, arrancou, apressado, com o seu potente Mercedes e derrubou (involuntariamente, para nosso gáudio!) uma daquelas barreiras que, depois de accionada pela recepção de moedas, levanta, devagar, devagarinho...
Um episódio entre mil, daqueles com que o lembramos, a sorrir, como ele gostaria de ser lembrado.
Adriano Seabra da Veiga deixou-nos, subitamente, no apogeu dos seus mais de 90 anos.

Telefonei-lhe poucas semanas antes, para conversarmos – mantinha toda a alegria de viver, o ânimo, a preocupação com os amigos, o interesse por Portugal.

Maria Manuela Aguiar

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

M Aguiar na PORTUGUESE YOUTH CONFERENCE


Caras Amigas, Caros Amigos


Saúdo calorosamente todos os participantes na “Portuguese Youth Conference”, os dirigentes do ”Board of Education” de New Jersey, que a convocaram e organizaram e merecem os maiores elogios, e jovens lusófonos, que acorreram ao chamamento e trazem a este belo auditório escolar a força do seu entusiasmo e desejo de trabalhar nos grandes objectivos da Conferência.
Queria sublinhar, em especial, o facto de terem acrescentado ao título da conferência, no programa definitivo a menção de:“1ª” Conferência. Não é, pois, um “happening”, singular, é o começo de um plural: d encontros a realizar, ano após ano. Um acontecimento isolado já seria importante, entrando nos anais da diáspora portuguesa pelo seu ineditismo. Mas, a intenção de lhe dar continuidade é significativa de querer ir além da vontade de "estar na história", com uma estratégia de”fazer história”, com estes jovens. Já Agostinho da Silva, que gosto muito de citar, dizia, com a sua inteligência profética, que a história que interessa é a do futuro.
O futuro da língua portuguesa no continente americano, e da presença lusófona depende dos jovens, como os que aqui estão, do seu trajecto de vida, ao longo deste século, e para além dele, se souberem transmitir o portuguesismo a novas gerações.
Pensamos, obviamente, na consolidação da Diáspora e da língua que, neste 2014, celebra 800 anos de existência e mais de 240 milhões de falantes, que lhe dão ser no mundo inteiro, no chamado velho continente onde nasceu, com Portugal, na América, onde mais avulta e cresce, com o Brasil, na África, em cinco Estados, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, no Oriente, num dos mais jovens Estados da nossa época, Timor – todos unidos na CPLP. A estes Países se juntam as comunidades da Diáspora, nos quatro cantos da Terra, e se pode somar a sobrevivência do Português, como componente em vários dialectos ou crioulos - alguns dos quais tão próximos e fáceis de entender, caso do “Kristang” de Malaca, que na sua elegância e beleza seiscentistas, conserva muito das expressões, que, por todo o lado fora dessa comunidade cristã, foram desaparecendo… ..
A Profª Deolinda Adão, numa lição magistral, levou-nos consigo ao longo de séculos de uma história esplendorosa. Vou apenas, brevemente, secunda-la, salientando a essência dessa saga, a audácia e criatividade de um pequeno país que “fez a diferença” na história da Humanidade, na chamada era dos Descobrimentos -com o achamento do caminho marítimo para a Índia, a descoberta mútua de povos que se desconheciam, a primeira viagem de circum-navegação da terra… O mundo moderno é fruto dessa aventura portuguesa de navegação, dos avanços científicos e tecnológicos da sua Escola, da perícia e coragem dos marinheiros. Foi neste entre cruzamento dos Saberes de uns com o empreendimento de outros – qualidades que muitos acumulavam… - e na execução de um plano estratégico da Coroa, dos Monarcas, em que se alicerçou o êxito da Expansão portuguesa, iniciada no século XV, com a tomada de Ceuta, em 1415, continuada com o reconhecimento da costa africana e os intercâmbios com as suas gentes, prolongada no Oriente, onde, no século seguinte, atinge o seu apogeu, e, depois, a partir do século XVII, centrada no Ocidente, sobretudo, na formação e delimitação territorial do Brasil.
A Expansão, como fenómeno multifacetado abrange o comércio, estatal e privado, o proselitismo religioso, a colonização pela Coroa portuguesa de vastas possessões (o Brasil as colónias de África) e, desde muito cedo, também o desenvolvimento de uma tradição migratória individual. Qualquer destas facetas é, de um ou outro modo, responsável pela grande viagem da língua, pela sua difusão universal, pela sua força como veículo de comunicação, a sua apropriação pragmática e (ou) afectiva por muitos deles.
