Rosa Maria Neves Simas, coord.,
(2014). A Vez e a Voz da Mulher. Relações
e Migrações. Lisboa: Colibri, 340 p.
O
livro A Vez e a Voz da Mulher. Relações e
Migrações, coordenado e organizado pela socióloga Rosa N. Simas, Professora
da Universidade dos Açores, foi editado pelas Edições Colibri em dezembro de
2014. O seu lançamento viria a ter lugar, no âmbito do VII Congresso Internacional
"A Vez e a Voz das Mulheres Migrantes em Portugal e na Diáspora:
Mobilidades, Tempos e Espaços", que decorreu na Faculdade de Economia da Universidade
do Porto (2015). Uma atividade académica que dá continuidade a um programa, oportunamente
lançado por Manuela Marujo, Professora da Universidade de Toronto. Sem a sua
persistência, capacidade de articulação institucional e qualidade de
relacionamento pessoal tal não teria sido possível.
O
tratamento de vários aspetos subordinados ao tema "mulher"
confere-lhe atualidade e as migrações, que continuam a ser objeto de interesse político
e científico, mantendo-se como um dos fenómenos sociais dominantes na cena
internacional, merecem uma atenção privilegiada. O tema cuja amplitude permite
albergar, várias aproximações, reflete observações e interpretações
diversificadas selecionadas pelo critério de uma comissão científica que integrou
docentes de diversas universidades.
Coube
à organizadora escolher os subtemas dos seis capítulos que o constituem, de modo
a que não existisse sobreposição de assuntos mas antes articulações de natureza
complementar.
No
primeiro, "Vozes de Mulheres: Da Oralidade à Escrita", seis artigos
traduzem não só a oralidade que exprime o pensamento e o sentir de quem se
pronuncia como a forma escrita que os consagra.
Roseli
Boschilia ("Memória e Subjetividade: As Venturas e Desventuras de uma
Emigrante Portuguesa") fala de deslocações intercontinentais e refere as
reações e os sentimentos de uma migrante - Maria de Nazaré. As trajetórias por
ela realizadas, registadas na sua memória, foram transmitidas segundo as regras
da metodologia de pesquisa designada como "história oral".
Sângela
Hilarino analisa os "Múltiplos Olhares de uma Imigrante Negra em
Portugal". O trabalho que pode ser considerado um "estudo de
caso" traduz a experiência de uma cabo-verdiana residente no país, expondo
os problemas decorrentes do processo de adaptação.
A
jornalista Nita Clímaco que hoje já muitos esqueceram ou mesmo desconhecem
distinguiu-se no panorama literário português sobre a migração intraeuropeia. "Quando
a Literatura Retrata a Diáspora Portuguesa em França" de Isabelle S. Marques
reabilita a sua memória e permite lembrar como o romance pode constituir um
poderoso auxiliar para a reconstituição da sociedade que lhe serve de pano de
fundo.
O
percurso de "Ana Fontes: Uma Vida Suspensa de Muitas Pontes", por Maria
A. C. Baptista dá conta da mobilidade que marca o percurso de uma mulher à
frente do seu tempo. O pendor poético que caracteriza esta artesã mariense encontra-se
patente em cadernos manuscritos que a autora procurou trazer à luz do dia.
Cassilda
T. Pascoal em "Quem tem Medo de Alice Moderno" equaciona a vida pouco
convencional de uma notável açoriana que recusou sempre o papel secundário imposto
pela sociedade da sua época. Dedicada a causas sociais deixou um importante
legado reconstituído pela autora.
A
conjugação do mundo natural com o cultural é analisada em "Frances Dabney
e Samuel Longfellow: A Natureza dos Açores numa Perspetiva Feminista e
Ecocrítica", de Rosa M. N. Simas. O encadeado temático e a ilustração apresentados
enfatizam o impacto da envolvência da natureza dos Açores em dois jovens
artistas norte-americanos induzindo o leitor a vivenciá-la.
O
título "Comunicação: Da Carta à Internet" atribuído à Parte 2, com
textos de Maria Izilda Matos, de Isaura Ribeiro e de Ana M. Diogo, explicita claramente
o alinhamento escolhido, incidindo sobre a diversidade dos processos de
comunicação.
"Elos
de Tinta e Papel: A Presença Feminina na Correspondência entre E/Imigrantes Portugueses"
debruça-se sobre as missivas que sempre constituíram ponte transmissora de
notícias e de sentimentos. Para conhecer as deslocações que ocorreram entre a
sociedade de partida e a de acolhimento, relacionando passado e presente, foi
utilizado um diversificado e valioso suporte escrito que integra não só as
cartas de chamada como as cartas pessoais.
"A
Presença da Mulher na Internet", cuja introdução e evolução altera
drasticamente a vida em sociedade, teve por base um estudo bibliográfico
aprofundado, permitindo à autora trabalhar sobre resultados disponíveis que
tiveram em conta as competências adquiridas, a regularidade do acesso, a
construção de blogues e a presença nas redes sociais.
