Nota de Abertura - Mesa Redonda Mulheres Migrantes e Cidadania.
Antes e Depois de Abril, Universidade Aberta, Salão Nobre, 5 de junho de
2014
Ana Paula Beja Horta – Doutorada em Sociologia. Professora da Universidade Aberta,
Investigadora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais
(CEMRI), ana.horta@uab.pt
Neste ano de comemorações do vigésimo aniversário da Associação de Estudo
Cooperação e Solidariedade – Mulher Migrante (AEMM), da qual tenho honra de ser
um dos membros fundadores, as minhas maiores felicitações à Dra. Maria Manuela
Aguiar (Presidente da Assembleia Geral da AEMM) à Dra. Rita Gomes (Presidente da
Direção da AEMM) e aos seus Corpos Sociais pelo percurso notável e o contributo
indelével da Associação em prol da igualdade de direitos e da participação cidadã das
mulheres migrantes e em particular das mulheres portuguesas na Diáspora. Gostaria,
igualmente, de manifestar os meus agradecimentos pelo convite para participar na co-
organização desta iniciativa subordinada ao tema Mulheres Migrantes e Cidadania.
Antes e Depois de Abril, que bem traduz o já longo e estreito percurso de parceria
científica e cívica entre a AEMM e o Centro de Estudos das Migrações e das Relações
Interculturais, Universidade Aberta.
Importa, igualmente, referir a relevância do tema deste evento que ganha especial
significado e simbolismo no contexto das celebrações do 40º aniversário do 25 de Abril,
constituindo um importante contributo para o diálogo e reflexão sobre a evolução da
situação das mulheres migrantes num quadro temporal e espacial alargado. De facto, os
temas das intervenções dos participantes nesta Mesa Redonda remetem-nos para uma
discussão renovada sobre mulheres migrantes e a instituição cidadania, ao longo dos
tempos, configurada por diferentes percursos migratórios e pelos múltiplos contextos
socio, económicos e políticos das migrações portuguesas.
A relação entre migrações, género, cidadania tem sido um eixo central de intervenção
continuada das atividades da AEMM, desde a sua fundação. Para tal, basta revisitar,
entre muitos outros eventos, a importante iniciativa transnacional, Encontros para a
Cidadania, promovida pela AEMM entre 2005 e 2009 e realizada nos quatro cantos do
mundo onde residem comunidades portuguesas. A participação de centenas de
participantes nestes Encontros, incluindo as associações migrantes, instituições oficiais,
organizações da sociedade civil e mulheres e homens migrantes é bem reveladora da
importância das questões do Género e da Cidadania nos contextos migratórios
portugueses da atualidade.
Ao longo de 20 anos de atividade, a problemática das Mulheres Migrantes e da
Cidadania norteou as diferentes fases de desenvolvimento da Associação quer a nível
dos seus objetivos quer a nível da sua estratégia de intervenção, tendo ganho especial
protagonismo na última década. Os Encontros para a Cidadania são um exemplo
paradigmático de um projeto inédito de intervenção e de mobilização das comunidades
portuguesas em torno da defesa da igualdade de direitos e da promoção da participação
cívica das mulheres migrantes no contexto do país de acolhimento e no país de origem.
Referido como um “paradigma de mobilização para a igualdade entre mulheres e
homens” (Aguiar, 2014b), este projeto permite repensar o fenómeno migratório
português, trazendo para o centro do debate a posição das mulheres emigrantes nas
múltiplas vertentes do exercício da cidadania. A análise aprofundada deste novo
“paradigma” de intervenção transcende, obviamente, o âmbito desta breve apresentação.
Contudo, importa referir duas dimensões que se apresentam de particular acuidade para
o tema desta Mesa Redonda. A primeira reporta-se à dimensão da participação política
das mulheres, no quadro da emigração portuguesa e a segunda à participação cívica, ou
seja ao associativismo feminino.
Como é bem conhecido, o papel das mulheres nos processos migratórios foi, durante
décadas, ignorado ou secundarizado tanto no quadro político como na esfera social,
académica e científica. A noção dominante de que “o homem migra e a mulher segue-o”
viria a traduzir-se na exclusão sistemática das questões de género das políticas
migratórias internacionais e nacionais. É, sobretudo, a partir da década de noventa do
século passado que se assiste a uma inversão desta tendência de “invisibilidade” das
mulheres no espaço público do debate político, bem como nas agendas de investigação
(Boyd, M. e E. Grieconas, 2003; Relatório CSEM, 2014). Mais recentemente, a
integração do género nas políticas migratórias, bem como a implementação de políticas
de igualdade de direitos têm vindo a ganhar um protagonismo sem precedentes a nível
internacional.1
No contexto nacional, é após o 25 de Abril que passamos a assistir à implementação de
medidas políticas de valorização do papel das mulheres migrantes que visam potenciar o
acesso à cidadania plena. Neste âmbito, é indiscutível o contributo da AEMM para a
criação de novos espaços públicos de debate e de reivindicação, sendo, presentemente, a
inclusão da componente de género nas políticas migratórias e em estruturas de
representação das comunidades portuguesas (Conselho das Comunidades Portuguesas)
tem sido uma questão que tem merecido especial atenção (Aguiar, 2008;2014b). Por
outro lado, o continuado diálogo com as instâncias políticas, instituições oficiais e com
outras organizações da sociedade civil nacionais e internacionais contribuiu para o
desenvolvimento de um ativismo cívico transnacional capaz de mobilizar uma
multiplicidade de agentes políticos, institucionais e sociais em Portugal e no seio das
comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. As dinâmicas transnacionais de
intervenção cívica da AEMM têm permitido, igualmente, criar um quadro abrangente de
1 A este respeito ver, por exemplo, Guide on Gender-Sensitive Migration Policies, 2009. Organization for
Security and Co-operation in Europe (OSCE). Disponível em: http://www.osce.org/node/37228
mobilização das mulheres emigrantes para a participação política em Portugal e no país
de destino. De facto, a conjugação desta dupla vertente de politização e de valorização
de uma prática cidadã transnacional reveste-se da maior importância, num mundo
globalizado tecido por uma multiplicidade de pertenças, de vivências, de interações e de
projetos de cidadania que se intersectam e se complementam.