É, essencialmente, à colonização e, cada vez mais, a partir de setecentos, à emigração espontânea que se deve a constante disseminação da língua e das culturas que nela se vão enraizando e miscigenando. Mas já antes, desde 1500, cerca de um terço da população partia para terras distantes - no século XVI, mais de 350.000 num total de apenas um milhão de pessoas (na sua maioria homens, pois às mulheres era, em regra, vedado acompanha-los…) Uma percentagem que se manteve constante até nossos dias (com uma proporção crescente da emigração feminina, que é, actualmente, de quase metade). Há, hoje, dez milhões de portugueses dentro de fronteiras e cerca de cinco milhões fora.
Mas a dimensão da Diáspora é muito superior, incontável… E a expatriação prossegue em crescendo, com o risco de atingir níveis jamais vistos.
Sem este permanente vaivém de gente, e o seu impacte em dezenas e dezenas de milhões de homens e mulheres nos quatro cantos da terra, o que seria o português? Apenas o idioma de um pequeno país do sudoeste da Europa, com 10 milhões de habitantes e sem um Camões para celebrar “Os Lusíadas”, sem um Pessoa para escrever a Mensagem, sem uma Sophia de Mello Breyner para cantar uma manhã de Abril…
O português floresceu do diálogo, na vivência das pessoas, não foi imposto por decreto de nenhum governo… Foi povo emigrado que o levou pelo mundo, e o partilhou com outros povos. – e, consequentemente, ele pertence a todos, para sempre. Não é uma língua imperial, europeia, é também, genuinamente sul-americana, africana, asiática. É, neste sentido, policêntrica – ao contrário de outras, igualmente grandes.
A história da expansão da língua está, assim, intrinsecamente ligada à
imensa dispersão migratória da nossa gente, que ultrapassou, sempre, o quadro da colonização planeada ou imposta pelo Estado. Dou um exemplo: quando o Brasil se tornou independente, o êxodo nacional para o seu território não foi interrompido, aumentou enormemente, mesmo contra leis e medidas de proibição. Numa época de grande imigração de muitas outras nações europeias, se os portugueses não tivessem sido o principal contingente, por decisão de cada um deles, ao longo de mais de um século, talvez a língua aí se tivesse perdido… Assim nada se perdeu, nem a fala comum, nem a ligação afectiva, que resistiu à separação política do Brasil no século XIX, como haveria de resistir à descolonização, desencadeada, em África, pela revolução de 1974, e ao retorno em massa nos anos seguintes. Basta dizer que Angola já é hoje o principal destino da emigração portuguesa. Portugal o maior destino da emigração brasileira, da cabo-verdiana… Movimentos cruzados no espaço da lusofonia – e muito bem vindos, a meu ver! Quando Portugal reiniciar um ciclo de crescimento económico vai precisar de muitos imigrantes, e eu espero que eles venham sobretudo da CPLP e que fiquem por muito tempo.
A este imenso mundo lusófono, a este êxodo sem fim pertencem, igualmente, as comunidades da Diáspora nos EUA e em tantos outros países, no planeta Terra - todos aqueles que guardam o sentimento de pertença, desde a infância, ou o recuperem, voltando às raízes. Uma nova forma de expansão, de um povo “solúvel e insolúvel (…) na memória dos outros e na sua mesma”, como tão bem o retrata Jorge de Sena.
A fronteira da língua e do convívio no seu cerne foi sempre muito mais lata e muito mais resistente do que a fronteira de um Estado, de uma potência colonial. Foi e é muito mais do que uma realidade puramente linguística, porque incorpora memórias e afectos, relações entre pessoas, vivendo lado a lado -  sociedade civil, por oposição a Estado, relações de família e vizinhança, por contraste com relações de Poder.
Por isso, o império findou, em guerra inúteis, e a presença portuguesa no mundo permaneceu e progride, em paz.
Esta é a herança humanista que queremos preservar, com o ensino da língua, e, também, com a presença lusa na América, através de uma geração que desponta e vai atravessar tempos prodigiosos.
Foram inspiradores os exemplos de iniciativas, aqui referidos, para dar visibilidade às comunidades portuguesas de imigração, como as que se devem a Donald Coutinho, quando tinha apenas 12 anos, ou a Maria João Ávila, com poucos anos mais, ou, muito recentemente, as dos jovens oradores que formam estes painel.
Termino com sinceros agradecimentos aos directores do “Board of Education” de New Jersey pela dinâmica desta Conferência, que promete prosseguir em novos encontros, e com uma palavra para os alunos de português que aqui nos acompanham:

Sei bem que o destino da língua e da presença portuguesa na América é responsabilidade vossa, e acho que está muito bem entregue. Bem-hajam!
HOMENAGEM a MANUELA DA LUZ CHAPLIN


