segunda-feira, 30 de agosto de 2010

OS RAPAZES DE BARCELONA

22 3 DE SETEMBRO DE 2010
OPINIÃO
* Leitor residente nos Estados Unidos
OS RAPAZES DE BARCELONA & COMPANHIA LIMITADA
EDMUNDO MACEDO*
A Espanha e o Barcelona têm um
jogador tão pálido, tão pálido - de
sua graça Andrés Iniesta Luján, ou
simplesmente Iniesta -, que dá a
ideia de detestar o iodo e a praia
e se partir a tíbia ou uma costela
a jogar futebol não será preciso
recorrer à radiografia pois a
fractura deve ver-se à transparência,
deve ver-se a olho nu.
Só que o pálido Iniesta é o
protótipo do futebolista completo, é
o perfeito exemplar do amor à
camisola em infusão com o talento
e a modéstia, define-se e perfila-se
- na clara exteriorização do seu
estilo despretensioso - como a
inflexível antítese da vedeta, o
contraste mais desejável entre oque-
de-facto-existe e a ficção, a
resposta mais eloquente do
verdadeiro ao impostor.
Olha-se para o Iniesta e percebese
que ele, pelo seu feitio, terá de
ser o discípulo dilecto de todos os
treinadores pois joga quando,
como e onde o treinador mandar e
não amua nem ralha com ninguém
- mas se for preciso ralha com o
Iniesta - e para mais é um rapaz
tão simples e equilibrado que há
algum tempo quase se zangou
com o Wayne Rooney, do Manchester
United, quando o Wayne
resolveu considerá-lo publicamente
como o melhor jogador do mundo!
Foi ele, Iniesta, quem acabou por
assinar uma página imperecível no
compêndio mais glorioso do
futebol do seu país - a 4 minutos
do termo da áspera final do
Mundial em Joanesburgo entre a
Espanha e a Holanda - oferecendo-
lhe o mais cobiçado título com
um remate enviesado, seco e
“furioso” que levou na trajectória
um apontamento ilustrativo de
determinação e classe.
Iniesta, óptimo profissional!
O futebol exibido pelos espanhóis
na África do Sul tinha dentes
anavalhados e “mordia” como
piranha em cardume! Salvo seja!
E o mundo inteiro - menos a
Suiça, que glacial como a eterna
neve dos seus Alpes venceu a
Espanha com uma limpeza de
processos no mínimo sensacional -
ficou assim a modos que boquiaberto
perante a eficácia dos
Rapazes de Barcelona & Companhia
Limitada que desenham e
executam jogadas, jogadas e mais
jogadas de “antologia”, fabricadas
a papel químico, de olhos fechados
e ao primeiro toque, tratam a
relva a beijo em vez de a pontapé
e em regra ganham jogos por
matemático e económico 1 - 0 -
casos de Portugal, Paraguai,
Alemanha e Holanda -, gozando
raramente a extravagância de
golear sem se perceber se é que
não estão para isso ou se de facto
o seu futebol repetitivo - e por isso,
a páginas tantas, algo cansativo -
só dá para ganhar o que houver
pelo mundo para ganhar mas
quase sempre, rigorosamente, por
um “chatérrimo” 1 - 0 ...
Consistentes mas comedidos na
sistemática destruição dos adversários,
justíssimos orgulho da Espanha
e de Don Vicente del Bosque -
seu treinador, seu maestro e magno
pensador de um conjunto futebolístico
de valor decididamente insofismável
que não obstante deixou nos
“inimigos” que desfeiteou a duvidazinha
se neste ou naquele lance,
neste ou naquele penalty não terá
andado ‘La Mano de Diós’ - os
Rapazes de Barcelona & Companhia
Limitada embora tivessem
surgido no palco mundial do futebol
como milagre do génio Ibérico -
não são invioláveis à derrota, não
têm poder sobrenatural nem
desceram à Terra vindos de Marte!
‘Los nuestros hermanos’ sagraramse
campeões da Europa em 2008
sob o comando do impulsivo Luís
Aragonés - que sem ponta de
compaixão fez andar tudo e todos
numa fona na Alemanha! - e
arrebataram em 2010 na África do
Sul o título de campeões do mundo
pela mão do transcendentemente
calmo e garantidamente estático
Vicente del Bosque, que ao contrário
do nervosíssimo Aragonés
preferiu o conforto e a protecção da
sua-bem-estofada-cadeira-abrigadada-
chuva, dirigindo os seus pupilos
paternalmente e exibindo carradas
de tolerância, se não de enlevo,
pela sua “miudagem” ...
E os espanhóis, que ganharam o
último Europeu respondendo ao
frenético esbracejar e aos “berros”
do sempre inconformado Aragonés,
conquistaram o mais recente
Mundial obedecendo à silenciosíssima
mímica do intransigentemente
carinhoso del Bosque!
Aliás - não tivesse sido talvez pelo
passeio até à África do Sul -
Vicente del Bosque bem poderia ter
ficado pelo seu torrão natal treinando
de lá por telepatia... ou por
sinais de fumo, como os Apaches ...
