quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Entrevista a Constância Néry


Entrevista a Constância Néry por Ricardo Varela  Pinto de Sá, aluno do 8º ano da Escola Básica e Secundária Domingos Capela no Encontro em Espinho

 

1-A construção das caravelas, para serem apresentadas no serão cultural, realizado na Escola Básica e Secundária Domingos Capela, sobre o tema "Camões" e a sua obra emblemática «Os Lusíadas», obedeceu a um projeto com base numa memória descritiva. Poderemos saber se algumas das suas obras aqui apresentadas obedeceram a esta dinâmica ou nasceram de forma espontânea?

 

Começo por citar o mundialmente famoso analista de Arte Anatole Jakovsky, que justifica o fato de a arte naïf resgatar a criança que está esquecida dentro do ser humano:“ … A pintura de uma criança não é obra de arte, não passa de divertimento, enquanto que para o pintor naïf trata-se do objetivo de suas vidas. Abolem o tempo e remontam às fontes, a esses paraísos infantis perdidos e, afinal reencontrados…” As minhas obras são criadas e produzidas no estilo Naïf, também conhecida como Arte espontânea, ínsita, ingênua. A expressão espontânea define melhor uma arte que não obedece a critérios determinados pelas academias, mas aplica a emoção e a sagacidade na elaboração da obra, a beleza e o encanto na composição de cores, conta sempre uma história a partir do desenho e usa o olhar da alma na escolha dos temas. O meu processo de criação passa pela planificação do trabalho, com requintes nos detalhes, nas informações, nas intenções. Direi que há imensas etapas neste processo criativo, onde os artistas que bebem na fonte naïf, por exemplo, Matisse, Picasso e outros se inspiram e se aproximam de vários estilos: impressionismo, surrealismo, cubismo, expressionismo. A arte naïf regista formas elaboradas em alguns artistas e formas brüit noutros.

 

2- O que a inspira ou inspirou nos países onde esteve como emigrante (pessoas, locais)?

O que me inspira: os casarios históricos, antigas esculturas nos logradouros públicos. Objetos de arte ou utilitárias. Gente, especialmente. Costumes de raiz, da terra, o jeito de ser do povo. Em Portugal, adoro a primavera, quando chega o tempo em que o sol transpassa as folhas e os troncos das árvores, com uma inexplicável luz que chega por todos os lados e mesmo assim nos dá a luz e a sombra. É diferente da luz do sol do Brasil, ou então parece diferente por ser tão rara. A música me inspira muito, especialmente José Zeca Afonso, em Portugal, as ladainhas, os pregões das feiras e mercados.

3 - Até que ponto poderíamos dizer que há, no país onde esteve, uma arte no feminino em oposição a uma arte no masculino? Ou há uma relação entre género e expressão artística?

Desconfio desses movimentos do feminino e do masculino. Acho que já está fora de tempo. Temos que estar sempre vigilantes, é claro. Mas eu sou uma “dona do meu espaço no feminino, onde quem quiser pode também entrar” e adoro somar, interagir, sempre respeitando o meu ser e o outro. Sei que tropeço nos preconceitos, se pudesse pisava neles.

Por outro lado, na vida social, não sou anarquista, sou até meio burguesa. Já basta a minha arte que não obedece a regras nem instituições.

Sei que há mulheres que sofrem essa divisão, especialmente as de classe desfavorecida por terem pouco poder económico e fracos conhecimentos. Acho que devemos dar a nossa expressão feminina sem confrontos com a masculina, sempre que possível. Juntar sim, separar não. Faço parte de um grupo de 80 artistas do elenco do meu marchand, há mais de trinta anos. Sou uma das primeiras contratadas por ele e, no grupo, há muitos homens, muitas mulheres. Todos somos respeitados, tanto na expressão como no valor dos quadros. Convivemos bem com a igualdade e com o direito de oportunidades. Não creio que Tarsila do Amaral e Di Cavalcante e Portinari tenham sofrido por culpa do masculino-feminino, durante a Semana de Arte Moderna no Brasil.

Acho que quando a cidadania, a responsabilidade, a generosidade estão presentes, aliadas com o saber, com o conhecimento, tudo fica mais claro e mais fácil fica a convivência.

 

4- Para uma artista plástica em comunidade estrangeira, como absorveu a nova cultura do país onde vive e como é que a interligou com a sua cultura de origem?

 

Cheguei em 2008, em plena crise; moro na cidade do Porto, onde sou convidada para muitos movimentos de arte. Sou sempre bem recebida e não me posso queixar. No Brasil, eu já tinha um histórico, um grupo de pertença e ainda o tenho. Percebo e estranho os veteranos portugueses a fazerem exposições sem retorno de vendas. Outros a fazer suas Fundações. Preciso de um tempo para poder responder melhor, mas vejo  um povo que, ou não teve o costume de consumir arte, ou não está a fazer aquisição de arte por conta da crise. No Brasil, quem não pode enfrentar o preço de um quadro, compra e paga em prestações, como é o caso dos intelectuais, dos professores, jornalistas.

 

5- Quais as barreiras que encontrou enquanto mulher- preconceito e enquanto criativa - liberdade?

Eu, pessoalmente, nenhum, nos dois sentidos, caminho normal, sem problemas.

Eu falo como uma portuguesa, já me confundem, pois eu sou assim mesmo, se converso com russo de manhã, à tarde já estou inserida no sotaque. Há uma situação de barreira que tive que enfrentar, mas foi temporária, ou seja, o meu marchand pediu para não pintar igrejas, por que não conseguia vender para os judeus. Depois da minha mudança para Portugal, alguns colegas brasileiros começaram a implicar comigo, por que eu estava a pintar os “meus” adorados azulejos. Pedi que eles, os meus colegas pintores implicantes, espichassem o olhar pelo interior de Minas Gerais e do Recife, da Bahia e de Parati. Pintei um quadro cheio de azulejos e dei o título: “Onde estou: em São Paulo, Rio, Parati ou em Lisboa, Porto, Viana do Castelo?”

 

6- Pensando no  percurso, será que teríamos maior êxito ou maiores oportunidades se estivéssemos nos respetivos países de origem

 

Não acredito que seja uma questão de local, mas sim da qualificação profissional de cada um e da qualidade de ensino, de educação do país que hospeda. Não adianta estar no país de origem se ele não está propício. Como também não adianta esperar melhores oportunidades, sem qualificação profissional e num país em mau estado.

 

7- O que ganharam, neste particular domínio, as mulheres migrantes na sua itinerância por vários universos culturais?

