segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

LUISA DESMET

Contributos para uma reflexão: Empreendedorismo na Imigração

Nas últimas décadas a sociedade portuguesa sofreu profundas alterações.
Algumas marcas relevantes do Portugal antes do 25 de Abril de 1974 desapareceram. Destaque-se, que essas alterações não foram somente nos elementos tradicionais, mas também nos aspectos estruturais da população e da sociedade, assim como nas características dos comportamentos e das mentalidades. A revolução de Abril alterou a vida política tendo implicações sociais, culturais e económicas de grande dimensão (Barreto, 2002).
A par de todas estas alterações internas em Portugal, ao nível do globo as transformações sucedem-se. A era da Globalização conquistava o planeta!
Assim, assiste-se a um impulso com base nas novas tecnologias, na criação de novos produtos, na recriação da divisão internacional do trabalho e na mundialização dos mercados.
Assiste-se também, à redistribuição da indústria, dos centros financeiros e organizações comerciais pelo mundo, formando-se uma cadeia mundial de cidades globais.
É pois para essas cidades que se dirigem as migrações internacionais da actualidade.
Mais precisamente a partir das últimas décadas do século XX, os movimentos migratórios internacionais passam a edificar uma questão emergente, avolumando-se, tornando-se visíveis, sendo uma das expressões impacto do processo de reestruturação produtiva mundial.
Segundo o Relatório das Nações Unidas de 2009 sobre a população mundial, as migrações triplicaram em 30 anos e quase todas as regiões do mundo estão condicionadas quer pela entrada, transito ou partida de indivíduos, tornando-se à alternadamente países de entrada, transito ou saída. Os migrantes são diversificados: mulheres, menores não acompanhados, elites qualificadas, estudantes, refugiados, desalojados por catástrofes naturais. As categorias de migrantes tornaram-se cada vez mais difusas entre os trabalhadores, desde os que solicitam asilo aos membros de reagrupamento familiar.
Como resultado das migrações, as sociedades actuais caracterizam-se por uma crescente diversidade, traduzida pela presença, num mesmo espaço social, de vários grupos étnicos, distintos da sociedade maioritária quer pela aparência física, quer pela língua, quer ainda, pelas normas e regras de conduta por que se regem.
Estamos perante um fenómeno social total (Marcel Mauss, 1872-1950), pois o fenómeno migratório afecta e é afectado por todo o tecido social em que se integra e envolve factores condicionantes de múltipla natureza: demográfica, económica, social, política ou cultural.
Portugal, país de índole emigratória, até à década de setenta do século passado, vê alterar este fenómeno com a Revolução de 25 de Abril de 1974 e a subsequente independência dos países africanos de língua portuguesa. Provenientes das ex-colónias chegam a Portugal indivíduos, quer originários da então metrópole, quer ali nascidos.

Estava iniciado um processo sem retorno!

Refira-se que de 50.750 imigrantes em 1980 o país passa para 445.055 imigrantes em 2010 (SEF/2010) concentrados predominantemente no litoral do país, nos distritos de Lisboa, Faro, Setúbal e Porto.

As primeiras vagas de imigrantes são de origem Cabo Verdeana e datam do pós 25 de Abril, sobretudo na década de oitenta. Não se deve contudo esquecer que muita desta população, oriunda de Cabo Verde já se encontrava em Portugal no inicio dos anos 70, quando o Estado Português sentiu necessidade de compensar a falta de mão de obra na construção civil e promoveu as migrações desta antiga colónia para a metrópole.

Nos anos oitenta Portugal deparava-se com uma imigração até então praticamente inexistente, a dos Brasileiros.

Nas primeiras vagas chegaram brasileiros qualificados, principalmente dentistas, jornalistas, médicos, nas vagas posteriores indivíduos, na sua maioria sem qualificações que se dedicaram a actividades no âmbito da restauração, construção civil e comércio, não obstante os que afluíram através de redes clandestinas e que alimentavam o mercado da prostituição.

Em finais dos anos noventa, provenientes dos países da Europa de Leste, novas comunidades afluem a Portugal, sendo a comunidade Ucraniana a que revela maior relevância.

Esta imigração alicerçou-se no desenvolvimento económico dos países do sul da Europa que revelaram carência de mão-de-obra e no fecho das fronteiras dos países do norte da Europa. Tratava-se de um tipo de imigração com elevado grau de instrução, mas que devido a dificuldades linguísticas se viu relegada para a na construção civil, trabalhos de limpeza, agricultura em trabalhos indiferenciados.

Ainda nos anos 90, chegam também a Portugal imigrantes originários da China. Esta comunidade constitui uma realidade multifacetada envolvendo diferentes dimensões, sendo constituída por três subgrupos distintos em função não só da sua origem geográfica como também da língua, referências culturais e amplitude da rede de contactos.

A área metropolitana de Lisboa tem sido o principal receptor dos vários fluxos de imigrantes. Nos bairros descentralizados da cidade de Lisboa, caracterizados por condições urbanísticas degradadas e carência económica, coabitam uma mistura de grupos étnicos distintos a população autóctone. Aqui, estes imigrantes na busca da sua quimera desenvolvem as mais diversas actividades profissionais.

