quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Manuela Marujo

ASAS/TORONTO – MULHERES IMIGRANTES LUSO-CANADIANAS
Manuela Marujo, Departamento de Espanhol e Português, Universidade de Toronto1
1953/2013 - Sessenta Anos depois
A chegada dos primeiros contingentes de imigrantes portugueses ao porto
de Halifax, na Nova Scotia, Canadá aconteceu em Maio e Junho de 1953. Quando
finalmente o Canadá abriu as portas à emigração portuguesa, o grupo experimental
selecionado em Lisboa por entidades canadianas, constava somente de cerca de 200
homens. A maioria era constituída por rapazes solteiros; os homens casados deixavam
as mulheres e filhos na expetativa de mais tarde se lhes virem juntar. As portas para
um mundo novo, as oportunidades de melhoria de vida estavam nessa altura apenas
reservadas aos homens “de mãos calejadas” que, no Canadá, encontraram trabalho nos
caminhos de ferro, nos trabalhos agrícolas ou na construção civil.
Pode imaginar-se facilmente a angústia causada pela falta de notícias, pelo
desconhecimento do tipo de vida que os homens encontraram, pela distância difícil de
transpor, nesses tempos em que os barcos eram o meio de transporte frequentemente mais
usado.
Algumas mulheres ousaram juntar-se aos maridos, pouco depois, sozinhas ou
acompanhadas de seus filhos. Muitas continuaram afastadas dos maridos pela distância
dos postos de trabalho nesse Canadá de espaços infindáveis, que os levava para lugares
onde não era possível alojá-las. Apesar disso, atravessado o oceano, estavam no mesmo
país e a distância tornava-se mais fácil de suportar.
As vicissitudes que as primeiras mulheres portuguesas sofreram no
Canadá, devido à solidão causada pelo afastamento dos maridos, pelo isolamento e
desconhecimento da língua e dos costumes, precisam ser conhecidas. Sem a companhia
de mães, irmãs ou outros familiares, as dificuldades para criarem os filhos e, ao mesmo
tempo, terem um emprego foram muitas e dolorosas.
1
 Contacto:manuela.marujo@utoronto.ca
1
Muitas mulheres pioneiras não tiveram a oportunidade de contar as suas histórias
de vida.2
 Não tinham o hábito de escrever diários e as suas histórias perderam-se quando
a saúde se perdeu ou a morte as levou. A escrita é uma arte que inúmeras das nossas
imigrantes não dominavam com facilidade; muitas tinham a escolaridade mínima ou
eram analfabetas.3
As senhoras idosas que agora frequentam os centros de apoio à terceira idade
são as que vieram nos anos sessenta, setenta ou até mais tarde. Os testemunhos destas
mulheres são valiosos para que se possa escrever a história da emigração sob uma outra
perspectiva mais abrangente e completa.
Academia de Seniores de Artes e Saberes (ASAS/Toronto)
O projeto Academias de Seniores de Artes e Saberes (ASAS) nasceu em Toronto,
em outubro de 2012, por proposta da Drª Manuela Aguiar 4
Internacional Rosa dos Ventos: o Português nos quatro cantos do mundo5
objetivos desse projeto consta a recolha de histórias de vida de mulheres de origem
portuguesa. A proposta é ir ao encontro de senhoras idosas em clubes, associações de
terceira idade ou em suas casas para/com o objetivo de recolher narrativas de suas vidas
que ilustrem os anos da presença de portuguesas no Canadá. A maioria destas mulheres
revela grande sensibilidade e um desejo genuíno de partilhar as suas experiências com os
outros, apesar de não se sentir capaz de as escrever.
A minha vida numa moldura
Num primeiro encontro, com um grupo de dez senhoras, na Casa dos Açores do
Ontário, dinamizou-se uma oficina de trabalho em que as presentes foram convidadas
a escolher factos significativos da sua vida, que as tivessem marcado de alguma forma
 durante o II Congresso
. Entre os
2
 Dois livros com narrativas de vidas devem ser mencionados: Imigrantes Portugueses -25 anos no Canadá,
de Domingos Marques e João Medeiros (1978) e Pequenas Histórias de Gente Grande de José Mário
Coelho (2004).
3
 Através das cartas escritas à família seria possível reconstituir muitas das primeiras impressões, aventuras
e desventuras. Infelizmente, esse trabalho de pesquisa continua por fazer.
4
 A doutora Maria Manuela Aguiar conhece bem as comunidades de imigrantes. A sua dedicação, empenho
e esforço são muito apreciados nas comunidades junto das quais trabalhou como Secretária de Estado das
Comunidades, Deputada pelo Círculo Fora da Europa e outras.
