2.º Painel – Comunidades Portuguesas. Novas formas de associativismo
Uma breve palavra introdutória para saudar todos os presentes, a começar pelos membros
deste painel, e agradecer à Dr.ª Manuela Aguiar e à Dr.ª Rita Gomes o convite para participar
neste Encontro, mais uma bela iniciativa promovida pela Associação Mulher Migrante, na
linha da valorização das comunidades, em especial das mulheres e do seu papel nos vários
setores da vida social.
Portugal, ainda hoje um país de emigração
Quando nos anos setenta, mais precisamente em janeiro de 1973, iniciei as funções
de técnico no então Secretariado Nacional da Emigração, a emigração portuguesa continuava
com elevados níveis de fluxos, se bem que inferiores às grandes vagas registadas na década
de sessenta. Após o termo da II Guerra Mundial, na opinião de Francisco Carvalho, autor do
livro “A emigração portuguesa nos anos 60 do século XX – Porque não revisitá-la hoje?”,
Portugal teria entrado numa nova fase de fluxos migratórios que começou a estruturar-se nos
anos 50 e que veio a acentuar-se nos anos 60 seguintes.
Foi por esses anos, segundo muitos analistas dos movimentos migratórios
internacionais, que se esboçou o início de uma segunda era de migrações de massa
da época contemporânea – a primeira decorreu entre 1850 e 1930 –, caracterizada, no
fundamental, pela sua mundialização, abrangendo regiões que antes pouco eram tocadas
por esse fenómeno, e pela sua regionalização. Numa população mundial de 7 mil milhões
de habitantes, mil milhões encontram-se numa situação de mobilidade, correspondendo três
quartos a migrações internas e um quarto a migrações internacionais. Hoje, os migrantes
internacionais ultrapassaram os 200 milhões e, virtualmente, constituem o quinto país do
Mundo. É a partir dessas novas realidades das migrações que Catherine Wihtol de Venden,
diretora de investigação no CNRS em França e autora de número significativo de obras na
área das migrações internacionais, passou a classificar os movimentos migratórios em quatro
grandes configurações: Sul-Sul, com 62 milhões de migrantes; Norte-Norte, com 50 milhões;
Norte-Sul, com 14 milhões e Sul-Norte, abrangendo 63 milhões.
No que respeita à emigração portuguesa, continuando a apoiar-me no trabalho já
citado de Francisco Carvalho, a evolução registada nesses períodos foi a seguinte:
- De 1945 a 1970 - 1,1 milhão de emigrantes, com especial incidência na década de 1961 a
1970, pois, em apenas 10 anos, o total de saídas foi de 681. 004;
- De 1971 a 1980 - 364.851 emigrantes;
- De 1981 a 1988 - 131.059 emigrantes (Em relação aos anos de 1989 a 1991, as Estatísticas
Demográficas do INE não publicaram dados sobre a emigração);
- De 1992 a 2003 - 336.741 emigrantes.
A partir de 2003, deixou de haver a publicação de estatísticas sobre a emigração.
O INE lançou depois um sistema de recolha de informação através do “Inquérito aos
Movimentos Migratórios de Saída” mas o sistema veio depois a ser suspenso, em virtude
dos dados obtidos revelarem margens significativas de erro. Mais recentemente, o INE
começou a publicar as “Estimativas Anuais de Emigração” para emigrantes permanentes e
temporários.
De 2008 a 2012, as estimativas são as seguintes:
Emigrantes permanentes
- 2008 – 20.357 emigrantes:16.286 homens e 4.071 mulheres.
- Local de residência futura: 15.581 emigraram para países da UE e 4.776 para países
extra-comunitários;
- 2009 – 16.899 emigrantes: 13.519 homens e 3.380 mulheres.
- Local de residência futura: 10.891 optaram por países comunitários e 6.008 por
países não comunitários;
- 2010 – 23.760 emigrantes: 19.008 homens e 4.752 mulheres.
- Local de residência futura: 14.838 dirigiram-se para países da UE e 8.922 para
países não membros da União Europeia;
- 2011 – 43.998 emigrantes: 31.329 homens e 12.669 mulheres.
- Local de residência futura: 28.489 partiram para países da EU e 15.509 para países
fora da EU;
- 2012 – 51.958 emigrantes: 34.540 homens e 17.418 mulheres.
