segunda-feira, 26 de março de 2012

Profº Doutora Graça Castanho

Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diáspora

O Papel da Mulher Emigrante Açoriana nos Países de Acolhimento

Introdução
A história dos Açores, na sua dimensão humana, sempre esteve conotada com fluxos migratórios. Desde a sua descoberta ou reconhecimento, no séc. XV, que as ilhas têm sido porto de chegada e de partida para milhares de indivíduos.
Apesar desta característica, a emigração dos Açores começou a ganhar um caráter sistemático apenas a partir do séc. XVII. Os destinos preferenciais foram: Brasil; EUA; Bermuda; Havai e Canadá.
Fugindo à tendência mundial, em que, de um modo geral, os homens foram, durante séculos, os grandes protagonistas da emigração, existiram, nos Açores, vários fluxos que contrariaram essa realidade, ao colocar nas rotas migratórias famílias inteiras que emigraram em grupo.
Os fluxos migratórios com estas características foram quase todos motivados por catástrofes naturais, como rebentamento de vulcões, tremores de terra e tempestades que tudo destruíam. Outro motivo que levou à emigração de famílias açorianas teve a ver com políticas do reino que visavam povoar as colónias portuguesas ou terras conquistadas a necessitarem de gente lusa como garante da pertença dessas terras a Portugal.
O fato de muitas mulheres terem partido, em simultâneo com os seus maridos, conferiu às comunidades açorianas, espalhadas pelo mundo, um perfil próprio, caracterizado genericamente pelo apego aos valores da família e às ilhas de origem.

Um pouco de história da emigração no feminino
Gaspar Frutuoso, historiador micaelense, registou a saída das primeiras pessoas para o Brasil no 3º quartel do séc. XVI. Fala da saída de algumas famílias que viviam na mais profunda miséria.
Após a partida das primeiras famílias, no séc. XVI, foi preciso esperar mais um século para que tal façanha se repetisse. Em 1677, cinquenta famílias açorianas rumaram ao atual estado do Pará na sequência de forte atividade sísmica nas ilhas do Faial e Pico.
Em 1747 dá-se o primeiro êxodo com a saída de 6.000 pessoas dos Açores, mais uma vez para o Brasil, numa política concertada do reino que visava o povoamento do sul garantindo a Portugal a pertença desses territórios. Foram para Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Para os EUA, segundo destino de emigração, o número de homens que saíram dos Açores superou, durante séculos, a presença da mulher nas vagas migratórias. Saíram das ilhas, rumo à Califórnia, como caçadores de baleias, mas com o decorrer dos anos foram-se transformando em pescadores, trabalhadores de indústrias conserveiras, lavradores, agricultores, cuidadores de gado, pistoleiros, comerciantes, mineiros, etc. A sua presença fez-se sentir quer na costa oeste quer na leste com histórias de coragem e bravura.
Motivados pela miséria, crise económica e busca de melhores condições de vida, entre 1878 e finais do Século XIX rumaram até ao Havai 6.300 açorianos, agrupados por famílias, para trabalhar nos campos da cana-do-açúcar. No séc. XX, não há registos de partidas para o Havai (então chamado Ilhas Sandwich).
Aos EUA chegaram, mais tarde, muitas famílias do Faial e das restantes ilhas do Grupo Central (S. Jorge e Pico), na sequência do vulcão dos Capelinhos que decorreu em 1957. O efeito das cinzas, a projeção de materiais vulcânicos e a destruição de casas, pastagens, campos agrícolas, nas freguesias do Capelo e Praia Norte, foram generalizados. Dadas as dificuldades em que se encontravam estas famílias, em 1958, os EUA aprovaram o Azorean Refugee Act que conduziu àquele país milhares de açorianos das ilhas mais atingidas e de outras que, aproveitando a abertura dos EUA para aceitar imigrantes açorianos, acabaram por partir também. Partiram famílias inteiras.
Em 1964, fruto da atividade sísmica que ocorreu na ilha de S. Jorge, muitas foram as famílias que escolheram os EUA como destino. Outras, com o apoio do Estado Novo, optaram por Angola, onde se formou o Colonato de Cela, uma colónia jorgense em Angola, a qual depois da independência deste país e com o rebentamento da guerra civil acabou por abandonar estas terras, tendo escolhido as Américas como destino final.
O mesmo não aconteceu com o Brasil para onde até meados do séc. XX partiram açorianos, desta feita para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
Para os EUA a emigração manteve-se até ao séc. XX e, no caso do Canadá, teve início em 1953, na sequência de acordos bilaterias. Nestas últimas situações, de uma forma geral, partiram os homens primeiro, seguindo-se a curto trecho as mulheres, muitas vezes já com filhos.
A Bermuda, terceiro destino da emigração açoriana, que começou em 1849, obedeceu, no início, aos padrões dos restantes fluxos; contudo, devido às limitações geográficas que caracterizam a Bermuda, viu a sua população imigrante ser reduzida a apenas homens, da ilha de S. Miguel, que até hoje ainda partem com contratos de trabalho sazonais, sem direito a compra de carro, casa, terreno e obtenção da nacionalidade bermudiana para os filhos e filhas nascidos naquele território. A Bermuda, atualmente, é o único destino formal e sistemático da emigração açoriana, narrada no masculino.
A partir do 25 de Abril de 1974, a emigração dos Açores decresceu e, ainda hoje, os números oficiais são muito pouco significativos, quase inexistentes desde a década de noventa até ao começo do séc. XXI.
Neste ano de 2012, as comunidades açorianas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul no Brasil comemoram mais de 260 anos de presença açoriana, a emigração para a Califórnia mais de cem anos, a emigração em massa para a costa leste dos EUA e Canadá um pouco mais de meio século.

