A ASSOCIAÇÃO "MULHER MIGRANTE" ABRE ESTA TERTÚLIA A CONVERSA SOBRE AS MIGRAÇÕES E AS DIÁSPORAS PORTUGUESA E LUSÓFONAS. VAMOS FALAR DA NOSSA ASSOCIAÇÃO, DAS INICIATIVAS QUE ESTAMOS A DESENVOLVER E DA FORMA COMO PODEM COLABORAR CONNOSCO. UM CONVITE DIRIGIDO, POR IGUAL, A MULHERES E HOMENS, DE TODAS AS IDADES, EM TODAS AS LATITUDES.
sexta-feira, 18 de maio de 2012
SEMINÁRIO SOBRE MARIA ARCHER INTERVENÇÃO DA DOUTORA FÁTIMA DUARTE
Incumbe-me Sua Excelência a Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade de a representar na sessão da abertura deste Encontro sobre a VIDA E OBRA DE MARIA ARCHER. UMA PORTUGUESA DA DIÁSPORA … e da lusofonia, poderíamos acrescentar, atendendo à itinerância da sua vida em que percorreu grande parte das, à altura chamadas, províncias ultramarinas (e antes, colónias), Moçambique, Guiné, Angola – e significativamente uma das suas obras se chamou Roteiro do mundo português (Lisboa, Cosmos, imp. 1940) –, tendo posteriormente fixado residência no Brasil, onde viveu de 1955 a 1979.
Não é o atual o primeiro encontro entre a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, serviço que tem por missão garantir a execução das políticas públicas no âmbito da cidadania e da promoção e defesa da igualdade de género, e Maria Archer, a quem foi dedicada a agenda temática da CIG de Dezembro de 2010, ano em que a Agenda Temática da CIG foi dedicada a doze escritoras portuguesas, cujas obras constam no acervo bibliográfico existente no Núcleo Reservados da Biblioteca da Comissão.
Maria Archer, pela destemida singularidade do seu percurso de vida, em que se desdobrou pelas atividades de escritora (tocando a ficção, o ensaio e até a dramaturgia), jornalista1 e conferencista, integrou essa seleção,
1 Colaborou em inúmeros jornais e revistas: Acção, Comércio de Angola, Correio do Sul, Diário de Lisboa, Estado de S. Paulo, Eva, Fradique, Gazeta de São Paulo, Humanidade, Ilustração, Jornal de Notícias, Ler, Modas e Bordados, Mundo Português, O Atlântico, O Primeiro de Janeiro, Portugal Colonial, Portugal Democrático, República, Seara Nova, Semana Portuguesa, Sol, Última Hora
Encontro “Vida e Obra de Maria Archer Uma Portuguesa da Diáspora”
Salão Nobre do Teatro da Trindade
Fátima Duarte.
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salientando-se o facto, pouco comum à época, de ter sido financeiramente independente, vivendo do produto do seu trabalho, sendo ainda mais singular que esse provento advinha da escrita.
Maria Archer vem na senda das mulheres que, na viragem do século XIX para XX, lutaram por uma vida mais digna, inseridas, ou não, no movimento a favor da emancipação das mulheres em Portugal («(…) entendido como tomada de consciência do valor da pessoa, como definição do seu papel na sociedade e como contestação e revisão de preconceitos e limitações até aí impostos às mulheres.»2). Se se atender ao percurso de vida de Maria Archer e aos temas que aborda nos seus livros, percebe-se que aquelas reivindicações não lhe foram alheias.
Fiel ao seu propósito de dar visibilidade ao papel das mulheres na História, a CIG tem levado a cabo, ao longo dos tempos, estudos dedicados ao trabalho desenvolvido pelas feministas portuguesas de final do séc. XIX e início do séc. XX, com as suas preocupações do direito de voto, de inde-pendência económica e de educação das mulheres, e ao seu envolvimento social e político, em geral 3 4, editando atualmente a coleção Fio de Ariana, que pretende destacar a participação das mulheres em todas as esferas da atividade humana, evidenciando o facto que homens e mulheres
2 Silva, Regina Tavares da Silva, Feminismo em Portugal na voz de mulheres escritoras do inicio do século XX, Lisboa, CIDM, 2002 (3ª. Edição), p. 9.
3 No início da década de 80, na então Comissão da Condição Feminina, Maria Regina Tavares da Silva escreveu sobre “Feminismo em Portugal na voz das mulheres escritoras do séc. XX” inserido na colecção Cadernos Condição Feminina, nº.15, e hoje já na sua 3ª edição.
4 “Mulheres Portuguesas. Vidas e Obras celebradas – Vidas e Obras ignoradas”, que correspondeu ao 1º título da coleção Ditos & Escritos Fruto de persistente investigação ao longo dos anos 80, época ainda parca de abordagens a figuras femininas que lutaram pelos direitos das mulheres portuguesas, este 1º número apresenta pequenas biografias de Antónia Gertrudes Pusich (1805-1883), Guiomar Torrezão (1844-1898), Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1925), Caiël (1860-1929), Adelaide Cabete (1867-1935), Ana de Castro Osório (1872-1935), Virgínia de Castro e Almeida (1874-1945), Emília de Sousa Costa (1877-1959), Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911), Branca de Gonta Colaço (1880-1945) e Regina Quintanilha (1893-1967).
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constituem, e sempre constituíram, elementos indissociáveis e partes integrantes de um mesmo sujeito social5.
Mas porque, nas lições da História, se talham os atos do presente e os caminhos do futuro, tem vindo a CIG, no exercício das suas competências, e na qualidade de entidade coordenadora do IV PLANO NACIONAL – GÉNERO, CIDADANIA E NÃO DISCRIMINAÇÃO 2011-2013, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2011, de 18 de janeiro (IV PNI), do II PLANO NACIONAL CONTRA O TRÁFICO DE SERES HUMANOS (II PNTSH), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2010, de 29 de Novembro, e do IV PLANO NACIONAL CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 2011-2013 (IV PNCVD), a prestar atenção ao cruzamento entre género e as rotas da migração, quer aquela que tem Portugal como origem, quer aquela que tem Portugal como destino, implicando diferentes abordagens.
Na área estratégica 14 do IV PNI – RELAÇÕES INTERNACIONAIS, COOPERAÇÃO E COMUNIDADES PORTUGUESAS, as medidas
96 REFORÇAR A PROMOÇÃO DA IGUALDADE NAS COMUNIDADES PORTUGUESAS, que tem como público-alvo nacionais residentes no estrangeiro e
5 Esta coleção conta no momento com seis Títulos:
Nº. 1 – Maria Veleda (1871-1955) de Natividade Monteiro (2004);
Nº. 2 – Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911) de Regina Tavares da Silva (2005);
Nº. 3 – A Concessão do Voto às Portuguesas – Breve Apontamento de Maria Reynolds de Souza (2006);
Nº. 4 – Deusas e Guerreiras dos Jogos Olímpicos de Isabel Cruz, Paula Silva e Paula Botelho Gomes (2006);
Nº. 5 – Mulheres e Republicanismo (1908 – 1928) de João Esteves (2008);
N.º 6 – Adelaide Cabete (1867 – 1945) de Isabel Lousada (2010).
