Chegamos
ao fim do Encontro Mundial de Mulheres Migrantes, sob o tema “Expressões
Femininas da Cidadania”, com o alto patrocínio do Secretário das Comunidades
Portuguesas, cujas palavras inspiradoras foram incentivo para a criação de
laços e pontes nas e entre as comunidades para que os projetos inovadores
cresçam e se concretizem! É tempo agora de apresentar umas breves notas finais deste
encontro tão intenso. Intenso pela abrangência dos conteúdos, versando múltiplas
facetas femininas da cidadania, intenso pela pluralidade de participantes, nacionais
e internacionais, representantes de várias comunidades portuguesas espalhadas
pelo Mundo, bem como de países de expressão portuguesa. Todos foram convocados
para a reflexão e diálogo aberto e produtivo. Foi esta a melhor maneira de
celebrar os 20 anos da “Mulher Migrante – Associação de Estudos, Cooperação e
Solidariedade”, duas décadas de atenção às migrações
portuguesas, especialmente no feminino, e o reconhecimento e incentivo à
capacidade de afirmação e influência das mulheres nos destinos que partilham
com os homens nas comunidades portuguesas do estrangeiro e do papel destas na
divulgação da identidade e da cultura portuguesa.
No tocante à dimensão das mulheres na política foram
confrontadas experiências de outros países. Os testemunhos marcantes de
mulheres que venceram na carreira política nos países de destino,
apresentaram-se como mulheres de referencia, dado que, nesta área, tal como no
mundo empresarial e nos órgãos de decisão é ainda muito pouco significativa a
sua presença. Destacou-se a importância do trabalho de voluntariado como
alavanca para a participação feminina na política.
Esteve
em debate a questão da paridade e alguns efeitos positivos da aplicação das
quotas embora as restrições e incumprimentos na sua aplicação mereçam uma maior
reflexão, após ter passado o período de aplicação experimental. As mudanças que
se têm operado na emigração onde há mais igualdade entre géneros se bem que
mais visível na área cultural e cívica podem ser indícios para mudanças mais
significativas pois esta poderá ser a alavanca para as outras dimensões.
O papel da sociedade civil, através das
associações revelaram-se verdadeiras embaixadas capazes de representar o todo
na origem e no destino. Ouvimos
testemunhos do seu papel junto das comunidades portuguesas espalhadas pelo
mundo, com dimensões abrangentes: na transmissão da imagem de Portugal; de solidariedade;
na vanguarda da defesa dos direitos dos cidadãos migrantes; na integração em
novos contextos; no combate ao isolamento num país diferente; na afirmação da
língua e cultura portuguesa e, mais recentemente, no auxílio socioeconómico
face à crise severa e insegurança extrema em países como a Venezuela. De
destacar ainda os testemunhos sobre a interligação com outros movimentos do
país de acolhimento na luta por causas comuns. Nas atividades das associações, outro
aspeto da sua dinâmica foi revelada, pela recente criação das universidades seniores
nas comunidades, designadas por ASAS (Academia sénior de artes e saberes).
Foram apresentadas novas formas de
associativismo – as casas da cidadania, configuradas para o novo rosto do fluxo
migratório: mais jovem, com a presença de mais mulheres, com maior nível de
formação, leque diversificado de interesses culturais e profissionais. Também
foi destacado o papel das Associações e do Observatório dos Lusodescendentes em
Portugal com uma missão inovadora e muito abrangente.
Sobre
o empreendedorismo, construído essencialmente no masculino, assiste-se a um
novo paradigma, presente na mensagem forte e positiva do empreendedorismo
cultural, palco onde as mulheres das artes se reinventam, recriam e lutam por
causas nobres. Testemunhos diversos mostraram-nos a capacidade das mulheres no
mundo empresarial e a necessidade de aplicação de estratégias de coaching e mentoring para garantir a entrada no mundo empresarial com sucesso.
O exemplo das mulheres guineenses como forma de combater a crise e assegurar o
apoio familiar foi inspirador desse empreendedorismo no feminino.
Outra dimensão, remeteu-nos para o conhecimento
da diversidade do fenómeno migratório português, conduzindo-nos a uma melhor
compreensão. Transvasar as fronteiras do mundo académico e fazê-la chegar a um
público mais abrangente foi o objetivo do painel “Migrações e Migrantes”,
através de vários discursos (religioso, associativo, de representação, literário),
onde oradores especialistas nos apresentaram, de forma complementar, as várias
vertentes do poliedro migratório. Hibridação do Feminismo e o Estudo da
Migração é a marca da nova corrente
do estudo do género e, neste Encontro Mundial, a combinação dos termos “mulher”
e “migrante” é exemplo disso mesmo, ou seja, reflexo do hibridismo académico e
da interdisciplinaridade na investigação.
A Exposição coletiva de pintura - "Mulheres d'Artes
em Movimento" apresentou-se através de trabalhos criativos (pintura e
poesia) e pelo diálogo entre artistas e convidados. Este momento, juntamente
com e os painéis sobre Artes e Letras foram pontos altos
deste Encontro, onde estas formas tão intensas de expressão de
cidadania no feminino foram apresentadas
através das obras expostas, estudos académicos e ainda por
histórias de vida. As vivências, aprendizagens culturais e
interações dos países de origem e de destino resultaram propícios para o
desenvolvimento das artes e das letras. Foi destacado o contributo das mulheres
intelectuais para as mudanças do meio cultural e na luta pela igualdade.
