quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Prof Doutor VIRIATO CAPELA Monção 5 de setembro 2015

Mulheres, figuras de Nação. Rosalía de Castro e Maria da Fonte
José Viriato Capela
Prof. Catedrático
Presidente da Casa Museu de Monção/Universidade do Minho
A ideia de Nação e Nacionalismo, como é sabido, é uma ideia “moderna”, do nosso século XIX, depois levada ao paroxismo com os Estados-Nação do século XX. Na base tem comumente o sentido de construção e reforço de identidade nacionalista e patriótica dos povos, com horizontes expansionistas assentes em múltiplos fatores, linguísticos, étnicos, geográficos, históricos, económicos, entre outros.
Na Península Ibérica eles também atuariam no sentido de reforço dos Estados e estão na origem da construção de Estados totalitários – Franquista e Salazarista – que se formaram em paralelo dos violentos Estados Fascistas italiano e nazi-alemão.
No que diz respeito a Portugal e Espanha, no seio da Península Ibérica, eles serviram para firmar as identidades e claras separações entre os dois Estados Peninsulares, isto sem embargo, algumas colaborações e aproximações entre ambos os regimes. A construção do Nacionalismo unitário franquista em Espanha teve, de algum modo, de se construir com e contra os nacionalismos e autonomias regionais; em Portugal o Nacionalismo português não se debateu com projetos de nacionalismos ou autonomias regionais. Reforçou a identidade nacional face a Espanha, de algum modo também o todo unitário de Estado colonial. E na Historiografia desenvolveu os estudos na perspetiva de valorizar dos fatores da identidade e singularidade da História portuguesa no conjunto peninsular.
A História Portuguesa, tem sido construída na base de uma Historiografia escrita por homens. Em particular, esta História dos Nacionalismos, que sendo um capítulo que envolve, de modo especial, domínios ligados a Ação política e militar, tem sido escrita sobretudo com base na História Política e militar e dos feitos heroicos dos portugueses.
As formas de nacionalismos, de base regional, que querem exprimir a força e identidade dos povos, numa perspetiva da sua afirmação particular em conjuntos mais vastos, que não passam necessariamente pela construção de grandes Estados, é uma realidade que não deve ser esquecida da História dos Povos, até porque eles põem em marcha outros agentes e referentes.
E relativamente a Espanha aí estão as múltiplas formas históricas de lutas, com base nas suas identidades «nacionais», pelos regionalismos, pelos estatutos autonómicos, pela própria independência nacional. Em Portugal, as manifestações desta índole nunca foram além de reivindicações regionalistas, sem horizontes políticos que não sejam o de defesa e promoção dos interesses regionais e num vago Provincianismo de base administrativa. ALíngua Portuguesa – que é única e forte no todo nacional e nas terras da Expansão Portuguesa – e a precoce construção de um Estado centralizado nunca propiciaram desenvolvimento de entidades regionais. O que é facto é que estes Estados fortemente centralizados provocam os maiores desequilíbrios no desenvolvimento nacional, que tanto ou mais que outros sentimentos de secundarização política, social, ou cultural, provocaram os movimentos reivindicativos regionais.
São conhecidos em Espanha desde o século XIX as lutas de algumas regiões, designadamente na nossa vizinha Galiza que desembocaram nos Estatutos Autonómicos. São também conhecidos em Portugal as reivindicações regionalistas da mesma etapa, que acabam por definir prosaicamente e temporariamente a Província (1936) como entidade administrativa. A tradição municipalista entre nós, desembocou, no Poder Local. A História dos movimentos regionalistas e pela autonomia ou mais prosaicamente, pela defesa das tradições e «liberdades» dos povos – face às Culturas e Estados Nacionais – escreve-se na Galiza e em Portugal, também com o nome de duas mulheres, Rosalía de Castro e Maria da Fonte. Elas vão associadas a processos de defesa e construção de identidades nacionais no século XIX de base regional e deixam bases para o futuro. Nessa perspetiva se lhes aplicará também o epíteto de Figuras de Nação, porque vão associadas à construção das bases e ideias dos Nacionalismos para as suas terras e regiões (caso de Rosalía) ou de outro modo de conhecer (defender) a Nação tradicional Portuguesa face às mudanças do Liberalismo (Maria da Fonte).
Apesar destas circunstâncias, não parecerá a muitos admissível a aproximação destas duas figuras, que exprimem a sua intervenção de modo muito diferenciado. De facto, uma,Rosalía de Castro, figura histórica bem fixada, na sua terra natal, na sua biografia, na sua obra literária e cultural; outra, Maria da Fonte, de difícil se não impossível fixação pessoal – identitária, mais expressão de movimento coletivo de mulheres, do que ação individual, isto é, mais mito do que realidade.
Mas a razão desta aproximação decorre do papel que ambas as figuras tiveram no processo de defesa e construção de identidades locais e regionais, em tempo de ativa absorçãoestadual e cultural dos seus territórios, a Galiza no grande Estado e Nação de Espanha, o Minho, e por ele uma certa personalidade e identidade social e cultural, no Estado e Nação Portuguesa, no século XIX.
