domingo, 30 de outubro de 2011

Edmundo Macedo Sobre a Mulher Migrante

A MULHER MIGRANTE

Tal como a própria História - nascente abundante e infindável de ensinamentos -, a Mulher Migrante - considerado o seu ânimo indomável, as suas inesgotáveis potencialidades e as vitórias que já alcançou - representa uma doutrina, um preceito, uma lição.

Dado o estímulo que exsuda da sua peregrinação e atentas as encruzilhadas e agressividade dos caminhos que percorreu, uma análise simplista à trajectória da Mulher Migrante Portuguesa - especialmente aquela a que chamarei activa - teria forçosamente de caracterizá-la hoje como infatigável empreendedora, arrojada conquistadora, um claríssimo exemplo de que poderão extrair-se ilações e até proveito, pois nela - como potencial emigrante - nada é acidental nem extemporâneo.

É do conhecimento geral que o fenómeno migratório português nos Estados Unidos se revelou de carácter masculino na fase histórica inicial.

Mais tarde, conseguida a indispensável habitabilidade, a mulher e os filhos vêm juntar-se ao chefe da família, daí resultando um “encasulamento”, uma fortalecida e fortíssima “cápsula”, pois oferece a todos outra tranquilidade, aos filhos a escola e a tutela paternal e em particular à mulher a opção de manter-se como dona do lar e mãe, ou de projectar-se no mercado de trabalho e assim garantir um segundo ordenado e em consequência maior segurança.

Neste quadro familiar sobressai, obviamente, o triunfalismo da mulher - que como 'o outro bicho-da-seda' veio dar o retoque final ao “casulo”, fechando-o hermeticamente e assegurando-lhe assim a necessária protecção.

A mulher migrante activa portuguesa nos EUA chegou sozinha, veio à aventura, entrou com enorme entusiasmo. São em número prodigioso os caminhos por ela calcorreados. Um dos mais notáveis e que talvez melhor figure como exemplo da sua determinação levam-na no princípio a encontrar trabalho humilde, a educar-se e a atingir posições de destaque no ambiente americano, inclusivamente trabalhos compensadores na burocracia, no ensino primário, secundário e até universitário.

Por outro lado, a mulher migrante a que chamarei passiva - de certo modo já anteriormente referida - chegou acompanhada do marido e nas situações mais comuns limitou-se em boa parte a formar um lar e uma família. Mostrou-se mais doméstica e conservadora do que o marido, impondo rígida conduta às filhas. Arreigada aos padrões e costumes tradicionais, raramente revelou interesse em familiarizar-se com a cultura estrangeira circundante. A sua importância no governo e estabilização da casa não poderá pôr-se em dúvida.


Num quadro urdido com atenção ao pormenor haveria de constar que de um modo geral as mulheres portuguesas nos Estados Unidos só esporadicamente se interessam por actividades cívicas ou políticas, enquanto a nível comunitário é visível o seu crescente interesse pela gestão das sociedades fraternais, quer portuguesas, quer luso-americanas. Trata-se de uma apetência que ganha e solidifica raízes e que a nível das sociedades fraternais coloca também a mulher a par do homem em situações de pura gerência e administração.

Por outro lado, em zonas mais prósperas das grandes metrópoles como, por exemplo, a imensa Los Angeles, houveram casais que se fixaram no trabalho doméstico auferindo apreciáveis condições de vida: salário, a importantíssima protecção à saúde, tecto e alimentos.
A este respeito - por parecer-me vir a propósito - cito o caso de um filho de um casal português ao serviço doméstico de senhora abastada - a mulher, a cozinheira-governanta, o marido, o motorista-mordomo - que usufruíu a sua formatura em Direito nos EUA a expensas da generosa patroa dos pais. Aqui, a mulher "cozinheira-governanta" volta a assumir posição da maior importância e do maior relevo.

Numa síntese ao percurso e aos motivos que levaram a mulher a emigrar seria imperioso considerar, entre outros, os tópicos e seguintes considerações:


RAZÕES PARA EMIGRAR

Indubitavelmente, a determinante é o sonho da melhoria económica. A emigrante portuguesa - em grande número chegada aos Estados Unidos de pequenos agregados populacionais dos Açores, Madeira e Norte de Portugal Continental - provém com frequência de ambientes de modesta auto-suficiência e o incentivo para sair é em muitos casos o seu denodo e noutros casos o exemplo do sucesso conseguido por familiares e conterrâneos.


PRIMEIRAS IMPRESSÕES NO PAÍS DE ACOLHIMENTO

Em regra predomina certa estranheza - senão mesmo rejeição - pelo novo estilo de vida, que por outro lado vai abrandando devido à inevitável crescente integração. Mais tarde, se a integração se realizar - que é facto frequente -, surge a preferência pelo estilo de vida do país de acolhimento, não sendo raro o gosto "empolado", ou a absoluta preferência pelo modelo local em prejuízo do antigo "modus vivendi" - que então é dado como antiquado e finalmente posto de parte.

Tratando-se exclusivamente dos Estados Unidos, subsiste à chegada uma admiração excessiva, quase até “assombro” perante o mundo tecnológico maravilhoso que subitamente "desabrochou", que emergiu como que no meio de um sonho, que surgiu repentinamente como uma miragem.


DIFICULDADES NA ADAPTAÇÃO

O mais intenso escolho e o que requer maior entusiasmo, afinco e trabalho é o domínio do novo idioma, que em muitos casos acaba por concretizar-se em prazo e de forma muito aceitáveis.

Fortemente traumática é a transição da lida doméstica ou do sector agrícola para o fabril, ou ainda quando tal transição se efectuou de um meio rural para um ambiente urbano, pois saltou-se do vazio e despovoado para um mundo ultra-competitivo, compacto, dimensionalmente gigantesco, muitas vezes atemorizante.



O NOVO TRABALHO

Nos casos de escolaridade mais avançada trazida de Portugal ou adquirida nos Estados Unidos, tornou-se comum o acesso ao sector comercial, burocrático ou educativo. Mantém-se, porém, mais frequente a entrada no sector industrial, especialmente têxtil, na Costa Leste, ou conserveiro na Califórnia.



FICAR OU REGRESSAR

Não é raro o desejo inicial de um regresso após alguns anos e a acumulação de certa riqueza. Tal desejo, porém, esgota-se após razoável aculturação.

São conhecidos casos de retorno ao país de acolhimento ante a constatação de um país natal fundamentalmente diferente do da época da partida: "Voltei e ao chegar à rua onde vivi, pareceu-me mais estreita, dando-me a ideia de que tudo havia encolhido!”

De um modo geral, a fixação definitiva no país de acolhimento tem sido norma.


A ambição de “descobrir” a América e particularmente a de “conquistar” Hollywood tem fomentado algumas situações de resultados felizes - que conheci de perto -, que têm fertilizado a esperança e ajudado a contrabalançar o pesadelo do revés emigratório.

Não duvido, porém, de que na fibra e no âmago da Mulher Migrante Portuguesa existe uma simbiose de metais tão preciosos como a valia e a audácia.

Que desde logo a recomendam para que concretize com êxito o gigantesco acto de emigrar.


Los Angeles, 1 de Setembro de 2011
Edmundo Macedo

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