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como indicador as ações que integram a dimensão da igualdade de género
e
97 INCLUIR A DIMENSÃO DA IGUALDADE DE GÉNERO NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES COM OS PAÍSES DE RESIDÊNCIA E TRABALHO DE NACIONAIS, que tem novamente como público alvo nacionais residentes no estrangeiro e como indicador a inclusão da temática da igualdade de género nas agendas de trabalho com esses países
visam cumprir o objetivo de consolidar e aprofundar as políticas para a igualdade de género nas comunidades portuguesas.
A afluência a Portugal de comunidades migrantes, provenientes de países onde se pratica a Mutilação Genital Feminina (MGF/C), ato de violência com base no género e que faz parte de um conjunto de práticas tradicionais nefastas que persistem na atualidade e que é uma violação clara dos Direitos Humanos, dos Direitos das Mulheres e dos Direitos das Crianças, tornou Portugal um país de risco no que concerne esta prática, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (2000), partindo-se do princípio de que essas comunidades migrantes poderão continuar esta prática, quer no nosso país, quer enviando menores aos países de origem. Assim, e em cumprimento da Medida 58 do IV PNI ADOTAR NO ÂMBITO DO IV PNI O PROGRAMA DE ACÃO PARA A ELIMINAÇÃO DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA E PROMOVER TODAS AS SUAS AÇÕES, foi aprovado o II PROGRAMA DE AÇÃO PARA A ELIMINAÇÃO DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA (II POA MGF), em cumprimento do qual, no passado dia 6 de Fevereiro, se procedeu ao lançamento de folhetos informativos e de
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cartazes, destinados a profissionais e centros de saúde, e à divulgação de orientações emanadas da Direção-geral de Saúde.
A Área estratégica nº 10 – INCLUSÃO SOCIAL do IV PNI presta especial atenção aos imigrantes, público-alvo de várias das suas medidas, bem como de outras do II PNTSH e IV PNCVD, cuja enunciação não cabe aqui fazer, preferindo-se sublinhar que todas as iniciativas promovidas pela CIG, sob o tema do género e a pobreza/exclusão social, de um certo modo integram a realidade da população imigrante, na medida em que a sua maioria experiencia no nosso país condições de particular vulnerabilidade social e económica, e que, nas ações de formação dirigidas aos/às os/as técnicos/as dos CLAI – Centros Locais de Apoio à Integração de Imigrantes, as temáticas, que vão da desconstrução de estereótipos de género, género, passando pelas culturas e tradições, mutilação genital feminina, violência doméstica e tráfico de seres humanos, são contextualizadas à realidade específica da imigração e em particular das mulheres migrantes.
Por fim, e porque a investigação e o conhecimento da realidade são sempre condições necessárias a poder atuar-se sobre ela, gostaria de referir o estudo intitulado Mulheres Imigrantes Empreendedoras, de Jorge Malheiros e Beatriz Padilla (coord.) e Frederica Rodrigues, integrado na Coleção Estudos de Género6, que pretendeu conhecer as condições de trabalho e de vida dos/as imigrantes em Portugal, segundo uma abordagem de género, de modo que mais mulheres, à imagem da
6 A colecção “Estudos de Género” publica os estudos científicos que a Comissão tem vindo a promover, numa actualização da Colecção “Cadernos da Condição Feminina”. A colecção, que conta no momento com nove títulos, tem como objectivo a promoção e dinamização dos estudos sobre as Mulheres.
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evocada, possam ser independentes economicamente, pelo fruto do seu trabalho, o que ela conseguiu, quando poucas mulheres o eram.
terça-feira, 15 de maio de 2012
SEMINÁRIO SOBRE MARIA ARCHER - O TESTEMUNHO DE CRISTINA ARCHER
“Foi com enorme surpresa que descobri a obra da minha tia-avó Maria Archer, na homenagem que lhe foi
prestada no dia 29 de Março de 2012 no Teatro Nacional da Trindade.
Surpresa e alegria, por descobrir que foi pioneira a combater "o conceito arcaico da inferioridade mental da
mulher" (nas suas próprias palavras).
Luta com a qual não posso deixar de me identificar, como mulher, na procura de uma sociedade mais
solidária e mais justa, onde todos os seres humanos sejam livres e iguais em dignidade e direitos.
Surpresa e tristeza, por descobrir o afastamento da família, pelos preconceitos de que foi alvo por ter
quebrado as tradições, por não ter chegado a conhecê-la.
É com entusiasmo que inicio um caminho de descoberta, através da leitura dos seus livros!”
Cristina Archer , sobrinha-neta de Maria Archer, 13-05-2012
Exposição Os rostos da República
Quando há precisamente doze anos o então designado Gabinete de
História da Câmara Municipal de Espinho começou com a produção de
exposições documentais que versavam as temáticas da nossa história
local, pensou-se que seria possível ir mais longe. O tempo encarregou-se
de nos mostrar que a aprendizagem continuada e reflexiva, ajudou-nos na
aquisição de conhecimento e experiência que se tornaram numa mais-
valia para o trabalho a realizar, quer ao nível da pesquisa, selecção
documental e concepção de painéis, quer no campo da montagem de
exposições. A galeria do Centro Multimeios de Espinho foi o nosso
laboratório. Um espaço onde pudemos ensaiar vários formatos e modelos
expositivos, trabalhar com diversos tipos de suportes e, sobretudo, dar
espaço à imaginação e à criação.
Com a inauguração do Museu Municipal em Junho de 2009, a cidade
de Espinho ganhou uma galeria de exposições temporárias que não é
comum em pequenos espaços museológicos espalhados pelo país e
pelo estrangeiro. No primeiro ano de abertura recebemos exposições
de fotografia, pintura, escultura e documental, produzidas e cedidas por
variados autores e instituições. Por outro lado, e não menos importante,
foi a constituição de uma equipa de trabalho que desse uma resposta
eficaz às solicitações que lhe eram propostas nesta área e para esse
espaço. Nesse sentido, a criação do serviço de investigação histórica do
Museu Municipal possibilitou a apresentação de um projecto expositivo
do âmbito da história nacional, como é o caso da exposição Rostos da
República.
O facto de se trabalhar biografias ligadas, de alguma forma, ao regime
político que vigorou em Portugal entre Outubro de 1910 e Maio de 1926,
partiu da ideia de que se poderia tentar fazer a história da primeira
fase da república portuguesa com base na vida e obra dos seus mais
interventivos protagonistas. Como refere o historiador Marc Bloch “a
História é o estudo do homem no tempo e no espaço”. Assim, e partindo
dessa premissa, estudamos as acções e transformações sociopolíticas
encetadas por um conjunto de personalidades masculinas e femininas
que atravessaram o tempo curto e o espaço geográfico e político da
designada Primeira República, ou daqueles e daquelas que não tendo
vivido esse período, para ele contribuíram com o seu pensamento e
acção.