 -  MARIA JOÃO ÁVILA

Conheci a nossa Manuela durante mais de 30 anos!
Eu ainda muito nova e ela já com a sabedoria que a vida nos ensina, foi para mim como para muitas outras mulheres portuguesas  residentes nos Estados Unidos, grande motivo de  inspiração.
Sempre disponível para ajudar, muito aberta ao diálogo e partilha de ideias, com ela nasceu a Mulher Migrante na América, a Associação Real de New Jersey e Pennsylvania e foi durante muitos anos a face visível da liderança do Partido Social-democrata – USA (PSD/USA).
Com uma garra invejável à causa pública, recordo com saudade a sua enorme generosidade para com quem mais necessitava. Os mais vulneráveis das nossas comunidades sempre  puderam contar com o seu empenho por encontrar soluções para suavizar a vida destes nossos compatriotas.
Foi uma guerreira até ao fim pela justiça, pela igualdade entre iguais e conseguiu graças à  sua liderança ímpar, reunir em torno dos mesmos objetivos milhares de portuguesas e portugueses.
Quero com saudade lembrar o muito que ela nos deu sem pedir nada em troca, a sua inteligente forma de estar na vida, foi um dos seus maiores bens que deixou na vida terrena.
Das artes e cultura,  à solidariedade, passando pela política,  a Manuela sempre exigiu mais de si mesma do que as grandes causas lhe pediam.
Mas por trás desta grande Mulher sempre esteve um grande Homem, não posso esquecer-me de Charles Chaplin, o marido amigo, companheiro inseparável, que em todos os momentos da vida sempre esteve disponível e contribuiu para a grandeza de Manuela da Luz Chaplin.
Homenageando esta grande portuguesa, gostava de partilhar a alegria com que ficou quando fui eleita em 2011 deputada na Assembleia da República, a primeira mulher emigrante a ocupar um lugar eleito pelo círculo da Emigração fora da Europa.
Bem haja querida Manuela, ficará para sempre nas minhas memorias,  uma mulher com força divina vinda do céu.

Maria João de Ávila
Deputada PSD-Fora da Europa


 - GLÓRIA DE MELO

Querida Manuela Chaplin:

A última vez que falámos foi uma semana antes da Manuela partir para outra dimensão, a propósito da morte de sua irmã Amália Costa.
 Nesse dia a Manuela, com a energia e determinação que a caracterizavam, enviou a notícia para os órgãos de comunicação social, e para os amigos  mais próximos.  Perguntei-lhe como é que estava, e disse-me que estava óptima, à excepção de artrite nas pernas. «Mas de resto estou óptima Glorinha !». E passado uma semana  prega-nos esta partida!
 Partiu, mas ficou aqui, e no coração de muitos de nós!
 Quando cheguei aos EUA, vinda do Canadá, foi a Manuela  Chaplin que me familiarizou com a maior parte das Associações Portuguesas de New Jersey. Nessa altura a Manuela estava à frente da Portuguese Heritage Foundation, do Heritage Ball, e fazia frequentes colóquios e tertúlias para divulgar a Língua Portuguesa. Mais tarde dedicou-se especialmente a duas organizações, que dirigiu brilhantemente aqui nos USA: « A Associação Real de New Jersey »  e a «Associação  das Mulheres Migrantes USA ».
 Havia contactos frequentes com SAR Dom Duarte, mas o objectivo principal da Associação Real de N.J. era , e é o de divulgar a História e Cultura de Portugal nestas paragens, bem como a arte de « Ser Português». E ensinar o que é ser patriota , e o que é a Pátria.
 Mensalmente tínhamos uma reunião na Associação Cultural de Kearny, N.J., onde planeávamos concursos literários, eventos culturais e a Gala Anual.  A Manuela era uma força da Natureza, forte, dinâmica, determinada, e irreverente, mas com um sentido de humor extraordinário e uma inteligência fora do comum.
 Esteve também à frente  do PSD.  Mas eu não fiz parte desse núcleo.
 Quando a Manuela decidiu ir viver para o sul de New Jersey e sobretudo depois da morte do marido, o saudoso Charles Chaplin, a Manuela pediu-me que ficasse à frente dos destinos dessas duas organizações .  Eu que já estava super  ocupada com outros voluntariados ainda tentei dizer que não podia.  Mas  graças à sua  argumentação, não  consegui dizer que não.
 Mas continuou a ser a minha mentora, e não raramente a consultava, a pedir--lhe conselhos, e orientação.  Agora, na sua ausência,  para tomar algumas decisões nesta área, penso sempre ...«Como é que a Manuela Chaplin decidiria?». E resulta!
 Nesta época de Natal a Manuela organizava sempre um almoço especial na Associação de Kearny, e levava um presente para cada um de nós, e faziamos um tertúlia poética, que acabava sempre com o nosso grupo a entoar canções de Natal, e leitura de poemas que tivéssemos levado.
 Além do livro que  a Manuela Chaplin escreveu acerca das «Mulheres Migrantes» e que guardo na estante junto aos meus autores favoritos, todas as noites rezo pela Manuela e peço-lhe me  inspire  e me dê  a força a determinação e a valentia que a caracterizavam.
 Creio que pessoas como a Manuela Chaplin estão em vias de extinção, neste mundo de comprometidos.