Estas considerações remetem-nos, necessariamente, para a segunda dimensão, acima
referida e que se reporta ao associativismo migrante. A densa e multifacetada rede do
tecido associativo das comunidades portuguesas tem desempenhado um papel
fundamental na atualização dos laços de pertença e identitários com o país de origem,
bem como nos processos de adaptação e de integração das comunidades portuguesas
nos países de destino (Rocha-Trindade, 2010). As dinâmicas do associativismo
emigrante têm sido uma área prioritária de intervenção da AEMM, sobretudo no que
respeita à participação das mulheres migrantes no movimento associativo. O
reconhecimento da subalternidade das mulheres nas associações e a necessidade de
implementação de novas práticas de participação têm constituído um dos eixos
prioritários da atuação da AEMM. A permanente e intensa interação com líderes
associativos, os inúmeros eventos realizados em colaboração com as organizações das
comunidades portuguesas evidenciam bem o compromisso da AEMM nesta esfera de
participação cívica. A este respeito as palavras de Manuela Aguiar são bem elucidativas
de uma visão abrangente de cidadania que passa necessariamente por uma maior
visibilidade e participação das mulheres migrantes no movimento associativo “A
AEMM, consciente desta evolução assimétrica, na generalidade dos países, tem
concentrado os seus esforços na mobilização das mulheres para uma participação de
vanguarda nas comunidades portuguesas, a fim de que se convertam em espaço de
expressão da cidadania e se expandam com a inclusão de grupos marginalizados,
invertendo a tendência para o seu declínio, tantos profetizam e justamente receiam.”
(Aguiar, 2014a:49).
Em nota final, estamos perante uma perspetiva de cidadania alargada e de mobilização
de novas práticas de inclusão e de emancipação das mulheres migrantes nos múltiplos
espaços de intervenção política e cívica. Eis o grande desafio que a Associação de
Estudo Cooperação e Solidariedade – Mulher Migrante coloca a todos e a todas nós
aqui presentes e na Diáspora. Como alude a Dra. Rita Gomes (2014) o trabalho da
AEMM continua a ser um caminho aberto aos muitos mundos das migrações, no qual
de uma forma outra ou de outra somos parte integrante e comprometida.
Referências Bibliográficas
Aguiar, Manuela (2014a), “Um dia na História da AEMM” in Aguiar, M, M., Guedes e
Santiago, A., (Orgs.), Entre Portugueses. Associação Mulher Migrante,
Espinho:Cooperativa Gráfica de Espinho, pp. 49.
Aguiar, Manuela (2014b), “As questões do género nas políticas de emigração
portuguesa” in Miranda, J e Horta, A.P.B. Migrações e Género. Espaços, Poderes e
Identidades, Lisboa: Editor Mundos Sociais.
Aguiar, Manuela (2008), "Mulheres Migrantes e Intervenção Cívica" in Simas, M.R.
(org), "A Mulher e o Trabalho nos Açores e nas Comunidades", Ponta Delgada: UMAR
Açores.
Boyd, M. e E. Grieco (2003), Women and Migration: Incorporating Gender into
International Migration Theory. Migration Policy Institute: Migration Information
Source. Washington, D.C. March.
Gomes, Rita (2014), “20 Anos da Associação”, in Aguiar, M., Guedes, G e Santiago,
A., (Orgs.), Entre Portugueses. Associação Mulher Migrante, Cooperativa Gráfica de
Espinho.
Guide on Gender-Sensitive Migration Policies, 2009. Organization for Security and Co-
operation in Europe (OSCE). Disponível em: http://www.osce.org/node/37228
Relatório – Mulher Migrante. Agente de Resistência e Transformação (2014), Brasília:
CSEM.
Rocha-Trindade, M.B. (2010) “Associativismo em Contexto Migratório” Revista
Migrações, Nº 6, Número Especial – Associativismo Imigrante, Horta, A.P.B. (Org.),
ACIDI, OI.
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