 

Depende muito do projeto de vida. O grande Ariano Suassuna, antropólogo, dramaturgo, historiador, escultor, pintor, escritor, advogado e poeta, conhecido no mundo inteiro, cria e tem a grande energia a seu favor por que vive no Brasil, sorve o Brasil, idolatra o Brasil e toda a sua obra é criada e produzida no seu pequeno local onde nasceu, casou e viveu com a mesma mulher, mais de setenta anos; e lá continua, cheio de vida e de sucesso, sem crise, não acredita na crise. A felicidade está onde ele está. Nunca viaja. Para o exterior. Mas penso que sempre é uma mais-valia, para o processo de criação e produção, conhecer novos mapas.

 

 8- Que importância acha que devemos atribuir às Artes como formas de intervenção e afirmação cívica e humana?

Temporariamente está um pouco enfraquecido, mas não morreu, esse sentimento que, na composição da carne e do espírito, se instala no espírito do ser.

Esse sentimento é uma essência que corre no sangue puro da veia paralela e que o ser humano necessita dele para alimentar a alma. Essa essência é a ilusão que nos sustenta e nos dá a cegueira necessária e generosa, para que possamos suportar a outra veia, onde corre o sangue das dificuldades, do desamor, da falta de paixão e ausência do mistério. Na veia de sangue puro, podemos garantir a morada para as Artes, o saber, o conhecimento, os Artistas e todos os seres bons, sejam doutores ou não.

Entrevista a Cristina Maya Caetano


CRISTINA MAYA CAETANO

 

1- A construção das caravelas, para serem apresentadas no serão cultural realizado na Escola Básica e Secundária Domingos Capela , sobre o tema "Camões" e a sua obra emblemática «Os Lusíadas», obedeceu a um projeto com base numa memória descritiva. Poderemos saber se algumas das suas obras aqui apresentadas obedeceram a esta dinâmica ou nasceram de forma espontânea?

As minhas obras expostas nesta II Bienal de Mulheres em Espinho, tiveram o seu nascimento em poemas. Primeiro escrevi-os e depois a pintura a óleo foi crescendo, acompanhando os versos. Por vezes senti a necessidade de adaptar as tonalidades das cores à escrita, como se o pincel tivessse vida própria e criasse à sua maneira.

O quadro “Florais Outonais” pretende ser uma homenagem ao outono, demonstrando que esta estação onde as folhas caiem e perdem cor, tem uma dinâmica, voz, beleza e cor própria. “Coloridas Folhas”, é um quadro que representa diversas folhas de tamanhos e feitios distintos, símbolo das variadas fases da vida de cada ser humano.

 

2- O que a inspira ou inspirou nos países onde esteve como emigrante (pessoas, locais)?

Nascida em Luanda, Angola, com os meus tenros seis meses, os meus olhos não chegaram a contemplar a minha terra natal. Apenas me recordo de Lourenço Marques (atual Maputo), Moçambique, país onde foi batizada e vivi feliz. Ainda hoje, inspiram-me as corridas e as aventuras de triciclo em que insistia em chocar contra as árvores e esmurrar os joelhos. As bonecas, que adorava vestir e despir, ao mesmo tempo em que da varanda espreitava quem passava. O kukuana o homem velho do saco, onde colocava as crianças que não se portavam bem e as levava com ele. A luz do dia, as cores da terra, os cheiros, a alegria das pessoas, o sol grande e vermelho. A praia com areias finas e brancas e a água do mar quente, onde caminhava com a água a bater-me nos tornozelos. As comidas, como o frango à cafrial, o chocol (especie de moussse de chocolate em lata), as gomas e os chocolates sul-africanos. O ringue de patinagem artistica, onde sonhava aprender a patinar e a dançar com tutus vestidos. O drive in onde com a minha família assistia ao ar livre, dentro do carro aos filmes do Trinitá, bebendo coca-cola e trincando pipocas. As matinés, a leveza das roupas e o pé descalço. “O casamento dos macacos”, apelidado ao tempo de sol, interrompido por uma repentina queda de chuva, onde imaginava uma idílica e pormenorizada cerimónia. A fruta sumarenta, como a manga, papaia, mamão e diversos outros tropicais sabores. O Natal, com uma grande e enfeitada árvore de Natal coberta de grandes presentes. As passagens de ano com pessoas nas varandas e carros a apitarem a saudarem o ano novo.

Tudo isto, eu transporto na minha arte e nos meus escritos (como na Fadinha Lótus, simbolo de magia da minha infância e das bonecas que tinha. O seu lago de nascimento com águas quentes e mansas – O mar de Moçambique e os seus amigos, animais, como tantos que lá havia). Bem como as cores que uso e materiais que me transportam a Moçambique com todo o seu exotismo, e tantas vezes espelhado nos saris de indianas que encontrava na rua, recriando-me para outra cultura, sentir, cheiro e comida picante.

 

3 - Até que ponto poderíamos dizer que há, no país onde esteve, uma arte no feminino em oposição a uma arte no masculino? Ou há uma relação entre género e expressão artística?

Considero que em Moçambique, a predominância do masculino é marcante. O tribalismo, a tradição, o colonialismo e guerra colonial, independência, contacto com conceitos e arte ocidentais, reconstruçao de um país, a procura das raízes, são todos eles fatores importantes numa maior compreensão da cultura moçambicana e transparência de todos os seus componentes. Na arte plástica destacam-se vários nomes como: Pancho Guedes; Azymir Chiluteque com as suas criações que contribuíam para a narrativa da história de Moçambique; Naguibe com destaque para o Mural em homenagem a Samora Machel junto com a sua equipe. Jorge Dias, criador de novas formas de relações culturais e o inesquecivel Mestre Malangatana Valente Ngwenya que levou o nome de Moçambique ao mundo, tendo sido embaixador das artes plásticas, educador, impulsionador, divulgador e criador de oportunidades para a arte e artistas moçambicanos. No feminino, as artistas Fátima Fernandes e a falecida Bertina Lopes com vários prémios internacionais de pintura, são exemplos de sucesso e de integração vivenciais em outros países, respetivamente Portugal e Itália, expressando e alargando a moçambicanidade feminista no mundo

 

4- Para uma artista plástica portuguesa em comunidade estrangeira, como absorveu a nova cultura do país onde estudou ou viveu e como é que se interligou com a sua cultura de origem? E para uma artista plástica estrangeira em comunidade portuguesa?

