segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Deolinda Adão Comunicação


Deolinda M Adão
Universidade da Califórnia, Berkeley
California State University, San Jose
 
Escritas Dispersas – Convergência de Afectos
O Impasse do Eu: A Saudade como Veículo de Transculturação e Construção de Identidade na Literatura de Mulheres na Diáspora Portuguesa na Califórnia.
Este trabalho visa efectuar uma leitura de textos produzidos por mulheres Portuguesas ou Luso-Americanas residentes nos Estados Unidos da América dentro de uma perspectiva vinculada ao processo de construção de identidade das personagens e da voz poética ou narrativa, assim como o inerente processo de “transculturação” das mesmas. Assim, e tendo em consideração que muitos dos textos produzidos por mulheres portuguesas nos Estados Unidos são de índole auto-biográfico, o processo de construção de identidade desenvolvido nesses textos é até certo ponto paralela àquele desenvolvido pelas próprias autoras ou por outras mulheres da sua comunidade.
No texto Contrapunteo Cubano del Tabaco y del Azucar, o antropólogo Cubano Fernando Ortiz, desenvolve a noção de trasculturação, que segundo este teórico surge sempre que um indivíduo ou grupo de uma cultura entra em comunicação com indivíduos ou grupos de outra cultura, seja voluntariamente ou não. Para Ortiz, esse encontro transcultural provoca alterações em ambos grupos, particularmente no não dominante, fazendo com que o indivíduo ou grupo em questão ajuste os marcos culturais e identitários trazidos da sua cultura de origem e paralelamente adopte marcos culturais e identitários da cultura com a qual entrou em contacto. No caso de comunidades imigrantes, esta última seria a cultura do país de acolhimento. Assim, a comunidade em questão constrói parâmetros identitários próprios com referências culturais extraídas tanto da sua cultura de origem como da cultura de acolhimento. Uma das questões levantadas neste trabalho é como dentro desta conjuntura, se constrói uma noção de identidade individual e colectiva, e como se herdam e propagam os marcos identitários utilizados para essa construção. Também se pretende ponderar até que ponto a selecção de parâmetros de identidade depende inteiramente do livre arbítrio de cada indivíduo, ou se a mesma está influenciada e condicionada por parâmetros de identidade previamente estabelecidos e transmitidos pela estrutura sociocultural na qual o indivíduo está inserido. Para os fins deste trabalho, a nossa proposta é conceber a construção de identidade cultural como um processo cumulativo que incorpora diversos marcos identitários que se sobrepõem e entrelaçam, cada um deles afectando e alterando o outro.[1] Dentro deste esquema, o processo de construção de identidade é simultaneamente horizontal e vertical, pois os diversos marcos identitários vão-se sobrepondo, como se fossem camadas de identidade, mas cada uma destas camadas movimenta-se verticalmente impactando todas as outras.
Com o fim de observar como os referidos processos de construção de identidade se desenvolvem em cada um desses textos, seleccionaram-se sete textos, cinco dos quais produzidos por Luso-Americanas e dois criados por portuguesas naturais dos Açores. Nomeadamente, Katherine Vaz, Rose Peters Emery, Pauline Correia Stonehill, Rose Silva King, Maria Fernanda Simões e Maria das Dores Beirão. Ao nível da narrativa, dois dos textos sobre os quais nos debruçaremos são romances, dois são memoriais, um trata-se de uma colecção de contos, e os últimos dois são colectâneas de poesia intercalada de alguma prosa. Neste trabalho a análise dos textos está apresentada de una forma aparentemente anti-cronológica, pois começamos pela autora mais afastada da cultura portuguesa e terminaremos com as duas autoras nascidas em Portugal. Assim, em primeira instância abordaremos o romance Saudade e o livro de contos Fado and Other Stories de Katherine Vaz, em seguida debruçamo-nos sobre Footprints in the Soil de Rose Emery, A Barrelful of Memories de Pauline Stonehill e A Cow for the Holy Spirit de Rose King, terminando com As Lavadeiras, Suas Lidas e Maluqueiras de Maria Fernando Simões e Beijo de Abelha de Maria das Dores Beirão.
Embora estes textos sejam bastante heterogéneos tanto a nível estrutural como narrativo e até mesmo linguístico, existem alguns temas que percorrem todos eles, temas estes que uma vez identificados nos permitem traçar uma análise transversal dos textos mencionados. Um desses temas é sem dúvida a “saudade” que é alias o título do primeiro romance de Katherine Vaz. Aliás, a temática da saudade é uma das mais recorrentes na produção literária da diáspora lusitana nos Estados Unidos em geral, e neste caso particular na Califórnia. Em realidade, e embora a palavra “saudade” seja quase exclusiva à língua portuguesa, a noção de nostalgia pelos lugares e pelas gentes do local de origem, é um tema presente em muita da literatura de diáspora em geral, particularmente a de primeira geração. No entanto, e como abordaremos em maior pormenor, no caso da literatura da diáspora portuguesa, essa tendência parece alastrar-se para além dessa primeira geração de imigrantes, que sofrem na pele a angústia de perda de vínculos de identidade com o seu local de origem e a frustração de uma assimilação dificultosa no novo local de residência.
No texto  A Literatura Emigrante Portuguesa na Califórnia Eduardo Mayone Dias afirma que:
A faceta da literatura de emigração mais abertamente arreigada à tradição literária importada é constituída por um ciclo de poesia saudosista em moldes singelos, quase monocórdica na sua nostálgica evocação da vida deixada para trás. (p. 21)
Obviamente, para os emigrantes de primeira geração, como era o caso de Alfredo Luís[2] (Alfred Lewis), Artur Vieira Ávila[3], Ramiro Dutra[4], e Machado Ribeiro (Décio de Oliveira), entre muitos outros que se tem ocupado a escrever em verso ou em prosa, muito do que lhes vai na alma, o tema da saudade era, e continua a ser, um tema que lhes permite exprimir a sua relação com a terra natal, sem menosprezar o local de acolhimento. Desta forma, consistentemente encontramos textos nostálgicos que evocam a terra natal dos respectivos autores, como é evidente nos fragmentos que seguem:
Adeus À Ilha Terceira de autor desconhecido (1941)[5]
Ó tempo, que tudo levas,
Já o tempo me levaste.
Do Tempo que foi meu tempo
Só a saudade me deixaste.
 