O papel das mulheres nas comunidades açorianas
Dada a antiguidade da emigração dos Açores para várias partes do mundo, quando se fala de comunidades açorianas, há que distinguir duas situações diferentes:
a) as mais antigas, feitas de açordescendentes de várias gerações, como, por exemplo, as comunidades do Brasil, especialmente as de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e as do arquipélago do Havai, que se encontram muito afastadas geográfica e temporalmente da terra natal, mas onde o interesse pelo estudo e resgate das origens ainda é bem visível, e
b) todas as outras situações de emigração mais recentes, onde continua a verificar-se uma vivência regular das diferentes dimensões da açorianidade, retratada numa plêiade de iniciativas e práticas culturais que mantêm viva a açorianidade.

Na impossibilidade de nos referirmos a todas as situações, centraremos a nossa atenção na atuação das mulheres que abandonaram as ilhas rumo aos EUA e Canadá, a partir dos anos 60 e 70 do séc. passado, integradas nas maiores vagas migratórias dos últimos dois séculos.
De uma forma geral, deve-se às mulheres grande parte do entusiasmo na preservação e manutenção da matriz cultural açoriana nos destinos de acolhimento. Fruto desse denominador comum, as comunidades que contaram com a integração das mulheres açorianas exibem traços comuns relevantes que merecem mais estudo e sistematização. Foram muitas as consequências positivas deste fenómeno que levou as mulheres a emigrarem com os seus maridos ou a eles se terem reunido em pouco tempo. Do conjunto de dimensões possíveis, passamos a explanar, de seguida, algumas delas:

1. A partida das mulheres, nos grupos migratórios, favoreceu a reunião familiar. Eram estas que mais pressionavam para que “cartas de chamada” fossem enviadas para pais, mães, irmãos, irmãs, primos, tios, etc. Milhares de famílias conseguiram a reunificação graças ao papel das mulheres que, mais ligadas à família e mais preocupadas com as condições precárias em que viviam os familiares nos Açores, só descansaram quando viram os parentes perto de si e com as suas vidas organizadas.

2. Maior estabilidade emocional às crianças, adolescentes e jovens foi o resultado da presença do pai e da mãe. Esta circunstância ajudou a que a família açoriana se mantivesse unida em torno do sonho de conquistar melhores condições de vida e dar uma vida melhor aos filhos/as.

3. As mulheres partiam para apoiar os maridos, para não os deixar desamparados num país novo. Mesmo quando trabalhavam, sentiam como obrigação sua manter a casa limpa, comida na mesa para o marido (a exercer muitas vezes profissões que exigiam grande esforço físico), roupa lavada, etc.

4. A família açoriana, caracterizada por um microssistema unido, ainda mantém esses traços de unidade e de proteção até aos nossos dias. Não é raro vermos filhos e filhas já casadas a viver na cidade dos pais ou até mesmo na mesma casa dos pais, em andares diferentes, a visitar os pais e mães quase diariamente. Não é raro também vermos os avôs e as avós a tomarem conta dos netos/as quando são pequenos.

5. As mulheres porque trabalhavam a dobrar – em casa e no emprego – para dar mais conforto à família e proteção aos filhos, contribuíram profundamente para uma integração plena nas comunidades. Interessante verificar que, em termos linguísticos, foram as mulheres que mais depressa aprenderam a falar as línguas dos países de acolhimento, favorecendo uma maior e melhor integração.