A cultura daquele país africano, na altura solo Português, pulsava dentro de mim, quer no meu respirar, batimento cardiaco, ou na génese das minhas células. Eu estava em África e África estava em mim. Fugida da guerra colonial, deixei para trás família e a terra que acreditava ser minha. Em Cerejo, aldeia do meu pai, para onde fui residir, deparei-me com valores e costumes culturais distintos aos que estava acostumada e por isso não os reconhecia.  Para mim, a comunidade estrangeira a que me tive de adaptar foi a portuguesa. Com o tempo fui tentando habituar-me com a frequência da escola, ingresso nos escuteiros, faculdade, trabalho e situações próprias da vida, que me levaram a aprender novos costumes, criar defesas e uma compreensão própria ao que me rodeava. Muitos anos mais tarde, regressada a Moçambique, fiz a minha própria catarse: o encontro comigo e com o meu passado. E aí sim, por fim, com raivas desaparecidas, aceitei em plenitude a portuguesa que havia em mim.

Tal como tudo, penso que para uma artista plástica estrangeira em comunidade portuguesa, há que ponderar alguns aspetos. A personalidade da pessoa em cuasa, o país donde é originária e a comunidade onde se inseria. Também é importante se entrou em Portugal, sozinha ou acompanhada de amigos ou familiares, acentuando o fator solidão ou de comunicação. Se constituiu família já em Portugal, permitindo-lhe um contacto e convívio mais próximo com a cultura portuguesa, a integração poderá tornar-se mais acessível. Seja qual for o caso, as vivências, técnicas e gostos pessoais adquiridos noutras fronteiras, sem dúvida poderão e devem enriquecer as artes. Conjugadas com vivências e interações em Portugal, a evolução resultante é salutar e propício para o desenvolvimento das artes.

 

5- Quais as barreiras que encontrou enquanto mulher- preconceito e enquanto criativa - liberdade?

Uma visão diferente da vida e um sonho idealista de a viver: Fazer o que gostava. Deixando para trás emprego e padrões convencionais de vida, experimentei a sensação de muros erguidos, perconceitos e de medos originadados pela incompreensão de uma profissão diferente e de um futuro incerto. Questionando qual o melhor caminho a traçar, a arte gritava dentro de mim. Primeiro em forma de crónicas, escrita científica, depois nos contos infantis, na pintura a óleo, na poesia, nos romances, na ilustração, no teatro, cinema e no contar de histórias. E foi aí que percebi: a arte é sem limites! Senti-me livre e o meu espirito sossegou.

 

6- Pensando no nosso percurso, será que teríamos maior êxito ou maiores oportunidades se estivéssemos nos respetivos países de origem

Não. Acredito que tudo acontece como tem de ser. Nós não somos o passado, mas somos o que somos graças ao passado que tivemos. O passado não é importante, apenas o que fazemos com ele. As dificuldades que travamos, as batalhas que perdemos ou ganhamos, ensinam-nos algo importante para o nosso crescimento evolutivo, e para fortelecidos, encararmos novos desafios.  Acredito que as vivências que tive não seriam as mesmas se tudo tivesse sido de outra forma. Hoje, certamente não seria a mesma pessoa. Provavelmente até nem seria artista...

 

7- O que ganharam, neste particular domínio, as mulheres migrantes na sua itinerância por vários universos culturais?

Aprendizagens culturais e formas diferentes de sensibilidade, ver, ouvir e sentir a vida. Contagiarem-se a si mesmas e contagiarem outros povos sendo veículos portadores de transmissão de novos conhecimentos. Crescerem como seres humanos, olhar de dentro para fora e seguir em frente. Retirar pedras do caminho e construir pontes para comunicar com todos os povos da terra.

 

8- Que importância acha que devemos atribuir às Artes como formas de intervenção e afirmação cívica e humana?

A importância de uma vida. A importância de todas as vidas. Nasce no ser humano. É criado no âmago de cada um. É puro, autêntico, natural. É a voz do sentimento no seu expoente máximo. Não o calem, nem o mutilem! Antes ouçam-no e deêm voz às populações para na arte se expressarem e intervirem na sociedade, observando valores humanos e comportamentos cívicos. Poderão perceber melhor o pulsar de culturas e melhor transmitir a história da civilização. Reinventarem-se a si mesmos, e contribuir para um tão precisado colorir do mundo.

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Mensagem da Drª Maria Barroso


 

Estes encontros e congressos da Associação Mulher Migrante – sob a direção da Dra. Manuela Aguiar e a sua excelente equipa – são de uma grande importância. São, assim, trazidos até ao nosso país onde as suas raízes se inscrevem, as mulheres que noutras regiões do mundo vivem, trabalham e participam nas diferentes instituições que lá se encontram e onde se impõem ao respeito e consideração das pessoas desses países.

Foi muito interessante receber na nossa Fundação essas personalidades que não esquecem as suas raízes e continuam amando este Portugal que também lhes pertence.

Para além do Secretário de Estado das Comunidades, Dr. José Cesário, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, também nos deu um grande prazer recebe-los na nossa Fundação que se sentiu honrada com a sua presença.

Aqui na nossa casa também organizámos uma exposição de pintura dessas mulheres muito interessante e que se manteve durante vários dias, após o fecho do Congresso. Exposição que foi muito apreciada pelas muitas pessoas que estiveram na Fundação, quer em visita, quer em participações noutros importantes congressos que aqui se realizam.

Estão, pois, de parabéns os ilustres organizadores do Congresso Mulher Migrante que tanto dignificaram e dignificam a sua ação no nosso País.

 

Maria de Jesus Barroso Soares

Encontro Mundial Mulheres da Diáspora: Expressões Femininas da Cidadania

Lisboa, Palácio das Necessidades, 24 e 25 de Outubro de 2013.

 

Universidade e(m) Comunidade: Rhode Island College e a Lusofonia

 

Sílvia Oliveira,

Assistant Professor of Portuguese, Modern Languages Department

Rhode Island College,

Faculty Liaison, Institute for Portuguese and Lusophone World Studies, Rhode Island College 

Soliveira@ric.edu

 

O ilustre luso-brasilianista e Professor Emérito da Brown University, Doutor George Monteiro, enquanto convidado de honra na cerimónia inaugural da Sociedade Honorífica de Português de Rhode Island College, prefaciou a sua palestra com um comentário bem humorado de semântica comparativa acerca do termo “descent” em Inglês. Explicando que em Português “ascendência” difere de “descendência”, que a primeira indica a origem e a segunda a prole,  George Monteiro notou o subtil tom negativo afetando “descendência” e o tom positivo envolvendo “ascendência”. Entre os dois movimentos, o ascendente e o descendente, ele preferia o primeiro, o ascendente, e assim, lançava um repto aos estudantes, académicos, e membros da comunidade presentes para que substituissem o termo “Portuguese descent” por “Portuguese ascent”.