5
 O congresso referido teve lugar na Universidade de Toronto, por iniciativa do Departamento de Espanhol
e Português para festejar os 65 anos do Programa de Estudos Portugueses.
2
e que viessem naquele momento à sua memória. Depois de um breve diálogo de
motivação, foi-lhes pedido que escrevessem o que lhes vinha à lembrança. Mais tarde, foi
sugerido que, se se sentissem à vontade, lessem os seus textos e os partilhassem com o
grupo. Todas manifestaram desejo de ler as suas narrativas. Houve risos e lágrimas com a
partilha das histórias cómicas ou comoventes. A conclusão a que todas chegaram foi que
aquele texto representava apenas uma parte muito breve de suas vidas.
Esses textos foram recolhidos pela moderadora do grupo, impressos,
emoldurados e entregues às participantes em data posterior. Elas foram convidadas a
colocar a sua moldura em lugar de destaque, de modo a lembrá-las a dar continuidade à
sua narrativa. Transcrevo dois desses retratos 6
.
Sempre gostei de costurar
Desde menina muito cedo, sempre gostei de costurar, fazia os vestidos das
bonecas das minhas amigas depois da escola, fui aprender a costurar e era sempre a
minha alegria. Com dezoito anos comecei a trabalhar por minha conta. Muito trabalhei na
minha ilha de São Miguel, cidade de Ponta Delgada.
A 11 de Junho de 1952, casei-me e fui para a ilha Terceira com o meu marido. Lá
estive por cinco anos, o meu marido trabalhava no aeroporto quando estavam a aumentar
a pista. Ele trabalhava a pôr o cimento nas pistas, no fim voltámos para São Miguel e lá
estive até vir para o Canadá, vim para o Canadá no ano de 1967, foi com muito custo com
quatro filhos, a mais pequena fez dois anos depois de cá chegar, mas sempre gostei muito
do Canadá. Sempre trabalhei muito e estou velha mas graças a Deus sempre pensando o
que fazer, e gosto de ajudar quem precise e de ensinar o pouco que sei e no fim dos dias
sempre digo obrigado Deus por mais um dia que me deu.
Maria Valdomira Mendonça
Muitas lágrimas chorei
O dia mais feliz da minha vida foi o dia em que conheci o meu marido, a seguir o
dia em que me casei com 20 anos, em 1968. Casei num dia lindo e o mais feliz da minha
vida toda até hoje, foi o dia que fui mãe, em que ganhei a minha filha, só tenho uma. E
a seguir quando ganhei a minha segunda filha. Emigrei para o Canadá há 45 anos. Foi o
melhor que fizemos, esta terra é maravilhosa.
Dias de tristeza, o dia mais triste da minha vida até hoje foi o dia que faleceu o
meu bebé de um mês e meio, foi de cortar o meu coração. A seguir, o dia que perdi a
minha mãe, o meu pai e meu irmão. Passei dias da muita alegria até hoje, e dias de muita
tristeza. Muitas lágrimas chorei.
 Ana de Brito
6
 Todos os textos escritos sofreram ligeiras correçōes para maior clareza e compreensão.
3
O principal objetivo deste tipo de oficina de trabalho é dar-lhe seguimento e
entrevistar as senhoras que participaram. Elas ficaram entusiasmadas pela oportunidade
de ver a sua história partilhada no grupo e sensibilizadas de a sentir apreciada. Querem
continuar porque muito mais há para contar.
Páginas soltas da minha vida
Outro projeto ligado ao ASAS foi a criação de um espaço de diálogo e ajuda na
escrita de uma “Página solta da minha vida”. Um grupo de quinze mulheres do grupo
Mulheres Portuguesas 55+ participou com muito entusiasmo na primeira sessão. Foram
convidadas a escrever um pequeno texto sobre a sua vida antes ou depois de emigrar e, as
que não sabiam escrever, contaram os factos e foram ajudadas na elaboração escrita dos
mesmos.
Os textos foram recolhidos e impressos. Criaram-se livrinhos em que cada
história deu lugar a uma página. Para todas as participantes foi criado um livro com
cores, desenhos e ilustrações individualizadas. O produto final foi entregue a cada
uma das participantes numa cerimónia festiva, acompanhada de música, palavras
de encorajamento e reconhecimento pela coragem que tiveram ao emigrar. Todas
concordaram que outras páginas de vida seriam acrescentadas às suas histórias em
encontros futuros. Duas dessas histórias ilustram esta iniciativa:
Rancho das Rosas
Por volta de 1946, sofri um acidente muito triste, o meu pai abriu um poço em
minha casa, e quando estavam os homens a trabalhar, mandaram água para cima da
minha burra que me deu um coice. E eu fiquei estendida no fundo do poço.
