domingo, 5 de janeiro de 2014

Colóquio no RECIFE Palavras de Mª Manuela Aguiar

Estamos a partilhar momentos históricos neste admirável salão nobre do Gabinete Português de Leitura de Recife, porque falar de "expressões femininas da cidadania" numa grande e tradicional instituição das comunidades portuguesas do Brasil é um feito inédito. Estamos, certamente, a abrir um caminho longo, a que não vão faltar os caminhantes. E é excelente que o possamos fazer em conjunto, em reunião de representantes do Estado e da sociedade civil, brasileiros e portugueses, mulheres e homens de várias idades, todos olhando a realidade das migrações, das mulheres na sociedade de hoje, com uma mesma vontade de reinventar as formas de lhes assegurar, concreta e individualmente, o seu " direito de cidade".
O Brasil é um dos países do mundo onde, nas últimas duas décadas, as cidadãs, mais rapidamente e com mais naturalidade, ascenderam a altos cargos políticos, mas nem por isso podemos dizer que, aqui, como no resto do planeta, a questão de género está resolvida. Na verdade, não está.
Mas que o Brasil se tornou um paradigma de abertura da política às mulheres, também é verdade!
E, por isso, se torna particularmente anacrónica a falta de participação feminina nas diretorias das mais prestigiadas organizações da comunidade portuguesa, como salienta. na sua mensagem, o deputado Carlos Páscoa..
 Sabemos bem que o movimento associativo dos portugueses no Brasil é, no universo da emigração nacional, não só o primeiro, mas também o mais grandioso. Como tantas vezes disse, por todo o lado onde deveres de ofício me levaram, reconheço o mérito de tantos emigrantes portugueses, que se destacaram pela sua obra individual, mas maior é ainda, embora seja  menos referenciada e reconhecida, a sua obra coletiva - no Brasil corporizada em Gabinetes de Leitura, Beneficências, Hospitais, Clubes. Uma obra monumental!
No novo século, marcado por um recomeço das correntes migratórias para o Brasil novas perspetivas se abrem a este admirável universo institucional, o que, claramente exigirá o envolvimento das mulheres e dos jovens.  Por isso,  o Secretário de Estado Dr José Cesário vem lembrar, nas palavras de saudação que nos enviou, o papel das mulheres, qualificando-o como "absolutamente decisivo".
Entre as várias razões que explicam um quadro geral de exclusão feminina na cúpula do nosso associativismo no Brasil estarão carater predominantemente masculino da emigração portuguesa, até  meados do século XX ( muito embora a proporção de mulheres viesse a crescer bastante desde o começo do século, contrariando as políticas limitativas com que o Estado Português tradicionalmente o sexo feminino)
Em meados de novecentos, finda o longo ciclo das partidas para o Brasil, e principia o da Europa  e de outros destinos transoceânicos (Venezuela, a África do Sul, a Austrália -  de novo, a dispersão universal...).
Por todo o lado, o movimento associativo dessas comunidades emergentes, tal como o das antigas, fortíssimo e multifacetado na sua vocação de se substituir à ausência de ação do Estado português,  mantém a sua feição masculina...
Todavia, "metade feminina" ( atingiu-se, nesta nova fase o equilíbrio de género, embora, em regra, através das medidas de reunificação familiar)  veio a revelar-se tudo menos passiva ou marginal. Os primeiros estudos sociológicos realizados em Paris sobre as portuguesas, em 80 e 90, traçam um quadro muito diverso do que se antevira - as emigrantes, vindas de meios rurais para grandes cidades, haviam conseguido adaptar-se melhor do alguém poderia imaginar, tinham sido o esteio da  integração familiar e alcaçado um novo estatuto dentro e fora de casa. O acesso a trabalho remunerado, regra geral no setor dos serviços, o melhor domínio da língua, e com ele, a capacidade de melhor interagir na sociedade de acolhimento, explicam o fenómeno. A verdade é que a emigração foi para toda uma geração de emigrantes portuguesas - mesmo para as menos qualificadas profissionalmente - uma via de emancipação. Na emigração da segunda metade de século XX, quase todos ganharam. Eduardo Lourenço, ele próprio um expatriado em França, e um dos nossos mais prestigiados e queridos intelectuais, chama-lhes "uma geração de triunfadores". Podemos, com segurança, escrever a frase no feminino.
Na geração seguinte, a grande surpresa é o número de luso-francesas envolvidas na política local, que mantêm ligações com o nosso país. No Brasil, ao pensar em exemplos de participação política, logo me ocorre o nome de Ruth Escobar, a portuguesa que, ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos, se candidatou e foi a 1ª Mulher eleita à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. No Rio de Janeiro, igual pioneirismo protagonizou, como Secretária do Governo do Estado, a médica Manuela Santos, que, mais tarde, seria a primeira representante eleita no Brasil ao Conselho das Comunidades Portuguesas
 Sinais indicativos de que, no Brasil como  em França, terá sido bem mais conseguida a ascensão das emigrantes nas sociedades de acolhimento do que no mundo conservador e masculino do associativismo.
A AEMM, consciente desta evolução assimétrica, na generalidade dos países, tem concentrado os seus esforços na mobilização das mulheres para uma participação de vanguarda nas comunidade portuguesas, a fim de que as convertam em espaço de expressão da cidadania e as expandam, com a inclusão de grupos marginalizados, invertendo a tendência para o seu declínio, que tantos profetizam e justamente  receiam.
Vemos o associativismo feminino, essencialmente, como um instrumento para viabilizar, a prazo, a participação paritária nas organizações das comunidades da diáspora. E encorajamos as novas formas, criativas, que vem assumindo. Penso, sobretudo, em iniciativas que se projetam na internet (por exemplo, o grupo "Marias, corações de Portugal" , surgido na da Alemanha), em tertúlias, que combinam a vertente lúdica com a beneficente ou cultural, caso das Universidades ou Academias Seniores, (que se multiplicam do Canadá à Argentina,, da Alemanha à África do Sul), ou das Academias da Espetada, em  grande crescimento nas comunidades madeirenses da Venezuela e África do Sul ( a "espetada é um prato típico madeirense). Nesta corrente inovadora se inclui, com toda a originalidade, e um jeito bem tropical,  a  "Folia das Deusas". justamente porque tão bem concilia o tempo de festa, e o tempo de ação solidária.
 A parceria que agora iniciamos com  a "Folia das Deusas" vai, certamente, continuar. Foi a
  
 Drª Berta Guedes Santana quem nos convidou a vir ao Recife. Depois do sucesso desta iniciativa, somos nós que a vamos convidar a ser  a nossa representante em Pernambuco, a participar nos nossos projetos - a criação de Academias Séniores de Artes e Saberes, a recolha de narrativas de vida,  as tertúlias literárias, as mostras  artísticas, as várias modalidades de "congressismo"  em que  denunciamos discriminações, a mobilizamos mulheres e homens para a vivência paritária da cidadania, no associativismo e na política. 
De tudo isto se falou neste dia inesquecível, com Mulheres Brasileiras e Portuguesas do Recife, que em diversos campos, (até no do associativismo tradicional, como o provam as dirigentes do Hospital Português que integram o painel de oradores) são admiráveis expressões da cidadania no feminino.
A todos os amigos aqui presente, o meu "bem-hajam"
Não vamos dizer adeus uns aos outros.. Foi Agustina Bessa Luís quem, a fechar um outro memorável colóquio em que com ela participei, disse: "Como se termina um acontecimento feliz? Não terminando..."
Faço minhas as palavras dessa genial escritora, hoje aqui várias vezes  lembrada. Até sempre!

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