sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Intervenção em Dusseldorf O papel da Mulher Portuguesa na Alemanha

1 - 2014 é, em países como a Alemanha e a Holanda, o ano em que se recorda, com grandes comemorações, meio século de emigração p portuguesa - um tempo de viragem das tradicionais correntes migratórias transoceânicas para destino mais próximos, na Europa.
Excelentes iniciativas, como aquelas que, há cerca de uma década, mobilizaram as comunidades do Canadá, para onde, a partir de1953, um acordo bilateral levara um os primeiros contingentes de Portugueses. Lá, então, como agora, aqui, as organizações das comunidades e a diplomacia portuguesa uniram-se para realçar o percurso dos homens e das colectividades, para os homenagearem e para fazerem a sua história, que é também a do país.


2 - A originalidade do programa que hoje nos reúne em Dusseldorf, neste quadro de reflexão e de convívio, é o propósito de olhar, em especial,
 as mulheres, como parte da história comum, que continua a ser a mais esquecida ou subestimada...
Agradeço muito o convite da Senhora Cônsul-Geral, Dr.ª Maria Manuel Durão para participar nesta jornada, a sua hospitalidade, a possibilidade que tive de falar com ela, longamente, sobre as comunidades portuguesas da Alemanha. Eu venho do tempo em que a diplomacia era interdita à mulheres, e, por isso, podem imaginar como me sinto feliz ao ver um Consulado-Geral desta importância tão bem entregue a uma brilhante jovem diplomata!
Julgo que a abertura do Ministério dos Negócios Estrangeiros aos problemas sociais e culturais da emigração, que o SECP Dr José Cesário salientou, no início do colóquio organizado pela AEMM, sobre o 25 de Abril e as migrações, em Março passado, na presença da Secretária Geral do MNE (a primeira Embaixadora a ocupar esse cargo) se deve muito às nossas diplomatas. Este encontro é mais
uma prova da qualidade da sua abordagem da problemática da emigração.

3 -Vamos, pois, focar, em especial, a emigração das mulheres. Não é um assunto menor, sobretudo no caso português... Para além da justiça que se lhes
 presta ao considera-las na sua singularidade, só assim se consegue uma visão abrangente do fenómeno migratório, e com ela, o balanço realista da experiência de cada ciclo, fechado com o regresso ao País ou a integração numa sociedade estrangeira.
Esta evidência não é negada por ninguém, mas as migrações são ainda historiadas, fundamentalmente, na sua faceta masculina, padronizadas num dos géneros, enquanto o outro é negligenciado como mera sequela subordinada.

4 - É verdade que, até uma data muito recente, foram quase sempre os homens os primeiros a partir – sozinhos - ocupando, naturalmente, o lugar central nas atenções dos responsáveis políticos, e, também, dos estudiosos das migrações portuguesas, tanto das mais antigas como das contemporâneas, mesmo depois de se generalizar a reunificação de famílias inteiras no estrangeiro.
Já em fins de século XIX, a emigração feminina representava uma proporção significativa (cerca de um terço) do total. Entre 1907 e 1913, registou um aumento de 127%, e, desde então, não parou de crescer. Como é do conhecimento geral, constitue actualmente cerca de metade das comunidades instaladas na Europa e nos outros continentes - e somente na emigração temporária, a menos qualificada, se mantém, no século XXI, a predominância de homens sós.

5 – Ao trazer números, objectivos e frios, ao debate, não pretendo reduzir a questão ao seu aspecto quantitativo, até porque entendo que ela é, essencialmente, qualitativa - as mulheres que surgem, numa segunda fase do processo migratório, não se somam aos maridos, ou aos pais, na
 vida, como numa simples estatística . Elas vão, com eles, criar uma nova dinâmica familiar, ocupando um lugar, em regra, diferente no mercado de trabalho, na sociedade, na densa teia associativa do seu grupo étnico nacional, em casa... Vão encontrar diferentes desafios, chegar a diferentes soluções, por si mesmas e em conexão com eles. Na maioria dos casos, vão mudar o nível económico da família - com o seu salário, a orientação do projecto migratório para estadas mais longas, a formação académica e profissional dos filhos, a integração social no meio português (nas comunidades de cultura portuguesa, que exigem a componente de género e de geração, para existirem e sobreviverem...) e no próprio país de acolhimento (é frequente serem as mulheres quem melhor domina línguas estrangeiras - não só ou não tanto por facilidade inata, mas em razão das tarefas que executam no sector dos serviços. mais em contacto com os naturais do país).