Transportou-se para ribalta, trajetórias identitárias de mulheres que, até agora,
estiveram nas margens, caso de Ana Fontes, Regina Pacini e Maria Inácia Cotta
Menezes. Também o papel da língua, fator de identidade cultural, a sua evolução
constante, os vários domínios, tipos de texto e discurso foram alvo de
destaque. Foi relevada a importância de conhecer a perceção que os alunos
lusodescendentes do ensino superior, em França, têm da sua língua. Seguiu-se a apresentação do projeto desenvolvido pela
Rhode Island College em parceria com a Fundação Pro Dignitate – Fundação dos
Direitos Humanos. Nestes painéis as comunicações desenvolveram-se a partir de
expressões simbólicas e metafóricas, de pontes que invadem o nosso imaginário e
que nos levam tão longe, e que a artes (música, pintura) e as letras tão bem
traduzem. Como disse o poeta Adolpho Rossé, citado pela pintora Ana Maria: “Não
é a cotovia que canta, é o pássaro cor do infinito!”.
No último painel “Narrativas de vida, imagens
e imaginários”, desfilaram trajetórias de vida, através de estudos académicos
onde imagens e estereótipos emergiram do filme Gaiola Dourada, a trajetória das
mulheres marroquinas em Espanha, o estudo das mulheres portuguesas
empreendedoras em Andorra e ainda um testemunho de vida na primeira pessoa.
Todo este conjunto de intervenções ajudaram-nos a conhecer a realidade das
problemáticas das migrações onde as narrativas de vida surgem enquanto poder e
as novas epistemologias como formas de construir o conhecimento.
Mas o mais importante de tudo, citando as palavras sempre
inspiradoras da Drª Manuela Aguiar “ É tempo de traçar as grandes linhas do
movimento, da marcha coletiva para o futuro”. Começaremos por indicar algumas
das ideias e sugestões apresentadas ao longo do Encontro, a saber:
- Solicitar junto
da Assembleia da República a revisão da Lei da paridade;
- Suscitar a todos os partido políticos a elaboração de
estratégias de seleção e recrutamento que visem uma melhor integração das
mulheres na política, nomeadamente, a sua colocação nas listas, em lugares
elegíveis;
- Estimular a criação de Associações – Casas da Cidadania;
- Maior apoio estatal ao ensino da língua portuguesa e
cultura da lusofonia nas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e aos lusodescendentes
em Portugal;
-Promoção da imagem de Portugal com o incentivo de novas
formas de empreendedorismo no feminino;
- Promoção no
estrangeiro da imagem da forma de ser português como uma forma muito própria de
estar na vida, através da educação formal e sensibilização;
- Incentivo às
novas formas de associativismo para dar resposta ao novo fluxo migratório com
novos contornos;
- Integração de
membros da comunidade de destino nas associações como forma de interligação;
- Reconhecimento e valorização das novas associações de
acordo com a sua relevância. Atribuição de verbas resultantes das receitas
consulares para desenvolvimento de estratégias e apoios, mesmo de caráter
social;
- Apoio às confederações de associações de cada país para
que possam reunir e trocar experiências;
- Maior apoio às associações para apoio em diversos domínios
pelo facto de ter havido redefinição da rede consular e redução do número de
funcionários;
- Solicitar atenção especial às comunidades portuguesas
que vivem uma profunda crise económica e graves problemas de insegurança, caso
da Venezuela;
- Promoção e incentivo a estudos sobre empreendedorismo
da diáspora, no feminino, e do universo dos lusodescendentes para melhor
conhecimento destas realidades;
- Desenvolvimento de parcerias através de estratégias de coaching e mentoring para promoção do sucesso
empresarial das mulheres;
- Reforçar o apoio ao Observatório da Emigração e dos
Lusodescendentes e agilizar as redes de contacto nas e entre as comunidades;
- Maior incentivo
e divulgação das expressões de cidadania através das artes e letras das mulheres
da diáspora;
- Apelar à
subscrição da Convenção 97, dos Direitos dos Cidadãos nos países de destino,
aos países que ainda não o fizeram, caso dos países africanos.
De significado relevante neste encontro,
no ano da celebração do 20º aniversário da Associação, foi o tempo de memórias,
presente na homenagem a duas mulheres notáveis, escritoras, vanguardistas do
seu tempo e lutadoras dos direitos das mulheres na sociedade portuguesa, ambas
condenadas ao exílio, ambas referências do “feminino” no espaço da cultura: Maria Lamas, que
festejaria este ano 120 anos se fosse viva e Maria Archer a jornalista,
escritora e tradutora, felizmente já mais conhecida entre os mais jovens, com
destaque para o lançamento das publicações. A Associação também prestou, no emblemático espaço da Fundação Pro
Dignitate, Fundação dos Direitos Humanos, a justa homenagem a Fernanda Ramos, cofundadora
da Associação Mulher Migrante, através de testemunhos sentidos e plenos de
reconhecimento por membros diretivos da Associação, familiares e amigos,
reveladores da imensa grandeza desta mulher notável, empreendedora, verdadeira
matriarca,“moderna em seus atos, pensamentos e conselhos, mas
também incrivelmente conservadora em seus valores, conceitos e regras”, segundo
palavras de seu neto.
Por
fim, poderemos concluir, que este Encontro Mundial foi cenário para se
festejar, apresentar, refletir, questionar as muitas facetas femininas da
cidadania. Demos mais um passo na longa caminhada que temos pela frente, no
mundo da Diáspora e, em particular, da Diáspora no Feminino. Como disse o poeta,” o
caminho faz-se caminhando “ e nesta caminhada da Associação Mulher Migrante, encetada
por mulheres e homens com valores, lutadores de causas e desejosos de um mundo
melhor, estaremos todos mais confiantes no presente, mesmo apesar dos
constrangimentos, mas já com os olhos postos no futuro.
Lisboa, 25 de outubro 2013
Arcelina Santiago
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