Encontro Mundial Mulheres da Diáspora: Expressões
Femininas da Cidadania
Lisboa, Palácio das Necessidades, 24 e 25 de Outubro de
2013.
Universidade e(m) Comunidade: Rhode Island College e a
Lusofonia
Sílvia
Oliveira,
Assistant
Professor of Portuguese, Modern Languages Department
Faculty
Liaison, Institute for Portuguese and Lusophone World Studies, Rhode Island College
Soliveira@ric.edu
O ilustre luso-brasilianista
e Professor Emérito da Brown University, Doutor George Monteiro, enquanto convidado
de honra na cerimónia inaugural da Sociedade Honorífica de Português de Rhode
Island College, prefaciou a sua palestra com um comentário bem humorado de
semântica comparativa acerca do termo “descent” em Inglês. Explicando que em
Português “ascendência” difere de “descendência”, que a primeira indica a
origem e a segunda a prole, George
Monteiro notou o subtil tom negativo afetando “descendência” e o tom positivo envolvendo
“ascendência”. Entre os dois movimentos, o ascendente e o descendente, ele
preferia o primeiro, o ascendente, e assim, lançava um repto aos estudantes,
académicos, e membros da comunidade presentes para que substituissem o termo
“Portuguese descent” por “Portuguese ascent”.
Ora, esta sugestão,
apresentada e recebida em 2013 com boa disposição, teria sido menosprezada há
apenas pouco mais de meio século atrás. Apoio-me nesta pequena história para
exemplificar a vitalidade de que goza hoje a herança étnica nos Estados Unidos
da América. A ideia de pertença a uma ou várias comunidades étnicas é hoje significativamente
valorizada nos EUA, e a expressão desse valor estende-se quer ao plano político
quer ao plano pessoal e privado. As ascendências portuguesa e lusófona não
fogem a esta regra.
No meu testemunho
hoje farei uma breve exposição sobre o meu percurso como portuguesa nos EUA e
sobre a relação entre Universidade e Comunidade, destacando o meu atual
trabalho como Professora Assistente de Estudos Portugueses e Lusófonos no Rhode
Island College. Pretendo demonstrar que a simbiose entre uma instituição de
ensino superior e a comunidade onde se insere é um fator positivo de coesão e
avanço social.
Em 1998, licenciada
em Letras pela Universidade do Porto, candidatei-me ao programa de Doutoramento
em Línguas e Literaturas Hispânicas da Universidade da Califórnia, em Santa
Barbara, iniciando-o em 1999 com bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia,
Programa PRAXIS 21. No meu percurso académico nos EUA tive a oportunidade de viver
em três Estados: Califórnia, Indiana e Rhode Island, onde atualmente resido. Ao
longo destes anos, o meu contacto com cidadãos de ascendência portuguesa ou
lusófona foi desigual, em direta relação com as características de cada
comunidade onde vivi. Refiro em seguida muito brevemente as estimativas do
censo comunitário atualizadas no ano de 2010, sobre a distribuição geográfica de cidadãos americanos
de ascendência portuguesa e lusófona nos três Estados americanos: em 2010, aproximadamente
1,405,909 pessoas nos EUA declararam ter ascendência portuguesa; 367,578 das
quais encontravam-se no Estado da Califórnia; 4,720 no Estado de Indiana e 101,095
no Estado de Rhode Island. 95,003
pessoas nos EUA declararam ascendência Cabo-Verdeana; 20,680 das quais
residindo no Estado de Rhode Island. E ainda, um total de 361,814 americanos declararam ascendência
brasileira; 30,252 dos quais no Estado da Califórnia, e 1,706 em Indiana. As
disparidades são evidentes e acompanham os padrões de emigração lusófona desde
meados do século dezanove para os EUA. Os dois Estados costeiros (Califórnia a
oeste e Rhode Island a leste) concentram respetivamente a maior quantidade
(Califórnia) e a maior percentagem (Rhode Island, com 10% da população) de
americanos de ascendência portuguesa e lusófona, bem como de emigrantes - como
é o meu caso.
Em Indiana, um Estado com reduzida presença lusófona, mas de crescente
presença hispânica, tive como desafio implementar um programa de Português na
prestigiada Universidade de Purdue. A minha estratégia nesse contexto teve em
vista a divulgação da língua e das culturas lusófonas junto dos 40,000
estudantes de Purdue, num programa que apelidei de “Português Global” e
servindo uma comunidade de estudantes prioritariamente dedicados a várias engenharias
e estudos de economia e finanças. Nesse contexto ainda, a minha estratégia de
acesso à comunidade local fez-se exclusivamente através do cinema, tendo
iniciado com vários colegas o primeiro ciclo de cinema internacional que entretanto
se tornou uma referência local.
Em 2011 aceitei o desafio de coordenar e expandir o programa de Português
no Departamento de Línguas Modernas de Rhode Island College em Providence,
capital do Estado de Rhode Island. Se os programas de Português de Purdue e de
Santa Barbara serviam uma população estudantil e uma comunidade local que em
geral desconheciam a realidade lusófona, sendo ela em todos os aspetos
estrangeira, já em Providence e no Rhode Island College aprendi que a língua
portuguesa nas suas variantes, e os crioulos cabo-verdeano e guineense, bem
como as ascendências portuguesa, cabo-verdeana, guineense, angolana, são
presenças vivas quer entre os 9,000 estudantes do College quer na comunidade
local. O Estado de Rhode Island é, de facto, dos cinquenta, aquele em que a ascendência
portuguesa se expressa mais significativamente em termos percentuais: 10% da
população de Rhode Island declara ascendência portuguesa.
