Maria
Lamas, lutadora por grandes causas
Maria Leonor Machado de Sousa
Quis
a Associação de Estudos Mulher Migrante aproveitar o volume Entre Portuguesas num Mundo sem Fronteiras
para assinalar a passagem dos 120 anos de Maria Lamas, que se cumpriram no passado
dia 6 de Outubro, com a inclusão de sete artigos sobre a escritora com enfoques
diversos, de acordo com a área de actividade das autoras. Foi assim possível
referir o lado humano e alguma coisa da sua actividade jornalística e
literária, mas sobretudo da sua intervenção política e social, a nível nacional
e internacional.
Num
volume dedicado essencialmente à problemática da migração, também Maria Lamas
ocupa um lugar destacado, com particular relevo para o exílio político, que a
levou à Madeira mas sobretudo a Paris, onde a segunda e última fase significou
sete anos longe da sua terra e da família, em circunstâncias muito difíceis,
que só as frequentes visitas de familiares e muitos amigos ajudavam a minorar.
Mas esses apoios não conseguiam fazer esquecer a solidão, como atestam as
muitas cartas que escreveu nesse período. Também o clima de Paris não ajudava,
como me dizia numa carta de 1965:
Estava
tão fatigada, de corpo e de espírito, e o Inverno em Paris é tão rigoroso que
cedi à insistência de alguns Amigos que me visitaram ultimamente, com a
aprovação das pessoas da Família mais em contacto comigo, que tiveram
conhecimento dessa ideia, e resolvi vir até aqui [Cannes], para fazer a
experiência de umas semanas. Como realmente encontrei sol, temperatura moderada
e condições acessíveis para uma breve permanência, consegui arranjar as coisas
de forma a ficar mais um mês, convencida de que me fará bem. […] Ainda me canso
bastante – sinto dores nas costas depois de escrever uma hora, mas um pequeno
intervalo e lá vou continuando. (Agora é que tenho avaliado como estava
exausta! Não imaginas. A própria mudança de ar me atordoou, nos primeiros dias,
tanto mais que este ar é mais puro, incomparavelmente, e também mais forte que
o de Paris.)
Os
sete anos do último exílio em Paris (1962-69) permitiram-lhe várias viagens que
tornavam impossível o seu regresso a Portugal no tempo de Salazar, a primeira
das quais no mês seguinte à sua chegada a Paris, encabeçando a delegação
portuguesa à Conferência para a Paz e Desenvolvimento, em Moscovo. A paz, no
sentido de uma vida harmoniosa para todos os povos, foi o grande objectivo dos
seus sonhos para a Humanidade. Por ela enfrentou várias vezes as autoridades
portuguesas, para quem todas as actividades internacionais que lutavam pela paz
eram orientadas politicamente por doutrinas comunistas. A sua defesa era a
participação de pessoas e associações de todos os credos, incluindo bispos
católicos, o que, como era de esperar, não alterou em nada o modo como a PIDE
encarava estas reuniões. Em 1950 foram publicadas juntamente, com o título Pro Paz, duas conferências, uma de
Teixeira de Pascoaes, outra de Maria Lamas, por iniciativa da Associação
Feminina Portuguesa para a Paz. Esta publicação foi reeditada em 1993 em
Lisboa, por Assírio & Alvim.
Foi
eleita membro do Conselho Mundial da Paz em 1953, na reunião que teve lugar em
Budapeste. Participou regularmente nessas reuniões, no Sri Lanka, no Japão,
tendo visitado Hiroshima, e na China, onde esteve várias semanas e foi recebida
por Chu En Lai.