- Local de residência futura: 34.418 escolheram como destino países da EU e 17.510
países não comunitários, sendo desconhecida a opção de 30 emigrantes.
Emigrantes temporários
- 2011 – 56.980 emigrantes;
- 2012 – 69.460 emigrantes.
Se bem que não disponhamos de dados obtidos através de um sistema de recolha
direta de informação sobre a emigração portuguesa, as estimativas publicadas pelo INE
têm todavia a marca da autoridade e da qualidade, por procederem do órgão central do
Sistema Estatístico Nacional. Elas constituem por conseguinte a origem dos dados de que
me servi para destacar algumas das tendências mais marcantes dos atuais fluxos emigratórios
portugueses, que passo a resumir:
1.º A permanência do fenómeno no quadro da evolução histórica da sociedade
portuguesa e, numa perspetiva mais ampla, dos movimentos internacionais de mão-
de-obra;
2.º O seu significativo aumento registado nos últimos anos, em consequência da atual
crise financeira e económica internacional e das suas repercussões na economia e na
sociedade portuguesa, com o crescimento, em especial, do desemprego;
3.º O aumento do número dos trabalhadores temporários e da sua percentagem no
quadro dos movimentos migratórios portugueses. Faltam dados para aprofundar a
análise desta categoria de emigrantes mas, pelo conhecimento direto de muitos casos,
penso que uma parte significativa será constituída por trabalhadores destacados;
4.º - A nível dos grupos etários, a larga percentagem é constituída por população
ativa, com principal incidência nos grupos etários entre os 20-24 anos e os 30-34.
Mesmo assim, não deixa de ser significativa a percentagem das crianças e dos jovens,
ente os 0-4 anos e os 15-19 anos, o que pode indiciar a saída de importante número de
agregados familiares;
5.º - Por distribuição por sexos, continua a verificar-se uma predominância
significativa da saída de homens, devido aos movimentos de temporários, na sua
quase totalidade constituída por emigração masculina, embora se verifique que há
cada vez mais mulheres isoladas a emigrar, mas numa percentagem ainda inferior
à que se regista a nível internacional. Hoje, metade dos migrantes internacionais
são mulheres, cujo perfil registou todavia uma evolução muito significativa. O
perfil tradicional da mulher que emigra para se juntar ao marido, no quadro do
reagrupamento familiar, tem vindo progressivamente a dar lugar ao perfil da mulher
independente, à procura de emprego, e a modalidades de emigração específicas, tal
como a migração de mulheres de países do sul para se ocuparem dos cuidados às
pessoas da terceira idade dos países industrializados, quando o nível de cuidados
médicos é reduzido;
6.º - A crescente diversificação dos destinos, se bem que os países comunitários
continuem a ser os principais países recetores da nossa emigração;
7.º Sobre a evolução por categorias socio-profissionais e respetivo grau de
qualificação, lamentavelmente, faltam as estatísticas. A nível internacional, a
mobilidade estudantil e o êxodo dos jovens qualificados ganharam particular
importância nas novas configurações migratórias Sul-Norte e Norte-Norte. Parece
assim evidente que se vai acentuar a tendência da nova emigração portuguesa ter de
responder a critérios de qualificação cada vez mais exigentes.
Em resumo, quando agora me aproximo do fim da minha carreira profissional, a
emigração voltou a atingir níveis idênticos aos de outros períodos de crise da nossa história,
tal como nos anos 20 ou 60 do século passado A emigração continua a ser, citando Vitorino
Magalhães Godinho, uma constante “estrutural” da vida nacional e uma insubstituível via
de acesso ao emprego ou à melhoria dos rendimentos e das condições de vida para milhões
de nacionais portugueses, a exigir das autoridades portuguesas, tal como nos anteriores
períodos de crise, uma intervenção atenta e ajustada às reais necessidades dos novos fluxos
emigratórios.