6 - Nas comunidades, onde, contrariando o habitual descaso, se realizaram as primeiras investigações aprofundadas sobre a emigração feminina ou
 familiar, as conclusões vieram consubstanciar esta antevisão das coisas. Refiro-me, sobretudo, ao caso da França, e, em particular, de Paris, que é o que apresenta maior número de análises sociológicas neste domínio. A tese pioneira de Engrácia Leandro patenteia, com o seu cunho científico, o modo ou os modos pelos quais a chegada das mulheres mudou radicalmente a vida das pessoas e das comunidades, trazendo o conforto e a estabilidade do lar, a subida de nível económico, com o segundo salário, a inserção social, com o estabelecimento de relações de proximidade, quando não de cumplicidade com as mulheres francesas - as porteiras, as empregadas do sector dos serviços, sobretudo. Na parte final da programação de hoje, depois da exibição do filme “A Gaiola Dourada”, teremos a oportunidade de olhar este ângulo do problema, muito embora ele não seja directamente ressaltado no filme. A meu ver, o relacionamento entre portuguesas e francesas ajudou à mudança de mentalidades das imigrantes e deu-lhes um lugar central na família, nos contactos com a administração local, com as escolas dos filhos – no mundo exterior ao lar, onde na sua terra natal não actuava…Segundo Maria Engrácia Leandro, um dos grandes méritos das imigrantes portuguesas, foi o de, através da sua integração na economia local, terem contribuído para a sua própria aculturação e para a de toda a família. Para esta socióloga, na medida em que a emigrante portuguesa aprendeu a viver com outras formas de ver os papéis de homem, mulher, esposa, mãe, dona de casa, tornou-se, ela própria, catalisadora de mudança social, para si e para a família, através das suas atitudes e comportamento.

7 – A experiência de Paris – ou de França – não poderá ser extrapolada, sem mais, automaticamente, para outros países e continentes, mas ao mostrar-nos os factores de mudança, justifica a ideia de que, onde  quer que estejam presentes, conduzem a resultados semelhantes. – para a própria mulher, para o núcleo familiar e a comunidade alargada. A ausência de atenção, de políticas (as políticas de emigração com a componente de género são coisa muito recente…) deixaram as mulheres numa luta só sua, com problemas específicos, que tiveram de resolver. Consideradas como o elo mais fraco, como objecto de dupla discriminação (enquanto estrangeiras e enquanto mulheres), revelaram-se, afinal, na maioria dos casos, protagonistas de inesperado sucesso individual, com projecção no sucesso de toda uma geração de emigrantes. Eduardo Lourenço fala dos protagonistas da “emigração a salto”, dos anos 50 e 60, como “uma geração de triunfadores” - e com razão.
A meu ver, a parte das mulheres, que foi fundamental, construiu-se com a integração no mercado de trabalho e com a adesão aos valores da modernidade, da igualdade de género, na prática se não no discurso... - com autonomia, auto-confiança, influência e prestígio no interior da família e no exterior, na sociedade (com maiores dificuldades no meio mais fechado do associativismo das comunidades).
A emigração foi, para todas as que conseguiram impor-se pelo trabalho e pela cultura (os dois campos em que já as feministas de oitocentos centravam a luta pela igualdade dos sexos), uma verdadeira abertura à emancipação feminina

8 – Deixo estes tópicos para o debate, mas, a terminar, queria ainda dizer uma palavra sobre a organização desta sessão, para destacar ,além o trabalho da Drª Maria Manuel Durão, também o dos outros membros de uma comissão organizadora, em que portuguesas e brasileiras se juntaram para pensar o futuro das comunidades da emigração e o papel das mulheres -portuguesas, brasileiras, lusófonas, neste concreto país de acolhimento, que é a Alemanha.
É um exemplo que, espero, constitua precedente e inspiração para muitos outros debates! Os países da lusofonia são hoje, em muitos casos, simultaneamente, países de emigração e imigração, as mulheres em todos ocupam um lugar destacado, e, felizmente, cada vez mais visível. Trocar, entrelaçar as experiência de todos os nossos povos é fundamental, para vivermos mais  e mais fortes, o amanhã das migrações.

Maria Manuela Aguiar

27 de Setembro de 2014

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