domingo, 7 de dezembro de 2014

A Associação Democrática: Mulheres no Palco Político

Dra. Aida Jordão

Universidade de York, Toronto

Este breve artigo é baseado numa apresentação de fotografias e texto dramático no Colóquio

“Vivências da Democracia na Diáspora”, Universidade de Toronto, 14 de Outubro, 2014.

A minha vivência numa associação luso-canadiana que se destacava pela sua dedicação a temas

políticos, e ao desenvolvimento da participação política de portugueses em Toronto, marcou-me

profundamente. A Associação Democrática, como sempre foi conhecida entre luso-canadianos,

e oficialmente intitulada, Portuguese-Canadian Democratic Association (PCDA) e, mais tarde,

Portuguese-Canadian Community Centre, teve um papel dinâmico e emancipador para as

mulheres de língua portuguesa em Toronto.

Este breve artigo retrata algumas actividades políticas e culturais dos anos oitenta e noventa que

documentam a participação feminina de activismo e voluntariado na PCDA. O título, “Mulheres

no Palco Político,” ilustra este tema: mesmo numa comunidade que geralmente obedecia aos

costumes patriarcais da terra natal, na Associacão as mulheres podiam ter um lugar central na

vida política. Muitas de nós fomos directoras – da minha família eu e a minha irmã seguimos o

exemplo da nossa mãe Edilia Jordão – dando a nossa voz, demonstrando a nossa creatividade,

organizando eventos culturais, e sobretudo, participando nos círculos progressistas de Toronto.

As que não tiveram a oportunidade de se manifestarem democraticamente no Portugal fascista

que deixaram, juntaram-se à Associação para celebrar a luta pela liberdade. Ao longo dos

cinquenta anos de actividade (1957 a 2007), a Associação foi frequentemente liderada por

mulheres – entre elas Conceição Baptista, Maria José Seita, Marília dos Santos e Lourdes

A questão da voz é central à emancipação da mulher e não é por acaso que a imagem mais forte

da Associação que permanece comigo é a de uma mulher no palco com o microfone na mão a

discursar, a ler um poema, a contar uma história, a divulgar notícias, a incentivar a participação

democrática, a liderar sessões de esclarecimento (sobre a educação, as eleições, etc.), enfim a

manifestar-se como cidadã numa democracia. A participação das mulheres da Associação não

se limitava à sede da College St. (a casa da PCDA durante mais ou menos 20 anos): levavam o

nome da democracia portuguesa a muitas manifestações progressistas como as marchas da paz

nos anos oitenta e o Dia Internacional da Mulher no princípio de Março de cada ano. E assim,

como saíamos à rua para levantar as vozes contra a injustiça e a oppressão, também abríamos as

portas às irmãs na luta. Tivemos a oportunidade de ouvir as vozes de militantes na vida político-
cultural em Portugal, como Luísa Bastos e Maria Guinot, e presidentes de câmaras municipais,

representantes sindicais, e as activistas do Movimento Democrático das Mulheres.

Destaco especialmente a participação de feministas anglo-canadianas como a Company of

Sirens que adaptaram o espectáculo The Working People’s Picture Show em colaboração com

Conceição Baptista e Maria José Seita. Este foi o auge da minha participação democrática

na comunidade luso-canadiana. Como elemento artístico das Sirens (actriz, dramaturga,

animadora), a minha vida profissional e a comunitária juntaram-se neste espectáculo. Com as

companheiras da PCDA, escrevemos novos diálogos e monólogos que demonstraram bem o

objectivo das mulheres que pisaram o nosso palco político. Um dos diálogos foi sobre a questão

dos conselheiros de imigração que exploravam os imigrantes ilegais portugueses e ameaçavam a

integridade da comunidade.1

FRANCISCA: Mas tu vieste como imigrante?

ELVIRA: Não, Francisca, o pior é isso. Vim de férias e claro que não podia trabalhar,

não tinha cartão de trabalho, mas os meus primos levaram-me a um conselheiro da

imigração e ---

FRANCISCA: Ai, Elvira, sabes o que chamam a essa gente?

ELVIRA: Este é um grande ladrão, é o que é. Dei-lhe dois mil dólares – a bem dizer,

comprei um cartão de trabalho.

FRANCISCA: São uns exploradores.

ELVIRA: E já não sou Elvira – o nome no cartão é Antónia. Agora sou Antónia.

FRANCISCA: Isso é um perigo Elvira.

ELVIRA: Francisca, por favor, chama-me de Antónia.2

Como a PCDA esteve sempre em solidariedade com outras mulheres que lutavam pelos seus

direitos e manifestou-se na greve das trabalhadoras da limpeza do First Canadian Place, de Junho

de 1984, neste espectáculo, também escrevemos um monólogo alusivo à luta laboral. A voz da

personagem Maria da Fonseca, uma mulher que arriscou o emprego para lutar por um ordenado

igual ao dos homens com quem trabalhava, permaneceu no Working People’s Picture Show

durante anos para honrar as mulheres portuguesas sindicalistas.

MARIA DA FONSECA: Sim, tenho medo de perder este emprego. Tenho três filhinhos

e o meu marido trabalha na construcção – fica de lay-off quando o tempo está mau

 “For example, José Rafael was convicted in 1989 for counselling Roman Catholics to make refugee claims

on the ground of persecution as Jehovah's Witnesses in Portugal.” Submission On Immigration Consultants,

National Immigration Law Section of the Canadian Bar Association, June 1995, unpaginated. Web source: https://

www.cba.org/cba/sections_cship/pdf/95-14-ENG.pdf

 Excerto do Working People’s Picture Show na PCDA, Nov 29, 1986. Este espectáculo contou com a participação

de Aida Jordão, Conceição Baptista, Maria José Seita, Diana Braithwaite, Catherine Glen, Cynthia Grant, e Diane

Sokoloski. No colóquio “Vivências da Democracia na Diáspora” foi lido pela autora e Conceição Baptista.

e infelizmente não comemos só nos dias de sol. Mas não tenho medo de falar – esta

exploração do pobrezinho do imigrante tem que acabar. O Cadillac-Fairview aproveita-
se do nosso suor. Querem tudo limpinho mas não querem pagar -- $5.30 à hora é uma

miséria dum ordenado. Mas isto não fica assim. Somos muitas e lutamos juntas. 3

E terminávamos com um coro feminino entoando, “O povo unido jamais será vencido!”

Unidas na PCDA, criámos um espaço onde a mulher luso-canadiana ergueu a voz e dinamizou a

comunidade progressista de Toronto durante meio século. Hoje lembramos as nossa mães, irmãs

e companheiras que ocuparam e transformaram o palco político.

Por preferência da autora, este artigo está escrito de acordo com a antiga ortografia.

Dra. Aida Jordão é professora de Teatro e Estudos Portugueses na Universidade de York,

Toronto. A sua tese de doutoramento, “Inês de Castro in Theatre and Film: a Feminist

Exhumation of the Dead Queen,” reúne o feminismo, o teatro, o cinema e um tema mítico

português. Além da vida académica também trabalha como dramaturga e realizadora de teatro.

A sua peça Funeral in White foi publicada em Memória: An Anthology of Portuguese Canadian

Writers, Fidalgo Press, 2013.

 Excerto do Working People’s Picture Show na PCDA, Nov 29, 1986, representado pela autora.

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