Comunidades Portuguesas, os novos países de acolhimento
Quanto à orientação da emigração em termos de países de destino, nas suas grandes
linhas, registou-se uma profunda mudança no pós-guerra, sobretudo nos anos 60 e 70, com
uma inversão nas preferências geográficas, verificando-se uma diminuição progressiva dos
movimentos para os países do continente americano, designadamente para o Brasil, a par do
aumento contínuo das preferências pelos países europeus, principalmente pela França. A um
ciclo transoceânico sucedeu um ciclo europeu ou, como diz Francisco Carvalho, passou-se
“do ciclo americano da emigração nacional, essencialmente brasileiro, para o ciclo europeu,
que é fundamentalmente francês”. No seu ponto de vista, passo a citá-lo, “este desvio nas
preferências geográficas do emigrante português entender-se-á melhor se pensarmos que os
candidatos à emigração passaram a poder optar entre a tentativa de fortuna a longa distância,
além-atlântico, que já por si imprimia à partida uma certa miríade longínqua e um carácter
até certo ponto definitivo, e os novos horizontes de emprego e de promoção social que,
mais de perto, na Europa, ofereciam alguns dos países industriais, como era por exemplo a
França”.
A França passou a ocupar o primeiro lugar dos destinos da emigração portuguesa,
com um efetivo que foi gradualmente aumentando e que poucos anos depois se transformou
no mais numeroso de todas as comunidades estrangeiras residentes no território francês. Mas
para além da França, outros países vieram também a acolher significativas comunidades
portuguesas, como a Alemanha, o Luxemburgo, a Bélgica, a Holanda e, alguns anos mais
tarde, a Suíça, a Espanha e o Reino Unido.
De data mais recente, em consequência da grave crise por que o País passa,
com o agravamento do desemprego, mas também de outros fatores, nomeadamente de ordem
externa, como a crescente mobilidade a nível internacional, a generalizada procura de mão-
de-obra qualificada, por parte dos países mais desenvolvidos, mas também dos países
emergentes e dos países do Golfo, extremamente dependentes da mão-de-obra estrangeira, a
emigração portuguesa voltou a conhecer, como o deixei anteriormente documentado, uma
nova retoma, traduzida no seu crescimento, na diversificação de perfis dos emigrantes e na
procura de novos destinos. É neste contexto que se regista o aumento de saídas para o Reino
Unido, Angola, Macau, Moçambique, Índia, Irlanda, países do Golfo e outros países mais.
Segundo dados da DGACCP relativos a 2012, saíram do País, pelo menos, 130.000
portugueses, juntando-se aos mais de quatro milhões espalhados pelo Mundo. Uma parte
deles dirigiu-se para países tradicionais da emigração portuguesa, como a França, que
ocupou a primeira posição, o Brasil, a Suíça, a Alemanha, a Venezuela e o Canadá mas outra
parte, igualmente importante, para novos países de acolhimento.
No elenco desses países elaborado pelo Observatório da Emigração, num total de
193, tantos os que conta atualmente a Organização das Nações Unidas (ONU), há cerca de
100 onde foi assinalada a presença de portugueses. Outras diásporas têm uma dimensão
numérica muito superior à portuguesa mas poucas são por certo as que a igualam na sua
distribuição por tão vasto e diversificado universo de países de acolhimento, em razão da
variedade de religiões, línguas, diferenças de níveis de desenvolvimento, sistemas sociais e
de valores, assim como da sua história e da própria história, em cada país, dos movimentos
migratórios.
As diferenças entre os vários países onde residem os nossos compatriotas determinam,
por força dos condicionalismos daí resultantes, que a sua situação seja também diferente
de país para país. Com efeito, as comunidades portuguesas apresentam diferenças de umas
para as outras mas é de notar que, não obstante as particularidades de cada uma, existem
obviamente pontos comuns entre elas, com destaque para os seguintes:
a) A situação regular em que se encontra nos países de acolhimento a generalidade dos
portugueses neles residentes.
