Em Março de 1980, aquando da minha primeira visita aos EUA, partilhei com Adriano Seabra da Veiga e a mulher, Rita, que acabava de conhecer, e com o Deputado José Gama, já um “velho” amigo, um jantar festivo, calorosamente organizado pelos portugueses de Ludlow. No longo roteiro de cidades da costa leste, que então percorri, Waterbury era a que se seguia, e o Dr Veiga, Cônsul Honorário de Portugal no Estado de Connecticut, seria, nessa qualidade, meu anfitrião.
Sabia que ele era um eminente cirurgião, muito prestigiado no meio científico e na sociedade americana, uma verdadeira sumidade, que, nem por isso, deixava de atender, na sua clínica, todos os emigrantes portugueses, com a familiaridade de um médico de terra pequena, a quem todos recorrem, de quem todos dependem. Sabia também, pelo José Gama, ex-emigrante nos EUA, que na sua grande mansão, em Eastfield Road, tinha acolhido, sem olhar a cores políticas, o cantor José Afonso, exilados como o General Spínola, em breve passagem, e, em estadas mais prolongadas, Veiga Simão e Victor Crespo - seus colegas na Universidade de Coimbra– que, entre os amigos muito próximos se contavam Veiga Simão, Almeida Santos, António Maria Pereira, o Cardeal Medeiros, os Aldrich Rockefeller, Amália Rodrigues (a prima, casada com o Engº Seabra). Sá Carneiro também esteve em Eastfield Road (levado por AM Pereira) o tempo suficiente para converter o anfitrião ao PPD.
O Dr. Seabra da Veiga era, realmente, uma celebridade, movia-se no mundo americano e português, com igual naturalidade – um profissional de excepção, um cientista, um filantropo, um patriota, que serviu o país como Cônsul honorário, durante décadas. De Portugal, recebeu as mais altas condecorações, antes e depois do 25 de Abril, e nos EUA, a sua notoriedade era ainda maior.
Dados de conhecimento geral...Muito mais comecei a descobrir nessa viagem de carro, entre Ludlow e Waterbury - ou seja, a fantástica pessoa que dava vida a tão impressionante curriculum.
É impossível retratar Adriano! Nem vou tentar…Direi apenas que ele tinha uma graça espontânea, um humor muito coimbrão, moderadamente irreverente (como mandam as boas maneiras, quando as senhoras estão presentes), uma energia inesgotável, que o tornavam divertidíssimo, imprevisível e imparável. Qualquer novo projecto o entusiasmava, e não poupava esforços para o realizar em tempo “record” – posso falar, sobretudo, dos que respeitavam à emigração… A seu lado, estava uma mulher encantadora, suave e fleumática, sempre pronta a colaborar com tudo e com todos, a abrir a sua casa a reuniões e a constantes visitas de gente lusa - ela que é americana de origem canadiana francesa. Era, sem dúvida, a mulher ideal para Adriano e formaram uma família maravilhosa – três filhos (todos fluentes na língua pátria, tal como a Rita), e (anos mais tarde…) quatro netos. Ele adorava crianças e, também, como eu, cães e gatos – recordo-me de uma gata persa, muitos Yorkshire terriers, um São Bernardo. Tudo em paz, como no paraíso de que aquela casa parecia uma antevisão terrena
Para mim, a Rita e o Adriano tornaram-se família chegada, mais do que bons amigos - . Não sei quantas vezes estive com eles em Waterbury, em Lisboa, em Espinho…Em Waterbury, umas vezes como membro do governo ou deputada, outras em viagens privadas, mas com o indispensável envolvimento comunitário, porque havia sempre iniciativas para que me convocavam, através do dinâmico Cônsul Honorário. Antes do mais, para as festas do 10 de Junho, ano após ano…. Telefonava-me, peremptório: “Está convidada pela Comunidade e tem de vir, porque eles estão a contar consigo e eu já dei a notícia para os jornais”
Adriano não admitia recusas, quer se tratasse de projectos comunitários, quer de questões de saúde dos amigos – assim, por exemplo, se a visita fosse no Outono, ninguém escapava à vacinação contra a gripe. Eu até sou contra, mas ali, não escapava… Recordo-me do dia em que, juntamente com a Presidente do Instituto de Emigração Maria Luísa Pinto, no final de um Encontro do CCP, regressava, com ele, a Waterbury. Antes de seguir para casa, informou-nos que íamos passar pela sua clínica, onde a vacina nos esperava, mas, entretanto, encontrou por lá um doente, quis resolver-lhe o problema e esqueceu-se do nosso caso. A Maria Luísa e eu ficámos felizes… mas por pouco mais de meia hora... Ele deu conta do lapso, chamou, de imediato, uma enfermeira que apareceu em Eastfield Road de bata branca …e, assim, embora a contra-gosto, viemos da América devidamente protegidas contra todas as epidemias invernais…
Adriano, além de generoso, extrovertido e super activo, era, também, muito impaciente.
A morosidade irritava-o por demais – uma vez, numa portagem de auto-estrada, arrancou, apressado, com o seu potente Mercedes e derrubou (involuntariamente, para nosso gáudio!) uma daquelas barreiras que, depois de accionada pela recepção de moedas, levanta, devagar, devagarinho...
Um episódio entre mil, daqueles com que o lembramos, a sorrir, como ele gostaria de ser lembrado.
Adriano Seabra da Veiga deixou-nos, subitamente, no apogeu dos seus mais de 90 anos.
Telefonei-lhe poucas semanas antes, para conversarmos – mantinha toda a alegria de viver, o ânimo, a preocupação com os amigos, o interesse por Portugal.
Maria Manuela Aguiar
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