Perder o meu querido filho foi a coisa mais triste da minha vida.
Uma coisa boa que tive na minha vida foi dos meus quatorze aos dezanove anos,
foram uns anos muito divertidos porque pertencia ao rancho da minha terra, o Rancho das
Rosas, em Alenquer. Cheguei a dançar dois rapazes em uma hora, a dançar uma valsa e o
vira da Nazaré.
Angelina dos Santos
Mulher de verdade
Vou começar pelas lembranças de infância. Apesar de ser pobre era muito feliz,
brincando no meu quintal, trepando a minha figueira e a latada, era uma cabra, como
dizia a minha mãe.
4
Depois o meu namoro, o meu casamento, data muito importante da minha vida,
dia 6 de Abril de 1958, tinha eu vinte e um anos. Vieram os meus filhos, dias de grande
alegria, fui uma mulher de verdade, esposa e mãe, sinto-me contente de ter criado e
educado o meu filho e a minha filha, tive um marido maravilhoso e uma vida feliz.
Já no Canadá, muitas coisas tristes se passaram, mas como na vida há altos e
baixos tudo faz parte da vida e eu faço o possível de esquecer os tristes e lembrar as
coisas boas e assim vou passando os dias da minha vida com recordações de setenta e seis
anos.
Margarida Medeiros
Plantar raízes em terra alheia: artesãs luso-canadianas
Ao falar com mulheres imigrantes luso-canadianas, ao observá-las nos centros
de terceira idade, em associações recreativas, descobre-se que trouxeram de Portugal
habilidade para bordar, fazer tricô e outros ofícios de natureza manual. Se a escrita não é
a forma mais comum de expressão (excecionalmente algumas há que o fazem em quadras
populares7
croché, bordados, joalharia.
O conhecimento de trabalhos manuais trazido do país de origem revela-se na
beleza dos bordados das toalhas de mesa, paninhos e blusas da Madeira, na delicadeza
das rendas de bilros de Peniche, na utilitária e colorida arte de trabalhos de tricô para
enxovais de bebés e de croché, na joalharia com materiais mistos, nas pinturas em que
elementos da paisagem portuguesa e canadiana se unem e valorizam.
ASAS/ Toronto está a recolher e analisar estas formas de expressão e
conhecimentos numa tentativa de não se perder artesanato de grande valor, que filhas
e netas das imigrantes luso-canadianas não sentem disponibilidade para aprender. Em
junho de 2013 foi apresentado um primeiro resultado deste trabalho de pesquisa no VI
Congresso Internacional A Vez e a Voz da Mulher em Portugal e na Diáspora: Tempos e
Percursos, na Universidade dos Açores.8
O projeto ASAS/Toronto está a ser divulgado em inglês através do Canadian
Centre for Azorean Research and Study (CCARS), uma parceria entre a Universidade de
Toronto e a Universidade de York, e tem recebido apoio financeiro da Presidência do
7
 Esther Fernandes “A Dança da Vida” (2005) em edição de autora.
8
 VI Congresso Internacional A Vez e a Voz da Mulher em Portugal e na Diáspora: Tempos e Percursos, na
Universidade dos Açores, de 27-29 Junho, 2013.
5
) elas manifestam-se através do artesanato: pintura, cerâmica, renda, tricô,
Governo dos Açores/Direção Regional das Comunidades.
Conclusão
ASAS/Toronto desenvolveu as iniciativas acima descritas durante o ano transato.
O nosso objetivo é dar continuidade ao projeto envolvendo mais associaçōes e mais
participantes que possam aprender a valorizar as suas histórias de vida, património
imaterial que se reconhece inestimável. O artesanato, sob as várias formas, continuará a
ser estudado, registado e arquivado para que esses saberes tradicionais possam, no futuro,
ser transmitidos às geraçōes mais jovens de luso-canadianos como parte de sua herança
cultural. Em muitos países, as Academias Seniores de Artes e Saberes ocupam, cada
vez mais, um grande número de pessoas idosas, sabedoras e experientes que continuam
interessadas em adquirir novos conhecimentos. O envelhecimento da população luso-
canadiana não constitui exceção. Por isso, reconhecemos a necessidade de dinamizar
pessoas dessa faixa etária e com elas partilhar aprendizagens. Acreditamos que a
publicação dos resultados possa vir a contribuir para a disseminação do projeto em outras
comunidades de imigrantes.

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