"As
Mães no Uso das Novas Tecnologias pelas Crianças: Protagonismo Feminino num
Universo Masculino" revela a relação que ocupam os alunos no mundo digital,
relacionando o contexto familiar de onde provêm e o espaço social onde se
inserem com o grau de sucesso escolar atingido.
Os
textos incorporados na Parte 3, de temática e abordagem muito diferentes,
contemplam o tema: "Tradições, Artes e Saberes". Carmen Ponte lança
um olhar de grande interesse sobre "A Questão do Género nas Romarias Quaresmais
de São Miguel". A figura feminina enquanto romeira, que nos é dada a conhecer
através das histórias vividas e cantadas pela literatura e pela arte, relatam um
riquíssimo conjunto de testemunhos escritos e orais graças à investigação
realizada.
Seguem-se
as apresentações de Ilda Januário e Manuela Marujo sobre a comunidade
portuguesa imigrada no Canadá. "Coroa e Bandeira: Mulheres e Homens nas
Festas do Espírito Santo no Canadá", seleciona dois elementos fundamentais
do culto próprio das Festas como objeto de estudo que não poderiam ter sido
tratados de melhor forma. No quadro da religiosidade popular são assinaladas as
expressões, as críticas, a discrepância e proibições resultantes de uma política
tradicional que conseguiu reduzir ou quase excluir, a participação do sexo
feminino nas Romarias do século XX.
"Artes
e Saberes Artesanais das Imigrantes Luso-Canadianas: Que Futuro?" reconhece
no âmbito do quadro da arte popular a importância dos artesãos e das artesãs
que conjugam memórias herdadas de uma infância, que teve lugar em espaços
diferentes, com as práticas do viver atual. De entre as vertentes que pode assumir
este tipo de trabalho, é dado relevo à função que ocupa como atividade
profissional ou como terapia emocional. Por fim, é aberta a perspetiva de
preservar a existência do trabalho artesanal através de acervos relacionados
com a história da comunidade local.
"Retratos
de Mulheres: Da Música à Escrita" integra quatro textos relacionados com
práticas artísticas femininas dando a conhecer a potencialidade oferecida pelos
discursos musicais, pela imprensa local ou por revistas femininas.
Em "Os
Discursos (Re)Produzidos sob o Género Feminino na Música" Iran L. Nunes e
Walkíria Martins, prestam uma particular atenção aos elementos relacionados com
as representações sociais de letras musicais. A reflexão final traz a lume a
carga transportada pelas práticas discursivas que muitas vezes sendo tratadas
como "inocentes" transportam afinal opiniões e conceitos sobre formas
de ser, de agir e de pensar.
Posteriormente,
veja-se como 137 peças do jornal Açoriano Oriental e 71 do Correio dos Açores
constituíram o corpus sobre o qual
recaiu a análise feita por Ana C. Gil e Dominique Faria. "Representações
da Mulher na Imprensa Regional Açoriana: O Caso Açoriano Oriental e do Correio
dos Açores" dá a conhecer a forma como tem sido representada nos artigos
publicados, raramente assumindo um lugar central no texto noticioso.
"Representações
das Mulheres na Deportação" ressalta as considerações feitas à capacidade
de apoio e suporte prestadas aos membros da família e as consequências de que
são vítimas as mulheres se tal acontece a alguém a que se encontrem ligadas. A
pertinência e atualidade do tema tornam particularmente oportuna a publicação do
artigo de Ana T. Alves.
Leonor
S.Silva, baseia em três pressupostos o artigo "Gatas Borralheiras
Emancipadas? Representações de Mulheres em Duas Revistas Femininas
Portuguesas". A persistência de idênticas prioridades temáticas nessas
publicações confirma-as como elemento cultural. Entre crítica e fascínio, o
resultado reconhecido a este tipo de revistas é o de papel apaziguador de
muitas das tensões existentes na atualidade. Todo o trabalho desenvolvido foi
apoiado em obras da especialidade, que revelam a cuidada preparação que precedeu
a sua elaboração.
"Violência:
Do Espaço Familiar à Prisão" - Parte 5 - integra quatro artigos que fazem
confluir a preocupação dos autores em relação a um assunto com uma configuração
muito própria. Como vítimas ("As Mulheres Enquanto Vítimas de Violência: O
Caso de São Miguel no Século XIX"); confrontando o amor e o crime ("Espaços
de Amor e Crime: Violência Doméstica em Lídia Jorge e Inês Pedrosa");
antevendo a mudança no devir ("Perspetiva sobre o Futuro em Mulheres com
Experiência de Violência Conjugal") e o meio familiar em situações
particulares de isolamento ("Reclusão Feminina e Processos de
Reconfiguração Familiar") revelam uma preocupação marcante pelos ambientes
e formas abusivas de relacionamentos.
Susana
Serpa situa-se na sociedade micaelense do séc. XVIII e os dados apurados
estendem-se até ao início do séc. XX. Sem deixar de fazer uma síntese da
matéria exposta, reflete sobre o silêncio que em regra recai sobre o mundo do
crime e da violência.