Os casos de clandestinidade atingiram desde sempre elevados montantes. Nos anos sessenta,
a emigração clandestina, na quase totalidade para França, atingiu mais de 57% da legal e, no
período de 1891 a 1960, dos mais de 1.500.000 que ilegalmente se fixaram no estrangeiro
cerca de 600 mil fizeram-no na América Latina. Hoje, os casos de situação irregular estão
muito mais limitados, de que é indicador o número de 21 nacionais portugueses que em 2012
foram deportados ou expulsos, com apoio social, dos seguintes países: EUA (16), Canadá
(1), Argentina (1), Tailândia (1), Grécia (1) e Reino Unido (1);
b) A elevada taxa de atividade dos portugueses no exterior e o exercício de todo
o tipo de atividades, desempenhando as mais diversas profissões e ofícios, cuja
diversificação e hierarquização têm vindo a progredir à medida do aprofundamento
da sua participação na vida dos países de acolhimento;
c) A ligação ao país, materializada na vontade de manter viva a língua portuguesa nas
comunidades e de promover a cultura portuguesa; nas frequentes visitas ao país; no
envio de remessas; na aquisição de propriedades, nomeadamente de residências;
no crescente investimento nos vários setores de atividade; na participação eleitoral;
etc…
As nossas comunidades constituem no seu conjunto uma verdadeira diáspora, fiel à
memória do legado de tradições, costumes e valores transmitido de gerações em gerações,
à qual muito se deve o facto de Portugal beneficiar de uma importante influência a nível
internacional, contribuindo para que uma língua de 10 milhões de habitantes seja a terceira
língua europeia mais falada no mundo;
d) A sua situação face ao Estado português.
Segundo o art.º 14.º da Constituição da República Portuguesa, “os cidadãos portugueses
que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da proteção do Estado para o exercício
dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência
do país”. O direito de emigrar ou sair do território nacional e o direito de regressar são
constitucionalmente garantidos a todos os cidadãos no n.º 2 do artigo 44.º da CRP.
Na intervenção que fez em 5 de junho de 2001 para apresentar o projeto de lei
n.142/VIII no âmbito do repatriamento voluntário, a Dr.ª Manuela Aguiar, então na
qualidade de deputada pelo Círculo Eleitoral pelo Resto do Mundo, afirmava que “que só
com a Constituição democrática de 1976 rompemos, definitivamente com a mais antiga e
tradicional das nossas políticas no domínio das migrações – e, desde o século XVI, a única
constante – que, segundo os bons autores, se limitava a proibir ou a dificultar o êxodo
imparável das populações para o exterior”. Lembrava a seguir que “já no século XX, a
primeira verdadeira medida de apoio aos emigrantes, com a assistência na fase de saída,
incluiu o acompanhamento das viagens transoceânicas e a inspeção das condições de
segurança e salubridade a bordo dos navios, quase invariavelmente más. Foi a chamada
“política de trajeto de ida”. Depois, os homens ficavam entregues a si próprios, apesar dos
protestos de tantos dos nossos diplomatas, que souberam erguer-se em sua defesa e traçar o
quadro da miséria de uma minoria de desafortunados - sempre uma minoria, embora a
repatriação tenha atingido, no século XIX e na primeira metade do século XX, em alguns
períodos, cerca de 1/3 do total de emigrados”.
Foi assim no passado, ainda não muito distante, mas hoje o dever do Estado para com
os cidadãos expatriados estende-se, imperativamente, a todas as fases do “ciclo migratório,
desde que o emigrante planeia a saída, durante a sua viagem, no tempo de permanência no
estrangeiro e na hipótese de um eventual retorno”.
Nesse amplo quadro de atribuições, são três os eixos principais da ação do Estado no
âmbito da emigração e das comunidades portuguesas:
1) A defesa e proteção dos direitos e interesses dos emigrantes portugueses;
2) A promoção da sua participação cívica e política nos países de acolhimento, procurando
por essa via contribuir para a melhoria do estatuto das comunidades portuguesas e a
valorização pessoal dos membros;
3) A manutenção dos laços com o país.
O Estado tem uma função fundamental e insubstituível no tocante à primeira
das três áreas referidas, ainda que a sua ação possa ser apoiada por organizações não-
governamentais, indistintamente da sua natureza e origem. O seu exercício processa-se a
nível bilateral, no quadro das suas relações com os outros Estados, incluindo no âmbito
comunitário, regulamentadas hoje pelas Convenções sobre Relações Diplomáticas e sobre
Relações Consulares, e a nível multilateral, através da sua participação nas organizações
internacionais. É particularmente importante a ação de algumas destas organizações
no campo das migrações, com destaque para o Conselho da Europa, a Organização das
Nações Unidas (ONU), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Organização de
Cooperação para o Desenvolvimento Económico (OCDE) e a Organização Internacional
para as Migrações (OIM), das quais Portugal é membro, considerando sobretudo os
instrumentos de direito internacional aprovados no âmbito das suas atividades, como é o
caso das Convenções do Conselho da Europa relativa ao Estatuto do Trabalhador Migrante,
sobre a participação dos estrangeiros na vida pública ao nível local e sobre a nacionalidade,
bem como as convenções relativas aos trabalhadores migrantes no âmbito da OIT e da ONU,
nomeadamente as convenções 97 e 143 da OIT e a Convenção Internacional sobre a proteção
dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias da
ONU.
