quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Maria Leonor Machado de Sousa Comunicação


Maria Lamas, lutadora por grandes causas

 

Maria Leonor Machado de Sousa

 

Quis a Associação de Estudos Mulher Migrante aproveitar o volume Entre Portuguesas num Mundo sem Fronteiras para assinalar a passagem dos 120 anos de Maria Lamas, que se cumpriram no passado dia 6 de Outubro, com a inclusão de sete artigos sobre a escritora com enfoques diversos, de acordo com a área de actividade das autoras. Foi assim possível referir o lado humano e alguma coisa da sua actividade jornalística e literária, mas sobretudo da sua intervenção política e social, a nível nacional e internacional.

Num volume dedicado essencialmente à problemática da migração, também Maria Lamas ocupa um lugar destacado, com particular relevo para o exílio político, que a levou à Madeira mas sobretudo a Paris, onde a segunda e última fase significou sete anos longe da sua terra e da família, em circunstâncias muito difíceis, que só as frequentes visitas de familiares e muitos amigos ajudavam a minorar. Mas esses apoios não conseguiam fazer esquecer a solidão, como atestam as muitas cartas que escreveu nesse período. Também o clima de Paris não ajudava, como me dizia numa carta de 1965:

 

Estava tão fatigada, de corpo e de espírito, e o Inverno em Paris é tão rigoroso que cedi à insistência de alguns Amigos que me visitaram ultimamente, com a aprovação das pessoas da Família mais em contacto comigo, que tiveram conhecimento dessa ideia, e resolvi vir até aqui [Cannes], para fazer a experiência de umas semanas. Como realmente encontrei sol, temperatura moderada e condições acessíveis para uma breve permanência, consegui arranjar as coisas de forma a ficar mais um mês, convencida de que me fará bem. […] Ainda me canso bastante – sinto dores nas costas depois de escrever uma hora, mas um pequeno intervalo e lá vou continuando. (Agora é que tenho avaliado como estava exausta! Não imaginas. A própria mudança de ar me atordoou, nos primeiros dias, tanto mais que este ar é mais puro, incomparavelmente, e também mais forte que o de Paris.)

 

Os sete anos do último exílio em Paris (1962-69) permitiram-lhe várias viagens que tornavam impossível o seu regresso a Portugal no tempo de Salazar, a primeira das quais no mês seguinte à sua chegada a Paris, encabeçando a delegação portuguesa à Conferência para a Paz e Desenvolvimento, em Moscovo. A paz, no sentido de uma vida harmoniosa para todos os povos, foi o grande objectivo dos seus sonhos para a Humanidade. Por ela enfrentou várias vezes as autoridades portuguesas, para quem todas as actividades internacionais que lutavam pela paz eram orientadas politicamente por doutrinas comunistas. A sua defesa era a participação de pessoas e associações de todos os credos, incluindo bispos católicos, o que, como era de esperar, não alterou em nada o modo como a PIDE encarava estas reuniões. Em 1950 foram publicadas juntamente, com o título Pro Paz, duas conferências, uma de Teixeira de Pascoaes, outra de Maria Lamas, por iniciativa da Associação Feminina Portuguesa para a Paz. Esta publicação foi reeditada em 1993 em Lisboa, por Assírio & Alvim.

Foi eleita membro do Conselho Mundial da Paz em 1953, na reunião que teve lugar em Budapeste. Participou regularmente nessas reuniões, no Sri Lanka, no Japão, tendo visitado Hiroshima, e na China, onde esteve várias semanas e foi recebida por Chu En Lai.

