quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

UNIV ABERTA Prof Ana Paula Beja Horta

Nota de Abertura - Mesa Redonda Mulheres Migrantes e Cidadania.

Antes e Depois de Abril, Universidade Aberta, Salão Nobre, 5 de junho de

2014

Ana Paula Beja Horta – Doutorada em Sociologia. Professora da Universidade Aberta,

Investigadora do Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais

(CEMRI), ana.horta@uab.pt

Neste ano de comemorações do vigésimo aniversário da Associação de Estudo

Cooperação e Solidariedade – Mulher Migrante (AEMM), da qual tenho honra de ser

um dos membros fundadores, as minhas maiores felicitações à Dra. Maria Manuela

Aguiar (Presidente da Assembleia Geral da AEMM) à Dra. Rita Gomes (Presidente da

Direção da AEMM) e aos seus Corpos Sociais pelo percurso notável e o contributo

indelével da Associação em prol da igualdade de direitos e da participação cidadã das

mulheres migrantes e em particular das mulheres portuguesas na Diáspora. Gostaria,

igualmente, de manifestar os meus agradecimentos pelo convite para participar na co-

organização desta iniciativa subordinada ao tema Mulheres Migrantes e Cidadania.

Antes e Depois de Abril, que bem traduz o já longo e estreito percurso de parceria

científica e cívica entre a AEMM e o Centro de Estudos das Migrações e das Relações

Interculturais, Universidade Aberta.

Importa, igualmente, referir a relevância do tema deste evento que ganha especial

significado e simbolismo no contexto das celebrações do 40º aniversário do 25 de Abril,

constituindo um importante contributo para o diálogo e reflexão sobre a evolução da

situação das mulheres migrantes num quadro temporal e espacial alargado. De facto, os

temas das intervenções dos participantes nesta Mesa Redonda remetem-nos para uma

discussão renovada sobre mulheres migrantes e a instituição cidadania, ao longo dos

tempos, configurada por diferentes percursos migratórios e pelos múltiplos contextos

socio, económicos e políticos das migrações portuguesas.

A relação entre migrações, género, cidadania tem sido um eixo central de intervenção

continuada das atividades da AEMM, desde a sua fundação. Para tal, basta revisitar,

entre muitos outros eventos, a importante iniciativa transnacional, Encontros para a

Cidadania, promovida pela AEMM entre 2005 e 2009 e realizada nos quatro cantos do

mundo onde residem comunidades portuguesas. A participação de centenas de

participantes nestes Encontros, incluindo as associações migrantes, instituições oficiais,

organizações da sociedade civil e mulheres e homens migrantes é bem reveladora da

importância das questões do Género e da Cidadania nos contextos migratórios

portugueses da atualidade.

Ao longo de 20 anos de atividade, a problemática das Mulheres Migrantes e da

Cidadania norteou as diferentes fases de desenvolvimento da Associação quer a nível

dos seus objetivos quer a nível da sua estratégia de intervenção, tendo ganho especial

protagonismo na última década. Os Encontros para a Cidadania são um exemplo

paradigmático de um projeto inédito de intervenção e de mobilização das comunidades

portuguesas em torno da defesa da igualdade de direitos e da promoção da participação

cívica das mulheres migrantes no contexto do país de acolhimento e no país de origem.

Referido como um “paradigma de mobilização para a igualdade entre mulheres e

homens” (Aguiar, 2014b), este projeto permite repensar o fenómeno migratório

português, trazendo para o centro do debate a posição das mulheres emigrantes nas

múltiplas vertentes do exercício da cidadania. A análise aprofundada deste novo

“paradigma” de intervenção transcende, obviamente, o âmbito desta breve apresentação.

Contudo, importa referir duas dimensões que se apresentam de particular acuidade para

o tema desta Mesa Redonda. A primeira reporta-se à dimensão da participação política

das mulheres, no quadro da emigração portuguesa e a segunda à participação cívica, ou

seja ao associativismo feminino.

Como é bem conhecido, o papel das mulheres nos processos migratórios foi, durante

décadas, ignorado ou secundarizado tanto no quadro político como na esfera social,

académica e científica. A noção dominante de que “o homem migra e a mulher segue-o”

viria a traduzir-se na exclusão sistemática das questões de género das políticas

migratórias internacionais e nacionais. É, sobretudo, a partir da década de noventa do

século passado que se assiste a uma inversão desta tendência de “invisibilidade” das

mulheres no espaço público do debate político, bem como nas agendas de investigação

(Boyd, M. e E. Grieconas, 2003; Relatório CSEM, 2014). Mais recentemente, a

integração do género nas políticas migratórias, bem como a implementação de políticas

de igualdade de direitos têm vindo a ganhar um protagonismo sem precedentes a nível

internacional.1

No contexto nacional, é após o 25 de Abril que passamos a assistir à implementação de

medidas políticas de valorização do papel das mulheres migrantes que visam potenciar o

acesso à cidadania plena. Neste âmbito, é indiscutível o contributo da AEMM para a

criação de novos espaços públicos de debate e de reivindicação, sendo, presentemente, a

inclusão da componente de género nas políticas migratórias e em estruturas de

representação das comunidades portuguesas (Conselho das Comunidades Portuguesas)

tem sido uma questão que tem merecido especial atenção (Aguiar, 2008;2014b). Por

outro lado, o continuado diálogo com as instâncias políticas, instituições oficiais e com

outras organizações da sociedade civil nacionais e internacionais contribuiu para o

desenvolvimento de um ativismo cívico transnacional capaz de mobilizar uma

multiplicidade de agentes políticos, institucionais e sociais em Portugal e no seio das

comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. As dinâmicas transnacionais de

intervenção cívica da AEMM têm permitido, igualmente, criar um quadro abrangente de