Ora, esta sugestão, apresentada e recebida em 2013 com boa disposição, teria sido menosprezada há apenas pouco mais de meio século atrás. Apoio-me nesta pequena história para exemplificar a vitalidade de que goza hoje a herança étnica nos Estados Unidos da América. A ideia de pertença a uma ou várias comunidades étnicas é hoje significativamente valorizada nos EUA, e a expressão desse valor estende-se quer ao plano político quer ao plano pessoal e privado. As ascendências portuguesa e lusófona não fogem a esta regra. 

No meu testemunho hoje farei uma breve exposição sobre o meu percurso como portuguesa nos EUA e sobre a relação entre Universidade e Comunidade, destacando o meu atual trabalho como Professora Assistente de Estudos Portugueses e Lusófonos no Rhode Island College. Pretendo demonstrar que a simbiose entre uma instituição de ensino superior e a comunidade onde se insere é um fator positivo de coesão e avanço social. 

Em 1998, licenciada em Letras pela Universidade do Porto, candidatei-me ao programa de Doutoramento em Línguas e Literaturas Hispânicas da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, iniciando-o em 1999 com bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Programa PRAXIS 21. No meu percurso académico nos EUA tive a oportunidade de viver em três Estados: Califórnia, Indiana e Rhode Island, onde atualmente resido. Ao longo destes anos, o meu contacto com cidadãos de ascendência portuguesa ou lusófona foi desigual, em direta relação com as características de cada comunidade onde vivi. Refiro em seguida muito brevemente as estimativas do censo comunitário atualizadas no ano de 2010, sobre a  distribuição geográfica de cidadãos americanos de ascendência portuguesa e lusófona nos três Estados americanos: em 2010, aproximadamente 1,405,909 pessoas nos EUA declararam ter ascendência portuguesa; 367,578 das quais encontravam-se no Estado da Califórnia; 4,720 no Estado de Indiana e 101,095 no Estado de Rhode Island. 95,003 pessoas nos EUA declararam ascendência Cabo-Verdeana; 20,680 das quais residindo no Estado de Rhode Island. E ainda, um total de 361,814 americanos declararam ascendência brasileira; 30,252 dos quais no Estado da Califórnia, e 1,706 em Indiana. As disparidades são evidentes e acompanham os padrões de emigração lusófona desde meados do século dezanove para os EUA. Os dois Estados costeiros (Califórnia a oeste e Rhode Island a leste) concentram respetivamente a maior quantidade (Califórnia) e a maior percentagem (Rhode Island, com 10% da população) de americanos de ascendência portuguesa e lusófona, bem como de emigrantes - como é o meu caso.    

Em Indiana, um Estado com reduzida presença lusófona, mas de crescente presença hispânica, tive como desafio implementar um programa de Português na prestigiada Universidade de Purdue. A minha estratégia nesse contexto teve em vista a divulgação da língua e das culturas lusófonas junto dos 40,000 estudantes de Purdue, num programa que apelidei de “Português Global” e servindo uma comunidade de estudantes prioritariamente dedicados a várias engenharias e estudos de economia e finanças. Nesse contexto ainda, a minha estratégia de acesso à comunidade local fez-se exclusivamente através do cinema, tendo iniciado com vários colegas o primeiro ciclo de cinema internacional que entretanto se tornou uma referência local.      

Em 2011 aceitei o desafio de coordenar e expandir o programa de Português no Departamento de Línguas Modernas de Rhode Island College em Providence, capital do Estado de Rhode Island. Se os programas de Português de Purdue e de Santa Barbara serviam uma população estudantil e uma comunidade local que em geral desconheciam a realidade lusófona, sendo ela em todos os aspetos estrangeira, já em Providence e no Rhode Island College aprendi que a língua portuguesa nas suas variantes, e os crioulos cabo-verdeano e guineense, bem como as ascendências portuguesa, cabo-verdeana, guineense, angolana, são presenças vivas quer entre os 9,000 estudantes do College quer na comunidade local. O Estado de Rhode Island é, de facto, dos cinquenta, aquele em que a ascendência portuguesa se expressa mais significativamente em termos percentuais: 10% da população de Rhode Island declara ascendência portuguesa.  

Simultaneamente, Rhode Island College, inaugurada em 1854 e a mais antiga das três Instituições Estatais de Ensino Superior de Rhode Island, apresenta um padrão de envolvimento comunitário que transcende a formação académica tradicional. Apelidada informalmente pela atual Reitora, Dra. Nancy Carriuolo, de Universidade formadora de “profissões auxiliadoras” (como enfermagem, serviços sociais, educação, artes do espetáculo), Rhode Island College reflete a diversidade demográfica da capital do Estado, Providence. Em 2010, Providence era constituída por 50% de população branca, 39% hispânica e 16% negra, enquanto Rhode Island College registava 65% de população estudantil branca, 8.5% negra, 10% hispânica (sendo que outros 10% se recusaram a declarar uma etnia ou raça). Há que mencionar, por comparação, que em Providence existem ainda quatro Universidades privadas, duas das quais com prestígio internacional (Brown University e Rhode Island School of Design), cuja população estudantil é constituída na maioria por estudantes internacionais e estudantes vindos de outros Estados americanos. No Rhode Island College, 80% dos estudantes são residentes de Rhode Island.

Dadas as características do College e da comunidade, desenvolvi um programa de Licenciatura em Estudos Portugueses e Lusófonos que prepara os estudantes para comunicarem em Português ao nível avançado e superior nas ditas profissões auxiliadoras que elas e eles exercerão localmente. Ao mesmo tempo, o currículo da Licenciatura pauta-se pelo conhecimento da cultura, história e literatura, passadas e contemporâneas, das nações de expressão portuguesa, incluindo as várias diásporas. Tanto a fluência linguística como cultural são os objetivos que determinam a organização curricular do programa de Estudos Portugueses e Lusófonos de Rhode Island College.