I  will always Love you Manuela Chaplin!
Sincerely Yours, beijos mil

Gloria Melo

 - NELSON VIRIATO BARRETO

Em 1981 conheci o casal Chaplin.. e em 1983 fomos escolhidos para estar no primeiro congresso das comunidades portuguesas..realizado no hotel Penta na cidade de Lisboa... a nossa amizade fortificou-se. Depois ambos trabalhámos juntos na Royal Association e no PSD   USA..
 Durante todos estes anos sempre nela vi uma mulher guerreira... uma boa conselheira.. e de amizade sincera... quem como eu com ela conviveu, sabe que nela tínhamos amiga que se entregava de alma e coração as causas pelas quais acreditava. e a Portugal.. { é a portuguesa aqui nos Estados Unidos, que mais admirei] 
Paz a sua alma..




-MANUEL VIEGAS (MANNY)
A Manuela foi uma das pessoas mais ilustre neste estado de new jersey .Foi uma lutadora para a comunidade portuguesa e não só era respeitada na sociedade americana. Fui companheiro de luta desta senhora juntamente com o marido o Charles conduzia todas as semanas para diferentes meetings aonde eu sempre presente. Heritage fondation uma organizacao de 148 nacionalidades aonde ela me lançou e eu cheguei a ser vice presidente depois presidente e fui também o primeiro português a ser o homem do ano fundei o PSD-USA depois mais tarde a Manuela veio. Depois outros presidentes acabaram com o PSD e ela e eu reavivamos o partido, aonde ela ficou na
 na assembleia geral e eu presidente da direcção. Fundámos a Real Associacao de New Jersey, o Portuguese American Congress.
 Esta Senhora ajudou centenas de pessoas era advogada sempre com uma dinâmica de bem fazer ela foi mentora de muita gente hoje em boas posições.
Já depois dos 80 anos com o seu marido que já não podia conduzir, ela pedia me para eu ir busca -la a casa, pois ela tinha gosto de as coisas não morressem e eu la ia busca -la a casa, ida e volta eu conduzia 325 quilometros. Ela queria pagar pela gasolina, mas nunca aceitei, pelo sacrifício que esta grande mulher fez para manter esta comunidade viva. Cada reunião era um convívio, todas as festas natalícias sempre carregada de presentes para os amigos.
 Quando eu lhe disse que me ia reformar e viver na Florida ela disse-me que perdeu um filho que nunca teve, mas sempre contatei com ela, todas as semanas trocávamos ideias. Fui a única pessoa que tive coragem de juntar um grupo de pessoas que ela ajudou e conviveu a fazer-lhe um jantar de homenagem, que ficou gravado no meu coração, ver esta senhora feliz por todo o seu esforço pela comunidade. Paz à sua alma.

Manny Viegas



MENSAGENS da "Mulher Migrante" Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade
 Cerimónia fúnebre em memória  de Manuela Chaplin
EUA, 25 de Julho de 2014

Manuela Chaplin continuará bem viva nas nossas recordações, como uma Mulher excepcional, cuja superior inteligência e infinita energia foram sempre postas ao serviço dos outros, da comunidade, dos dois países a que pertencia pelo afecto, Portugal e os EUA. Na verdade, ela faz parte da História da emigração portuguesa e da imigração americana. Da História com letra grande.
Na sua luta incessante pela justiça, pela igualdade, os migrantes, as mulheres, os mais marginalizados da sociedade, puderam sempre contar com Ela!
Advogada, escritora, jornalista, militante de causas, política, pioneira no associativismo luso-americano, sobressaindo. como líder, num mundo quase exclusivamente masculino, encarnava a própria ideia de Mulher-Cidadã, tendo a seu lado o grande aliado que foi, ao longo de tantos anos, o seu marido, Charles Chaplin. 
Os dois unidos na vida e, agora, na nossa memória
MARIA MANUELA AGUIAR
 Presidente da Assembleia Geral da " Mulher Migrante"