Despedida À Ilha das Flores por Frank Nunes (1953)[6]
 
Saudades a toda a gente
Desta Ilha natural,
A todos muitas saudades,
Aqui faço ponto final.
 
Saudade de Manuel Bráulio Costa Fontes (1973)[7]
 
Tinha saudades;
Mas como voltar, se ele não podia
Os filhos deixar?
 
Sou Imigrante por Margarida Soares (1979)[8]
 
O imigrante velhinho
Já só vê a sepultura
E vai desfiando saudades
Num rozário de amargura.
 
O Emigrante por Arthur V. Ávila (1962)[9]
 
Meu deus! Que voz teimosa é a voz da verdade
A martelar sem dó a ferida da saudade
Que sente todo o emigrado como eu.
 
Saudade da Terra por Alfred Lewis (1973)[10]
 
O bordão liso do passado
Numa esquina do meu quarto
Parece acentuar o meu desejo
(se o pudesse fazer) de voltar lá
Para matar saudades e pagar promessas
E sentar-me no Rossio
Sem baleeiros agora.
 
Balada da Saudade por Machado Ribeiro (2002)[11]
 
Tão longe da minha aldeia,
Do Torrão onde nasci,
Trago minha alma cheia
De saudades de ti
 
Ai que saudade
O tempo ao passar deixou,
Ai que saudade
Da terra que me gerou.
 