Já mencionei que Rhode Island College apresenta um padrão de envolvimento comunitário que transcende a formação académica tradicional e dou agora o exemplo do Instituto de Estudos Portugueses e Lusófonos, formado em 2006 e aprovado permanentemente em 2010 por direta iniciativa de vários elementos da comunidade portuguesa e lusófona de Rhode Island. O IPLWS (Institute for Portuguese and Lusophone World Studies) é uma unidade não académica dentro do College que tem como missão apoiar o programa académico de Estudos Portugueses e Lusófonos, estabelecer a ligação entre o College e a comunidade lusófona de Rhode Island, servindo-a e apoiando-a em múltiplas atividades culturais e de formação; e tem ainda como missão documentar e pesquisar temas de interesse local relativos à abundante história cultural das comunidades lusófonas de Rhode Island. Tendo por diretora Marie Fraley, educadora de ascendência portuguesa que exerce simultaneamente funções de relevo em organizações como a PALCUS (Portuguese-American Leadership Caucus of the United States) e Day of Portugal and Portuguese Heritage of Rhode Island; e liaison académica de Sílvia Oliveira, coordenadora do programa académico de Estudos Portugueses e Lusófonos, o Instituto é ainda constituído por um conselho comunitário consultivo que é representativo das várias ascendências e nacionalidades da lusofonia em Rhode Island, bem como de um conselho académico de Rhode Island College. Financeiramente, o IPLWS é administrado pela Fundação de Rhode Island College.

É já vasta a lista de atividades do IPLWS, mas uma merece destaque pela sua relevância internacional. Refiro-me ao Protocolo de Cooperação assinado em 2010 e renovado em 2013  entre o IPLWS/Rhode Island College e a Fundação Pro Dignitate para os Direitos Humanos. O IPLWS, através da equipa constituída por Marie Fraley (Diretora do IPLWS), Doutora Valery Endress (Professora de Comunicação e Jornalismo Político), Doutor Peter Mendy (Professor de História e Estudos Africanos), Doutora Sílvia Oliveira (Professora de Estudos Portugueses e Lusófonos), associou-se ao projeto Rádios para a Paz que a Fundação Pro Dignitate desenvolve na Guiné Bissau desde 2001, com liderança do Dr. António Pacheco, membro do Conselho Consultivo da Fundação Pro Dignitate, jornalista, advogado e formador de jornalistas comunitários na Guiné Bissau. Em 2010 o IPLWS/Rhode Island College organizou uma conferência internacional dedicada ao tema “Rádios Comunitárias e a Construção da Paz” seguida em 2011 de três dias de workshops para jornalistas lusófonos da comunidade local. A equipa de Rhode Island College participou nos seminários “Rádio, Paz e Desenvolvimento” organizados pela Pro Dignitate em Lisboa em 2011, e em 2013 deslocou-se a Cabo Verde para participar nos “Encontros de Tarrafal” que reuniram jornalistas comunitários Guineenses e Caboverdeanos sob o tema “Rádios Comunitárias ao Serviço da Paz e do Desenvolvimento.”

A parceria entre o IPLWS/Rhode Island College e a Fundação Pro Dignitate tem como objetivo principal a formação de jornalistas nos domínios de jornalismo para a paz e de jornalismo comunitário. Os dois cursos de formação profissional e académica, que serão em breve oferecidos por Rhode Island College, servirão não só a comunidade lusófona de Rhode Island como a comunidade internacional (Guineense) cujos laços com a comunidade local são abundantes.

A Fundação Pro Dignitate reconheceu o potencial positivo e transformativo das comunidades  lusófonas de Rhode Island, as quais, mantendo relações estreitas com as respetivas nações de origem ou de ascendência e sendo comunidades ativas na sociedade americana, permitem uma ação com impacto global em prol do desenvolvimento e da paz. Por seu lado, Rhode Island College e o Instituto de Estudos Portugueses e Lusófonos demonstram a importância local e o potencial global de uma instituição de ensino superior que serve diretamente a comunidade em que se insere.

 

 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Maria Violante Martins - ASAS em Villa Elisa


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ASAS em Villa Elisa
 
Os projectos ganham vida quando existe um compromisso seguido de trabalho responsável de quem o realiza. Se esse trabalho não tem retribuição material, mas tão somente solidária, é duplamente valioso, já que se põe  o esforço, a criatividade e a vontade de fazer obra ao serviço de uma causa.
Assim nasceu o projecto ASAS/ Academias Séniores de Artes e Saberes, que tem por finalidade oferecer cursos de aprendizagem e formação artística a um segmento da população que se convencionou designar por  "terceira idade"
O local escolhido para desenvolver este projecto na Argentina foi a Associação "Sinceridad" em Villa Elisa.
O clube "Sinceridad" é um acolhedor  ponto de encontro,  onde as pessoas  mais idosas . podem partilhar actividades sociais e culturais.
Foi neste ambiente que os cursos começaram, com a direcção assumida pelas professoras Maria Violante Martins Mendes, Maria Fernanda da Silva e  Maria Josefina Mac Namara. Com elas, o projecto tem levado a cultura portuguesa a um grande grupo de senhoras portugueses e argentinas, que foi crescendo à medida  que se espalhava a informação sobre o seu funcionamento, convívio caloroso e qualidade do ensino, que são a imagem de marca do projecto ASAS. Fazer amigos e partilhar experiências.
Todas as quartas-feiras vêm até ao clube todas as que procuram aprender as artes e técnicas tradicionais e inovadoras de  crochet, arraiolos, ponto de cruz, tecelagem.
A iniciativa teve o seu começo nos primeiros dias de Maio de 2013 e conta actualmente 37 alunas que, uma vez por semana, à tarde,  se reúnem durante 3 horas consecutivas, ocupando as mentes e as mãos, fora de suas casas e da solidão em que muitas se encontram.
As obras realizadas são o testemunho fiel da capacidade de aprendizagem e dos talentos de um belo grupo de senhoras e da forma competente dos métodos de ensino e dos saberes transmitidos com generosidade  e carinho,  pensados para a vivência do património cultural, que cada docente fez seu e repartiu com as outras.
O projecto é uma parte do programa anual que a nossa associação vem pondo em prática ao longo de quinze anos no nosso país, fiel ao seu objectivo de promover a a juda e a inclusão dos mais necessitados da nossa comunidade portuguesa e argentina.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Docas (painel ARTES)

Desde muito jovem gostava de pintar a óleo, depois a acrílico. como passatempo, para mim própria.
Um dia, decidi inscrever-me num curso de pintura na ARCO, em Lisboa, onde tive como orientador António Senna. Por algum tempo..., mas logo me dispersei por outras artes, por outros passatempos, noutras terras. Trabalhei em Londres, em Luanda, em Paris, em Genebra... E voltei a Lisboa.
Colaborei na organização de exposições, na edição de livros de fotografia...A fotografia está antes de tudo o mais...Na verdade, gosto  de transpor para a tela ambientes captados na objectiva, recriando e reinventando pormenores, cores, perspectivas, sequências... Os meus trabalhos são a procura de um ponto de passagem -  transição de imagens fixadas no papel para a tela, onde ganham uma segunda vida...transição de simples paisagens para uma expressão de sentimentos, de estados de alma
No acrílico guardo memórias do real e do imaginado, do que foi e do que podia ter sido. - do que quero, de uma ou outra forma, partilhar...