E PORTUGAL?
Bem, Portugal tão lindo que é só
pode ter sido Ideia de Deus!
E a nossa selecção de futebol - tão
desconcertante que é - só pode ter
sido ideia de alguns homens que
ao correr do tempo a foram modelando,
esculpindo, cinzelando, em
busca do produto mais desejado e
nunca encontrado - acabando eles
por transformá-la num permanente
estudo em contradição pois hoje
entusiasma e traz-nos todos vaidosíssimos
e amanhã, zás, decepciona
e deixa-nos todos de bico
calado ...
E assim foi na África do Sul - onde
Portugal chegou a nadar, para
depois boiar, quedando-se a
consideráveis braçadas da margem
tão ansiada.
Levaram-se anos a sonhar - e
como tem sido hábito a espaventar
e a falar antes de tempo - até que
um conjunto de circunstâncias
fortuitas, caldeado com talento “a
gozar férias”, ou desperdiçado, fez
ruir toda a esperança no desafiochave
contra a Espanha - que
especialmente Eduardo, Fábio
Coentrão e Bruno Alves não
mereceram perder e que Hugo
Almeida decidira tratar-se do
desafio-da-sua-vida batendo-se até
que o deixaram com a bravura de
Mouzinho!
Apetece até dizer ‘pobre Hugo!’,
que de nada lhe valeu a entrega e
a tenacidade pois acabou por cair
como um tordo “fulminado” por
decisão intempestiva de quem pode
e manda - que só não lhe trouxe e
não nos trouxe lágrimas aos olhos
porque o Hugo e nós, Portugueses,
quanto a sábias decisões na
manobra da selecção nacional já
não choramos mais ...
Inaceitável, porém, é o comandante
sugerir - à falta de qualquer sensata
razão - que o Hugo estava
cansado quando o Hugo em vez de
cansado revelava um “arsenal” de
pernas, fôlego, sangue, pulmões,
coração, coragem e alma portuguesas
bem capazes de ajudar a
selecção nacional a vencer a
Espanha! E o que o Hugo Almeida
certamente menos esperava - e
menos merecia mas sucedeu -
seria sofrer a humilhação de ter
de abandonar a refrega por
“miopia aguda” da cadeia de
comando.
É incessante o nosso enguiço
quando se trata da selecção
nacional, só aliviado pela magnífica
campanha de qualificação e
fase final do Mundial de 1966 em
Inglaterra, que não obstante o
terceiro lugar alcançado, em vez
do título, nos trouxe prestígio que
galga séculos e jamais se extinguirá
- jamais que reforçado pela
superior prestação do imortal
Eusébio!
Mais flagrante entre os nossos
azares foi o revés sofrido durante
o Europeu de 2004 disputado em
nossa casa pois com Scolari ao
leme ainda se navegou até ao
mar alto para inexplicavelmente -
e apesar de Scolari - voltar a
naufragar-se na babugem de uma
“maré-baixa” provocada pela
Grécia que, francamente - sem
pretender subtrair-lhe ao valor -,
só a Portugal ganharia, em
Portugal, os desafios de abertura
e encerramento desse inesquecível
espectáculo futebolístico que
sancionou no mundo a honorabilidade
da Ocidental Praia Lusitana
e sua Gente.
Ou para colocar a questão com
outra delicadeza, afirmarei que
nem ao diabo lembraria que a
Grécia pudesse competir em
Portugal acabando por ganhar ao
«Portugal de Scolari» os dois
jogos de maior pompa, maior
circunstância e maior relevância
duma competição que para os
Portugueses correspondia à
oportunidade única, de ouro, ao
“ponto de rebuçado” do seu
idealizar, ao júbilo de finalmente
se ganhar qualquer coisa a nível
de selecções nacionais.
Terei de perguntar para melhor
me fazer entender: a Grécia de
2004 ganharia tanto o desafio de
inauguração como o da final de
um Europeu, por exemplo, à
Alemanha na Alemanha, à Inglaterra
em Inglaterra, à Espanha em
Espanha, à Itália em Itália?
E ENTÃO?
Então o melhor é esperarmos por
José Mourinho...
(...) ”E a nossa selecção de futebol - tão desconcertante que é - só pode ter sido ideia de alguns homens que
ao correr do tempo a foram modelando, esculpindo, cinzelando, em busca do produto mais desejado e nunca
encontrado - acabando eles por transformá-la num permanente estudo em contradição(...)”
“(...) Levaram-se anos a sonhar - e como tem sido hábito,
a espaventar e a falar antes de tempo - até que um conjunto
de circunstâncias fortuitas, caldeado com talento “a gozar
férias”, ou desperdiçado, fez ruir toda a esperança no desafiochave
contra a Espanha - que especialmente Eduardo, Fábio
Coentrão e Bruno Alves não mereceram perder e que Hugo
Almeida decidira tratar-se do desafio-da-sua-vida batendo-se
até que o deixaram com a bravura de Mouzinho!(...)”


EDMUNDO MACEDO