sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Maria Manuela Aguiar Colóquio MNE Março 2014

A DÉCADA 1974-1984
MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS
Os movimentos migratórios neste período não foram directamente influenciados pelo processo revolucionário, com excepção do retorno em massa das colónias de África.  
O grande êxodo dos anos 50 e 60, o maior registado na nossa história, chegava ao fim, com a crise económica europeia e mundial de 1973/74,  simplesmente porque os mercados de trabalho se fechavam a novos imigrantes.
 No sentido contrário,  a descolonização trouxe, em 1974/75, de volta ao País, mais de 800.000 pessoas, em situação dramática, com perda dos seus bens nas colónias, e muitas delas, sem passado próximo em Portugal. No mesmo período, supõe-se que muitos ex-residentes nas colónias (100.000 a 200.000?) terão reemigrado, sobretudo para a Republica da África do Sul e para o Brasil. O Brasil foi o único país que abriu as fronteiras a todos os portugueses vindos de África, numa situação humanamente, se não juridicamente em situação semelhante à de refugiados. Aí, qualquer que fosse a idade, as condições de saúde ou fortuna, todos receberam vistos de residência definitiva, com a qual beneficiavam do Estatuto de Direito Civis e do Estatuto de Direitos Políticos, nos termos do Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros (de 1971) -.
Também os regressos voluntários cresceram, sobretudo da Europa, atingindo números próximos dos 30.000/ano, em média (um primeiro estudo, completado em 1984 pelo grupo de investigação da Profª Manuela Silva (com base no censo de 1980) apontava para cerca de meio milhão de regressos já verificados. e mais algumas centenas de milhares até ao fim da década de 90. É um dos temas, então, mais mediatizados, levantando, infundadamente, receio de novos movimentos caóticos, que poriam em risco uma economia debilitada. De facto, os processo de retorno de Angola e Moçambique, entre 1974 e 1976, e da Europa, que muitos já então preparavam, nada têm de comum – estes últimos são voluntários, planeados a médio prazo, dirigem-se às terras de origem, sub povoadas pelas suas partidas, aproveitam casas recuperadas ou já construídas, poupanças e benefícios fiscais em projectos de investimento. Na sua maioria, vêm para viver de reformas, de rendimentos, de pequenos negócios, trazem prosperidade e dinamismo a aldeias do interior. É uma reinserção natural, tão natural e discreta que se torna praticamente invisível. Soma-se ao sucesso que, retrospectivamente se reconhece, globalmente, ao retorno de África, também por força de uma disseminação destes outros portugueses pelo país inteiro e pelo vazio que vieram preencher em muitas regiões – um vazio de qualificações e empreendedorismo que traziam consigo (um perfil muito diferente do trabalhar rural que emigrara em meados do século XX
Com as novas  saídas praticamente limitada ao reagrupamento familiar, assiste-se à "feminização" da emigração, e os fluxos registados até à meia década de 80 são os mais baixos do século. As mulheres passam a constituir cerca de metade nas estatísticas da emigração.Com elas, com famílias inteiras, as comunidades vão entrar num novo ciclo, marcado pela vivência e preservação de costumes , de tradições, da língua.
Mas não cessara a propensão migratória dos portugueses e esboçava-se já, em 84/85, a procura de novas destinos, como a Suiça, a par de engajamento temporário no médio Oriente – em Israel, no Iraque.

II -NOVOS MEIOS INSTITUCIONAIS PARA A EXECUÇÃO DAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO
Em 1974 é criada, no Ministério do Trabalho, a Secretaria de Estado da Emigração (integrando os serviços preexistentes do Secretariado Nacional da Emigação, que substituíra, em inícios de 70, a “Junta de Emigração”).. Em fins de 1974, a SEE transite para o MNE, e, seguidamente, estende os seus serviços em algumas Delegações no estrangeiro e no País
A vontade de melhor sustentar as políticas mais ambiciosas, com estruturas mais diversificadas, leva à criação, pela AR, de um novo “Instituto de Apoio à Emigração”, com competências específicas em matéria de regresso, e de um “Fundo de Apoio a Emigração”, destinado a subsidia, nomeadamente, a construção de centros associativos e as suas actividades (teria algo de inédito na diáspora portuguesa, onde tudo o que está feito é extraordinário, mas nunca se deveu a ajudas do Estado, pelo menos do Estado português.). De qualquer modo, esses edifícios de uma nova arquitectura nunca arrancaram, a partir da Lei, nem durante o governo que estava então no poder nem nos seguintes. Na verdade, ambos os serviços se limitavam a duplicar competências já existentes, para o melhor exercício das quais o que faltava era verba. Em 1980, o orçamento para acções com as comunidades teve um enorme aumento (cerca de 400%), mas entendeu o VI Governo Constitucional, em 1980, que, para o melhor acompanhamento de todo o ciclo migratório, nas suas diferentes fases, se deveria, de preferência, caminhar no sentido da unificação de serviços. Foi, assim, criado, o Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas, em resultado da fusão da Direcção Geral da Emigração e do Instituto de Emigração. A partir do IAECP, praticamente sem custos, através de protocolos celebrados com Governos Civis e com algumas Câmaras Municipais se cria uma rede de novas delegações – assim se começando a desenhar a descentralização em regiões de forte emigração e regresso. A partir de 1983, passou a Delegação do Porto a coordenar o acompanhamento do regresso, a nível de um Centro de Estudo (funcionando por projectos de investigação articulados com Universidades) e uma Comissão interdepartamental (à qual organismos sedeados no Porto, como o IAPMEI,  o ICEP, a CCRN,e muitas Câmara da regia, deram excelente contributo).