Recordar a nossa muito querida Amiga e Associada, Doutora Manuela Da Luz Chaplin, mereceria referências pormenorizadas, onde coubessem na íntegra as suas excecionais qualidades humanas e intelectuais, na dupla perspetiva de cidadã portuguesa e de cidadã residente nos EUA, mas, não vou alongar-me.
Limitar-me-ei a referir alguns aspetos.
Saliento, por exemplo, o seu empenhamento e dedicação pelas mais carecidas e pelos mais carecidos, em que se inclui, desde já, o seu dinamismo e empenhamento pela “causa das Mulheres”, muito especialmente no que respeita às “Mulheres Migrantes”, qualquer que fosse a sua origem.
Não podemos esquecer ainda, o tempo da sua vida dedicado à área da “política” e o trabalho que desenvolveu, sempre com o objetivo de conseguir mais e melhores condições para os seus concidadãos, em Portugal e no seu País de adoção.
Criou, no nosso País e nos EUA um considerável Grupo de Amigas e de Amigos, algumas delas e alguns deles destacadas figuras da política e também intelectuais, bem como eminentes personalidades de outras áreas do saber, do conhecimento em geral, da cultura e das artes.
Deixou gratas e inesquecíveis recordações e saudade, que será eterna.
Manteve sempre com todas e com todos uma ligação solidária, fraterna e
generosa, o que só uma Mulher inteligente e culta sabe fazer...

Desde 8 de Outubro de 1993, data da constituição da «Mulher Migrante – Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade», recebemos da Dra Manuela Da Luz Chaplin contatos vários, interessando-se sempre pelas nossas atividades e também pelo nosso envolvimento nas diversas
Iniciativas que organizámos.
Vinha várias vezes a Portugal, acompanhada pelo seu marido Sir. Charles Chaplin (um português do coração), como dizia a Dra Manuela Aguiar.
Procurava- nos, então, na Secretaria de Estado da Emigração, hoje das Comunidades Portuguesas, sobre trabalhos que pretendia concretizar em favor da comunidade portuguesa nos EUA, entre outros.
Acompanhou-nos em Portugal, em alguns dos Encontros, organizados pela Associação de Estudo Mulher Migrante, por exemplo:- em 1995 – 18 a 22 de Março de - no «Encontro Mundial de Mulheres Migrantes – Gerações em Diálogo», realizado em Espinho e no dia 22 em Lisboa, em que Manuela Chaplin teve larga participação; - em 2004 – 26 a 27 de Novembro, em Lisboa «Encontro de Mulheres Migrantes das diversas Gerações - Conhecer/Participar- nas Sociedades de Origem e de Acolhimento». Neste Encontro participou também a filha e nossa Associada, Doutora Annabella Costa Larsen, além de Glória de Melo. Mais tarde, em 2006 - 8 a 11 de Junho – Manuela Chaplin, organiza em Newark – EUA, o Seminário «Presença da Mulher nas Comunidades Portuguesas da América do Norte». Da organização fizeram parte diversas Entidades dos EUA e também de Portugal., como por exemplo: a Fundação Bernardino Coutinho, a Real Associação de New Jersey o Comendador José João Morais, a Secretaria de Estado das Comunidades
Portuguesas, a FLAD, o Núcleo dos EUA, da Associação Mulher Migrante...
A anfitriã, deste Seminário foi a nossa Associada Maria Coutinho.
E, com esta Iniciativa participámos pela 1a vez nas “Famosas Festas”, em Newark, do “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”
Foi-nos então, proporcionado um Carro Alegórico à Associação, o que permitiu integrarmo-nos, com esse carro, na Grande Parada.
Sobre esta Iniciativa existe uma Publicação da Associação, coordenada pela Dra Manuela Aguiar, com o aludido carro, na capa, com fotos de participantes, onde, entre outras, temos a foto de Manuela Chaplin -recordação excelente!
Foi Associada Fundadora, Efetiva e Honorária, da AEMM. Criou o “Núcleo da Associação Mulher Migrante” nos EUA, por ela presidido durante largos anos, até que, por sua decisão, deixou o cargo. Foi também Vice- Presidente da Associação, integrada nos Órgãos Sociais, em Portugal, em representação dos EUA.
Grande Senhora, que será sempre considerada entre as Mulheres Portuguesas e as de outras origens, bem como pela «Mulher Migrante– Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade», um símbolo de generosidade , coragem e virtude pelas Iniciativas em que se envolveu e pelo apoio proporcionado.
Com grande mágoa, amizade e muita saudade, aqui deixo estas simples linhas....