            Como afirmamos anteriormente, o facto de frequentemente encontrarmos a temática da saudade na produção literária da primeira geração de imigrantes portugueses na Califórnia, não é surpreendente. O que nos parece mais interessante, é o facto que este tema continua a ser trabalhado por aqueles que não partiram, ou seja, por Luso-Americanos. Um dos casos emblemáticos é a escritora Luso-Americana Katherine Vaz, que até este momento publicou em Inglês e por editoras americanas ou inglesas, dois romances – Saudade (St. Martin Press, 1994) e Mariana (HarperCollins, 1997), e dois livros de contos – Fado and other stories (University of Pittsburgh Press, 1997) e Our Lady of the Artichokes and Other Portuguese-American Stories (UNP, 2008). Mariana, Fado and other Stories e Saudade foram traduzidos ao português e publicados em Portugal.
Ao contrário das autoras de primeira geração, ou seja nascidas em Portugal, que recriam um mundo através de referências de que elas próprias têm conhecimento devido as suas experiências de infância e juventude, em Saudade, Katherine Vaz recria o mundo de Clara, a sua protagonista surda, não utilizando referências culturais próprias, mas aquelas que lhe foram transmitas pelos seus familiares, particularmente o seu pai e família paterna, visto que a família materna de Katherine Vaz é de descendência Irlandesa. A escritora, também faz inúmeras viagens a Portugal, particularmente aos Açores, onde adquire muitas das referências culturais e geográficas utilizadas nos seus textos. Assim, a narrativa de Vaz, nos dois textos que consideramos neste trabalho, Saudade e Fado and Other Stories, apresenta várias particularidades culturais que são utilizadas pela autora para recriar nas suas obras um mundo, ou um espaço cultural português ou luso-americano. Em todos os seus textos Vaz utiliza múltiplas referências à cultura portuguesa, desde os nomes de quase todas as suas personagens, especialmente as protagonistas, até as descrições de instrumentos musicais e de trabalho, assim como alimentos tradicionalmente portugueses. Inevitavelmente, uma das particularidades da cultura portuguesa amplamente utilizada por Vaz é o saudosismo e fatalismo português tipicamente associados à saudade e ao fado. Desta forma, uma das características das personagens de Katherine Vaz é a situação trágica das mesmas, pois estas vivem entaladas entre duas culturas e como tal, permanentemente em busca da sua identidade cultural “I’not Portuguese, she thought not any more. I’m Hawaiian.” [12] [Eu não sou Portuguesa, pensou, já não, agora sou Havaiana][13] Assim, praticamente todos as personagens de Vaz, são irremediavelmente trágicas sem terem qualquer possibilidade de fugir ao seu fado “Xica Adelinha Costa had tried to escape Portuguese fate by moving halfway across the world, to a dry inland patch, but there she was for the second time in her life on a shoreline wailing over the body of a dead man.”[14] [Xica Adelinha Costa tinha tentado fugir à sina portuguesa mudando-se para o outro lado do mundo, para um árido pedaço de terra, mas, aqui estava ela, pela segunda vez na sua vida, abraçada a um corpo inerte, cuja vida tinha sido arrebatada pelas águas.][15] No entanto, por vezes a narrativa levanta a dúvida se a tragédia das personagens tem que ver com o simples facto de elas serem portuguesas ou de descendência portuguesa, e como tal fadadas para a desgraça”But I do have one Lusitanian quality that has the strength of instinct in me, without my faking it or pumping it up Portuguese fatalism gravitates to the absolute”[16][Mas eu tenho uma qualidade Lusitana que tem força de instinto, pois sem necessidade de fingimento ou esforço, o fatalismo Português atinge em mim magnitude absoluta][17] ou pelo facto que as personagens vivem dentro de uma cultura, mas mantêm a estrutura cultural de outra cultura que entra em conflito e muitas vezes é incompatível com a cultura da sociedade onde vivem, neste caso, as personagens são, ou emigrantes portugueses ou Luso-Americanos que vivem nos Estados Unidos, nomeadamente na Califórnia e no Hawaii, mas que mantêm fortes vínculos culturais com o seu lugar de origem ou o lugar de origem de seus antecedentes. Em suma, todas as personagens de Katherine Vaz, são personagens saudosas, que se mantêm amarradas à sua cultura tradicional pois esta é a única forma de manterem ligação com o seu local de origem e talvez a única forma de atenuar a dor da saudade.
            Um dos contos emblemáticos de Fado and Other Stories é o conto Original Sin que propõe que a tragédia de Miranda reside no facto de que ela é oriunda de uma cultura onde o silencio, a solidão e as crenças religiosas são fundamentais, ou seja, o facto de que ela é portuguesa “My father once explained to me the solitude of the Portuguese: We would rather go out to sea alone in a small boat that fish together on a big one…We bought land for power but mostly for isolation.”[18] [Uma vez, o meu pai falou-me sobre a solidão dos Portugueses: nós preferíamos deitarmo-nos ao mar sozinhos numa pequena embarcação do que pescar em grupo numa embarcação maior… Nós compramos terra para adquirir poder, mas mais que nada para adquirir isolamento.][19] Efectivamente, Miranda não tem nada em comum com qualquer jovem residente na Califórnia fora da comunidade portuguesa, ela é uma personagem que vive isolada dentro de uma comunidade isolada, com todas as suas referências culturais no passado e num local distante. Este facto é enfatizado pela estrada que sendo o ponto de contacto entre os membros da comunidade portuguesa com a comunidade em geral, aparece como o local que provoca a morte do pai e do irmão da protagonista, e implicitamente como o obstáculo insuperável que mantém Miranda e o resto da comunidade portuguesa completamente isolada “my father and brother died in a car wrech, in the stretch were we converged with outsiders. The road, like most of the ones in California, always smelled like blood.”[20] [meu pai e meu irmão morreram num desastre de automóvel, nesse pedaço de estrada onde nós nos encontrávamos com os que não pertenciam à nossa comunidade. A estrada, como quase todas as outras na Califórnia, cheirava a sangue.][21] Assim, Katherine Vaz constrói narrativas através da utilização de inúmeras referências culturais, que projectam a dicotomia cultural da comunidade portuguesa residente nos Estados Unidos, e propõe que a impossibilidade de reconciliar as duas culturas - a portuguesa e a americana, e de superar o desolador sentimento de saudade que marca as personagens, provoca nelas uma imensa amargura e resulta na sua eventual destruição. Assim, parece plausível afirmar que em Vaz, a saudade perde ternura para ganhar amargura e solidão. As personagens de Katherine Vaz têm saudades de um tempo e lugar longínquo, mas este sentimento revela-se como a força catalítica da sua destruição. Alias, na primeira página do primeiro romance da autora a saudade é apresentada como uma maldição dos deuses dos mares:
“Good luck then”, the water-gods concluded, “for here is the mark on your brow: The feeling of Absence will become your truest Presence. Your longing will wax until it becomes the giant looming at your side.” (3) [“Então boa sorte” concluíram os deuses dos mares “pois ficais assinaladas: O sentimento de Ausência será a vossa mais autêntica Presença. A vossa saudade consolidar-se-á até se transformar na gigante sombra que vos acompanhará permanentemente”][22]