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Maria Manuela Aguiar Sessão de abrtura

Uma primeira palavra de agradecimento por estarem nesta reunião a que todos somos convocados por uma grande vontade de "fazer futuro" com as forças e as dinâmicas criadas pelo movimento constante das migrações.
É este o sentido que queremos dar a uma comemoração tão especial, porque, mesmo que nos permitamos alguns momentos de nostalgia  na memória de pessoas e de acontecimentos, é, sobretudo, a visão prospectiva que nos motiva.
 
São 20 anos da "Mulher Migrante- Associação de Estudos, Cooperação e Solidariedade".
 
20 anos de intenso envolvimento na vida das comunidades da Diáspora, olhando a sua situação e o seu evoluir, através da acção, das perspectivas e projectos de mulheres, que estão, ainda quando não parecem estar, na base da sua construção e das suas profundas transformações.
 
20 anos de estudo: de apelo constante a um encontro de mundos, não muito fáceis de aproximar - o mundo do "saber de experiência feito" e o da investigação científica - que sempre, com excelentes resultados, procurámos pôr em diálogo nos numerosos congressos, colóquios, jornadas de reflexão, em que é pródigo este passado de duas décadas.
 
20 anos de cooperação e solidariedade com instituições de muitas comunidades e países e com sucessivos governos, no que poderemos chamar políticas de emigração, com uma componente fundamental de género..
 
Em Portugal, o embrião das políticas para a igualdade e promoção activa da cidadania, através da audição das mulheres da diáspora, vem de longe, da meia década de 80, podendo nós, por isso,  reclamar neste domínio um inquestionável pioneirismo, em termos europeus e universais -  mais um dos assomos de  vanguardismo com que o nosso País surpreende os outros, de vez em quando... 
Mas foi preciso esperar pelo início do século XXI para podermos falar de políticas desenvolvidas com caracter sistemático, no cumprimento assumido, dentro e fora do País, das tarefas que o legislador constitucional impõe ao Estado para promover o aprofundamento da democracia, que passa necessariamente pela efectiva igualdade para as mulheres na vida da República, ou "res publica". 
Julgo que podemos afirmar que e emergência de um novo ciclo de políticas para a igualdade, se abriu com os " Encontros para a Cidadania - a igualdade entre homens e mulheres"., realizados em diferentes regiões do mundo, entre 2004 e 2009, e agora continuados  em Encontros Mundiais de caracter periódico, numa parceria entre o Governo e a "sociedade civil", conforme o previsto na inédita Resolução nº 32/2010, proposta pelo então deputado pela Emigração José Cesário.
 
A AEMM, cujas fundadoras haviam estado, quase todas, na organização do 1º Encontro Mundial em 1985, ligou, de uma forma explícita, querida e afirmada, o seu destino a este processo histórico - e o tê-lo conseguido até ao presente reforça a vontade de se transcender em novas iniciativas e colaborações cívicas, levadas a cabo, como sempre aconteceu, em espírito de puro voluntariado e com o impulso de fortes convicções.
As políticas de género na emigração - e a AEMM pode bem testemunha-lo enquanto parceira de governos de diferentes quadrantes político partidários - são um exemplo de continuidade, de respeito pelos princípios constitucionais, vazados em boas práticas  - uma continuidade que é coisa rara em Portugal,  cuja vida pública é marcada pela tentação de destruir tudo o que vem do passado, por vezes até dentro do mesmo governo (com a simples mudança do titular da pasta), num quadro de permanente instabilidade, em rupturas e recomeços que significam tremendos desperdícios de meios e energias...
É, pois, muito bom poder, em contracorrente, nesta excepção à regra, prosseguir, com o Dr José Cesário, o trabalho encetado com o Dr. António Braga, com a Dra Maria Barroso. a Presidente  dos Encontros para a Cidadania, grande cidadã Portuguesa, que nos deu a honra de connosco ter estado, como inspiradora e aliada, desde o início.
20 anos, a perseguir a utopia igualitária!
 Utopia ainda, mas a permitir-nos falar em certezas de progresso, nas expressões femininas da cidadania, pondo em foco realizações e projectos, nos múltiplos domínios em que interagem  com os homens no espaço nas comunidades do estrangeiro. Na verdade,  o todo das comunidades, os homens, como as mulheres, não estão ausentes das nossas preocupações, porque o equilíbrio que desejamos é necessariamente construído também com eles`.
É a emigração toda que está no horizonte das nossas preocupações, nesta conjuntura dramática que atravessamos, perante um êxodo desmesurado em que as mulheres, pela primeira vez autonomamente, ombreiam com os homens, e os trabalhadores menos qualificados, com o melhor da "inteligentzia" nacional...
 
Os movimentos migratórios actuais  criaram novos estereótipos. que levam à negação da existência, ou, melhor, da coexistência de uma emigração de perfil tradicional, num eterno recomeço... Portugal é o "País das migrações sem fim", como eu não deixei de lembrar nos tempos em que nascia a AEMM e em que a "classe política", se me posso permitir esta generalização, acreditava que a adesão à CEE, com a sua promessa de desenvolvimento imparável, pusera termo a um fenómeno até então considerado como inelutável...
 
Vamos agora, ao longo de dois dias de diálogo,  reflectir e falar  sobre a emigração feminina, sobre as jovens envolvidas nestas grandes vagas migratórias  e, igualmente, sobre as que têm já um longo percurso nas comunidades, questionando a relação entre género e formas de expressão na política, no associativismo, nas artes, na prática empresarial...
É ainda cedo para sabermos se os que partem deixam o País para trás, ou o levam afectivamene consigo, se são "desistentes" ou "resistentes"...
As mulheres terão a palavra para fazer prognósticos sobre o seu futuro no movimento para o futuro das comunidades, enquanto parte integrante da nação portuguesa em diáspora.