Tentamos condensar num espaço equivalente a uma folha A4, um
conjunto de informações biográficas que de alguma forma possam
relacionar de forma rápida e directa uma determinada personagem a
um acontecimento ou facto histórico marcante. Fomos um pouco mais
longe ao colocarmos nos painéis informação complementar, salientado
mais um aspecto da vida e da obra de cada biografado. O resultado da
pesquisa culminou na elaboração de 87 biografias, a partir das quais
foram elaborados sessenta painéis para a Galeria do Museu Municipal
de Espinho e itinerância por municípios portugueses e cinquenta para
a exposição que esteve patente ao público em Brunoy, cidade francesa
geminada com Espinho e em várias zonas de Paris. O catálogo da
exposição, com uma edição em língua francesa, reúne todos rostos que
foram estudados.
Para além dos rostos mais conhecidos deste período da história
de Portugal, reunimos um conjunto de personalidades femininas que
desempenhou um papel activo na luta pelos direitos das mulheres,
com destaque para a Lei do Divórcio, as Leis da Família, o direito ao
voto, entre outros. Menos conhecidas do grande público são algumas
personagens ligadas à política local republicana, como os exemplos de
alguns rostos de Espinho, Póvoa de Varzim, Porto e Santa Maria da Feira.
Em suma, fizemos as biografias possíveis de acordo com os meios
técnicos e as condições de pesquisa existentes, na certeza de que a
selecção das personalidades estará sempre incompleta e o visitante
confrontar-se-á com a ausência de um ou mais rostos que considera
imprescindível numa mostra destas.
Armando Bouçon
Director do Museu Municipal de Espinho
quinta-feira, 10 de maio de 2012
MARIA MANUELA AGUIAR NO ENCERRAMENTO DO COLÓQUIO DE MARIA ARCHERSAUDADES DE MARIA ARCHER
Poderão perguntar porque se envolveu a Assoc MM na evocação de Maria Archer, em
sucessivas iniciativas - no Encontro Mundial da Mulheres Portuguesas da
Diáspora, em Novembro de 2011, na comemoração do Dia Internacional da
Mulher, 2012, na cidade de Espinho e, agora, em Lisboa, nesta sessão
que nos reune no Teatro Nacional da Trindade.
Responderemos que razões não nos faltam para justificar o empenhamento cívico com que o fazemos.
Uma primeira razão tem evidentemente a ver com o facto de Maria Archer ter sido uma
Portuguesa expatriada. Uma grande Portuguesa da Diáspora, que,
desde a sua juventude, passou largos anos em cinco países da
lusofonia, e em 3 continentes, olhando sempre em volta, com uma inteira
compreensão das pessoas, dos ambientes, dos meios sociais, que soube
traduzir em dezenas de escritos de incomensurável valor literário e, também, de muito
interesse etnológico, sociológico e político....
Seria motivo bastante para nos lançarmos na aventura de partir à
procura desse legado multifacetado e vasto, que guarda experiências e segredos de tanta gente
e de tantas terras.
Mas há mais...
Maria Archer é uma daquelas figuras do passado, que é intemporal,
por saber captar as constantes da natureza humana, ou por se
constituir na memória crítica de um tempo português, que foi opressivo e
cinzento, pautado por estreitos conceitos e por regras de jogo social e político,
que inteligentemente desvenda e que põe em causa, sem contemplações.
Ninguém como ela retrata a vida quotidiana desse Portugal estagnado
e anacrónico, avesso a qualquer forma de progresso e de modernidade,
em que os mais fracos, os mais pobres não têm um horizonte de esperança, e as mulheres,
em particular, são dominadas pela força das leis, pelo cerco das mentalidades, pela
censura dos costumes, depois de terem sido deformadas pela educação.
Tendo por pano de fundo os estereótipos impostos para o relacionamento de
sexos, a entronização rígida dos papéis de género dentro da famílias e
as consequentes desigualdades, distâncias e preconceitos sociais, num
doloroso e longo impasse da nossa história colectiva, .Maria Archer
vai dar presença às portuguesas suas contemporâneas, tal como elas foram,
com um realismo, que é, sem dúvida e quer ser, uma busca
e uma evidência da verdade - doa a quem doer e para que se saiba...
então e no futuro.
Na melhor tradição nacional, Maria Archer, a mais feminista das
escritoras portuguesas, é uma "feminista muito feminina", que ousou ser
um ícone de beleza e de distinção e ter uma carreira no jornalismo e
nas Letras , em simultâneo, fazendo combate pela dignidade e pela
afirmação das capacidades intelectuais e profissionais negadas à mulher..
Ousou fazer um nome no mundo fundamentalmente másculo da cultura portuguesa.
Ousou ser Maria Archer, sem pseudónimos...
Na verdade, por tudo isto, julgo que podemos dizer que ela é mais
do nosso tempo do que do seu tempo - aliás, uma afirmação que se deve
generalizar às mais notáveis feministas do princípio do século XX, que
dão rosto à exposição da Câmara Municipal de Espinho, há pouco,
inaugurada aqui, nas salas e corredores do Teatro da Trindade.
Maria era, então, demasiado jovem para poder participar nos movimentos
revolucionários em que estiveram a Liga Republicana das
Mulheres Portuguesas ou o Conselho Nacional Das Mulheres Portuguesas,
mas iria ser uma das poucas que, no período de declínio desses
movimentos e de desaparecimento de uma geração incomparável,
continuou, a seu modo, solitariamente, uma luta incessante contra o
obscurantismo,que condenava a metade feminina de Portugal á
subserviência, à incultura, ao enclausuramento doméstico.
Maria Archer foi uma inconformista, consciente das discriminações e das injustiças,
em geral, e, em particular das que condicionavam o sexo feminino, numa sociedade
retrograda e, como se diria em linguagem actual, "fundamentalista", em que o
regime impôs a regressão às doutrinas e práticas de um patriarcalismo ancestral.
A escrita, servida pelos dons de inteligência, de observação e de
expressividade foi uma arma de combate político - como dizia Artur Portela "a sua pena
parece por vezes uma metralhadora de fogo rasante".
Um combate em que a sua vida e a sua arte se fundem - norteadas por um ostensivo
propósito de valorização dos valores femininos, de libertação da mulher e com ela
da sociedade como um todo.
Ela é já uma Mulher livre num país ainda sem liberdade - coragem que
lhe custou o preço de um tão longo exílio ...
Maria Archer é uma grande escritora (ou um grande escritor, como
alguns preferem dizer, alargando o campo das comparações possíveis).
Pode ser lida como tal.
Mas permite também diversas outras leituras. Por exemplo, uma leitura sociológica,,,
Ninguém. como ela , escrutinou e caracterizou o pequeno mundo da
sociedade portuguesa da 1ª metade do século XX, das famílias, pobres
ou ricas, decadentes ou ascendentes, aristocratas, burguesas, "povo" -
todos imersos na nebulosa de preconceitos de género e de classe, de
vaidades, de ambições, de prepotências e temores...
Aurea mediocritas, brandos costumes implacáveis... o mundo de
contradições de um estado velho, que se chamava Estado Novo
Ou uma leitura feminista,,,
Ninguém como ela conseguiu corroer essa imagem da "fada do lar",
meticulosamente construída sobre a ideia falsa da harmonia de
desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia corporativa do
regime), da falsa brandura do autoritarismo e da subjugação no
círculo pequeno da família como no mais alargado, o do País.