No que respeita à distribuição das comunidades portuguesas no quadro das
configurações anteriormente mencionadas, é no Norte que se localiza 1/3 dos países de
acolhimento das comunidades portuguesas, onde os nacionais portugueses gozam, nos casos
dos países da União Europeia, do estatuto comunitário, caracterizado, em síntese, pelos
princípios da livre circulação, da igualdade de tratamento e de oportunidades e da cidadania
europeia, sendo-lhes reconhecido a este nível a capacidade eleitoral ativa e passiva nas
eleições para as autarquias e para o Parlamento Europeu. No caso dos restantes países, a ação
de proteção do Estado exerce-se através da sua intervenção a nível diplomático e consular,
quer a nível bilateral, quer multilateral.
No âmbito Norte-Sul, é da maior relevância este enquadramento dos movimentos
migratórios portugueses, pois 2/3 dos países de acolhimento das nossas comunidades são
países do hemisfério sul, localizados na América do Sul, na Ásia e na África. A atual crise
está a incrementar a procura por muitos emigrantes portugueses qualificados de destinos no
sul, sobretudo nos países com um crescimento mais dinâmico.
Nesses países, em geral países com um nível de desenvolvimento inferior ao
dos países do norte, a proteção do Estado é mais difícil de assegurar, devido aos baixos
níveis de segurança existentes em largo número deles e também à inexistência de sistemas de
segurança social ou ao seu incipiente grau de desenvolvimento. De igual modo, é de
assinalar que, à exceção do Brasil e da Venezuela, nenhum outro país importante de
acolhimento das comunidades portuguesas, nomeadamente em África, tal como a África do
Sul e os PALOPS, ratificou qualquer das convenções da OIT e da ONU anteriormente
mencionadas, designadamente a Convenção n.º 97 da OIT. A situação dos portugueses no
Brasil é um caso completamente aparte, onde os portugueses gozam em matéria de direitos
civis e políticos um estatuto equiparado ao dos nacionais, nos termos e condições do Tratado
de Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses. Com Angola, foi
assinado o Protocolo Bilateral entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da
República de Angola sobre Facilitação de Vistos em 15 de Setembro de 2011. Com outros
países, em matéria de segurança social, estão em curso diligências com a Argélia, Brasil,
Cabo Verde, Filipinas, Índia, Marrocos, Moçambique, Tunísia e Ucrânia. É também no
quadro da proteção dos nacionais residentes nos países em apreço que está a ser prestado na
República da África do Sul apoio psicológico a vítimas de crime e foram criados os
programas ASIC-CP (Apoio social a idosos carenciados das comunidades portuguesas) e
ASEC-CP (Apoio social a emigrantes carenciados das comunidades portuguesas). Os dois
programas constituem medidas de apoio social dirigidas aos portugueses idosos carenciados
das comunidades portuguesas, residentes designadamente na África do Sul, Angola,
Argentina, Brasil, Moçambique, Uruguai e Venezuela. No 4.º trimestre de 2012, o ASIC-AP
registou 847 beneficiários em pagamento, distribuídos por 15 países – Angola (22),
Argentina (17), Brasil (547), Colômbia (1), Cabo Verde (8), Marrocos (2), Macau (2),
Moçambique (66), Uruguai (14), R.D. Congo (2), Venezuela (70), África do Sul (65),
Zimbabwe (29), Índia (1) e Suazilândia (1), no total de € 1.658.368,91. O ASEC-CP registou
6 beneficiários distribuídos por 4 postos consulares – Rio de Janeiro (2), São Paulo (2),
Maputo (1) e Beira (1), com uma despesa de €12.303,32.