            Os textos de Emery, Stonehill e King publicados na Califórnia pela editora comunitária Portuguese Heritage Publications of California, Inc. tem vários aspectos em comum: todas as autoras são mulheres Luso-Americanas, ou seja nascidas nos Estados Unidos, mas cujos pais (ou pelo menos um deles) nasceram em Portugal, nomeadamente em uma das ilhas do Arquipélago dos Açores; todos foram originalmente produzidos em língua Inglesa; e a temática de todos é a experiência de imigração de cada uma das autoras e das respectivas famílias. No entanto dois dos textos são identificados como “memórias” enquanto um deles é considerado uma “ficção”. Esta classificação propõe uma tentativa de universalização desse texto, nomeadamente A Cow For the Holy Spirit, inserindo-o na esfera do ficcional. Adicionalmente, os três textos têm um espaço geográfico comum, e neste caso todos relatam uma experiência de imigração rural, visto que o espaço em que se desenvolvem todas as narrativas é o espaço rural, nos casos concretos o vale de São Ramon localizado ao sudeste de São Francisco, onde se desenvolve a saga da família Peters; e o vale de São Joaquim que ocupa grande parte do centro do Estado da Califórnia estendendo-se desde Sacramento até Bakersfield, e que serve de palco para as atribulações das famílias Correia e Sousa. Já no que concerne o espaço cultural dos textos, o esquema parece diversificar-se um pouco, pois não só encontramos referências culturais comuns à cultura portuguesa, como também referências particulares ao Arquipélagos dos Açores e ainda mais especificamente a cada uma das ilhas das quais originam os diversos membros das famílias em questão. Alias, e tal como tínhamos visto nos textos de Katherine Vaz, é nesse espaço hibrido que surgem grande parte dos conflitos sentidos pelas autoras das respectivas narrativas, visto que este é o campo de batalha entre a cultura do local de origem trazida pelos imigrantes portugueses e a cultura do local de acolhimento com a qual a segunda geração, ou seja os filhos destes já se identificam. Em efeito, em todos estes textos a segunda geração tem uma função mediadora entre estas duas culturas frequentemente antagónicas. Tendo em conta a influência exercida pelo Catolicismo sobre a população portuguesa em geral e açoriana em particular, não devemos esquecer o importantíssimo papel da religião como um dos agentes de demarcação cultural nas diversas comunidades portuguesas, incluindo a residente na Califórnia. Segundo afirma Eduardo Mayone Dias no livro A Presença Portuguesa na Califórnia há muito que se pode falar de uma produção literária Luso-Californiana “A poesia popular tem constituído historicamente a primeira e mais vigorosa faceta da literatura luso-californiana, já velha de mais de cem anos.” (88) Nesse mesmo texto, Mayone Dias aponta para algumas prosas, na sua maioria de carácter autobiográfico que começam a surgir já em meados do século XX e das quais a primeira e única a ser publicada por uma casa editorial americana é o romance “Home is an Island” de Alfred Lewis. Tal como a narrativa de Lewis estes textos foram elaborados em Inglês, apesar de num determinado momento pelo menos duas das autoras comandassem a língua portuguesa. Embora tenham sido produzidos em Inglês, todos os textos, são até certo ponto linguisticamente híbridos, pois todos eles incluem vocábulos portugueses para os quais as respectivas autoras elaboram um glossário. Assim, podemos dizer que cada um dos textos, e cada uma das respectivas autoras são entidades transculturadas. Pois a forma como concebem a sua cultura original está afectada pela outra ou outras culturas com as quais entraram em contacto.  
Em 2003 com 97 anos de idade Rose Peters Emery publica o texto Footprints in the Soil no qual relata a vida dos seus pais e irmãos:
Esta é a história da minha família luso-americana, do meu pai nascido nos Açores, da minha mãe uma luso-americana, dos meus onze irmãos e irmãs, - dos cereais e dos animais que criamos na nossa quinta localizada no Vale de São Ramon na Califórnia e que era o centro de todas as nossas vidas. (prefácio, XI) [tradução minha]
Rose Peters Emery nasceu em Outubro de 1905 na propriedade do seu Pai José Pires Azevedo, no Vale de São Ramon, localizado a aproximadamente 50 Km ao sudeste de São Francisco. Rose era a decima primeira filha de Jose Pires (Joe Peters) mas apenas a quarta da sua esposa Rose Lawrence Peters. O seu pai, José Pires Azevedo nascido em Fevereiro de 1854, era natural da freguesia da Beira na Ilha de São Jorge, Açores e imigrou para os Estados Unidos na primavera de 1872, embarcado no navio Galena que transportava para alem de José mais 97 açorianos  que abandonavam as suas ilhas com  esperança de uma vida melhor na América. A viagem que deveria ter levado 18 dias acabou por levar 56, durante os quais os passageiros sofreram os terrores de tempestades e o pavor da fome. Após uma pequena estadia em New Bedford, Massachusetts decidiu tentar a sua sorte nas terras da Califórnia levado pelo sonho de conseguir adquirir terra. Joe Peters chega a São Francisco com 50 centavos no bolso nesse mesmo ano de 1872. Doze anos depois da sua chegada, Joe Peters converte-se cidadão Americano e regista como seu um terreno de 160 alqueires de acordo com os regulamentos da lei “Homestead Act” de 1862. Após o falecimento da sua primeira esposa em 1893 e com sete filhos, entre os 14 e os 2 anos de idade, Joe imediatamente começa a procurar algum com quem casar. A noiva seleccionada foi a jovem Rose Lawrence de apenas 23 anos de idade, nascida em 1875 na área de Danville, Califórnia, filha de pais Jorgenses.
O texto que Rose nos apresenta é claramente identificado pela sua autora como um memorial: “Eu sou uma mulher muito velha, mas felizmente a minha memória está tão boa como sempre o foi.” (prefacio, XI) Assim, Rose utiliza o texto para relatar a “história” da vida dos seus pais, avós, irmãos, irmãs, e ela própria durante os anos em que cresceu e viveu na agro-pecuária da qual o seu pai era proprietário. Como é normal para este tipo de texto, a narrativa tende a ser circular e por vezes repetitiva, no entanto o texto é extremamente rico em referências históricas, sociais e culturais. Rose Peters descreve em detalhe a vida de uma família de imigrantes dedicados à criação de gado bovino e à produção de leite. A sua narrativa que é simultaneamente aliciante e minuciosa descreve pormenores importantes, particularmente no que diz respeito às divisões de tarefas e de espaços entre o homem e a mulher. Ambos tinham funções claramente delineadas dentro da sociedade Luso-Californiana do princípio do século XX. Por vezes alguns dos detalhes de certa forma justificam ou põem em questão algumas noções previamente dadas como facto. Um desses exemplos tem a ver com o número de pessoas identificadas como portugueses e residentes na Califórnia no censo de 1850, mais precisamente com o número de mulheres portuguesas residentes nesse estado, que segundo o dito inquérito seria apenas uma. Ora segundo o texto de Rose Peters a sua avó materna Maria Souza Faustinho Amaral teria imigrado para os Estados Unidos em 1865 tendo posteriormente chegado à Califórnia em 1867, o que implica que apenas 17 anos após o mencionado inquérito oficial, mulheres portuguesas já se arriscavam a cruzar o continente sozinhas, certamente incorporadas em caravanas. De certa forma isto contradiz a suposição frequentemente formulada que as mulheres portuguesas que inicialmente vieram para a Califórnia o teriam feito com os respectivos maridos, ou posteriormente a estes, em consequência de casamentos por procuração.