É uma retratista magistral da mulher e da sua circunstância... O rigor da narrativa,
a densidade das personagens, a qualidade literária, só podiam agravar, aos olhos
do regime, a força subversiva da denúncia. Na crueza da palavra. Na
nitidez do traço...
O regime não gostou desses retratos femininos, como não gostava
da Autora. Primeiro, tentou desqualificá-la, desvaloriza-la .
Sintomática a opinião de um homem do regime, Franco Nogueira, que em
conta-corrente , num texto com laivos misóginos, a apresenta como
apenas uma mulher a falar de coisa ligeiras e desinteressantes, como o destino das
mulheres....). Sintomático também que a crítica seja divulgada pela
própria editora da romancista. a par de tantas outras, todas de
sentido contrário.
Não tendo conseguido os seus intentos, o Poder passou à acção: os seus livros foram
apreendidos, os jornais onde trabalhava ameaçados de
encerramento...
Maria Archer viu-se forçada a partir para o Brasil - uma última e infindável aventura
de expatriação, de onde só viria, envelhecida e fragilizada, para
morrer em Lisboa.
Mas o desterro não era pena bastante!
Teresa Horta, no prefácio da reedição de "Ela era apenas mulher"
afirma que Maria Archer foi deliberadamente apagada da História. Sim,
o ser emigrante é já factor comum de esquecimento, como que natural,
na memória da Pátria, mas este caso foi um caso mais grave, mais
doloso...
Uma outra razão para intervirmos, pois ainda é tempo de vencermos o acto
persecutório, implacavelmente executado há décadas, para restituirmos à
vida e obra de Maria Archer o lugar que lhes é devido no mundo vivo da
cultura portuguesa...
E se é certo que revisitar a mulher de Letras, através dos seus
escritos, tem, da nossa parte, esse objectivo proclamado de desvendar
o passado, de lançar luz sobre a realidade insuficientemente analisada
e realçada da sociedade portuguesa de 40 e 50, é também um momento
mágico de reencontrar a própria Maria Archer, bem viva em
páginas fulgurantes de tantos dos seus livros, artigos, crónicas -
sobretudo quando fala na primeira pessoa do singular!
Pela elegância do seu estilo, torna-se, afinal, sempre um prazer
acompanhá -la nas incursões ao universo bafiento e confinado que
se confrontaram e conviveram as portuguesas e os portugueses durante
meio século - e em que as personagens femininas raras vezes cumprem as
suas potencialidades e os seus sonhos (mesmo que modestos), e os
enredos quase nunca têm um fim feliz - ou justo...
Elegância é uma palavra que quadra com Maria Archer, que a
caracteriza na maneira como pensou, como escreveu, como se vestiu e
apresentou em sociedade, como atravessou uma rua de Lisboa ou de São
Paulo, como atravessou uma vida inteira, até ao fim...
Até ao fim, não!
Estamos aqui justamente reunidos pelo projecto de lhe assegurar uma 2ª
vida, no sentido em que Pascoaes dizia: "Existir não é pensar, é ser lembrado"
Este não é o primeiro nem será o nosso último encontro sobre a sua
personalidade, o seu exílio, o seu retorno... Talvez um próximo
encontro aconteça em São Paulo...
Sobre a obra ou a pessoa... qual delas a mais interessante?
A pessoa é certamente tão fascinante como as mensagens da sua escrita.
E ainda mais desconhecida.
Mas só assim continuará se não quisermos conhecê-la porque ela está
lá, eternamente jovem, vibrantemente eterna, em muitas das páginas que
poderemos ler e reler.
Dizia a Mariana desse esplêndido romance que é o "Bato às portas da vida":
"Ando na saudade de mim, mesmo perdida no tempo"
E nós queremos, afinal, andar na saudade de Maria Archer, reencontrada.
VIDA E OBRA DE MARIA ARCHER, UMA
PORTUGUESA DA DIÁSPORA
29 DE MARÇO DE 2012, Salão Nobre do
Teatro da Trindade
A propósito de Maria Archer
Viagens, diásporas e exílios
Ser escritora hoje
Sendo esta iniciativa uma parceria de várias entidades, entre
as quais a associação “Mulher Migrante”, acho muito curioso este convite que me
foi endereçado, eu que sou uma imigrante de mim em mim mesma. É também interessante
o nome desta associação, porque contém em si os dois movimentos: para dentro e
para fora, sendo que é sempre muto difícil saber, ao certo, o que é dentro, o
que é fora. É muitas vezes quando saímos que encontramos o dentro; e
vice-versa.
Disseram-me, há relativamente pouco tempo, para meu espanto:
“Para quem gosta tanto de viajar, viajas muito pouco”. O espanto veio-me de
nunca ter partilhado, com quem me falava, o meu amor pela viagem, penso até que
nem comigo partilhara este secreto gosto, mas também me veio o espanto da
declaração de que eu viajo muito pouco. Porque é verdade. Porque não é verdade.
Porque nunca pensei nisto nem como um facto nem como uma limitação. Estou como Garrett,
no início das Viagens na minha Terra:
“Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno,
em Turim, que é quase tão frio como Sampetersburgo —entende-se. Mas com este
clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o
mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia
até o quintal. Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de Estio, viajo até à minha
janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com
uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do
Cais do Sodré. “
No entanto, apesar de mais de meio
século de diferença, tenho em comum com Maria Archer o facto de ambas termos
iniciado a diáspora na infância. As minhas viagens tiveram início logo ao
nascer, andei em diáspora fora de mim cá dentro, a viagem dela iniciou-se mais
tarde, depois dos 10 anos, creio, mas foi geograficamente muito mais ampla,
começou em África e mais tarde ampliou-se ao Brasil. Mantendo a unidade da
língua com que pensou, sentiu, viveu e escreveu.
Intitulei esta reflexão como “… e
hoje?”, mas também poderia chamar-lhe “os exílios”, sendo que este conceito é
tão escorregadio como o de diáspora. Porque me parece que o verdadeiro exílio
de Maria Archer aconteceu quando voltou para Portugal terminando seus dias num
asilo. O asilo foi o exílio. No entanto, não sabemos que viagens esse asilo
exílio não terá proporcionado dentro dela, quantos livros para sempre
absolutamente inéditos não terá escrito, quantas novas paisagens não terá
visitado antes de partir, finalmente, para a que me parece a maior das
diásporas, mas não dos exílios.
Gostaria de conseguir fazer aqui em
poucas palavras o que me foi sugerido: a ponte entre duas épocas, o início do
século XX e o início do século XXI, quase um século depois, que diásporas, que
exílios? Somos, aparentemente, de diferentes tempos, no entanto ainda respirámos
o mesmo ar do planeta. Pouco depois de eu nascer ela parte para o Brasil e
espanta-me que ninguém me tenha dito nada. Se uma fada me tivesse segredado ao
ouvido, ainda no berço: “partiu para o Brasil Maria Archer”, que música teria
permanecido em mim deste sopro misterioso, que alteração de rota poderia ter
sofrido a minha vida? Que outras viagens? Mas pensando bem… não terá a fada
segredado algo assim? De onde me teria vindo desde muito pequena a saudade do
Brasil onde, aparentemente, nunca estive? Pergunto-me então: Que outra rota
teria sido a minha se a fada não me tivesse segredado este segredo? Estaria
hoje aqui?