1  A este respeito ver, por exemplo, Guide on Gender-Sensitive Migration Policies, 2009. Organization for

Security and Co-operation in Europe (OSCE). Disponível em: http://www.osce.org/node/37228

mobilização das mulheres emigrantes para a participação política em Portugal e no país

de destino.  De facto, a conjugação desta dupla vertente de politização e de valorização

de uma prática cidadã transnacional reveste-se da maior importância, num mundo

globalizado tecido por uma multiplicidade de pertenças, de vivências, de interações e de

projetos de cidadania que se intersectam e se complementam.

 

Estas considerações remetem-nos, necessariamente, para a segunda dimensão, acima

referida e que se reporta ao associativismo migrante. A densa e multifacetada rede do

tecido associativo das comunidades portuguesas tem desempenhado um papel

fundamental na atualização dos laços de pertença e identitários com o país de origem,

bem como nos processos de adaptação e de integração das comunidades portuguesas

nos países de destino (Rocha-Trindade, 2010). As dinâmicas do associativismo

emigrante têm sido uma área prioritária de intervenção da AEMM, sobretudo no que

respeita à participação das mulheres migrantes no movimento associativo. O

reconhecimento da subalternidade das mulheres nas associações e a necessidade de

implementação de novas práticas de participação têm constituído um dos eixos

prioritários da atuação da AEMM. A permanente e intensa interação com líderes

associativos, os inúmeros eventos realizados em colaboração com as organizações das

comunidades portuguesas evidenciam bem o compromisso da AEMM nesta esfera de

participação cívica. A este respeito as palavras de Manuela Aguiar são bem elucidativas

de uma visão abrangente de cidadania que passa necessariamente por uma maior

visibilidade e participação das mulheres migrantes no movimento associativo “A

AEMM, consciente desta evolução assimétrica, na generalidade dos países, tem

concentrado os seus esforços na mobilização das mulheres para uma participação de

vanguarda nas comunidades portuguesas, a fim de que se convertam em espaço de

expressão da cidadania e se expandam com a inclusão de grupos marginalizados,

invertendo a tendência para o seu declínio, tantos profetizam e justamente receiam.”

(Aguiar, 2014a:49).

Em nota final, estamos perante uma perspetiva de cidadania alargada e de mobilização

de novas práticas de inclusão e de emancipação das mulheres migrantes nos múltiplos

espaços de intervenção política e cívica. Eis o grande desafio que a Associação de

Estudo Cooperação e Solidariedade – Mulher Migrante coloca a todos e a todas nós

aqui presentes e na Diáspora. Como alude a Dra. Rita Gomes (2014) o trabalho da

AEMM continua a ser um caminho aberto aos muitos mundos das migrações, no qual

de uma forma outra ou de outra somos parte integrante e comprometida.

Referências Bibliográficas

Aguiar, Manuela (2014a), “Um dia na História da AEMM” in Aguiar, M, M., Guedes e

Santiago, A., (Orgs.), Entre Portugueses. Associação Mulher Migrante,

Espinho:Cooperativa Gráfica de Espinho, pp. 49.

Aguiar, Manuela (2014b), “As questões do género nas políticas de emigração

portuguesa” in Miranda, J e Horta, A.P.B. Migrações e Género. Espaços, Poderes e

Identidades, Lisboa: Editor Mundos Sociais.

Aguiar, Manuela (2008), "Mulheres Migrantes e Intervenção Cívica" in Simas, M.R.

(org), "A Mulher e o Trabalho nos Açores e nas Comunidades", Ponta Delgada: UMAR

Açores.

Boyd, M. e E. Grieco (2003), Women and Migration: Incorporating Gender into

International Migration Theory. Migration Policy Institute: Migration Information

Source. Washington, D.C. March.

Gomes, Rita (2014), “20 Anos da Associação”, in Aguiar, M., Guedes, G e Santiago,

A., (Orgs.), Entre Portugueses. Associação Mulher Migrante, Cooperativa Gráfica de

Espinho.

Guide on Gender-Sensitive Migration Policies, 2009. Organization for Security and Co-

operation in Europe (OSCE). Disponível em: http://www.osce.org/node/37228

Relatório – Mulher Migrante. Agente de Resistência e Transformação (2014), Brasília:

CSEM.

Rocha-Trindade, M.B. (2010) “Associativismo em Contexto Migratório” Revista

Migrações, Nº 6, Número Especial – Associativismo Imigrante, Horta, A.P.B. (Org.),

ACIDI, OI.

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