Maria Manuela Aguiar

Fernado de Pádua Homenagem a Isabel Archer

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A Tia Isabel foi minha madrinha. Me chamava de bijagó ou abexim e só há pouco entendi que eram recordações da sua presença na Guiné e na Etiópia. Quando encontrei nas minhas relíquias o cartão de jornalista, passado na Etiópia (o marido, William Poole era Engenheiro Eletrotécnico nos grandes espaços africanos, e ela quis acompanhá-lo) aumentou a minha admiração por ela!
O quadro atras de mim (capa dos textos do ano passado sobre Maria Archer) está na minha Fundação. Foi pintado por ela, e foi-me oferecido por toda a família herdeira. Outro está em Castro Verde, sobre o piano em que eu me divertia com um dos seus poentes africanos espetacularmente luminosos. Vi-os em miúdo na Exposição que fez em Lisboa, 194__?  E o primo Francisco Collaço mo ofereceu também.
Honramos hoje, mais esta mulher da diáspora. As irmãs Natália - a Tia da Bélgica e a Irene - minha Mãe, também viveram lá com os avós, tal como o João – Avô da nossa escritora, a Priminha Olga Archer que acabaram de ouvir.
A Genita (Eugénia), ficou em Almodôvar (por ser muito novinha ficou cá), e sempre lastimou não ter viajado junta. Pertence também à ínclita geração desta família que é a minha, e da nossa Presidente Dra. Rita Amaro Gomes.  

Joana Miranda Casa e Diáspora nos filmes do Doc Lisboa 2012


Casa e Diáspora nos filmes do Doc Lisboa 2012
Joana Miranda  - Universidade Aberta/CEMRI

 Todos os anos tem lugar na cidade de Lisboa o festival de cinema documental Doc Lisboa. Este festival que celebrou em 2013 a sua 11ª edição integra já o roteiro dos grandes festivais documentais do mundo, tendo-se tornado ponto de paragem obrigatória para profissionais do cinema documental, críticos e público. As sessões são exibidas em algumas das principais salas de cinema da capital. O festival integra várias seções: competição internacional-longas, competição internacional-curtas, competição portuguesa-curtas, competição portuguesa-longas, entre outras que são variáveis de ano para ano (vide http://www.doclisboa.org/2012/pt/edicao/seccoes/). A par da exibição de filmes são organizados colóquios, debates, formações em cinema dirigidas a públicos diversos bem como atividades pedagógicas.
No site do Doclisboa 2012 os objetivos do festival são assim expressos:

 “O Doclisboa propõe repensar o Documentário nas suas implicações e potencialidades: o cinema apresenta-se aqui como uma prática que permite encontrar novos modos de pensar e agir no mundo, assumindo desta forma uma liberdade que supõe uma íntima implicação entre o artístico e o político. O que procuramos é dar a ver filmes que eventualmente nos ajudarão a compreender o mundo em que vivemos e a encontrar nele possíveis forças de mudança. Com cerca de 150 filmes e um programa preparado com rigor e dedicação, a 10ª edição do Doclisboa oferece ao público um lugar de encontro, de reflexão e de debate”.

 Este texto pretende deixar-vos algumas sugestões de filmes exibidos no Doc Lisboa 2012 sobre o tema da casa e da diáspora, estimulando-vos, de encontro aos objetivos do festival acima descritos, encontrar novos modos de pensar e agir sobre o mundo.
Foram diversos os filmes exibidos no festival que abordaram, sob perspetivas diversas, o tema da casa, nomeadamente, o regresso dos emigrantes à terra natal, o dia-a-dia nas aldeias desertas de onde todos parecem ter partido rumo a outras paragens (Sobre Viver, O homem do trator), o regresso dos filhos às terras de onde os pais um dia partiram (O Regresso, Aux bains de la reine), memórias de casas e de famílias (A nossa casa, Cativeiro, Amanhecer a andar), a vida na fronteira (A raia), ...

Como Stock (2010) refere no âmago do conceito de diáspora reside a imagem de uma casa recordada que se recorta a uma dada distância espacial e temporal. Este lugar de origem pode constituir o foco de uma ideologia de regresso (“ideology of return”) sustentada (Brah, 1996: 180).

Este lugar pode figurar, ainda, como a casa no presente ou pertencer exclusivamente ao passado. Pode ter sido deixado recentemente ou há gerações atrás, pode não mais existir ou ser ainda o destino de viagens regulares, pode ser o local de nostalgia e pesadelos ou, simplesmente, um lugar de aconchego e de proteção, intrinsecamente associado aos sentimentos de afeto pelos familiares mais próximos.

As memórias da casa não são, como sucede em relação a todas as memórias, fatuais mas antes reconstruções fluidas, simbolizações metafóricas da pertença. Os imigrantes de primeira geração podem relacionar as memórias com as suas vivências prévias à emigração mas os de segunda geração, na maioria dos casos, mais não têm do que memórias fragmentadas e decorrentes das narrativas contadas pelos seus pais e avós. O passado encontra-se em permanente reconstrução, em relação com um presente que se vai vivendo e com um futuro que se vai antecipando e imaginando, futuro de regresso às origens ou de permanência no lugar de destino. O que se recorda e como se recorda a casa está em contínuo diálogo com memórias mais recentes de outros lugares, com memórias do próprio processo migratório e do viver em diáspora (Salih, 2003: 125). Através de processos complexos de construção de sentido as memórias integram e são integradas na posição que os grupos ocupam no aqui e no agora.

No estudo dos grupos diaspóricos a noção de casa é utilizada e empregue de duas formas contraditórias, as duas evidentes no conjunto de oito filmes a que neste texto me refiro.

A primeira área focaliza-se nas ligações transnacionais (materiais ou simbólicas), mitos das migrações e desejo de regresso.

A segunda área focaliza-se no desejo e na impossibilidade de se sentir em casa nos diferentes espaços diaspóricos que os indivíduos habitam e, em particular, no atual local de residência.

Os autores tendem a distinguir entre uma localidade concreta e experiências concretas e uma ideação mais simbólica, estando ambas as dimensões interligadas com a casa.

A movimentação entre uma multiplicidade de espaços-casa, a experiência da ambivalência de viver em simultâneo aqui e ali, a construção de identidades híbridas, sincréticas e fluidas constituem processos que tanto se podem revelar altamente criativos e estimulantes para quem os vivencia, como se podem revelar fonte de dificuldades identitárias, de sentimento permanente de deslocamento e de sofrimento mais ou menos intenso. Clifford (1994: 332) refere-se ao “empowering paradox of diaspora”.

Muitas vezes os filhos dos migrantes são perseguidos pela questão: “Aonde pertenço?” e os sentidos que atribuem a casa são mais complexos e mais ambivalentes do que os dos seus progenitores.

A casa revela-se um subtexto da diáspora (Brah, 1996: 190) podendo a casa emergir como um conceito contextual e ambivalente, relativo a múltiplos lugares e espaços no passado, presente e futuro. A casa pode ser recordada, mas também vivida e sonhada, projetada num futuro mais ou menos próximo como o local em que todos os sonhos e desejos poderão finalmente ser concretizados. Em cada momento do tempo várias casas podem competir pela atenção, colidir ou mesmo complementarem-se.