Segundo Pena Pires et all (2010) podemos distinguir três perfis profissionais nas populações imigrantes. O primeiro perfil é o dos quadros de empresas multinacionais e profissionais intelectuais e científicos, que apresentam elevadas qualificações escolares e níveis de remuneração altos, acima da média nacional. No segundo perfil, enquadram-se os trabalhadores da construção civil, restauração e hotelaria com fracas qualificações escolares, salários abaixo da média e situações contratuais precárias, informais e expostas ao desemprego. No terceiro perfil reúnem-se os empreendedores, ou seja, os imigrantes que criam pequenas e microempresas familiares e desenvolvem actividades independentes, nomeadamente na restauração, comércio e serviços. Os chineses e os indianos são um exemplo, com os restaurantes e lojas indiferenciadas, não esquecendo os brasileiros e africanos que nos brindam também com pequenos espaços comerciais associados à sua cultura.

A iniciativa empreendedora é favorecida pela existência de sólidas redes de apoio entre os imigrantes, formadas a partir de laços familiares ou das suas origens. Uma das competências empreendedoras identificadas pela UNESCO é a capacidade de formar e manter redes de apoio para a realização de projectos pessoais.

Não obstante as redes de apoio e todo o empenho dos imigrantes na melhoria da qualidade das suas vidas, múltiplos são os obstáculos que se apresentam à perspectiva de um futuro mais próspero.

Podem-se salientar alguns obstáculos mais directamente ligados à criação do próprio negócio como, o impedimento no acesso ao crédito, devido à dificuldade em satisfazer todos os requisitos exigidos pelo sistema bancário, o impedimento em oferecer garantias reais e pessoais para o crédito bancário ou mesmo em abrir contas, o desconhecimento das leis e do mundo dos negócios em Portugal (fraca integração sociocultural ou uma distancia efectiva da informação) e por último o desconhecimento das obrigações fiscais e dos requisitos específicos inerentes a determinados sectores. A estes obstáculos acrescem os obstáculos de ordem pessoal, tais como as barreiras legais e institucionais, as dificuldades no acesso à informação (fraca integração social e ausência de canais de informação eficientes), o desconhecimento da língua portuguesa e as dificuldades no reconhecimento das qualificações.

Apesar de todos os obstáculos, atrás mencionados, o empreendedorismo imigrante cresce, contribuindo assim para o desenvolvimento da economia nos países de acolhimento e para a melhoria da integração laboral dos imigrantes.

Neste contexto pode-se destacar, segundo Kloosterman, van der Leun e Rath (1999), cinco processos de transformação das cidades de destino dos imigrantes associados a presença de empreendedores imigrantes:

1 - A revitalização de áreas degradas e comercialmente decadentes que foram abandonadas e desvalorizadas progressivamente pelos os comerciantes autóctones, tendo os imigrantes substituído os espaços comerciais obsoletos e contribuído para a recuperação da dinâmica e da atractividade da área.


2 - O estabelecimento de novos laços comerciais com regiões distantes através das pontes criadas para as trocas comerciais entre a origem e o destino dos imigrantes que contribuem para o reforço das interacções entre essas regiões e os países de acolhimento.

Apesar de algumas destas trocas efectuadas pelos empreendedores imigrantes seguirem trajectórias distintas das prosseguidas pelas grandes empresas de importação/exportação, reforçam visivelmente as interacções contemporâneas na globalização.

3- O contributo para a alteração dos sistemas de regulação formal donde se pode salientar a revisão dos horários de abertura ao público ou mesmo a relação urbanismo/comércio.

4 - A oferta de novos produtos e de novas estratégias de mercado que se manifestam numa cena onde a oferta comercial e serviços direccionada inicialmente para o próprio grupo procura atingir posteriormente a totalidade do mercado do pais de acolhimento tendo por base a oferta de produtos provenientes dos espaços e da sua cultura de origem (restauração étnica, pequenos mercados de produtos dito exóticos entre outros). Simultaneamente o sucesso destas iniciativas assenta também em vantagens de carácter económico como por exemplo o emprego de familiares e conterrâneos, o recurso a capitais inerentes ao grupo étnico etc.

5- A emergência de novas formas de coesão social nas comunidades imigrantes, fruto da solidariedade étnica e das relações de confiança.

A estes cinco processos de transformação pode-se ainda acrescentar a introdução por parte dos imigrantes de novos elementos urbanísticos e de novos símbolos que conferem uma diversidade `de cores, design e odores aos bairros das cidades por eles escolhidas para iniciarem a sua “nova vida”.

Em suma, o empreendorismo promove a auto-estima, a autonomia e a realização do imigrante integrando-o na sociedade de acolhimento e impulsionando as relações comerciais baseadas na interculturalidade.




Bibliografia


Pena Pires, Rui et all (2010) Portugal: Atlas das Migrações Internacionais, Fundação Calouste Gulbenkian, Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, Lisboa, Edições Tinta-da-china

PORTUGAL, Ministério da Segurança Social e do Trabalho, DEPP,(2002), Cadernos Sociedade e Trabalho: Imigração e Mercado de Trabalho, Celta Editora, Lisboa

ACIDI, Revista Migrações, Abril 2011,nº8, Lisboa

Rocha - Trindade, Maria Beatriz (1995) Sociologia das Migrações, Lisboa, Universidade Aberta

Vitorino, António et all (2007) Imigração: Oportunidade ou ameaça? Fórum Gulbenkian Imigração, Principia, Estoril




Luisa Desmet Maia, 26 de Novembro de 2011

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