Pauline C. Stonehill, autora de A Barrelful of Memories nasceu e viveu a sua infância e juventude em Los Banos, Califórnia. Os seus pais, Francisco (Frank) Correia e Maria Rosa (Mary Rose) Cotta Correia, ambos nasceram nos Açores, ele em São Jorge e ela na Terceira. Embora com distintos processos de imigração ambos chegaram a Los Banos em 1914, casaram e formaram família nessa mesma área central do vale de São Joaquim. O título do texto surge em consequência do seu avô materno ter feito a travessia do Atlântico clandestinamente escondido dentro de um barril.
Embora o texto de Stonehill e de Peters até certo ponto se sobreponham cronologicamente, a parte mais significante da narrativa de Stonehill pode ser considerada como uma continuação da de Peters. Assim, a primeira leva-nos desde o início da segunda metade do século XIX até meados dos anos 20, e a segunda percorre um período de mais ou menos 50 anos entre os anos 80 do século XIX e os 40 do século passado. Tal como tinha sido o caso do texto de Peters, a narrativa de Stonehill é claramente de índole memorial e tem por objectivo “cumprir uma promessa que ela (a autora) tinha feito a seu pai, que morreu quando a mesma tinha apenas 24 anos” (3) Através deste texto minucioso e altamente detalhado acompanhamos o percurso da vida da autora e seus familiares, especialmente antepassados. A primeira parte do relato conduz-nos às pequenas aldeias Açorianas das quais são oriundos os seus pais, e acompanha o desenrolar da vida de ambas até ao momento em que a autora começa a poder relatar as suas próprias memórias:
Esta colecção de pequenas histórias, episódios e relatos começou há mais ou menos quinze anos. Não as escrevi em nenhuma ordem particular, mas tentei ordena-las em sequência cronologicamente para melhor representarem a história da minha família, embora não seja precisamente uma história de família, mas sim uma colecção das melhores histórias que eu conheço sobre a minha família. (…) A primeira parte, emana primordialmente das conversas que tive com a minha mãe, que fruto de uma memória excepcional, me contou quase tudo do que sei sobre os meus avós, a sua infância e a infância do meu pai. (…) A segunda parte do texto baseia-se nas minhas próprias observações e memórias. (10) 
Assim surge uma das grandes diferenças entre o texto de Stonehill e Peters, pois esta última resume-se a relatar os eventos que por uma razão ou outra fazem parte das suas recordações, enquanto Stonehill utiliza a memória colectiva familiar para compilar as “histórias da minha família Açoriana” Obviamente, ambos textos estão sujeitos aos condicionamentos inerentes a textos deste tipo, ou seja, ambos estão condicionados pela relação entre os eventos que realmente acontecem e os eventos que por uma razão ou outra acabamos por recordar e subsequentemente relatar. Assim, ambos estão sujeitos a uma dupla subjectividade pois se o processo de recordar é selectivo, o processo de contar o que se recorda também o é. A tensão resultante destes processos essenciais para a construção de qualquer tipo de memorial acaba por até certo ponto pôr em questão a validade empírica de textos memoriais. Particularmente Stonehill tenta incutir legitimidade ao seu texto, tecendo um paralelismo contínuo entre a história da sua família e eventos Históricos reconhecidos. Este processo provoca uma relativa inclusão da história individual na História colectiva, e propõe uma alternativa à noção de História e à construção da mesma.
A autora do terceiro texto A Cow for the Holy Spirit também nasceu na Califórnia, mais precisamente em Modesto em Outubro de 1944. Tanto o pai como a mãe são oriundos da ilha de São Jorge e também eles se dedicavam a actividade agro-pecuária, e segundo Heraldo da Silva este texto é emblemático pois: “Este romance representa uma contribuição significante para uma incipiente representação ficcional da presença Portuguesa e Açoriana na Califórnia.” (7) Mais uma vez a construção do texto surge do desejo de prestar homenagem a um familiar, neste caso o texto é dedicado ao Espírito Santo e à memória do pai da autora. Assim, através de uma série de flashbacks que iniciam no momento em que o protagonista João Sousa sofre um ataque cardíaco, o leitor acompanha o percurso da vida desta personagem desde a sua infância até ao momento da crise médica. Paralelamente, o leitor toma também conhecimento da história de vida do seu grande amor e companheira de vida Maria de Lurdes, assim como a dos respectivos, pais, irmãos, familiares e amigos. Embora o texto seja composto por uma sequência de flashbacks alternados com um suposto presente da acção ficcional, isto não implica que não hesita uma sequência cronológica. Em realidade, existem duas linhas cronológicas paralelas que avançam da infância do protagonista até ao momento de resolução da crise cardíaca sofrida pelo mesmo. Isto dito, o fio condutor do enredo é a história de vida de uma família imigrante que tenta reconstruir a sua vida na Califórnia.
O facto que cada uma das autoras citadas utilizam a escrita para recuperar o passado e construir a história da sua família, representa uma tentativa na parte de cada uma delas de se auto-construir através do processo de construção da narrativa. Todas estas mulheres ocuparam múltiplos e por vezes antagónicos espaços culturais e como tal todas elas surgem como entidades híbridas que incluem marcos identitários de ambas culturas no seu processo de auto-construção. Como podemos claramente evidenciar nos textos destas mulheres Luso-Americanas, cada uma delas escolhe uma forma ligeiramente diferente de desenvolver esse processo de auto-construção. Vaz desenvolve-a dentro de um espaço mágico apesar de trágico, obscuro e dificilmente penetrável. Rose Peters fá-lo através de uma narrativa que acompanha o processo Histórico. Para Stonehill, este processo insere-se e funde-se com o próprio processo de construção de História colectiva. Enquanto King, escolhe afastar-se da narrativa Histórica, construindo-se dento de um espaço alternativo (a ficção) que suspende qualquer noção de tempo e espaço, suspensão esta que é enfatizada no texto pelo estilo narrativo de flashback que constantemente transporta o leitor entre o presente e o passado, o consciente e o inconsciente.
Decorria o ano de 1971 quando Maria Fernanda de Melo Soares Simões emigrou para os Estados Unidos e se radicou na Califórnia. Nascida na Ilha do Pico exerceu o cargo de professora tanto na sua ilha natal como na Ilha do Corvo. Desde a sua chegada à Califórnia tem participado activamente na vida da comunidade Portuguesa desse Estado Norte Americano, destacando-se a sua presença na Rádio durante 23 anos e a sua associação à sociedade fraternal SPRSI (Sociedade Portuguesa Rainha Santa Isabel) da qual foi Presidente em 1994-95. Para além de outras actividades artísticas, como a pintura, publicou livros de poesia e pequenos textos em prosa, nomeadamente Os Meses das Nossas Raizes (Peregrinação Publications, Inc, 2005) e As Lavadeiras, Suas Lidas, e Maluqueiras (edição de autor, 2008).
No Prefácio a Os Meses das Nossas Raizes José Brites declara que a intenção da autora é “trazer ao papel as memórias de ontem do seu Pico, e particularmente do lugar das Terras onde nasceu.” (VII) No entanto, na Nota explicativa a própria autora afirma que a força que a impele à escrita é precisamente a “saudade”:
Porque a Saudade, essa palavra misteriosa que faz doer, começa a destruir todos esses sonhos (do emigrante) Saudades dos amigos, da família, ou até das próprias pedras do caminho. Assim sentindo toda essa emoção e recordando essas pedras negras e as topadas que nos faziam nos dedos dos pés, tudo isso me inspirou a escrever este pequeno livro.” (12)
 