Simultaneamente, Rhode Island College, inaugurada em 1854 e a mais antiga
das três Instituições Estatais de Ensino Superior de Rhode Island, apresenta um
padrão de envolvimento comunitário que transcende a formação académica
tradicional. Apelidada informalmente pela atual Reitora, Dra. Nancy Carriuolo,
de Universidade formadora de “profissões auxiliadoras” (como enfermagem,
serviços sociais, educação, artes do espetáculo), Rhode Island College reflete
a diversidade demográfica da capital do Estado, Providence. Em 2010, Providence
era constituída por 50% de população branca, 39% hispânica e 16% negra,
enquanto Rhode Island College registava 65% de população estudantil branca,
8.5% negra, 10% hispânica (sendo que outros 10% se recusaram a declarar uma
etnia ou raça). Há que mencionar, por comparação, que em Providence existem
ainda quatro Universidades privadas, duas das quais com prestígio internacional
(Brown University e Rhode Island School of Design), cuja população estudantil é
constituída na maioria por estudantes internacionais e estudantes vindos de
outros Estados americanos. No Rhode Island College, 80% dos estudantes são
residentes de Rhode Island.
Dadas as características do College e da comunidade, desenvolvi um
programa de Licenciatura em Estudos Portugueses e Lusófonos que prepara os
estudantes para comunicarem em Português ao nível avançado e superior nas ditas
profissões auxiliadoras que elas e eles exercerão localmente. Ao mesmo tempo, o
currículo da Licenciatura pauta-se pelo conhecimento da cultura, história e literatura,
passadas e contemporâneas, das nações de expressão portuguesa, incluindo as
várias diásporas. Tanto a fluência linguística como cultural são os objetivos
que determinam a organização curricular do programa de Estudos Portugueses e Lusófonos
de Rhode Island College.
Já mencionei que Rhode Island College apresenta um padrão de envolvimento
comunitário que transcende a formação académica tradicional e dou agora o
exemplo do Instituto de Estudos Portugueses e Lusófonos, formado em 2006 e
aprovado permanentemente em 2010 por direta iniciativa de vários elementos da
comunidade portuguesa e lusófona de Rhode Island. O IPLWS (Institute for
Portuguese and Lusophone World Studies) é uma unidade não académica dentro do
College que tem como missão apoiar o programa académico de Estudos Portugueses
e Lusófonos, estabelecer a ligação entre o College e a comunidade lusófona de
Rhode Island, servindo-a e apoiando-a em múltiplas atividades culturais e de
formação; e tem ainda como missão documentar e pesquisar temas de interesse
local relativos à abundante história cultural das comunidades lusófonas de
Rhode Island. Tendo por diretora Marie Fraley, educadora de ascendência
portuguesa que exerce simultaneamente funções de relevo em organizações como a
PALCUS (Portuguese-American Leadership Caucus of the United States) e Day of Portugal
and Portuguese Heritage of Rhode Island; e liaison
académica de Sílvia Oliveira, coordenadora do programa académico de Estudos
Portugueses e Lusófonos, o Instituto é ainda constituído por um conselho
comunitário consultivo que é representativo das várias ascendências e
nacionalidades da lusofonia em Rhode Island, bem como de um conselho académico
de Rhode Island College. Financeiramente, o IPLWS é administrado pela Fundação
de Rhode Island College.
É já vasta a lista de atividades do IPLWS, mas uma merece destaque pela
sua relevância internacional. Refiro-me ao Protocolo de Cooperação assinado em
2010 e renovado em 2013 entre o
IPLWS/Rhode Island College e a Fundação Pro Dignitate para os Direitos Humanos.
O IPLWS, através da equipa constituída por Marie Fraley (Diretora do IPLWS),
Doutora Valery Endress (Professora de Comunicação e Jornalismo Político),
Doutor Peter Mendy (Professor de História e Estudos Africanos), Doutora Sílvia
Oliveira (Professora de Estudos Portugueses e Lusófonos), associou-se ao
projeto Rádios para a Paz que a
Fundação Pro Dignitate desenvolve na Guiné Bissau desde 2001, com liderança do
Dr. António Pacheco, membro do Conselho Consultivo da Fundação Pro Dignitate,
jornalista, advogado e formador de jornalistas comunitários na Guiné Bissau. Em
2010 o IPLWS/Rhode Island College organizou uma conferência internacional dedicada
ao tema “Rádios Comunitárias e a Construção da Paz” seguida em 2011 de três
dias de workshops para jornalistas lusófonos da comunidade local. A equipa de
Rhode Island College participou nos seminários “Rádio, Paz e Desenvolvimento”
organizados pela Pro Dignitate em Lisboa em 2011, e em 2013 deslocou-se a Cabo
Verde para participar nos “Encontros de Tarrafal” que reuniram jornalistas
comunitários Guineenses e Caboverdeanos sob o tema “Rádios Comunitárias ao
Serviço da Paz e do Desenvolvimento.”
A parceria entre o IPLWS/Rhode
Island College e a Fundação Pro Dignitate tem como objetivo principal a
formação de jornalistas nos domínios de jornalismo para a paz e de jornalismo
comunitário. Os dois cursos de formação profissional e académica, que serão em
breve oferecidos por Rhode Island College, servirão não só a comunidade
lusófona de Rhode Island como a comunidade internacional (Guineense) cujos laços
com a comunidade local são abundantes.
A Fundação Pro Dignitate reconheceu o potencial positivo e transformativo
das comunidades lusófonas de Rhode
Island, as quais, mantendo relações estreitas com as respetivas nações de
origem ou de ascendência e sendo comunidades ativas na sociedade americana,
permitem uma ação com impacto global em prol do desenvolvimento e da paz. Por seu
lado, Rhode Island College e o Instituto de Estudos Portugueses e Lusófonos demonstram
a importância local e o potencial global de uma instituição de ensino superior
que serve diretamente a comunidade em que se insere.
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