quarta-feira, 27 de novembro de 2013


Encontro Mundial Mulheres da Diáspora: Expressões Femininas da Cidadania

Lisboa, Palácio das Necessidades, 24 e 25 de Outubro de 2013.

 

Universidade e(m) Comunidade: Rhode Island College e a Lusofonia

 

Sílvia Oliveira,

Assistant Professor of Portuguese, Modern Languages Department

Rhode Island College,

Faculty Liaison, Institute for Portuguese and Lusophone World Studies, Rhode Island College 

Soliveira@ric.edu

 

O ilustre luso-brasilianista e Professor Emérito da Brown University, Doutor George Monteiro, enquanto convidado de honra na cerimónia inaugural da Sociedade Honorífica de Português de Rhode Island College, prefaciou a sua palestra com um comentário bem humorado de semântica comparativa acerca do termo “descent” em Inglês. Explicando que em Português “ascendência” difere de “descendência”, que a primeira indica a origem e a segunda a prole,  George Monteiro notou o subtil tom negativo afetando “descendência” e o tom positivo envolvendo “ascendência”. Entre os dois movimentos, o ascendente e o descendente, ele preferia o primeiro, o ascendente, e assim, lançava um repto aos estudantes, académicos, e membros da comunidade presentes para que substituissem o termo “Portuguese descent” por “Portuguese ascent”.

Ora, esta sugestão, apresentada e recebida em 2013 com boa disposição, teria sido menosprezada há apenas pouco mais de meio século atrás. Apoio-me nesta pequena história para exemplificar a vitalidade de que goza hoje a herança étnica nos Estados Unidos da América. A ideia de pertença a uma ou várias comunidades étnicas é hoje significativamente valorizada nos EUA, e a expressão desse valor estende-se quer ao plano político quer ao plano pessoal e privado. As ascendências portuguesa e lusófona não fogem a esta regra. 

No meu testemunho hoje farei uma breve exposição sobre o meu percurso como portuguesa nos EUA e sobre a relação entre Universidade e Comunidade, destacando o meu atual trabalho como Professora Assistente de Estudos Portugueses e Lusófonos no Rhode Island College. Pretendo demonstrar que a simbiose entre uma instituição de ensino superior e a comunidade onde se insere é um fator positivo de coesão e avanço social. 

Em 1998, licenciada em Letras pela Universidade do Porto, candidatei-me ao programa de Doutoramento em Línguas e Literaturas Hispânicas da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, iniciando-o em 1999 com bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Programa PRAXIS 21. No meu percurso académico nos EUA tive a oportunidade de viver em três Estados: Califórnia, Indiana e Rhode Island, onde atualmente resido. Ao longo destes anos, o meu contacto com cidadãos de ascendência portuguesa ou lusófona foi desigual, em direta relação com as características de cada comunidade onde vivi. Refiro em seguida muito brevemente as estimativas do censo comunitário atualizadas no ano de 2010, sobre a  distribuição geográfica de cidadãos americanos de ascendência portuguesa e lusófona nos três Estados americanos: em 2010, aproximadamente 1,405,909 pessoas nos EUA declararam ter ascendência portuguesa; 367,578 das quais encontravam-se no Estado da Califórnia; 4,720 no Estado de Indiana e 101,095 no Estado de Rhode Island. 95,003 pessoas nos EUA declararam ascendência Cabo-Verdeana; 20,680 das quais residindo no Estado de Rhode Island. E ainda, um total de 361,814 americanos declararam ascendência brasileira; 30,252 dos quais no Estado da Califórnia, e 1,706 em Indiana. As disparidades são evidentes e acompanham os padrões de emigração lusófona desde meados do século dezanove para os EUA. Os dois Estados costeiros (Califórnia a oeste e Rhode Island a leste) concentram respetivamente a maior quantidade (Califórnia) e a maior percentagem (Rhode Island, com 10% da população) de americanos de ascendência portuguesa e lusófona, bem como de emigrantes - como é o meu caso.    

Em Indiana, um Estado com reduzida presença lusófona, mas de crescente presença hispânica, tive como desafio implementar um programa de Português na prestigiada Universidade de Purdue. A minha estratégia nesse contexto teve em vista a divulgação da língua e das culturas lusófonas junto dos 40,000 estudantes de Purdue, num programa que apelidei de “Português Global” e servindo uma comunidade de estudantes prioritariamente dedicados a várias engenharias e estudos de economia e finanças. Nesse contexto ainda, a minha estratégia de acesso à comunidade local fez-se exclusivamente através do cinema, tendo iniciado com vários colegas o primeiro ciclo de cinema internacional que entretanto se tornou uma referência local.      

Em 2011 aceitei o desafio de coordenar e expandir o programa de Português no Departamento de Línguas Modernas de Rhode Island College em Providence, capital do Estado de Rhode Island. Se os programas de Português de Purdue e de Santa Barbara serviam uma população estudantil e uma comunidade local que em geral desconheciam a realidade lusófona, sendo ela em todos os aspetos estrangeira, já em Providence e no Rhode Island College aprendi que a língua portuguesa nas suas variantes, e os crioulos cabo-verdeano e guineense, bem como as ascendências portuguesa, cabo-verdeana, guineense, angolana, são presenças vivas quer entre os 9,000 estudantes do College quer na comunidade local. O Estado de Rhode Island é, de facto, dos cinquenta, aquele em que a ascendência portuguesa se expressa mais significativamente em termos percentuais: 10% da população de Rhode Island declara ascendência portuguesa.  