Assim, este texto de memórias é consideravelmente diferente dos textos que consideramos previamente, pois ao contrário de relatar as memórias de vida de uma pessoa ou família, apresenta-nos um retrato do quotidiano num pequeno povoado da ilha do Pico “Assim Os Meses das Nossas Raízes levará a todos vós um pouco do que eram os costumes e tradições desse pequeno lugarejo.” (14) O livro é divido em 12 secções ou pequenos capítulos cada um dedicado a um mês e incluindo pequenos textos narrativos, poemas, reproduções de desenhos ou pinturas e fotografias. A índole saudosista do texto e enfatizada pelo último poema do livro:
Sentimento
Amor
União
Doçura
Amizade
Despedida
Emoção
Saudade.
O texto As Lavadeiras, Suas Lidas e Maluqueiras também segue a linha memorialista da publicação anterior, embora neste caso a intenção explícita é a de preservar a memória de gentes e modos de vida, nomeadamente as lavadeiras do mato e a sua função na sociedade da povoação e da ilha: “quero preservar a memória de histórias de muitas mulheres do Pico, que como eu, também foram lavadeiras.” (8) Assim, este texto que tal como o anterior consiste de pequenas prosas, poemas, fotos e desenhos, apresenta ao leitor um retrato social da povoação das Terras, da Ilha do Pico e por extensão do arquipélago dos Açores. No entanto, neste texto a autora também inclui textos que celebram a modernização, os direitos da mulher, o processo de emigração e a adaptação ao novo local de residência. Particularmente interessante é o pequeno texto que leva por título “Os Americanos” em que a autora descreve as visitas à terra das lavadeiras emigradas nas Américas, ou seja Estados Unidos, Canada e Brasil. Neste caso a faina da lavagem da roupa perde todo o seu aspecto laborioso, pois todo o processo de ir à ribeira lavar converte-se num ritual de celebração, inserindo-se quase no plano do mítico:
As “americanas” ficavam contentes porque recordavam a sua vida de lavadeiras como no tempos passados. Riam e diziam: “há muito tempo que não riamos assim!” Alegres, felizes de estarem de novo na ribeira a lavar e a matar saudades. Os seus filhos brincavam com as rãs nas pequenas poças da ribeira e também estavam felicíssimos. (54)
 