RITA GOMES
 Presidente da Direcção da" Mulher Migrante""

VASCO CALLISTO
Dois breves encontros com a Drª.Manuela da Luz Chaplin –

Que extraordinário portuguesismo encontrei na Drª.Manuela da Luz Chaplin, em Newark, em 1993! Uma senhora que transbordava simpatia, uma simpatia luso-americana deveras cativante, logo à primeira impressão. Lamento, sinceramente, a sua partida. Como lamento que o meu contacto com tão destacado elemento da Comunidade Portuguesa nos Estados Unidos não tenha ido além de dois breves encontros
Quando da preparação da minha terceira viagem à América, no Verão de 1993, a Drª.Manuela da Luz Chaplin, por intermédio de um amigo comum, Vasco Marques, do Banco Português do Atlântico, manifestara o desejo de se encontrar comigo. Porquê? Porque, semanas antes, publicara no "Correio da Manhã" um artigo sob o título "Mulheres Portuguesas na América", baseado num livro de sua autoria. Durante um jantar festivo, logo após o desembarque, minha mulher e eu, envolvidos numa grande festa portuguesa, convivemos fraternalmente com a Drª.Manuela da Luz Chaplin e com seu marido Charles. Sobre este encontro, incluí um breve apontamento no meu livro "Portugal na Costa Leste dos Estados Unidos". E mais tarde, durante uma vinda da Drª.Manuela da Luz Chaplin a Lisboa, verificou-se um novo e agradável contacto, numa pastelaria da Baixa.
 Desapareceu agora, sem dúvida, uma mulher portuguesa, de Lisboa, que serviu Portugal na América
Vasco Callixto