6. A mulher açoriana ao chegar à diáspora procurava emprego para ajudar a família nas despesas da casa, com a educação dos filhos, compra de casa, carro e todo o tipo de conforto para as suas vidas. A família açoriana passou a contar com os rendimentos dos dois elementos do casal, melhorando significativamente a situação financeira do agregado familiar. Porque contribuíram, com o salário do seu trabalho, para o bem-estar familiar, as mulheres garantiram mais qualidade de vida a toda a família. Foi também com o salário das mulheres que as famílias puderam manter a casa farta e os filhos/as nas escolas.

7. A mulher açoriana emigrada, apesar do seu apego à família, emancipou-se pela força do modelo de mulheres de outras nacionalidades e pela força da lei que há muito protege as mulheres dos EUA e Canadá de situações de abuso com base no género. Com a emancipação das mulheres deu-se a mudança de mentalidade sobre o seu papel e os seus direitos. Importa referir que a mudança de atitudes foi tão flagrante e forte que foi capaz de inspirar as mulheres açorianas a viver nas ilhas. Estas também começaram a ter uma atitude diferente perante os comportamentos e reivindicações das suas irmãs, tias, e amigas que contavam como se vivia nos países de acolhimento.

8. Muitos foram e são os maridos cujo desejo era regressar definitivamente às ilhas. O regresso foi sendo adiado por dezenas de anos, uma vez que as mulheres temiam a perda de direitos e regalias com o regresso às ilhas. Receavam a falta da sua independência, garantida através do carro, do emprego e do dinheiro ganho. As mulheres apegaram-se de forma mais permanente à terra de acolhimento. Com o decorrer dos anos, o regresso ficou ainda mais longe com a chegada dos netos.

9. As mulheres garantiram o sucesso das organizações criadas no seio das comunidades açorianas, como irmandades, filarmónicas, grupos de dança, folclore e música, associações, clubes, paróquias, etc. Durante muitos anos, o papel das mulheres ficou circunscrito às cozinhas das agremiações. Hoje, mais libertas destes afazeres, são muitas as mulheres que estão à frente dos destinos destas organizações, gerindo-as com inteligência e muita dedicação.

10. As mulheres açorianas, nas comunidades, investiram mais na sua formação académica do que os seus pares masculinos. Muitas foram às escolas, terminando o ensino secundário ou a universidade, em busca de melhores oportunidades de vida. Esta é uma realidade cada vez mais visível nos nossos dias, fruto do desemprego que grassa nas unidades fabris, as quais ainda há bem pouco tempo garantiam emprego a milhares de indivíduos sem formação académica especializada. Presentemente, as mulheres procuram atualizar os seus conhecimentos e fazem formação nas mais diversas especialidades, sendo uma das mais relevantes a área emergente da prestação de cuidados a pessoas em idade avançada.

11. Às mães se deve o apego à igreja, à religiosidade e aos rituais. São as mães que tratam das questões atinentes à catequese, comunhões, procissões e missas.

12. A manutenção da língua portuguesa, pela via da aprendizagem formal (na escola) ou informal (no lar), deveu-se, em grande parte, ao papel desempenhado pelas mães de família. Eram e são estas que mais se empenham e se dedicam às tarefas escolares dos filhos e das filhas. São estas também que sentem quão importante é para as gerações mais novas serem capazes de comunicar com os familiares deixados nos Açores, especialmente os avôs e as avós.

13. A ligação à terra natal, melhor dizendo, aos Açores manteve-se viva por via das mulheres. Sabe-se que não gostariam de regressar definitivamente. Importa, porém, referir que as mulheres mantêm os laços afetivos com familiares e amigas por toda a vida. O próprio apoio dado às famílias nos Açores, durante décadas, em tempos de dificuldade, foi protagonizado pelas mulheres.

14. Coube às mulheres da diáspora um papel muito importante na continuidade da matriz cultural açoriana em terras distantes. As mulheres continuaram a comemorar as datas da terra de origem, a celebrar as festas do torrão natal, a cozinhar os pratos típicos, a manter a família unida em torno de rituais seculares.

Desde sempre a mulher açoriana teve um papel importante nas comunidades da diáspora, procurando afirmar-se nos novos espaços, mais propícios à igualdade de géneros muito antes das mudanças verificadas em Portugal, em geral, e nos Açores, em particular. A mulher açoriana emigrada, para os EUA e Canadá, nas décadas de 60 e 70 do século passado, soube afirmar-se na família e fora dela e integrar-se nas sociedades de acolhimento.
Essa integração, porém, não comprometeu até à data a manutenção e preservação da cultura açoriana na diáspora que se foi construindo em torno de manifestações culturais e sociais que são uma constante em todas as comunidades. De realçar as seguintes manifestações: as festas ao Divino Espírito Santo; devoção a Nª Sra. de Fátima e ao Sr. Santo Cristo dos Milagres; a matança de porco (feita, ainda hoje em dia, nas associações); as festas/danças de Carnaval; as filarmónicas; o folclore; a vindima; o artesanato, etc.

