sexta-feira, 8 de julho de 2011

De Edmundo Macedo, há muito tempo na Califórnia...


DO MAR, HÁ MUITO TEMPO ...


Deixei-te a chorar por ti...
A última vez que te vi, cerraras já o teu véu.
Olhei-te do lisbonense estuário,

ondas brancas, então pequenas, embora o mar a crescer,
a marulhar,
a encarneirar,
a zangar-se

e a toldar-me mais a vista.
Estavas cinzenta, fechada, no teu altar escondida,
envolta em névoa, majestosa, eras jóia aferrolhada.
Cada dia que passei fora de ti, dia perdido.

Promontório da Lua, nada vale como tu!
Acordas fresca e sorris,
algo em ti é de beleza irreplicável,
no mundo,
de ponta a ponta ...

a açucena e a mimosa, o malmequer e a camélia a perfumar-te...
... e o aroma dos pitósporos em flor nas cálidas noites de Agosto?!
Injusto é morrer sem dormir uma noite em ti!
Pelo menos uma noite!
Uma cálida noite de Agosto e o aroma dos teus pitósporos pelas frestas da janela ...

para se voltar a viver ...

Chega o crepúsculo e logo mostras teu divino seio,
corre o Sol a reluzir-te,
ficas na Terra rainha.
És dona dos verdes todos, do tapete inigualável,
és delicada, viçosa,
és intocável e pura,
és virgem e soberana.
Do Tejo não vi o teu rosto,
estavas de costas voltadas, remota, inatingível,
fiquei triste,
fiquei só...
Hora da despedida,
rolos e rolos de fitinhas,
fitinhas de muitas cores,
fitinhas de todas as cores,
arco-íris de fitinhas,
roxo
anilado
azul
verde
amarelo
alaranjado
vermelho,
a cair do navio para a doca,
a colorir o navio,
... a adoçicar a mágoa?
ainda que lá estivesse esperança ...

a esperança de quem parte,
a esperança de quem sai,

de quem teve de sair,
de sair ...
atormentado,

de quem parte à aventura,
de quem sai desafiando,
arrostando,
temerariamente,
o perigo,
iminente,
a espreitar atrás do sonho ...

vozearia,
gente,
muita gente no cais,
braços,
centenas de braços ... no ar ... gesticulando,
afirmando o mesmo adeus de todas as despedidas,
lábios, centenas de lábios,
promessa de beijos.
Centenas de lábios chorando beijos,
atirando beijos
do cais para o navio, do navio para o cais,
centenas de beijos,
dizendo amor
e dor,
e eu triste e só,
e o navio ...
a quilha a sulcar o infindo oceano ...
e eu triste e só,
mas tu meu formoso berço,
minha namorada amantíssima,
minha Sintra sem igual,
lembras-te? - foste o deleite de Byron e a Cynthia dos Romanos,

numa exaltação,
suave,
doce de mel,
que foi bálsamo,
trouxe a vida,
chegaste, estuante, ao meu lado,
olhaste, terna, o teu filho,
ergueste a fronte,
abalaste...
Edmundo Macedo
Los Angeles
Abril 1995
e
Abril 2010

Sem comentários:

Enviar um comentário