MARIA MANUELA AGUIAR
Conheci Manuela da Luz Chaplin em 1980, na minha primeira visita oficial às comunidades portuguesas da América do Norte. Com o seu cabelo revolto, os olhos muito azuis, uma bela voz forte, que se fazia ouvir em discurso assertivo, reivindicativo, ousado... Recordo-a claramente, a única voz feminina entre as dos homens, que eram, então, o rosto invariável de dirigismo associativo... Uma mulher para se impor, nessa época, em comunidades da emigração conservadoras e fechadas, precisava de ter qualidades excepcionais, antes de mais, tinha de ter coragem e tinha de ter razão - a primeira, era a condição
prévia para tomar a palavra, a segunda imprescindível para ser ouvida e respeitada.
As questões que colocava, com sinceridade e veemência, pedindo respostas, eram as dos seus concidadãos, as das mulheres, as dos mais marginalizados. Não eram preocupações consigo, eram causas! Até no vestir, sempre à vontade, descontraída e simples, se revelava como alguém para quem o "social" queria dizer solidariedade e não convívio elitista.
 Logo nesses momentos iniciais em que a escutei as suas críticas pertinentes às "políticas de indiferença" dos governos de Portugal para com os emigrantes da América, incluía-a em uma de duas categorias de militantes que sempre me foram particularmente simpáticos -sindicalistas e missionários! Só depois vim a saber que, órfã de pai, desde os 3 meses de idade, viveu os seus anos de infância em Moçambique, numa missão protestante, onde a mãe era professora de português.
Manuela da Luz veio estudar para Lisboa. Na Lisboa salazarista, revoltou-se contra a mesquinhes e a misoginia da ditadura, a situação opressiva de submissão da mulher. A palavra submissão feminina não existia no código de conduta daquela jovem inteligente e radical. Foi a revolta que e levou para a América, em 1948. Aí encontrou o que procurava: liberdade! Liberdade de pensamento, liberdade de expressão, liberdade de lutar pelas sua ideias, liberdade para “libertar”outras mulheres da passividade e da subjugação, liberdade para fazer dos imigrantes portugueses, mulheres e homens, cidadãos da América. Uma cruzada para o resto da sua vida! Muitos anos mais tarde, haveria de escolher para a capa do um livro
seu, sobre as portuguesas dos EUA, a estátua feminina da Liberdade, de Ellis Island  - porta de entrada no” novo mundo” para tantos milhões de mulheres e homens…
Manuela foi ela própria uma emigrante/imigrante exemplar – porque nunca deixou de ser apaixonadamente portuguesa e tornou-se não menos apaixonadamente americana.
Soube integrar-se plenamente na vida do novo país, na sua vida política, social e cultural e sempre quis ajudar os outros portugueses a alcançarem a mesma alegria e orgulho por serem luso-americanos. Foi precisamente nesse segmento em expansão do “luso americanismo” que se centrou a sua acção, com especial enfoque nas mulheres.
Manuela da Luz Chaplin foi, como não podia deixar de ser, pela proeminência do seu curriculum comunitário, uma das emigrantes convidadas, em 1985, para o 1º Encontro das Mulheres Portuguesas no Associativismo e no Jornalismo – onde entre tantas notáveis, se destacou, em múltiplas intervenções.
Citar algumas das suas declarações, recolhidas nas actas do "Encontro" é uma forma de a ter, entre nós, nestas jornadas de reflexão sobre o 25 de Abril, sobre a projecção qu a revolução teve, concretamente, nos EUA, nas nossas comunidades, na participação feminina. Embora não fale de si, adivinha-se o entusiasmo com que acompanhou o renascimento da democracia em Portugal, assim como a sua contribuição pessoal para repercutir o eco da revolução de Abril entre os portugueses, do outro lado do Atlântico:
“Após o 25 de Abril, a mulher portuguesa nos EUA demonstrou uma rápida transformação no conceito social e na realização dos seus direitos humanos, devido à influência de elementos femininos mais evoluídos”
Também sobre um dos temas que a AEMM trouxe ao debate neste ano de 2014, as migrações de retorno de Angola e Moçambique, se pronunciou.Vamos ouvi-la, à distância de quase 30 anos, elogiar a nova vaga de emigração dos anos 70, com uma componente de retornados de África, e, genericamente, mais urbana, mais qualificada, integrando muitas mulheres “cuja bagagem intelectual e profissional lhes proporcionou acesso a campos de acção até aí raramente tocados por mulheres portuguesas emigradas nos EUA. A este novo elemento juntam-se jovens de 1ª e 2ª geração, que no país acolhedor obtiveram um nível de cultura e de preparação que as eleva a posições de destaque e influência…”
Mas logo acrescenta: “…o homem português continua relutante a adaptar-se a esta evolução e ao reconhecimento da igualdade da mulher”. “Raras vezes a mulher é convidada a participar na direcção e na administração das associações. (…) Todavia, muitas organizações Luso americanas têm no seu elenco directivo, presidentes e outros elementos directivos femininos. Nos últimos 10 anos, várias associações não só são dirigidas, como foram fundadas por elas.
Do curriculum abreviado de Manuela Chaplin, inserido na publicação do Encontro Mundial de 1985 consta que é licenciada em Direito e em Jornalismo e membro das seguintes organizações:
- Fundadora e directora executiva do Centro de Cultura Portuguesa de New Jersey
-Presidente e fundadora da Associação Luso-Americana Republicana de New Jersey
- Presidente da Federação das Associações Luso-Americanas Republicanas da Costa Leste
-Directora e fundadora da Congresso Luso_Americano de New Jersey
-Secretária Executiva dos Grupos Étnicos de New Jersey
-Presidente da Área Regional da Costa Leste da Associação Nacional dos Grupos Étnicos Republicanos dos EUA
É já um impressionante elenco da sua multifacetada intervenção cívica, da sua liderança não só na comunidade portuguesa, e nos outros grupos étnicos que formam o imenso mosaico multicultural do país, mas também na política americana, como activa militante do Partido Republicano.
Esta intransigente opositora da ditadura portuguesa era republicana e monárquica, tendo fundado e presidido, a partir da década de 90, à Real Associação de NJ. E a política portuguesa também a atraía - foi a primeira mulher presidente do núcleo do PSD dos EUA.
Uma mulher, lutando pelos direitos de cidadania, em associações mistas, em organizações políticas, sem nunca esquecer as mulheres. (o papel fundamental que, posteriormente, viria a ter na Associação Mulher Migrante é referido, detalhadamente, no testemunho de Rita Gomes).
Às mulheres dedicou, em 1989, um livro extraordinário em que retrata muitas emigrantes e no qual deixa, também, um retrato de si própria, dos seus valores e interesses humanistas, que gostaria de destacar neste breve depoimento O título, na versão portuguesa, é “Retalhos de
Portugal dispersos pelos Estados Unidos da América. Mulheres Migrantes de Descendência Portuguesa. (Na versão inglesa, "Scattered fragments of Portugal in the United States of
America - Women of Portuguese Descent).
São 30 narrativas de vida, escritas com brilho e com uma intenção clara de desvendar, a partir de casos individuais, a história feminina da emigração portuguesa na América, em diferentes épocas e contextos – a parte mais desconhecida, mais subvalorizada da presença portuguesa.
São relatos verdadeiros, singulares, fascinantes… Para muitas portuguesas, a emigração foi uma oportunidade de se transcenderem, de tomarem em mãos o seu destino, para outras teve o sabor da adversidade…A sorte e o azar, o mérito de saber lutar ou a falência de não poder resistir… A atracção do novo, a americanização, ou a resistência cultural e afectiva à perda da identidade. As segundas gerações, para as quais Portugal é uma realidade remota - ou não...
É tudo real, mas lê-se como um romance, feito de muitos capítulos. A visão da própria Manuela não pretende ser necessariamente neutra. Os factos estão lá, objectivos, precisos, mas sente-se, muitas vezes, a empatia e compreensão da autora e pelas pessoas e pelas suas circunstâncias.…
Manuela Chaplin pertence, igualmente, à história que começa nestes fragmentos de Portugal, nestas múltiplas experiências de América – e a sua própria trajectória bem merece ser escrita por alguém que tenha oseu talento e intuição.
Na nota “Sobre a Autora”, que prefacia o livro, Maria Fernanda Alves Morais diz-nos: “ao longo dos anos em que me tem sido dado o privilégio da sua amizade, encontrei sempre a sua casa acolhedoramente aberta a quantos, oriundos de Portugal, procuram o seu auxílio ou o seu conselho. Dias úteis ou feriados…pacientemente a sua hospitalidade e solicitude nunca falham. Daí a alcunha que carinhosamente lhe deu seu marido, Charles Chaplin, de “Nossa Senhora dos Portugueses”
Assim era a mais americana das portuguesas, a mais portuguesa das americanas. Manuela Chaplin, Mulher de Abril, antes e depois desse 25 Abril, que agora comemoramos, homenageando-a, saudosamente...