Em 77, já doente, Maria Archer é internada em S. Paulo e nasce o meu
primeiro filho. Em 82 parte para a grande viagem, um dia depois de nascer o meu
segundo filho. Ela já não estava cá quando do nascimento da minha terceira filha
nem da partida do primeiro. Por essa altura eu andava ainda entretida a ter e a
perder filhos. Ela tinha escrito muitos livros e inúmeros artigos.
À escrita dela, João Gaspar Simões
atribuiu as características de “força e solidez”, o que poderia ser, se quiséssemos,
o estereótipo da escrita de um homem. Mas não é. Acredito numa escrita
masculina e numa escrita feminina, mas não acredito numa escrita de homens e
numa escrita de mulheres. Tenho visto homens a escrever com tal sensibilidade,
que nunca mais poderei garantir, perante uma página anónima, se foi escrita por
um homem, se por uma mulher. Por sua vez, Maria Archer parte, muitas vezes, da
temática feminina mas fá-lo ultrapassando todos os limites, de forma crítica e
política. Com força e solidez. O que
não implica ausência de sensibilidade e vulnerabilidade. Ampliou o universo das
mulheres, da limitação que então era ainda, ser mulher, fez rampa de lançamento
para uma ampla visão social e universal.
E hoje? O que é ser escritora hoje,
depois de ter sobrevivido a tantas invisíveis diásporas? Escrevo livros como se
pintasse quadros ou como se cozinhasse requintados pratos, ou como se dançasse
com o Universo. Ser escritora hoje, é dizer: Estou viva, amo o Sol, sou
visitada pela Lua e sou Terra.
A preocupação de Maria Archer com o
feminino mantém-se hoje em nós. Com a diferença de que agora temos a
consciência mais clara de que o feminino não são apenas as mulheres. O feminino
é tudo o que é acolhedor e vulnerável no Universo. São as mulheres, as
crianças, todos os seres frágeis e desprotegidos, os próprios homens na confusa
busca acerca do seu novo papel no Universo e a natureza. O feminino é, afinal,
a Terra, este planeta útero tão maltratado. Da compreensão da importância do
feminino depende a nossa sobrevivência. Já não se trata de defender direitos de
uma parte. Trata-se de sobrevivermos todos. Enquanto a Terra, essa primeira
mulher, for violada, os bebés continuarão a nascer com dor e as mulheres
sentirão as dores do planeta. Porque tudo é o mesmo. E não há política mais ou
menos rasca que nos salve. No entanto, há sinais de esperança. O planeta começa
a ser olhado como Mãe, o nascimento dos bebés a ser compreendido como o momento
mais determinante para a vida de um ser, e talvez um dia, quando todos os seres
secundarizados como as mulheres, as crianças, os animais, uma parte
significativa dos homens e a natureza em geral, viverem com a dignidade que
lhes cabe, talvez então os humanos possam realmente sê-lo e encontrar o seu V
Império, ou o Espírito Santo, ou a
Graça, e ser felizes. Maria Archer deu o seu contributo, de acordo com a
sua época, mais à frente do que a sua época. As escritoras hoje estão, creio, sinto-o
nas minhas diásporas fora e dentro de mim, atentas ao tratamento dado a esta
grande fêmea que é a Terra. Elas também em diáspora mais à frente que a sua
época, para evitar a ameaça do grande de exílio, para que possa haver a próxima
época e ainda muitas viagens e, porque não?, muitas diásporas.
Ser escritora hoje é migrar para além
da Mulher, é abraçar todos os seres, acolher a Terra e todos os homens. Continua
a ser, como para Maria Archer, passar para além dos limites, das fronteiras,
das paredes, dos muros, das marcas, de todos os marcos e limitações e
reaprender o que só a ilusão nos fez acreditar que deixáramos de ser: Inocentes
e Unos. Todos. Sem exceção.
Risoleta C. Pinto Pedro
http://aluzdascasas.blogspot.pt
terça-feira, 1 de maio de 2012
VIDA E OBRA DE MARIA ARCHER UMA MULHER DA DIÁSPORA
29 de Março de 2012
Teatro Nacional da Trindade – Salão Nobre
Senhor Professor Fernando Pádua,
Senhora Dra. Rita Gomes,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Boa tarde
Apresento, por uma questão de justiça, alguns agradecimentos. Registo os agradecimentos institucionais ao Museu Ferreira de Castro e à Fundação António Quadros e, pessoais, ao Professor Doutor Carlos Mendes Sousa, à Professora Doutora Clara Rocha, filha do escritor Miguel Torga, ao Dr. Pacheco Pereira e à Dra. Teresa Martins por me iluminarem os mil rostos de Maria Archer.
E, por fim, apresento os agradecimentos à «Associação Mulher Migrante» na pessoa da Sra. Dra. Manuela Aguiar, pelas homenagens a Maria Archer já realizadas na Maia e em Espinho e, claro está, por esta, que hoje, está a ser prestada.
Foi com muito prazer que aceitei vir falar sobre a minha tia-avó.
Não podia vir falar-vos da saudade que a minha idade e a diáspora não deixaram nascer. Mas a honra, sim, sinto-a e está presente.
Nas matizadas pesquisas que fiz sobre a minha tia-avó, encontrei, com mágoa, a referência a que tinha morrido no esquecimento. Ainda hoje, vários estudiosos me mencionam esse facto indelével. As suas obras de inegável valor foram olvidadas e, pairou sobre a sua pessoa e os seus testemunhos, o silêncio.
Morreu no esquecimento, mas não foi nem será esquecida.
Mas é verdade. Uma mulher da dimensão de Maria Archer não podia ter morrido, oito anos depois do 25 de Abril.
Merecia que um país já em plena democracia lhe manifestasse um maior reconhecimento.
Apraz-me relembrar uma frase que Maria Archer proferiu em relação à polémica que o seu livro “Ela é apenas Mulher” suscitou: “Confio na justiça do Tempo”.
Abrem-se os portões e encontramos uma mulher da diáspora que ousou afrontar os “costumes” organizados de então. Mulher de acção pela palavra, pela escrita. Escritora, jornalista, conferencista, tradutora.
Mulher autodidacta terminou apenas, oficialmente, a 4.ª classe, mas é senhora de uma cultura exuberante. Mulher viajada. Rasgou horizontes.
Gilberto Freyre lavrou na Introdução do livro Herança Lusíada: “pouco falta às páginas da talentosa escritora portuguesa para serem ensaio de luso-tropicalismo de todo consciente da unidade na diversidade que parece dar à simbiose luso-trópico definido carácter de área susceptível de ser considerada e estudada sociologicamente…. Para tais estudos o livro da Sra. Maria Archer representa decerto valiosa contribuição.”
