DUAS PERGUNTAS A FILOMENA FONSECA
1.Voltando à
velha questão que se coloca em vários domínios artísticos: escrita, pintura e
escultura : será a manifestação artística marcada pelo género? Qual a sua
opinião ?
No âmbito artístico, o
género insere-se no processo de questionamento da grande presença de nomes
masculinos na História da Arte e disciplinas afins. Um mundo onde só os homens eram chamados a exercer
profissões ligadas aos vários tipos de arte, enquanto a ocupação doméstica era
tipicamente destinada à condição da mulher.
Tal como no mundo do trabalho em
geral, o preconceito latente, da mulher não ser vista como ser pensante, era o
grande impedimento para a sua inserção no mundo das artes.
À medida que foram
criadas pontes de diálogo com o universo feminino dentro do universo artístico,
as mulheres deixaram de ser simples musas e passaram a ser também artistas
criadoras. Mas poucas
mulheres lograram atingir algum reconhecimento artístico, num mundo totalmente
pensado e dirigido por homens.
O movimento feminista e a criação de
um programa académico de arte feminista na América, fez desenvolver o
pensamento e a produção artística. A luta feminina pela sua imposição nas
artes, foi contribuindo para a conquista de uma paridade para com os artistas
masculinos, apesar das dúvidas que sempre suscitavam. Um caminho árduo e
difícil que se foi abrindo.
Através do movimento das mulheres,
surgiram novas perspectivas, questionando a subjetividade de ambos os sexos e
outras inquietações evidenciadas na diversidade de linguagens, presentes na
arte contemporânea, não importando qual o sexo que a possa executar.
Podemos então afirmar que agora estamos
mais em pé de igualdade com os homens artistas, havendo até uma grande proximidade
de ideais comuns. A arte obedece às mesmas leis que qualquer outra atividade
livre do espírito, desafio em que muitas vezes as mulheres superam os homens,
provando, assim, suas capacidades outrora tão escondidas ou mesmo
desvalorizadas. Hoje a mulher tem o privilégio de tudo poder questionar e
explicitar qualquer tipo de sentimento sobre as coisas e as suas expectativas.
Uma abertura total na relação da sua arte com o mundo que a rodeia.
2. Até que
ponto sente que a sua expressão artística tem contribuído para a defesa dos
direitos humanos, em especial dos direitos das mulheres, pela defesa da
igualdade de género?
Desde a infância, me apercebi das
dificuldades de muitas mulheres em conseguir autorização dos pais ou maridos para
estudar, trabalhar em algumas profissões ou seguir as carreiras que tanto
ambicionavam.
Também eu, que já sentia inclinação
para a área artística, fui desviada no tempo, para um curso ligado à área dos
serviços. Só mais tarde, depois de atingir a maioridade e de me autonomizar, fui
capaz de enveredar pelo caminho das artes, satisfazendo assim a minha própria
vontade. Uma forma de liberdade a que tinha direito e assim dei início à minha dedicação
artística. Primeiro em part-time na área da pintura, depois a tempo inteiro, a
que juntei também o gosto pela escrita.
Através da expressão plástica, vou libertando
tensões e sigo as diretrizes dos meus próprios pensamentos. Extravaso ideias,
comunico intimidades. Incluindo na maior parte dos meus trabalhos a figura da
mulher, de modo mais ou menos explícito, tento exaltá-la através das formas,
das cores ou de expressões sensíveis ou dramáticas que denunciam alguma dor ou
sofrimento. Algo por vezes ligado a certos tipos de violência contra as
mulheres e onde, penso, haver ainda muito por fazer.
Também na escrita, em especial
através da poesia, tento desmistificar o valor e a transcendência da mulher na
sociedade e a sua luta pela defesa da igualdade de género.
Se a arte tem
o dever de denunciar os valores e problemas sociais do seu tempo, estas serão
as minhas formas de contribuir para a defesa dos direitos e reais interesses das
mulheres.
Nota: Junto abaixo um poema e duas
imagens de pinturas sobre a mulher, os quais, se assim o entenderem, poderão
ser acrescentados às minhas respostas ao questionário.
Desvalorização
Nas
aldeias
às
vezes sem dormir
as
mulheres esfregam o soalho
limpam
a casa
pensam
o gado
lavam
os filhos
e
cozinham exaustas
às
vezes
os
homens
esquecem-se
delas
outras
vezes
vingam-se
nelas
(in: “Os Degraus da Casa”)
FILOMENA
FONSECA
“Drama “-
Pastel s/ cartão-100x70cm
“Porquê
eu?”- Pastel s/ cartão-100x70cm
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