 GRAÇA GUEDES
In memorium a MANUELA CHAPLIN

Também conheci a Dra. Manuela da Luz Chaplin na década de oitenta do século passado e mais precisamente em 1985, no célebre Encontro de Viana  (1º Encontro de Portuguesas Migrantes no Associativismo e no Jornalismo), considerado o marco histórico que fez desencadear todo um caminho que a Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante (AECSMM) tem sido percorrido até aos dias de hoje.
E, neste caminho, a Manuela Chaplin esteve sempre connosco e com ela partilhei momentos inolvidáveis, muitos dos quais já assinalados pela Dra. Manuela Aguiar e pela Dra. Rita Gomes, pelo que humildemente faço minhas as suas palavras, associando-me assim a esta justa e sentida homenagem.
Recordo-me bem daquele momento em Viana, quando nos fala acerca da mulher migrante portuguesa nos EUA, explicando a condição social, a integração no meio de acolhimento e os fatores de influência, na sua adaptação e evolução das mulheres portuguesas nos EUA, afirma a concluir: “Tendo assim em conta a situação presente, a intensificação do papel da mulher portuguesa… será no futuro um incentivo, um desafio e um poder extraordinário a exercer no progresso e melhoramento das condições sociais da família, das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, de Portugal e de toda a Humanidade” (in Atas do 1º Encontro Portuguesas Migrantes no Associativismo e no Jornalismo, Edição Centro de Estudos da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, 1986).
E a Manuela Chaplin foi a prova real desta sua antevisão.
Nunca faltou aos Encontros Mundiais que organizamos em Espinho (Gerações em Diálogo, 1995 e Cidadãs da Diáspora, 2009), com intervenções brilhantes, tais como em 1995, desenvolvendo o tema A Mulher como Influência Comunitária Aposta na Juventude, assim nos transmitiu: “ A mulher portuguesa na América, há muito que assumiu o papel diretivo em várias associações, algumas das quais como nas associações de beneficência da Califórnia, constam de milhares de afiliados. É porém ainda como senhora auxiliar, que a sua atividade se regista em grande parte do movimento associativo, mister que em muitos casos aceita com dignidade e orgulho. A Mulher mais moderna, ou de gerações mais jovens, exige uma participação mais igualitária, que vai a pouco e pouco e subtilmente, conquistando”. E acrescenta, “Quem, como eu, tem acompanhado e está totalmente familiarizada com as nossas comunidades radicadas fora de Portugal, particularmente nos EUA, não pode deixar de admirar e prestar homenagem às nossas gentes, que em terras ignotas tanto edificaram. Essa admiração, porém, é maior ainda, quando constatamos o extraordinário trabalho da mulher luso-descendente, que tanto tem edificado, contra tantos obstáculos e descriminação. Assim é a massa portuguesa que emigra. Assim é a dedicação e coragem da mulher portuguesa migrante” (In Atas Encontro Mundial de Mulheres Migrantes – Gerações em Diálogo, Edição AECSMM, 1995).
Estive pela última vez com a Manuela Chaplin em 2006, no Seminário que organizou em Newark, na qualidade de representante nos EUA da Associação Mulher Migrante e intitulado Presença da Mulher nas Comunidades Portuguesas da América do Norte , integrado nas comemorações do Dia de Portugal que anualmente a Fundação Bernardino Coutinho organizam.
Despedimo-nos com um até sempre, depois de termos desfilado na Grande Parada do Dia de Portugal ao longo das ruas de Newark no carro alegórico da Mulher Migrante, no meio de uma multidão que sorridentemente nos aplaudia, festejando Portugal e os portugueses.


Até sempre, Manuela Chaplin.