Os seus livros são fruto da ousadia e da coragem que a caracterizam. Estão frequentemente ligados a problemas sociais e às questões da condição feminina. E, como recompensa, sofreu o isolamento e a discriminação da sociedade da época.
Relembremos o que escreveu Maria Archer, em Parques Infantis, nos idos anos de 1943 “…Não é demais pôr em relevo a figura da criadora dos Parques Infantis, a grande poetisa Fernanda de Castro, que concebeu uma obra social limada de asperezas, que soube amparar as crianças com a mesma alma em flôr com que escreveu os seus versos.”
Em 1944 é lançado o seu romance Ela é Apenas Mulher que, segundo Maria Teresa Horta afirma no prefácio à reedição de 2001, “Na altura em que surgiu, foi uma autêntica pedrada no charco. Escrevendo, afinal, aquele que hoje é um dos melhores retratos da situação das mulheres portuguesas da primeira metade do século XX. Sinto-me tentada a dizer: o único retrato autêntico, de corpo inteiro.”
Como afirmou Maria Archer em Revisão e Conceitos Antiquados de 1952:“A minha obra literária tem sido norteada pelo princípio vital de rebater o conceito arcaico da inferioridade mental da mulher.”
A leitura das suas obras convida ao fascínio da descoberta. Os seus livros sobre África são pontes para a reflexão mágica, para a beleza. A densidade da escrita enleia-nos tal floresta tropical.
A sua escrita é o lugar dos contrários, é a conjugação da água e do fogo, a simbiose da terra e do mar.
Hoje, aqui, em Lisboa, homenageamo-la pelas suas manifestações de cidadania, pela obra que nos deixou. Trinta anos após a sua morte.
Mas nunca é tarde.
Como diz o Prof. Eduardo Lourenço “um tempo é todos os tempos. Não antecipa só o futuro. Recicla todos os passados”.
Maria Archer, de seu nome Maria Emília Archer Eyrolles Baltazar Moreira, nasce em Janeiro de 1899.
Nos anos seguintes nascem os cinco irmãos, João, meu avô, Natália, Irene, Isabel e Eugénia.
Em 1910, com 11 anos, parte com os pais e com 4 irmãos para a ilha de Moçambique, onde vive, até 1913. Maravilha-se com a paisagem que diariamente lhe inunda o imaginário e apelida-a de “ilha de coral branco”.
Assim tiveram início as suas Idas e Voltas até ao continente africano.
Em 1914, regressa a Portugal.
A nova incursão por terras de África ocorre em 1916 acompanhando os pais, o irmão João, um ano mais novo, e a irmã Isabel. Desta vez ruma até à Guiné, “a verdadeira África maravilhosa”. Aqui vive durante dois anos.
Em 1921, encontra-se em Faro e em 29 de Agosto desse ano casa civilmente com Alberto Teixeira Passos que tinha conhecido na ilha de Moçambique alguns anos antes e, religiosamente, em 31 do mesmo mês, em Almodôvar. Os primeiros cinco anos de vida do jovem casal são vividos em Ibo-Moçambique.
Em 1926 regressam a Faro, indo depois para Vila Real de Trás-os-Montes, donde era procedente a família de Alberto Passos.
O seu matrimónio dura 10 anos. Em 1932, já oficialmente separada, navega até Angola para viver com os pais.
É em Angola, em 1935, que é editado o seu primeiro livro. Um livro de novelas e de contos intitulado, Três Mulheres, em parceria com Pinto Quartim.
Ainda no curso do ano de 1935, já em Portugal, publica o romance África Selvagem – a sua estreia na literatura colonial portuguesa. Aqui vive, empenhada e militantemente, do seu trabalho de escrita para jornais e revistas, dos direitos de autor dos livros que publica e que, amiúde, tanta polémica provocam pela incomodidade ao pensamento dominante.
Após regressar de Luanda, Maria Archer participa em várias conferências e palestras sobre o ultramar, na Sociedade de Geografia de Lisboa, aos microfones da Emissora Nacional, em liceus da capital, nomeadamente no Liceu Pedro Nunes, e em estabelecimentos militares.
Aventura-se também na literatura para crianças com o livro Viagem à Roda de África, tendo ganho o prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, em 1938.
Os muitos anos vividos em África influenciam a sua escrita. A sua sensibilidade foi tocada pela paisagem primitiva dos trópicos e pela cor das terras do sol. Olhou para a natureza que a rodeava e pintou-a, feericamente, através da escrita. A árvore da escrita perpetuou-se na pujante criação enquanto o tronco se contorceu tentando alcançar o sol, a luz.
A convivência de Maria Archer com os irmãos foi intermitente. A vida familiar decorria ora em Portugal, ora em África. Ainda assim, os laços de sangue são mais fortes. Esta união afectiva é retratada, por exemplo, no conto Eu vi o pelicano abrir o peito, de 1944 ou, no texto que escreveu para o catálogo da exposição da pintora Isabel Areosa, sua irmã, em 1945, ou ainda, na carta que endereçou à sua advogada em 1972 onde indicava ter enviado fotografias antigas para o sobrinho Luís Filipe o qual nunca recebeu a mencionada correspondência.
Viveu a revolta de ver alguns dos seus livros apreendidos. Como afirmou Maria Teresa Horta: “Tudo o que Maria Archer dizia, era proibido.”
Tendo Miguel Torga conhecido a mesma situação – o coarctar da liberdade de pensamento através da apreensão das obras - relembremos uma carta de Fevereiro de 1940 endereçada ao escritor aquando a apreensão do seu livro “Quarto Dia”: “V. decerto ignora que eu tive, faz agora um ano, um dos meus livros apreendido. Calculo que o ignore, como deve ignorar a minha existência e de livros meus.
Digo-lho para que compreenda o motivo por que muito desejo ler o seu livro apreendido, motivo que agrava o interesse que a sua arte me desperta, sempre e sempre.”
Seis dias após o envio desta carta outra será remetida a Torga, após a leitura do livro solicitado “Gostei muito do “Quarto Dia”, onde encontro o mesmo vigor que V. derramou nos anteriores, nesse ciclo fulgurante da “Criação do Mundo”. Confesso, porém, que “Os dois primeiros dias” me deram um deslumbramento maior. Deslumbramento é assim mesmo.
Graças por me ter confiado o seu livro e pelo prazer que me deu ao lê-lo. Maria Archer”
Em 1952 foi credenciada como jornalista por Jaime Carvalhão Duarte, durante o julgamento de Henrique Galvão.
E em 1955 exila-se no Brasil como consequência última do seu trabalho como repórter do jornal República.
Relembre-se a frase de Miguel Torga:”A Liberdade é uma penosa conquista da Solidão.”
Apesar de ter sido repentina a saída do país, dois ilustres escritores, Ferreira de Castro e Aquilino, acompanham-na no momento da despedida, demonstrando a sua solidariedade e companheirismo naquele momento difícil. Laços estes que tinham sido firmados muitos anos antes e que se revisitam na carta de Ferreira de Castro, de 9 de Agosto de 1936, ao reafirmar: “Não é possível que depois de tantos anos de luta, a ideia duma Humanidade redimida num mundo justo possa ser sufocada!”