            Outra área à qual dedicou os seus esforços durante toda a vida foi a situação social e política das mulheres, que a levou a reuniões internacionais novamente em Moscovo e em Berlim Leste, em 1963. Com ela estiveram Dolores Ibamuni, a Passionária, Marie Claude Couturier, heroína da resistência francesa, Gusta Fuchikova, resistente checoslovaca, Valentina Tereskova, a primeira cosmonauta a viajar no esapço, e Eugénie Cotton, cientista com uma brilhante carreira, na área da Astronomia, terminada por ordem do governo de Vichy, que a forçou a uma reforma prematura em 1941. Activista comunista, o seu percurso teve muitas semelhanças com o de Maria Lamas: participou na fundação da União das Mulheres Francesas e foi presidente da Federação Democrática Internacional das Mulheres e vice-presidente do Conselho Mundial da Paz, onde esteve activa até à sua morte, em 1967, com 86 anos. Recebeu o Prémio Internacional Estaline para a Paz em 1950. Por sua vez, Maria Lamas recebeu em 1983 a Medalha Eugénie Cotton, da Federação Democrática das Mulheres. Nos anos seguintes teve maior actividade política, não só nos encontros que mantinha em Paris com amigos e exilados mas também em viagens à Albânia e à Argélia. Além disso teve a possibilidade de viajar por toda a Europa.

            A sua estada centrada em Paris proporcionou-lhe uma experiência extraordinária, a vivência do Maio de 1968. Lembro-me de ela me ter contado que chegara a haver fogueiras debaixo das janelas do hotel em que residia, o Grand Hotel Saint-Michel em pleno Quartier Latin.

            Após o seu regresso a Portugal, não desiste de defender os ideais que tinham norteado a sua vida, o que lhe é proporcionado por entrevistas radiofónicas e escritas, além de colaboração em várias publicações, como o estudo “A Promoção da Mulher e a Protecção da Criança”, que aparece nos Cadernos D. Quixote, em 1971. Também a RTP lhe prestou homenagem em 1974, juntamente com Elina Guimarães, a advogada que colaborara em Modas e Bordados e fora também presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, no programa Nome-Mulher, de Maria Antónia Palla e Antónia de Sousa. Depois da sua morte, foram sendo emitidos alguns programas em que foi recordada a sua vida e prestada homenagem.

            O 25 de Abril foi recebido por Maria Lamas com grande alegria, tendo mesmo participado no desfile do 1.º de Maio. É nessa altura que se filia no Partido Comunista Português.

            Nos anos finais da sua nova vida foram muitas as iniciativas que procuraram dar realce à persistência da sua luta contra qualquer tipo de opressão, e não apenas aquela que ainda se sente na sociedade actual sobre as mulheres e as crianças. Em 1983, a Biblioteca Nacional, que entretanto adquiriu o seu espólio, organizou uma exposição recordando o seu primeiro centenário. Até hoje não cessaram as acções de toda a espécie que procuram manter viva a sua memória e o valor da luta pelos seus ideais. Outras exposições, atribuição do seu nome a ruas e escolas por todo o país, dissertações académicas de Mestrado e Doutoramento, evocações da sua figura e da sua vida em vários Dias da Mulher, tudo tem sido feito por entidades das mais diversas, nomeadamente o MDM, movimento do qual foi Presidente Honorária. O dia dos seus 120 anos foi assinalado há dias com uma bela exposição em Torres Novas, a sua cidade natal, que já há alguns anos marcara a sua presença numa lápide da casa onde nasceu, no nome de uma escola, numa medalha e numa estátua. De entre as várias homenagens, ter-lhe-á porventura sido particularmente agradável a nomeação, logo em 1975, como Directora Honorária da Modas & Bordados.

            Ainda em vida recebeu o grau de Oficial da Ordem de Santiago da Espada, cujo colar lhe foi entregue pelo então Presidente da República, o Marechal Carmona, pelo valor do seu trabalho em prol das mulheres, o que se justificou sobretudo na sequência da grandiosa Exposição que organizara no edifício do Século sobre o trabalho feminino. Em 1980 recebeu das mãos do General Ramalho Eanes a Ordem da Liberdade, em 1982 foi a vez da primeira Medalha de Honra do MDM, e de França veio em 1983, como já disse, a atribuição da medalha Eugénie Cotton, pela Federação Democrática das Mulheres. Mais recentemente, em 20, foi entregue à família na Assembleia da República, pelo seu Presidente, o Dr. Jaime Gama, a medalha dos Direitos Humanos.

            Temos que reconhecer que tem sido grande o reconhecimento do que foi e representou Maria Lamas e esperamos que, com tanto empenho e com a reedição das suas obras mais importantes, a sua memória perdure para além da geração em que viveu.

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