Como nota geral, os portugueses desfrutam na generalidade dos países de
acolhimento de uma situação satisfatória, com imensos casos de compatriotas a terem
conseguido singrar nos negócios ou ocupar posições de relevo em muitos outros setores. Não
obstante esse generalizado sucesso, não se poderá deixar de considerar que muitos dos que
partiram para procurar melhores condições no estrangeiro tinham um baixo ou nenhum nível
de escolaridade. Como reconhece Manuel Dias, na obra já citada, “parte dessa força de
trabalho o único “diploma” que levava na bagagem era o da férrea vontade de vencer ou de
ganhar o combate por melhores condições de vida, ainda que à custa de muitos sacrifícios”.
A falta de qualificações profissionais ou outro tipo de causas, tal como a crise dos últimos
anos, com particular incidência nos ramos de atividade que mais ocupavam mão-de-obra
imigrante, a insegurança em países de África e da América Latina e o generalizado
envelhecimento das nossas comunidades, estão a atingir alguns setores das nossas
comunidades e, por consequência, a estar na origem de preocupantes bolsas de pobreza,
sobretudo naqueles países onde não existem sistemas de proteção social ou o âmbito das
prestações asseguradas é ainda muito limitado. Há nas comunidades problemas,
contrariamente à imagem divulgada pelos órgãos de comunicação social, que exigem por
parte do Estado o seu adequado acompanhamento e a necessária diversificação de
programas, medidas e ações.
No que respeita aos outros dois eixos, correspondem eles também a áreas em
que é fundamental a intervenção do Estado, nomeadamente no que respeita ao ensino
do português, mas, relativamente aos quais, as comunidades, através das suas estruturas
representativas, têm desde sempre desempenhado um papel da maior relevância, que importa
cada vez mais estimular, considerando a importância, tanto de uma, como de outra, para o
desenvolvimento e a projeção das comunidades, bem como para a defesa dos interesses do
País. Por parte do Estado, que me parece não ter descurado o cumprimento dos seus deveres
nessas matérias, são de sublinhar o importante investimento realizado na área do ensino, e
as múltiplas iniciativas que tem promovido para promover a participação cívica e eleitoral,
assim como a manutenção e o aprofundamento da ligação das comunidades ao país, através
de medidas como a criação do Conselho das Comunidades Portuguesas, a abertura do recém
Gabinete de Apoio ao Investidor da Diáspora, o apoio prestado aos órgãos de comunicação
e ao movimento associativo das comunidades. Por parte das comunidades, através das suas
estruturas representativas, teremos a seguir a oportunidade de ouvir os representantes de
alguns dos movimentos mais representativos da diáspora aqui presentes.
O movimento associativo da diáspora, a necessária colaboração institucional
Antes que cada um deles tome a palavra, gostaria de salientar quanto importante
considero que no futuro se venha a institucionalizar e a desenvolver a colaboração entre
o Estado e as organizações das comunidades. Mais do que nunca, essa colaboração é hoje
indispensável, sobretudo para o Estado manter a ligação das comunidades ao País, pois como
o assinala o sociólogo João Teixeira Lopes, autor do estudo sobre Novos Emigrantes para
França: a geração Europa, em declarações prestadas ao Jornal Público do dia 8 do passado
mês de outubro, Portugal corre o risco de perder o rasto dos novos emigrantes.
Numa entrevista ao Jornal i de 19 do referido mês de outubro, João Salgueiro,
economista e antigo Ministro das Finanças disse a certo passo o seguinte: -“…Temos feito
com que os rendimentos e capitais sejam menos atraídos para Portugal. Vivemos até há
15 anos de uma medida que se tomou em 1976 e que trouxe mais dinheiro para Portugal
do que o que veio da UE. O que se fez foi autorizar os emigrantes a ter depósitos em
moeda estrangeira, que mais ninguém tinha. Deixaram de pagar impostos sobre os juros
dos depósitos e tinham um crédito automático igual ao volume dos eus depósitos. Entrou
dinheiro de todos os lados. Chegámos a ter 13% do PIB esse modo. Se agora tivéssemos 6%
do PIB assim, não teríamos problemas”.
É um exemplo, entre muitos outros, que penso nos poderá estimular a refletir sobre a
importância das comunidades para Portugal e o potencial que a sua contribuição poderá ter
nos vários setores da vida nacional.
Lisboa, 24 de outubro de 2013
Victor Lopes Gil
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