No Brasil colabora nos Jornais O Estado de S. Paulo, Semana Portuguesa e Portugal Democrático e dá à estampa quatro livros: Terras onde se fala Português (1957), Os últimos Dias do Fascismo Português (1959), África sem Luz (1962) e Brasil, Fronteira da África (1963).
Em 23 de Junho de 1973, cinco dias após ter recebido o pedido que Maria Archer expressou ao seu sobrinho Fernando Pádua, o então Primeiro - Ministro de Portugal, Professor Doutor Marcello Caetano, autoriza o seu regresso com estas palavras “… Sra. D. Maria Archer pode vir para Portugal quando quizer. Não será incomodada.”
Em 26 de Abril de 1979 regressa, finalmente, a Portugal, doente e já com 80 anos, seis anos após ter obtido a anelada permissão e com um novo regime político. No regresso, vinte e quatro anos volvidos desde o dia em que deixou Portugal, e ao contactar com a família, dificilmente reconhece as irmãs e os sobrinhos.
No entanto, uma das suas características mantém-se inalterada até ao fim: a vaidade feminina.
Deixa-nos em 23 de Janeiro de 1982.
Raul Rego, no artigo “Maria Archer”, para o Diário Popular, escrito dias após sua morte, curva-se sobre a actuação sócio-política da escritora em Portugal. O jornalista elucida como a sua postura anti-conformista a “afastou logo de muitos meios oficiais e de muitos salões de tertúlias, arrastando-a para os contactos com a oposição.” E prossegue: “Ela era uma mulher livre, escritora de garra, senhora de si e impondo-se pelo talento”, o que na altura, não agradava a muitos.
Passados mais de 100 anos sobre o seu nascimento o que ficou, então? Ficaram os valores e os princípios. Ficaram os fins e os propósitos. Ficou o espírito de pioneirismo.
É uma honra muito grande, para mim, como mulher e portuguesa, ser familiar de Maria Archer.
Muito Obrigada.
Olga Archer Moreira
HOMENAGEM A MARIA ARCHER
29 de março de 2012 – Teatro da Trindade, Lisboa
Dina Botelho
Muito boa tarde a todos. Começo por cumprimentar os meus companheiros de mesa e todos os que se quiseram juntar a nós nesta justa homenagem a Maria Archer, uma das nossas melhores escritoras da primeira metade do séc. XX.
Aproveito também para agradecer o convite que me foi endereçado pela Associação Mulher Migrante, através da Dra Rita Gomes, a quem dou desde já os parabéns por ter organizado mais esta homenagem a Maria Archer desta vez em Lisboa, que se segue à da Maia, no final do ano passado, e à de Espinho no dia da Mulher.
Maria Archer, escritora é o tema que eu tenho para desenvolver. Depois de aqui se ter falado da Maria Archer mulher, irei abordar a Maria Archer escritora que não está tão dissociado assim da sua posição enquanto mulher, como iremos ver.
Eu tomei contacto com Maria Archer num alfarrabista de Lisboa relativamente perto do local onde hoje nos encontramos. Hoje, e ainda bem que assim é, temos já 3 livros de Maria Archer reeditados e que podem ser comprados nas livrarias Ela é apenas mulher, Nada lhe será perdoado e Memórias da linha de Cascais, dois deles (os 2 primeiros) graças à editora Parceria António Maria Pereira que apostou na sua republicação e portanto não é só através de alfarrabistas que podemos tomar contacto com a sua escrita, que considero ter sido um marco para a época em que viveu e é nesse sentido que sempre me deram testemunho quando dela falo com pessoas mais velhas.
Maria Archer foi uma das poucas mulheres do seu tempo a ter como profissão a de jornalista e escritora. Ela publicou de 1920 a 1963, tendo havido dois anos em que publicou 4 livros por ano (1938 e 1950) e alguns dos seus livros chegaram mesmo à 3ª edição como por exemplo Há de Haver uma Lei e Aristocratas. Ela é Apenas Mulher é de 1944 e no mesmo ano saiu a 2ª edição tendo chegado à 3ª edição em 1952. Escreveu, pois, 31 livros de 1935 a 1963, 5 deles no Brasil (Terras Onde se Fala Português, África sem Luz, Brasil, Fronteira de África, Os últimos Dias do Fascismo Português e do último nada se sabe), cinco peças de teatro e três traduções.
Mas não se julgue que era fácil ser uma mulher escritora na época. Este é outro reconhecido mérito de Maria Archer. Muitas mulheres da época, tais como Maria Lamas e Irene Lisboa, esconderam-se atrás de pseudónimos, quer femininos quer masculinos, para poderem escrever à vontade sem penalizarem a sua vida pessoal ou até mesmo para obterem maior imparcialidade por parte da crítica. Se agora temos muitas mulheres escritoras, no início do séc. XX, quando uma mulher queria escrever sobre outro tema, que não a vida doméstica ou a educação dos filhos, refugiava-se atrás de um pseudónimo.
Maria Archer nunca se escondeu, nunca usou pseudónimos. Talvez esse mesmo facto tenha levado ao afastamento da família que, por vezes, não viu com bons olhos certas publicações suas. Também o seu divórcio (esteve casada apenas 10 anos durante os quais publicou apenas em periódicos) poderá ter tido alguma base na sua profissão apesar da causa pública do mesmo ter mais a ver com questões familiares (sevícias e injúrias graves) e menos profissionais.
Homenagem a Maria Archer – 29 de março de 2012 – Teatro da Trindade, Lisboa
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Maria Archer viveu numa época em que era suposto a mulher ser apenas boa filha, boa esposa e boa mãe. As únicas atividades permitidas à mulher eram a lida doméstica e a educação dos filhos. Maria Archer dizia que escrever era fugir ao longo silêncio a que a mulher da época estava votada. Até o acesso à cultura é negado à mulher na época, como Maria Archer retrata bem na personagem de Adriana (de Casa sem Pão) que tinha de se esconder para ler livros.
Houve mesmo casos em que a crítica a um livro escrito com pseudónimo masculino era otimista e depois de se saber que havia sido escrito por uma mulher, o mesmo crítico dizia o contrário do que havia dito antes. João Gaspar Simões foi, dos críticos literários da época, o que melhor entendeu a luta da mulher escritora. Disse ele que «Em Portugal uma mulher que queira falar de si mesma com franqueza equivalente à de um homem quase pudico corre risco de enxovalho» Maria Archer mostrou as vozes profundas do seu ser sem nunca recorrer a pseudónimos o que fez dela única na sua época e no seu meio. Ela partia do real e era esse real que interessava aos seus leitores. Ela própria reconheceu que a literatura feminina da sua época não era criativa «pois a mulher encontrava-se subjugada pela estrutura social e familiar repressiva.»
Talvez por ter sido tão direta e tão profunda nas suas obras tenha visto duas delas (Ida e volta duma caixa de cigarros (1938) e Casa sem pão (1947) apreendidas pela Censura.
Mas passando agora à sua escrita em si. A preocupação/tema principal da sua obra era a situação da mulher e as dificuldades por ela sentidas. A vida da mulher, a sua relação com a família, com o trabalho e com os homens dominavam os seus romances e novelas.