Deolinda
Adão lança um olhar sobre a violência doméstica a partir das perspetivas de
duas grandes escritoras portuguesas. Conclui mostrando como o problema da
violência doméstica é ainda grave no país, justificando o que sobre ele tem
sido escrito e o interesse que pelo seu tratamento têm mostrado muitos
investigadores na área das Ciências Sociais.
Suzana
Caldeira e Graciete Freitas colocam questões em torno da rutura de relações
abusivas e remetem o leitor para a rica bibliografia citada, dando a conhecer como
o tema tem sido amplamente tratado. Uma breve nota metodológica conduz às vias
e aos instrumentos de pesquisa que foram escolhidos, o que constitui uma
mais-valia para a interpretação dos resultados apresentados.
Rafaela
Granja, Manuela Cunha e Helena Machado meteram mãos ao tratamento da
"Reclusão Feminina e aos Processos de Reconfiguração Familiar",
abordando os impactos sócio familiares resultantes da privação de liberdade. As
implicações advindas da situação de reclusão constituem a síntese de um artigo
muito rico e inovador no quadro português de análise social.
A
Parte 6, "Migração, Trabalho e Qualificação", coloca novamente em
destaque o contexto migratório.
Natália
Ramos, escreve sobre "Género, Identidade e Maternidade em Famílias na
Diáspora"). É lembrada, mais uma vez, como a fuga à pobreza e a falta de
oportunidades, associam situações de violência e de opressão existentes tanto
ao nível comunitário como no interior das próprias famílias. Em destaque, o
tratamento das políticas e estratégias migratórias no que toca à integração, ao
desenvolvimento e ao bem-estar. A formação pioneira que detém na área do
intercultural encontra-se claramente refletida na exposição temática
apresentada.
A
introdução de Conceição P. Ramos no artigo "Migrações Qualificadas
Femininas: Desafios e Oportunidades" transporta-nos a considerações de
caráter geral que colocam as migrações no seio do crescente movimento de
globalização dando lugar a importantes mudanças de natureza qualitativa. Como
última proposta a autora aponta sugestões que podem ser desenvolvidas no âmbito
de um melhor aproveitamento da mobilidade, tendo em conta o incremento
científico cultural e económico e o aumento dos fluxos migratórios
internacionais qualificados.
"A
Arte de Ser Maria: Histórias de Trabalho, Histórias de Vida", de Lená M. Menezes,
lança um rápido olhar que contempla a evolução das migrações naquele país e centra
a sua atenção sobre o Estado do Rio de Janeiro. A composição dos fluxos, desequilibrada
em termos de género e também menos conhecida ao nível dos estudos ou
comentários feitos sobre as mulheres, dá-lhe ensejo de procurar reunir um
conjunto de reflexões cujo interesse é indubitável. Toda a informação colhida
em trabalho de campo permite seguir os percursos pessoais e profissionais dos
entrevistados que, embora representando uma escolha intencional, ilustram de
forma muito rica as suas histórias de vida.
As
duas autoras do texto "As Mulheres que Trabalham com Fios: Conhecimento
Forjado desde as Margens", encerram o livro com chave de ouro. Amanda Castro
e Edla Eggert apresentaram os resultados da pesquisa realizada sobre a
tecelagem manual no Estado de Minas Gerais. A atividade artesanal referida
encontra-se mapeada e presente em cerca de um quarto dos seus municípios,
mostrando a importância que aí assume tal atividade. Trazer para o campo de
estudos femininos a produção de tecelagem cria um espaço de debate que permite
equacionar várias perspetivas e avaliar o grau de valorização que sobre ela
recai.
Ao ter
assistido presencialmente ao Colóquio que criou o espaço formal para a
apresentação das comunicações aqui referidas e após ter lido o livro que
consagra o seu conteúdo e o faz permanecer na memória, necessário se torna
felicitar a organizadora. Embora a sua generosidade e companheirismo a tivessem
feito referir o nome de quem lhe prestou colaboração, a ela é devido o trabalho
essencial que tornou possível a edição do livro agora analisado.
Não
constitui um trabalho fácil selecionar e reunir textos de trinta autoras de
formação académica diferente, que tratam assuntos de natureza diversa, procurando
agrupar cada uma das contribuições sob a cobertura de um só tema cuja
abrangência seja capaz de as intitular. A escolha do nome de cada uma das
Partes, que quase constituindo uma introdução, fazem antever o conteúdo de cada
um dos textos publicados, proporcionando uma justa cobertura temática que sem
criar fronteiras rígidas e tendencialmente limitadoras consegue criar espaços
capazes de albergar contribuições diversas. As autoras conseguiram fazer chegar
até nós histórias de mulheres que sem constituir representações estereotipadas
podem ser consideradas como casos-tipo, ajudando a compreender a diversidade e
extensão de uma tão vasta problemática. Todo este material constitui um valioso
acervo documental que muito contribui para o avanço do conhecimento no campo
dos estudos sobre a mulher.
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