Simultaneamente, Rhode Island College, inaugurada em 1854 e a mais antiga das três Instituições Estatais de Ensino Superior de Rhode Island, apresenta um padrão de envolvimento comunitário que transcende a formação académica tradicional. Apelidada informalmente pela atual Reitora, Dra. Nancy Carriuolo, de Universidade formadora de “profissões auxiliadoras” (como enfermagem, serviços sociais, educação, artes do espetáculo), Rhode Island College reflete a diversidade demográfica da capital do Estado, Providence. Em 2010, Providence era constituída por 50% de população branca, 39% hispânica e 16% negra, enquanto Rhode Island College registava 65% de população estudantil branca, 8.5% negra, 10% hispânica (sendo que outros 10% se recusaram a declarar uma etnia ou raça). Há que mencionar, por comparação, que em Providence existem ainda quatro Universidades privadas, duas das quais com prestígio internacional (Brown University e Rhode Island School of Design), cuja população estudantil é constituída na maioria por estudantes internacionais e estudantes vindos de outros Estados americanos. No Rhode Island College, 80% dos estudantes são residentes de Rhode Island.

Dadas as características do College e da comunidade, desenvolvi um programa de Licenciatura em Estudos Portugueses e Lusófonos que prepara os estudantes para comunicarem em Português ao nível avançado e superior nas ditas profissões auxiliadoras que elas e eles exercerão localmente. Ao mesmo tempo, o currículo da Licenciatura pauta-se pelo conhecimento da cultura, história e literatura, passadas e contemporâneas, das nações de expressão portuguesa, incluindo as várias diásporas. Tanto a fluência linguística como cultural são os objetivos que determinam a organização curricular do programa de Estudos Portugueses e Lusófonos de Rhode Island College.

Já mencionei que Rhode Island College apresenta um padrão de envolvimento comunitário que transcende a formação académica tradicional e dou agora o exemplo do Instituto de Estudos Portugueses e Lusófonos, formado em 2006 e aprovado permanentemente em 2010 por direta iniciativa de vários elementos da comunidade portuguesa e lusófona de Rhode Island. O IPLWS (Institute for Portuguese and Lusophone World Studies) é uma unidade não académica dentro do College que tem como missão apoiar o programa académico de Estudos Portugueses e Lusófonos, estabelecer a ligação entre o College e a comunidade lusófona de Rhode Island, servindo-a e apoiando-a em múltiplas atividades culturais e de formação; e tem ainda como missão documentar e pesquisar temas de interesse local relativos à abundante história cultural das comunidades lusófonas de Rhode Island. Tendo por diretora Marie Fraley, educadora de ascendência portuguesa que exerce simultaneamente funções de relevo em organizações como a PALCUS (Portuguese-American Leadership Caucus of the United States) e Day of Portugal and Portuguese Heritage of Rhode Island; e liaison académica de Sílvia Oliveira, coordenadora do programa académico de Estudos Portugueses e Lusófonos, o Instituto é ainda constituído por um conselho comunitário consultivo que é representativo das várias ascendências e nacionalidades da lusofonia em Rhode Island, bem como de um conselho académico de Rhode Island College. Financeiramente, o IPLWS é administrado pela Fundação de Rhode Island College.

É já vasta a lista de atividades do IPLWS, mas uma merece destaque pela sua relevância internacional. Refiro-me ao Protocolo de Cooperação assinado em 2010 e renovado em 2013  entre o IPLWS/Rhode Island College e a Fundação Pro Dignitate para os Direitos Humanos. O IPLWS, através da equipa constituída por Marie Fraley (Diretora do IPLWS), Doutora Valery Endress (Professora de Comunicação e Jornalismo Político), Doutor Peter Mendy (Professor de História e Estudos Africanos), Doutora Sílvia Oliveira (Professora de Estudos Portugueses e Lusófonos), associou-se ao projeto Rádios para a Paz que a Fundação Pro Dignitate desenvolve na Guiné Bissau desde 2001, com liderança do Dr. António Pacheco, membro do Conselho Consultivo da Fundação Pro Dignitate, jornalista, advogado e formador de jornalistas comunitários na Guiné Bissau. Em 2010 o IPLWS/Rhode Island College organizou uma conferência internacional dedicada ao tema “Rádios Comunitárias e a Construção da Paz” seguida em 2011 de três dias de workshops para jornalistas lusófonos da comunidade local. A equipa de Rhode Island College participou nos seminários “Rádio, Paz e Desenvolvimento” organizados pela Pro Dignitate em Lisboa em 2011, e em 2013 deslocou-se a Cabo Verde para participar nos “Encontros de Tarrafal” que reuniram jornalistas comunitários Guineenses e Caboverdeanos sob o tema “Rádios Comunitárias ao Serviço da Paz e do Desenvolvimento.”

A parceria entre o IPLWS/Rhode Island College e a Fundação Pro Dignitate tem como objetivo principal a formação de jornalistas nos domínios de jornalismo para a paz e de jornalismo comunitário. Os dois cursos de formação profissional e académica, que serão em breve oferecidos por Rhode Island College, servirão não só a comunidade lusófona de Rhode Island como a comunidade internacional (Guineense) cujos laços com a comunidade local são abundantes.

A Fundação Pro Dignitate reconheceu o potencial positivo e transformativo das comunidades  lusófonas de Rhode Island, as quais, mantendo relações estreitas com as respetivas nações de origem ou de ascendência e sendo comunidades ativas na sociedade americana, permitem uma ação com impacto global em prol do desenvolvimento e da paz. Por seu lado, Rhode Island College e o Instituto de Estudos Portugueses e Lusófonos demonstram a importância local e o potencial global de uma instituição de ensino superior que serve diretamente a comunidade em que se insere.

 

 

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