Conclusão
Se é bem verdade que a mulher nascida nos Açores, que integrou desde cedo as sucessivas vagas migratórias, teve e tem um papel imprescindível na manutenção das raízes açorianas na diáspora, o que dizer acerca do presente e do futuro desse património à mercê dos jovens?
Acredita-se que as novas gerações estejam a viver uma fase de transição, caracterizada por mudanças importantes que, certamente, influenciarão um novo olhar sobre as origens. Nascidas nos países de acolhimento dos pais e mães, estas gerações encontram-se divididas entre o passado, personificado na figura dos avós e pais, e o seu presente, repleto de referenciais do país onde vivem. Porque o apelo do presente é mais forte do que o do passado, os jovens optam por se integrarem cada vez mais em comunidades de pouca expressão açoriana, afastando-se das manifestações de açorianidade.
Muitas são as pessoas que se queixam do crescente desinteresse dos jovens açordescendentes, em geral, pela manutenção da matriz cultural açoriana. Acreditando que tal está a acontecer junto de parte da juventude, importa recordar que cada vez mais nos deparamos com jovens que visitam os Açores e aqui voltam vezes sem conta com as suas famílias. A atração pela beleza e pela qualidade de vida que os Açores oferecem são fatores, sem dúvida, aliciantes e convidativos.
Numa altura em que a emigração quase estagnou para os EUA e Canadá, urge redimensionar o papel da mulher açoriana ou açordescendente nas comunidades de acolhimento, reconhecendo o seu potencial, dando-lhe mais ferramentas e instrumentos de valorização pessoal e profissional nas comunidades, perspetivando o seu papel de difusora da nossa matriz cultural a outra dimensão, muito para além das comunidades açorianas, ligando-a cada vez mais às ilhas de origem com visitas regulares para que a imagem dos Açores do passado seja suplantada por uma proposta contemporânea, atual e moderna da vida que se leva no arquipélago.
Estamos em crer que o papel da mulher açoriana ou açordescendente nas comunidades, hoje em dia, passa por esta mudança de paradigma. Da mesma espera-se que se afirme, que se integre, mas que, ao mesmo tempo, seja Embaixadora dos Açores nas suas áreas de residência, nos seus empregos, nos seus círculos de amigos.
Para que tal aconteça, o Governo dos Açores encontra-se a promover atividades e projetos cada vez mais vocacionados para a área da (re)descoberta dos Açores. Os programas Saudades dos Açores, de Mãos Dadas com os Açores; Campo de Férias Interculturais; Notáveis dos Açores; Bolsa Dias de Melo; Prémio Jornalismo Comunidades; Programa de Resgate Genealógico, entre outros, são disso exemplo. Os frutos deste esforço são palpáveis no dia a dia do nosso trabalho, caracterizado por uma procura cada vez maior e por um interesse cada vez mais intenso pelas ilhas açorianas.

Graça Castanho
Diretora Regional das Comunidades
Docente da Universidade dos Açores

Bibliografia consultada

Dias, E. M. (1982). Açorianos na Califórnia. Maia, Portugal: Direção Regional da Educação e Direção de Serviços de Emigração.
Leal, J. (2007). Açores, EUA e Brasil. Açores: Governo dos Açores.
Meneses, A. F. (2011). Antigamente, era assim. Ponta Delgada: Publiçor.
Mira, M. (2001). The Portuguese Making of America. USA: The Portuguese-American Historical Research Foundation.
Rosa, V. P. e Trigo, S (1991). Contribuição ao Estudo da Emigração nos Açores. Angra do Heroísmo: Governo dos Açores.
Silva, J. P. (1996). Portugueses no Havai Sécs. XIX e XX. Da imigração à aculturação. Horta: Gabinete de Emigração e Apoio às Comunidades Açorianas.
Teixeira, J. C. (2004). A Presença Açoriana no Canadá (1953-2003). In 50 Anos de Emigração Açores-Canadá. Angra do Heroísmo: Governo dos Açores.
Teixeira, J. C. (1999). Portugueses em Toronto: Uma comunidade em mudança. Horta: Direção Regional das Comunidades.

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