São ambas contemporâneas do processo de abolição do Antigo Regime e de construção do Liberalismo em Espanha e Portugal, de disputas entre liberais e absolutistas e dos seus diferentes projetos de Sociedade. Atentam ambas por meados do século XIX, num estádio já desenvolvido da implantação do novo Estado Liberal, mais centralista que o Estado Absolutista do passado. E vivem e refletem o quanto essa evolução política tem sido feita contra ou a desfavor dos Povos e das Culturas das suas regiões e províncias.
Rosalía fixará por então desde meados do século XIX em prosa e poesia a mais dolorida expressão a que está a ser votado o Povo Galego, pelo desprezo e desclassificação a que está a ser votada a Língua galega e sua Cultura no seio de outras Nações peninsulares,face a Castela, sobretudo. E também, às forças económicas e anímicas da Galiza, que se estão a exaurir sob o efeito da Emigração. Galiza que considera e elege como mais rica e úbere região de Espanha se a libertarem dos estrangulamentos a que vai submetida.
Maria da Fonte, de armas na mão, a partir da Póvoa de Lanhoso, também a meados do século, desde 1846, mobilizará o povo minhoto e nortenho contra as instituições do Liberalismo e do Cabralismo em defesa das «Santas Liberdades» que aqui são a uma expressão mobilizadora a defesa das velhas tradições contra um Estado e Governo Ditatorial.
Aproxima então Rosalía de Castro e a Maria da Fonte o mesmo sentido de defesa da autonomia das terras e das regiões e vontade da sua afirmação política e cultural, em tempos, em que regiões e províncias periféricas como a Galiza e o Minho estão a ser secundarizadas e diminuídas.
Estamos em face de movimentos de natureza diferente: um que pelas Letras e Cultura quer defender e promover o seu povo e lançar os fundamentos do resgate do Povo galego; outro que pelas Armas quer combater um Estado centralista e opressor que governa contra a Nação, isto é, contra os Povos.
São conhecidas as armas e as gestas militares da Revolução da Maria da Fonte que logo se estenderá a todo o Minho e que tomará a designação de Revolução do Minho.
Para Rosalía de Castro é a Cultura e a Língua que devem ser as Armas defesa do Povo Galego. Vale a pena fixar aqui a apresentação de Rosalía à sua mais notável obra que virará matriz do galeguismo, os «Cantares galegos» (1ª ed., 1863; 2ª ed., 1872)..
«E a nossa língua não é aquela que bastardeiam e champorrem torpemente nas mais ilustradíssimas províncias, com uma risa de mofa, que a dizer verdade (por mais que esta seja dura), demonstra a ignorância mais crassa e a mais imperdoável injustiça que pode fazer umaprovincia à outra provincia irmã, por pobre que esta seja. Mais é aqui que o mais triste nesta questão é a falsidade com que fora daqui pintam, assim os filhos da Galiza como a Galiza mesma, a quem geralmente julgam o mais despreciado e feio de Espanha, quando acaso seja o mais fermoso e digna de alabança».
Qual o diferente legado das ações e obras destas duas figuras (movimentos)?
Em Rosalía de Castro o mais profundo sentido otimista do destino do Povo e Nação galega. E também do papel e lugar da sua Língua que com a sua obra será a verdadeira fundadora do Galego como Literatura Moderna. Na Maria da Fonte e Revolução do Minho, o sentido da luta contra os autoritarismo e despotismos e a defesa dos valores tradicionais dos povos e regiões.
A Maria da Fonte, como ação política teve efeito imediato no Levantamento Minhoto,Nortenho e Nacional contra o Governo de Costa Cabral e suas medidas, que levam à sua queda. A obra literária e poética de Rosalía de Castro só será o fundamento da luta pelo nacionalismo galego, mais tarde, porque a sua obra só será publicada lida e reconhecida, por finais do século XIX e no século XX em que perduraria pela «atração insuperada dos seus versos regionais».
De qualquer modo ambas tiveram um papel importante nos processos dos ressurgimentos nacionais e nacionalistas de finais do século XIX, que preparam os movimentos republicanos, em Espanha e Portugal, e que passam, em ambos os casos pela valorização, papel e lugar que devem ter os territórios, as províncias, as regiões no processo global dos Ressurgimentos Nacionais.
Rosalia de Castro virará a maior referência dos promotores do Nacionalismo Galego.Maria da Fonte, suporte de um vago Regionalismo e Provincianismo bandeira de forças liberais e conservadoras, na sempre expressão da capacidade das terras e regiões de afirmar a sua identidade e tradição.
No final de contas, também, dois modos diferentes de intervir, de base feminina: oliterário, o cultural, da obra individual que mobilizará as vontades a mais largo prazo do povoque contra e a quem se dirige; o belicoso e guerrilheiro do movimento coletivo, de rutura e gestos violentos mas que sempre também se perpetuam e vem à memória.

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