Outra
área à qual dedicou os seus esforços durante toda a vida foi a situação social
e política das mulheres, que a levou a reuniões internacionais novamente em
Moscovo e em Berlim Leste, em 1963. Com ela estiveram Dolores Ibamuni, a Passionária,
Marie Claude Couturier, heroína da resistência francesa, Gusta Fuchikova,
resistente checoslovaca, Valentina Tereskova, a primeira cosmonauta a viajar no
esapço, e Eugénie Cotton, cientista com uma brilhante carreira, na área da
Astronomia, terminada por ordem do governo de Vichy, que a forçou a uma reforma
prematura em 1941. Activista comunista, o seu percurso teve muitas semelhanças
com o de Maria Lamas: participou na fundação da União das Mulheres Francesas e
foi presidente da Federação Democrática Internacional das Mulheres e
vice-presidente do Conselho Mundial da Paz, onde esteve activa até à sua morte,
em 1967, com 86 anos. Recebeu o Prémio Internacional Estaline para a Paz em
1950. Por sua vez, Maria Lamas recebeu em 1983 a Medalha Eugénie Cotton, da
Federação Democrática das Mulheres. Nos anos seguintes teve maior actividade
política, não só nos encontros que mantinha em Paris com amigos e exilados mas
também em viagens à Albânia e à Argélia. Além disso teve a possibilidade de
viajar por toda a Europa.
A
sua estada centrada em Paris proporcionou-lhe uma experiência extraordinária, a
vivência do Maio de 1968. Lembro-me de ela me ter contado que chegara a haver
fogueiras debaixo das janelas do hotel em que residia, o Grand Hotel
Saint-Michel em pleno Quartier Latin.
Após
o seu regresso a Portugal, não desiste de defender os ideais que tinham
norteado a sua vida, o que lhe é proporcionado por entrevistas radiofónicas e
escritas, além de colaboração em várias publicações, como o estudo “A Promoção
da Mulher e a Protecção da Criança”, que aparece nos Cadernos D. Quixote, em
1971. Também a RTP lhe prestou homenagem em 1974, juntamente com Elina
Guimarães, a advogada que colaborara em Modas
e Bordados e fora também presidente do Conselho Nacional das Mulheres
Portuguesas, no programa Nome-Mulher, de Maria Antónia Palla e Antónia de
Sousa. Depois da sua morte, foram sendo emitidos alguns programas em que foi
recordada a sua vida e prestada homenagem.
O
25 de Abril foi recebido por Maria Lamas com grande alegria, tendo mesmo
participado no desfile do 1.º de Maio. É nessa altura que se filia no Partido
Comunista Português.
Nos
anos finais da sua nova vida foram muitas as iniciativas que procuraram dar
realce à persistência da sua luta contra qualquer tipo de opressão, e não
apenas aquela que ainda se sente na sociedade actual sobre as mulheres e as
crianças. Em 1983, a Biblioteca Nacional, que entretanto adquiriu o seu
espólio, organizou uma exposição recordando o seu primeiro centenário. Até hoje
não cessaram as acções de toda a espécie que procuram manter viva a sua memória
e o valor da luta pelos seus ideais. Outras exposições, atribuição do seu nome
a ruas e escolas por todo o país, dissertações académicas de Mestrado e
Doutoramento, evocações da sua figura e da sua vida em vários Dias da Mulher,
tudo tem sido feito por entidades das mais diversas, nomeadamente o MDM,
movimento do qual foi Presidente Honorária. O dia dos seus 120 anos foi
assinalado há dias com uma bela exposição em Torres Novas, a sua cidade natal,
que já há alguns anos marcara a sua presença numa lápide da casa onde nasceu,
no nome de uma escola, numa medalha e numa estátua. De entre as várias
homenagens, ter-lhe-á porventura sido particularmente agradável a nomeação,
logo em 1975, como Directora Honorária da Modas
& Bordados.
Ainda
em vida recebeu o grau de Oficial da Ordem de Santiago da Espada, cujo colar
lhe foi entregue pelo então Presidente da República, o Marechal Carmona, pelo
valor do seu trabalho em prol das mulheres, o que se justificou sobretudo na
sequência da grandiosa Exposição que organizara no edifício do Século sobre o
trabalho feminino. Em 1980 recebeu das mãos do General Ramalho Eanes a Ordem da
Liberdade, em 1982 foi a vez da primeira Medalha de Honra do MDM, e de França
veio em 1983, como já disse, a atribuição da medalha Eugénie Cotton, pela
Federação Democrática das Mulheres. Mais recentemente, em 20, foi entregue à
família na Assembleia da República, pelo seu Presidente, o Dr. Jaime Gama, a
medalha dos Direitos Humanos.
Temos
que reconhecer que tem sido grande o reconhecimento do que foi e representou
Maria Lamas e esperamos que, com tanto empenho e com a reedição das suas obras
mais importantes, a sua memória perdure para além da geração em que viveu.
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