O efeito da “transculturação” é ainda mais evidente no pequeno texto “O Progresso” que é praticamente um manifesto, ou melhor dito uma apologia à modernidade e ao impacto da mesma sobre o quotidiano da mulher:
O desenvolvimento e a evolução tecnológica trouxeram grandes modificações aos modos tradicionais de vida, simplificando as tarefas domésticas (…) Com todas estas inovações da técnica, a mulher deixou de ser máquina. (…) A mulher já não e a “gata borralheira”! Viva o progresso! (12)
 
No entanto, a recuperação de uma memoria que autora teme venha a ser irrecuperavelmente perdida, e o saudosismo crónico do emigrante são os dois grandes temas do texto, tanto que o último texto do livro é o poema “Imigrante Português”
Partem do seu Portugal
Aquele cantinho sem rival
Da fortuna à procura
Lá vão esses emigrantes,
Para terras distantes,
Na sua louca aventura
(…)
Assim os nossos imigrantes,
Nessas Terras tão distantes,
Plantaram seus padrões.
E, com fé e esperança
Com a saudade e lembrança
Formaram suas organizações (69-70)
Originária da Ilha Terceira, Açores, foi lá que Maria das Dores Beirão completou os seus estudos e trabalhou como professora até 1967, ano em que emigrou para a Califórnia, onde também se dedicou ao ensino por vários anos. Durante a década de 80 começa a dedicar-se a tempo inteiro à empresa familiar que dirige com o seu marido e filhos. Desde o momento da sua chegada à Califórnia, Maria das Dores Beirão, conjuntamente com o seu marido, tem mantido uma intensa actividade cultural, contando com participações em jornais dos Açores e da Califórnia, conferências, colóquios e simpósios. Assídua investigadora do folclore Açoriano, faz parte de um grupo coral que se ocupa de interpretar temas tradicionais. Presentemente, vive em Napa, Califórnia. É casada com Hélio Beirão e tem três filhos e três netos.   Beijo de Abelha, publicado em 2003 reúne poesia e prosas que Maria da Dores vinha produzindo por vários anos.
No prefácio a Beijo de Abelha José Luis da Silva descreve o texto da seguinte forma:
                                   A presente obra de Maria das Dores Beirão representa uma nova visão na
literatura luso-americana pelo seu equilíbrio e clarividência. Numa pequena colectânea de poemas e prosa poética, a autora consegue retratar magistralmente o seu processo de adaptação à experiência da emigração, ao mesmo tempo que vai dando uma imagem autêntica de si própria. (7)
 