Mallet (2004: 65) traduz esta conceção alargada de casa:

Is home (a) place(s), (a) space(s), feeling(s), practices, and/or an active state of being in the word? Home is variously described as conflated with or related to house, family, haven, self, gender, and journeying”.

Dada a sua polissemia, a casa, mais do que um instrumento analítico, constitui um termo émico saliente e relevante para os sujeitos diaspóricos. Um conceito/tema que estimula realizadores nacionais e internacionais, muitos deles com experiências migratórias que os marcaram, a construir os seus discursos que nos permitirão conhecer e desconstruir a realidade de uma forma mais informada e mais crítica. Cada novo olhar enriquece o nosso próprio olhar, questiona posicionamentos, entra em diálogo enriquecedor com as nossas próprias ideias sobre os que se deslocam, sobre os que partam e os que chegam. Quais são as motivações, como são vividos os afetos, o que se procura, onde se chega, o que se encontra, como se confronta a realidade e o sonho, porque se procuram espaços de infância e de juventude? Ou porque se evitam esses mesmos espaços?

O cinema, como linguagem rica e discurso privilegiado, ajudar-nos-á a compreender e a intervir e o artístico poderá, talvez, intercruzar-se com o político, com o olhar e com a praxis dos que o detêm, mas também com o poder (e o dever) que nós, enquanto cidadãos, temos de intervir, de questionar, de agir sobre o social.

 

Filmes

1. O Regresso

Júlio Alves, 2012, 71m

Os pais do narrador emigraram, tal como grande parte da população da aldeia de Mega Fundeira fez nas décadas de sessenta e de setenta. Tinham o sonho de regressar à aldeia e de morrer na terra que os viu nascer. Nunca o chegaram a concretizar. Mas o narrador, em busca pessoal, regressa às suas origens e procura no dia-a-dia dos seus habitantes e na trama das suas memórias reconstituir a vida simples dos seus pais. Entretanto, também o primo jovem emigra para a Alemanha. Sente pena por ter que deixar os pais na aldeia mas sabe que o seu destino não é ali na aldeia desertificada.

 

2. Sobre Viver

Cláudia Alves, 2012, 51 min

Na aldeia de Regoufe os afazeres da vida do campo ocupam o dia-a-dia dos habitantes. O cuidar dos animais, a agricultura, o regar a terra, o colher os produtos da terra, os rituais da vida comunitária dão-nos um retrato de um país rural, de uma sociedade com economia de subsistência, de uma vida tranquila em contacto com a natureza, uma realidade aparentemente esquecida pelos habitantes das cidades. Ao longo do filme, um velho habitante cego vai traçando o futuro da aldeia: “A esperança de Regoufe, de uma maneira ou de outra, está para sempre perdida. Já não há ninguém que venha a tempo de lhe poder acudir”.

 

3. O Homem do Trator

Gonçalo Branco, 2012, Portugal, 19 min

Numa aldeia da Beira Baixa vive um homem que conduz o seu trator, que é um companheiro. Sai todos os dias para o trabalho na terra ou para ir ver o pomar. Mas a decadência do seu corpo ameaça. Ele faz ginástica e procura fotografias de quando era novo para renovar a carta de condução. E, perante a inevitabilidade, resiste, cuidando do seu trator.

Texto do filme

 

4. A Nossa Casa

 João Rodrigues, 2011, Portugal, 19 min

A Nossa Casa parte de um álbum de fotografias e de registos de memórias de uma família americana que viveu no início do século XIX na ilha do Faial para retratar um período de tempo, um lugar e uma atmosfera sempre enigmática.

Uma voz feminina descreve as suas memórias da casa com o seu jardim tropical.

“O pai nunca aprendeu a falar português. Foi sempre um estrangeiro. Odiava a comida. Dizia: Põem vinagre e limão nos guisados e até nas sopas. O pão a coisa mais execrável que alguma vez foi provada”.

Leitura de diário e anotações sobre comemorações locais da época e várias outras memórias e fotografias contribuem para a reconstituição de um determinado espaço-tempo.

 

5. Aux bains de la reine

Sérgio da Costa, Maya Cosa, 2012, Suiça, 37 min

Elsa regressa à terra de origem, Caldas da Rainha, em Portugal, para se encontrar com a mãe. Através desta pequena aventura, descobrimos a cidade e as misteriosas atividades dos seus habitantes, bem como elementos da história familiar de Elsa. Tece-se um retrato impressionista cruzado, confundem-se os tempos, misturam-se os sonhos com a realidade.

Texto do filme.

 

 

6. A Raia

Iván Castiñeiras Gallego, 2012, Portugal, Espanha, 30 min

Parte inferior do formulário

A linha é a fronteira que divide o sudeste da Galiza do noroeste de Portugal. Área montanhosa de clima extremo, terra interior, de camponeses. Os povos desta área foram e são a periferia de ambas as nações, historicamente esquecidos. Estas e outras circunstâncias tornam-nos pessoas muito especiais. Com uma história tão valiosa quanto desconhecida.

Texto do filme

 

7. Cativeiro

André Gil Mata, 2012, Portugal, 63 min

Cativeiro é uma condição de confinamento, no espaço e no tempo. O ser cativo não é só e necessariamente um prisioneiro, também se torna próprio daquele lugar, a sua identidade projeta-se continuamente nesse espaço. Por sua vez, o próprio espaço do cativeiro não é inerte, caracteriza-se através de quem está ali contido; é moldado por essa experiência.

Texto do filme

 

8. Amanhecer a andar

Sílvia Firmino, 2012, Portugal, 97 min

Um velho homem guarda uma escola ao amanhecer. Vozes de crianças ao longe cantam o hino de Moçambique. Pela mão deste homem, Augusto, chegamos a um espaço amplo e misterioso, que os protagonistas do filme revelarão aos poucos: Elvita, Carlos e Salim. Três vidas em movimento que olham para o futuro sem perder a tranquila condição do presente.

Texto do filme

 

Referências

Brah, A. (1996). Cartographies of diaspora. Contesting Identities. Londres: Routledge.

Clifford, J. (1994). Diasporas. Cultural Antrophology. 9(3): pp. 302-338.

 

Salih, R.  (2003). Gender in transnationalism: Home, longing and belonging among Moroccan migrant women. Londres e Nova Iorque: Routledge.

Stock, F. (2010). Home and memory. In K. Knott & S. McLoughlin (eds.). Diasporas. Concepts, intersections, identities (pp.24-28). Londres/Nova Iorque: Zed Books.