Mas se o tema dominante era o mesmo havia novidades em todas as suas obras. O estatuto social das mulheres que retratava era diferente, a mulher tanto era vítima como até brincava com os homens e por isso lia-se com empolgamento as suas obras. O seu conhecimento profundo do pensamento da mulher das várias classes sociais permitia-lhe falar com à vontade e realismo das suas vidas. Já João Gaspar Simões falava, em 1950, do seu «superior espírito de observação, penetrante análise social, sólida expressão literária, magistral equilíbrio no doseamento do imprevisto, pelo que não poderia deixar de ser considerada desde já um grande contista, um grande escritor» .
Pela sua obra passam desde a jovem inocente que vem da província para a cidade para trabalhar na casa senhorial por intercessão de uma tia (Esmeralda de Ela é apenas mulher) que conhece toda a vida diferente da cidade e se apaixona por um mulherengo que lhe jura fazer por ela todos os sacrifícios mas que, quando ela lhe diz que pensa estar grávida, a abandona e ela vê-se desgraçada, de volta à terra do Alentejo onde até os pais a tratam mal por terem tomado conhecimento do seu namoro na cidade. De regresso à cidade, já a pensar ganhar a vida com um trabalho decente verifica que é difícil uma jovem arranjar trabalho em Lisboa sem ter de “ser simpática para os homens”. Decide afinal casar por dinheiro e depois acaba por trair o marido com o homem que, nos primeiros tempos, a abandonara.
Também temos a mulher da alta sociedade que vive pelo dinheiro e pensa (Maria Benta de Aristocratas p.129) que «na vida tudo falha, menos o gosto de gastar dinheiro, de ter dinheiro, de fazer coisas que se podem fazer com dinheiro». É esta a personagem que
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considera que com 20 anos a jovem deve casar. Também a única personagem da comédia “Alfacinha” se preocupa com o facto de ter vinte anos e ainda não ter casado. Neste caso vemos uma jovem da burguesia que apesar de amar muito um jovem, como este ainda pensava tirar o curso o que pressupunha uma espera de 5 anos, ela decide jogar com vários outros mostrando toda a sua arte de sedução para ver qual decide casar com ela enquanto ainda «fazia vista».
Também a vivência de uma vida de aparências e de preconceitos pode ser vista em Filosofia duma mulher moderna onde vemos uma mãe aristocrata (“Sujeição”) a convidar a filha e o marido, de quem esta está separada, para almoçarem em sua casa ao domingo. Também o drama da solteirona, cujo pai foi para África para casar as filhas que viam no casamento uma libertação, tendo na época, ao contrário das irmãs, decidido não casar, quando o quis fazer já era tarde de mais.
Em Ida e volta duma caixa de cigarros temos a descrição pormenorizada de uma mulher que vive o prazer do sexo em sucessivos encontros até que vê o seu sonho destruído por uma mulher que reclama «os direitos do seu ventre fecundado» e depois vinga-se do homem que entretanto conhece e que por ela demonstra amor. Mas com nenhum dos dois fica. Conhecera o amor verdadeiro e o amor carnal, agora queria o amor integral.
No romance Bato às Portas da Vida temos o problema da adolescência gerida pelas aparências, a necessidade de, independentemente de como se ganha o dinheiro, aparentar um estatuto superior ao que se poderia alcançar, mas que vem de família. Mais uma vez temos a jovem voluntariosa que rejeita vender-se por um estatuto mas que depois de ter o seu dinheiro fruto de árduo trabalho, acaba por casar entregando o seu dinheiro ao marido, que lho rouba quando se separam. A solidão é uma constante deste romance onde as decisões mais importantes são tomadas por ela sem qualquer apoio.
Mas também temos, como disse no início, a vítima que ama e se vê traída ( a Adriana de Casa sem pão) mas que salva a casa quando o marido perde o emprego, fazendo traduções. Conhecemos o marido com dupla vida. O marido que reconhece a mulher como santa mas a quem não deseja. O que quer a mulher que todos desejariam ter e por isso casa com ela e nem imaginaria separar-se dela.
Em Nada lhe será perdoado conhecemos o drama de uma mulher enganada até aos 41 anos pela família do marido e por ele. Vê-se obrigada a refazer a sua vida, não conseguindo permanecer muito tempo nos vários empregos por ter sido educada «para menina rica, para ser servida, para a inutilidade.»
Maria Archer queixou-se de como as mulheres escritoras têm de trabalhar «Trabalhamos sem poder sair do círculo de arame farpado com que o clã e a sociedade nos limitam a criação» (in “Revisão de conceitos Antiquados”, Ler, out. 1952) mas parece que ela conseguiu sair desse círculo mostrando e descrevendo a vida social da época como nenhuma outra.
Também como contista sobressai.
Homenagem a Maria Archer – 29 de março de 2012 – Teatro da Trindade, Lisboa
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É João Gaspar Simões (em Filosofia de uma mulher moderna) que diz que Maria Archer em alguns contos de Há-de Haver uma Lei nos faz pensar em Eça de Queirós e Singularidades de uma rapariga loira. Diz mesmo que ela se aparenta a Camilo. Diz-nos o mesmo ensaísta que se existir um tema nos seus contos este é o tema social: a rebelião da mulher contra as normas sociais sacrificadoras da sua sagrada independência». O conto de Maria Archer é o conto de fundo social, o conto de costumes.» Ela é considerada por ele «um dos nossos primeiros contistas contemporâneos, um dos nossos mais fortes temperamentos de escritor».
Termino apresentando duas citações da própria Maria Archer seguidas de um desafio:
«Saibam quantos fazem coro no desprestígio da obra literária das mulheres que os nossos livros são momentos heróicos. Custam-nos coragem, e angústias, que os homens, para igual feito, desconhecem de todo» (in “Revisão de Conceitos Antiquados” Out. 1952)
«Eu precisarei de morrer para que a minha obra seja avaliada na altura que eu lhe atribuí quando a escrevi – como um documento histórico duma época e da situação da mulher. » (1973)
Lanço então o desafio – Não deixemos que a sua obra morra, pois muito ainda há a fazer, nomeadamente estudos sobre os seus cadernos coloniais e estudos sobre as suas peças de teatro. Devemos enaltecer e reconhecer a sua luta pela dignificação da condição da mulher através da apresentação da realidade que a mulher da sua época vivia. A vida da mulher de meados do séc. XX não está bem conhecida – os jovens de hoje não a conhecem e através da obra de Maria Archer poderão conhecê-la.
É também com satisfação que vejo que investigadores de outros países se interessam por esta nossa escritora e escrevem artigos e teses sobre ela. Aproveito para mencionar a dra Elizabeth, aqui ao meu lado, da Universidade de Mato-Grosso que se entusiasmou com a minha tese de mestrado sobre Maria Archer e sobre ela escreveu a sua tese de doutoramento tendo por base a sua vertente mais jornalística.
Bem hajam todos por nos fazerem reviver a vida da mulher do início do séc. XX nas suas diversas vertentes.
Dina Botelho
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