De uma forma ou outra todos os textos inseridos em Beijo de Abelha, (2003)[23] abordam o tema da saudade. Assim, podemos encontrar diversas facetas deste sentimento mesmo nos textos que parecem ter uma temática que se distancia dos temas referentes à terra natal e familiares deixados atrás, como é o caso do poema Mulheres Minhas Irmãs que apresenta características de saudades dentro dos parâmetros do Saudosismo de Teixeira de Pascoais,[24] ou seja saudade de um futuro em que a igualdade de género é já uma realidade consumada a todos os níveis e em todos os lugares: 
Mulheres
 
Mestras de suas filhas
E das filhas de outras mulheres
Que já perderam a voz
Ah minhas irmãs
Fabricantes de vergonha e de humilhação
Mulheres do mundo inteiro
Operárias da criação
Levantai os braços em sinal de vitória
De força de beleza
Mulheres do todo o mundo
Mulheres de todas as cores
Mulheres de todas as classes
Mulheres de todas as crenças
É urgente!
Vamos recomeçar a luta!
Já lá vão séculos de tanto uso
De tanto abuso
Nada há para vender
Nada há para comprar
Vamos vencer as injustiças
Vamos proclamar a paz
Estender as mesas p’ra penúria
Das crianças de todos os lugares
Vamos enfim ser mulheres
corpo de terra que germina
corpo de mar que embala
chuva de mel
que adoça a sementeira.
No entanto, como podemos facilmente evidenciar pelos títulos da maioria dos textos inseridos nesta colectânea, muitos destes estão directamente vinculados com a ausência dos lugares e pessoas amados pela autora e deixados atrás no local de origem. Assim, poemas como Canto da Décima Ilha, que trata da reconstrução da insularidade no local de acolhimento: “Sou desta Ilha, Décima de rimas, / De poetas loucos, língua inventada. / Navega serena em marés de espuma, / Minha Ilha Mátria reencontrada.” (17); Minha Gente É Minha Ilha: “Minha Gente é minha ilha / que trago bem escondida / no meu lenço de cambraia/ que acenei na despedida”(19); A Casa que já não é: “A casa que já não é / Todavia permanece / No sonho de cada um” (27-29); Ilha em que autora diz: “Ilha fêmea, escrava da tua solidão / sapateia em terra de Bravos / cercada p’lo mar amante / e já de mim tão distante / que p’ra me calar, então / me envia a saudade / em vão!” (31-32); e Retrato do José da Lata: Saudades da vida / que apressada passou. / Prelúdios da morte / que pouco demorou. (37) Para além dos poemas, Beijo de Abelha inclui ainda pequenas prosas líricas, nomeadamente O Velho Álbum e Vocês Não Sabem na qual a autora claramente define o que é para ela a saudade:
Vocês não sabem que o ilhéu leva consigo a Ilha, não às costas como pesadelo, mas como pérola formada pela saudade na concha do coração. Vocês não sabem que o emigrante, onde quer que viva, cria espaços que lh falam doutros espaços abandonados no nevoeiro da sua memória. (…) Vocês não sabem que os filhos e os netos do emigrante, embora com fraco domínio da língua portuguesa, são criados escutando a nossa música, os nossos contos, absorvendo a cultura e os valores dos pais (…) Vocês não sabem que a maior diferença entre quem parte e quem fica é que quem parte ama a dobrar. Vocês não sabem… (60)
 
Portanto, o que Maria das Dores Beirão parece dizer-nos, é que a totalidade cultural de saudade só é verdadeiramente conhecida por aqueles que partem. Pelos imigrantes de primeira geração, os que conhecem no corpo a dor da ausência e do desterro. Talvez a razão pela qual este vocábulo tenha um peso cultural tão significante na cultura portuguesa, seja precisamente, porque os portugueses, mais que qualquer outro povo, tem sido sujeito a partidas e longas ausências desde os primórdios do século XV. Em suma, em Maria das Dores o termo saudade paradoxalmente engloba ternura e dor e está directamente vinculada com a memória.
Resta-nos concluir que todas as autoras sobre as quais nos debruçamos, exercem através destes textos, uma tentativa de se auto-construírem através da aglutinação cultural do seu passado, presente e futuro. Todas elas, tenham nascido em Portugal ou nos Estados Unidos, se concebem dentro de um espaço social e culturalmente híbrido, ou seja nenhuma delas é desde uma perspectiva sociocultural nenhuma destas mulheres se identifica como sendo exclusivamente Portuguesa ou Americana, pelo contrário, todas elas se apropriam e valorizam diversos marcos culturais de ambas sociedades. Assim, estas mulheres não podem deixar de construir textos híbridos, pois esse é precisamente o único espaço dentro do qual elas se concebem e como tal podem construir a sua própria identidade cultura.




[1] Dentro deste paradigma, é imprescindível ter em consideração o impacto da intencionalidade das forças dominantes da sociedade no que concerne a construção de identidade é extremamente importante, porque é a este nível que se manifestam as pressões oriundas de diversas estruturas de poder, particularmente sociopolíticas, económicas, culturais e religiosas, pois os marcos de identidade impostos por estas estruturas afectam a construção de cada uma dessas camadas identitárias, cada uma das quais subsequentemente impacta cada uma das outras que constitui o conjunto de referências e parâmetros que determinam a noção de identidade de cada indivíduo. 
 
[2] Mayone Dias, Eduardo.  Cem anos de Poesia Portuguesa na Califórnia. Porto. Secretaria do Estado das Comunidades Portuguesas, 1986.
[3] Idem
[4] Idem
[5] Idem
[6] Idem
[7] Idem
[8] Idem
[9] Idem
[10] Idem
[11] Ribeiro, Machado. . San José, CA: Portuguese Heritage Society of California, 2002.
[12] Vaz, Katherine, Fado and other stories. Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press, 1997. (114)
[13] Minha tradução
[14] Idem (105-106)
[15] Minha tradução
[16] Idem (20)
[17] Minha tradução
[18] Idem (3)
[19] Minha tradução
[20] Idem (2)
[21] Minha tradução
[22] Minha tradução
[23] Beirão, Maria das Dores. Beijo de Abelha. . San José, CA: Portuguese Heritage Society of California, 2003.
[24] Pascoais, Teixeira. Arte de Ser Português. Lisboa, Portugal: Assírio & Alvim, 1998. 74-76.

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