III -EMIGRAÇÃO E CIDADANIA - transição do paradigma "territorialista" para o "personalista"

A Revolução veio reconhecer aos Portugueses o seu direito de emigrar livremente e o seu estatuto de cidadania, onde quer que a emigração os leve a radicar-se.
Até 1974, o exercício da cidadania restringia-se ao território nacional, pela imposição inexorável do "paradigma territorialista", na expressão do Prof. Bacelar de Gouveia. A ausência no estrangeiro implicava a perda de todos os direitos políticos e da própria  nacionalidade (se adoptassem a de outro país e, no caso das mulheres, se casassem com estrangeiros), assim como de direitos sociais ou culturais (maxime, o direito ao ensino da língua, de que o Estado nacional não curava, deixando-o entregue às vicissitudes do associativismo).
A transição para o" paradigma personalista",  que se vai concretizando na evolução de um "estatuto dos expatriados" norteado pelo princípio  da igualdade, é um "acquis" da Democracia, consagrado na Constituição de 1976 e aprofundado, progressivamente, em revisões constitucionais e nas leis da República. Um processo ainda em curso, que, nesta primeira década em democracia, deu passos muito  importantes:

1 - A elegibilidade e o direito de voto para a AR, em dois círculos de emigração, com um total de 4 deputados - uma representação diminuta, que constitui a única excepção ao princípio da representação proporcional. E que era, em termos de direito comparado, na Europa, caso único (comparável enquanto forma de escolha diferenciada, embora para outro órgão do Estado, só a França, onde já então havia “senadores” da emigração, eleitos pelo Conséil Supérieur des Français de l’Étranger” de entre os seus membros)
 De fora ficou o sufrágio na eleição do PR , que só viria a ser aprovado na revisão constitucional de 1997, e, também, o voto nas eleições locais e regionais, ainda não alcançado.

2 - A aceitação da dupla ou múltipla nacionalidade (Lei nº 37/81).
 A lei não dava, porém, eficácia retroactiva à reaquisição da nacionalidade e, embora, prevendo a reaquisição fácil, por mera declaração do cidadão, acabou por ser desvirtuada por uma regulamentação, que implicava demoras, custos e obstáculos. Só em 2004 se conseguiu obter consenso parlamentar para um processo efectivamente simples, célere com eficácia retroactiva.

3 - A criação, por iniciativa governamental, de um órgão de representação especifica dos expatriados, junto do MNE - o Conselho das Comunidades Portuguesas. 
 O CCP era composto por um núcleo de representantes eleitos pelas associações de cultura portuguesa (de nacionalidade portuguesa ou não) e por membros da imprensa, com estatuto de observadores. Constituía uma plataforma de encontro das comunidades entre si e delas com o governo.  O 1º CCP foi pensado como uma instância para a co-participação nas políticas para a emigração e a para a diáspora, abrangendo, tanto nacionais, como outros lusófonos e lusófilos - uma forma de retomar, em parte, ainda que sob a égide do Estado, o projeto pioneiro de Adriano Moreira na década anterior (a União das Comunidades de Cultura Portuguesa.
 A partir de 1996/ 97, o CCP passa a ser eleito por sufrágio universal, e a representar estritamente os emigrantes de nacionalidade portuguesa.
Uma última referência ao CCP, para destacar o papel que desempenhou na génese das políticas de género na emigração, ao ter aprovado. na 1ª Reunião Regional da América do Norte, em  1984, a recomendação da convocatória de um Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo (as duas principais componentes do próprio CCP). O Encontro foi realizado no ano seguinte e deixou a sua  marca na história da emigração portuguesa.

4 - A instituição oficial do "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades" .Assim, sem esquecer os emigrantes, se celebra, neste dia, simbolicamente, toda a dimensão humana e cultural da Nação. Vitorino Magalhães Godinho evocou como orador num 10 de Junho o "Portugal maior", no mesmo sentido em que Adriano Moreira falou de "Nação peregrina" e Sá Carneiro de "Nação de Comunidades", Nação de Povo.

Conclusão
O período de 1974/84 foi a grande década de viragem nas políticas para a emigração e a Diáspora, traduzidas num novo relacionamento entre o Estado e os Emigrantes, entre o Estado e a Nação.

Ficou, definitivamente, adquirido um estatuto de direitos dos expatriados, caracterizado pelo primado dos direitos dos cidadãos sobre o puro nteresse do Estado. O percurso para a plena afirmação dos direitos civis, políticos e culturais dos emigrantes prosseguiria, não sem obstáculos e pulsões contraditórias, nas décadas seguintes. E vai continuar, no caminho do aprofundamento da democracia, que não se faz sem todos os Portugueses.

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