quarta-feira, 9 de dezembro de 2015




Precilia, a menina que um dia sonhou viver em Portugal...


« A França está em estado de guerra », declara o Presidente da República francesa, François Hollande, nos primeiros minutos do dia 14 de Novembrode 2015. Precisamente na véspera, quiseram apagar a luz da Cidade Luz. A luz das Luzes, essas Luzes que venceram os obscurantismos de todo o tipo, essas Luzes que levaram Paris a ser o coração que bateu numa célebre Revolução, há 226 anos, que teve por base essa ideia fantástica que “os homens nascem livres e iguais em direitos”... Desde a Revolução Francesa, até essa trágica noite de 13 de Novembro de 2015, foi para a França, mas também para o resto do mundo, a escolha de arrasar a vida vivida, a vida festejada, a vida em conjunto. E eramos todos alvo: eu e você, o francês de gema ou mais recente, o refugiado, o migrante, o europeu e o estrangeiro, que passará a ser francês ou não, mas para quem a geografia da França «Abre como uma palma aos sopros do mar. Para que o pássaro do largo venha para cá e se entregue». (Nathalie de Oliveira, vereadora luso-francesa, na câmara municipal de Metz, França e membro das Comissões Nacionais do PS, França e Portugal, outro excelente exemple de « ponte » bem conseguida)


Assim descreve a Nathalie o estado de sítio onde se encontra França, no acordar da fatídica sexta-feira 13 de Novembro de 2015, uma data que ficará nas nossas memórias pelas razões todos e mais alguma, mas uma que tem a ver com o ponto focado no texto, o da integração, assimilação, acolhimento,…na sociedade francesa, com a simbologia de ver morrer no mesmo local, o Bataclan, pelo menos dois luso-descendentes, sendo um terrorista e outro, vítima, ambos nascidos em França, de casais mistos, mas com uma ligação a Portugal e à França, completamente opostas. Será isso que ditou o percurso radicalmente diferente, apesar do infortúnio da morte quase igual ? Quase, porque Quem vai ficar para a história, tanto francesa como portuguesa, é a Precilia Correia. No Observatório dos Luso-Descendentes, pelo menos, vamos querer mantê-la viva, como símbolo de ligação a Portugal de todos os filhos da Diáspora portuguesa.


A vida e a história da Precilia davam de facto um « case-study » ou um estudo muito interessante sobre todos os clichés e ideias bem arrumadas e reconfortantes sobre migrações e os seus supostos padrões e verdades absolutas. Fruto de uma união entre um luso-descendente 1.5 e uma francesa mononacional, portanto luso-descendente de 2ª geração 2.0, a Precilia tinha todas as probabilidades da sua ligação a Portugal já ser « diluida » como dizem a maior parte dos investigadores na matéria… « essa ligação só se mantém mesmo para quem nasce em Portugal ». Pois é, ou não é, nem tudo é branco ou preto, em nada na vida e ainda menos no "poliedro" que constitui a história das migrações, como repete incansavelmente a Dra Maria Beatriz Rocha Trindade….


No caso da Precilia Correia, como provavelmente de milhares de luso-descendentes bem instalados, integrados (e não « espalhados ») pelo Mundo, a sua ligação a Portugal era tão forte que até tinha o sonho de viver em Portugal, para sempre, e conseguiu, de certa forma, mas não em vida, infelizmente, apesar das várias tentativas…Foi numa delas, há 4 anos atrás, que se aproximou da nossa organização, o Observatório dos Luso-Descendentes, onde encontrou um porto de abrigo, face aos problemas e falta de resposta com que se deparou, nomeadamente a impossibilidade de arranjar um emprego que lhe permitiria ficar e construir uma vida em Portugal… à imagem de tantos outros jovens portugueses da mesma geração, e nascidos em Portugal. Porque seria diferente para ela? Antes pelo contrário, sentiu na pele uma certa discriminação que só não aconteceu no processo de tirar a carta de condução, que foi o que levou de Portugal, para além das centenas de fotografias que não se cansava de tirar de Lisboa e da sua gente e cuja beleza denota a sensibilidade e amor, com que o fazia… símbolo do amor pelo país das suas origens !


No caso do pai da Precília, ele sim, nasceu em Portugal, acompanhou os pais para França, com 7 anos de idade, sendo então um luso-descendente 1.5, mas sem ligação a Portugal, antes pelo contrário! Já quase não domina a língua portuguesa, nem ele nem os pais vão ser sepultados em Portugal, e não queria que a filha o fosse. e muito menos entende esse desejo dela em vida!


E contrariando todos os cenários dos especialistas, é a mãe da Precilia, francesa, nascida em França de 2 pais franceses, divorciada há muitos anos do pai da Precilia, que cultiva quase religiosamente essa ligação: fez questão de manter o apelido português, comprou um apartamento em Almada, onde vem quase mensalmente passar fins de semana e férias…e foi a única a lutar pela concretização do sonho da filha de « ser enterrada em Portugal, no caso de falecer mais cedo, no cemitério com vista para o Rio ».


Face ao apelo dessa mãe desesperada perante as reticências do pai e as dificuldades burocráticas do lado português, decidimos ajudar, como organização amiga e solidária da Precilia, na concretização desse derradeiro sonho dela, tão simbólico de um dos objectivos de trabalho do Observatório dos Luso-descendentes, que é de criar pontes com a Diáspora Luso-Descendente do Mundo inteiro….que laço de amor mais forte poderiamos querer tecer ?


Em suma, gostaria de concluir de maneira muito sintética, porque o texto já vai longo, pois achei que era necessário esta pormenorização dos « retratos da E/I migração envolvidos »para deixar muitas portas abertas de reflexão sobre a dificuldade e o perigo de etiquetar movimentos migratórios, mas sobretudo uma mensagem de esperança para a gestão da diáspora portuguesa, assim como temas de estudos sociológicos práticos. Será que a grande diferença no percurso de pesquisa identitária (sentida pela maioria dos Luso-Descendentes numa fase ou noutra das suas vidas) da Precilia Correia e do Ismaël Mostefai se deveu, à primeira ter arranjado uma esperança na sua ligação à Portugal, enquanto que o segundo a preencheu com ilusões islamistas radicais? O que/quem falhou na transmissão dos valores? O  que deveria/deverá ser feito?
Tenho esperança por ti e graças a ti... Merci Precilia, até sempre, pois vamos recordar-te!

Emmanuelle AFONSO, Presidente Fundadora do O.L.D (Observatório dos Luso-Descendentes)

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