terça-feira, 13 de novembro de 2012

Notas sobre o Colóquio de San Jose

San José - Abril 2012


Numa primeira intervenção convidei os participantes o olharem todo um passado de desinteresse dos poderes públicos e da “inteligência” nacional pelas questões da igualdade entre os sexos, de acesso da mulher à educação e à participação cívica, questões que se levantaram tardiamente em Portugal – e, mais ainda nas comunidades do estrangeiro, muitas das quais permaneceram, ou ainda permanecem, num estado de anacrónico conservadorismo neste particular domínio.
Comecei por fazer, a traços largos, a história da evolução do movimento feminista português de novecentos aos nossos dias, da revolução pós 74 no plano jurídico-constitucional, e, seguidamente, das políticas contra a discriminação de sexo a que a Constituição obriga o Estado e que no estrangeiro foram de aplicação mais morosa e inegavelmente mais descuidada – uma situação que se inverteu nos últimos anos e para a qual a AMM pode legitimamente reclamar uma boa contribuição, em parceria com sucessivos governos (ou não fosse no plano nacional, na prática, e desde a sua criação em 1994, a única totalmente voltada para a especificidade das situações das mulheres migrantes…)
E perguntei, para efeito de debate: qual é o grau da mudança verificada na realidade? Continuará tudo quase como dantes, com as mesmas e persistentes discriminações, de facto, apenas encobertas de uma forma mais subtil num quadro teórico de igualdade? Como comparar avanços reais ou retrocessos em Portugal, na Califórnia, nos EUA e, mais globalmente, nas comunidades de outras partes do mundo?
Apesar da perfeita revolução operada na esfera jurídica, no pós 25 de Abril - que essa é perfeita e objectiva e coloca o Portugal numa vanguarda europeia e universal - apesar da igualdade entre os sexos, consagrada na Constituição e nas leis, que com ela têm de conformar-se, o nosso parece ser ainda um dos países europeus da "União" onde é mais raro encontrar responsáveis, a alto nível político, que demonstrem, encarar como prioritária a matéria do equilíbrio de participação de género, vendo-a como vertente nuclear de um "avanço civilizacional (tal como há mais de um século o via já Emmeline Pankhurst, porventura a mais emblemática das sufragistas)
A aplicação do sistema de quotas, a partir de 2006, parece indiciar isso mesmo, pois se tem limitado ao parlamento ou autarquias, onde a lei as impõe, sem que os Primeiros -ministros, no Governo, onde a escolha é livre e é sua, se tenham, até ao dia de hoje, preocupado em assegurar uma proporção minimamente aceitável de mulheres no Executivo.
Apesar do direito de voto e de elegibilidade, apesar das quotas, a paridade é ainda uma utopia, numa república de homens…Desde 1910, os líderes de uma República, que se revia como moderna e progressista, recusaram o sufrágio às mulheres, do primeiro ao último dia, e, não foi por acaso. Foi, com certeza, por força de factores culturais, que pesaram mais do que a vontade de seguir os bons exemplos de outros Estados europeus (quase todos monarquias). Será este pano de fundo cultural que condiciona ainda fortemente o tratamento dado à discussão sobre os papéis de mulheres e homens na sociedade e na vida pública…
Se assim é, em termos gerais, mais o é, naturalmente, no domínio das migrações, tanto mais que a emigração portuguesa foi, ao longo de séculos, uma aventura quase em exclusivo masculina Mas a emigração feminina cresceu, a partir de oitocentos e aproximou-se da igualdade numérica, nos anos 70/80 do século XX.
A partir de então, muitas interrogações são pertinentes, de algumas das quais ali me fiz eco: Qual a parte das mulheres, na construção das comunidades portuguesas? O que significou para elas a o trajecto migratório, no estrangeiro? Pode a alegada decadência do movimento associativo, em tantas e tantas comunidades, ser combatido com a maior mobilização das mulheres? Há uma consciência disso, por parte delas mesmas, dos dirigentes associativos e dos governantes? Como se vêm as migrantes, na sociedade em que vivem, e face àquela de onde vieram?
"Os Encontros para a Cidadania - A igualdade entre homens e mulheres nas comunidades portuguesas" realizados entre 2005 e 2009, nos quatro cantos do mundo português constituíram uma via de procura de respostas para essas e outras interpelações.
Com a particularidade de ser empreendida, em conjunto, pela "sociedade civil" por ONG’s e pelo Governo. Proposta por aquelas, decisivamente apoiada por este. Mais concretamente, proposta pela Associação de Estudos Mulher Migrante e apoiada pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, com um envolvimento político muito grande de membros do Governo, que estiveram sempre presentes.
Esta experiência, que de algum modo, se insere no que chamamos “congressismo”, juntando a vertente de acção concreta à dos estudos (na melhor tradição do feminismo português) terá significado o início de uma ruptura com o passado, que parece pesar sobre a tomada de consciência dos problemas num domínio tão decisivo –e está sendo continuada, a partir de um novo Encontro Mundial de Portuguesas da Diáspora em 2011 em iniciativas como a que nos reuniu em S José
As conclusões daquele Encontro deram respostas e colocaram novas questões, que em S, José, na presença do SECP Dr José Cesário, tivemos ocasião de passar em revista, e de acrescentar. O SECP esteve ali em perfeita coerência consigo, com um discurso que vinha de trás, pois foi, como deputado, na Assembleia, o primeiro a propor uma Resolução pioneira que convocava os governos a mobilizarem mulheres e homens para a mudança na partilha das decisões e de poder no universo da diáspora, para a afirmação livre de capacidades e de contributos.
Olhamos não só a política, mas outros campos do empreendedorismo feminino que preenchem o conceito lato e eficaz de cidadania, com protagonistas notáveis em diversos campos., começar pela cultura, pelas artes, pela ciência. Uma organização com a marca da Profª Deolinda Adão, ela própria um exemplo de uma Académica que nem por isso deixa de ser militante de causas e interventora.
Estivemos na Califórnia, onde as Portuguesas foram pioneiras no movimento associativo e fraternal – e estão particularmente bem preparadas para o futuro mais igualitário. De S. José trazemos exemplos de boas ideias e de boas práticas e a obrigação de lhes dar visibilidade e divulgação.
Numa segunda intervenção, foi a política que esteve mais em foco e o diálogo conduziu-a, no meu caso, como nos outros, para o contar de experiências individuais, para a análise do bom e do menos bom das vivências muito concretas e dos seus ensinamentos.

MM AGUIAR


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