ENCONTRO
MUNDIAL, MULHERES DA DIÁSPORA,
EXPRESSÕES
FEMININAS DE CIDADANIA
Painel IV -
Migrações e Migrantes - Conhecer e Sensibilizar
5ª Feira, 24 de Outubro
de 2013
A igreja face ao fenómeno migratório
Eugénia Costa Quaresma
Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM)
Muito obrigada pelo
convite pessoal e institucional, para participar deste evento, bem como pela
oportunidade de estar neste painel com mulheres tão ilustres.
A Obra Católica Portuguesa
de Migrações e toda a sua equipa felicita, a Associação Mulher Migrante por
estes 20 anos de tanta dedicação e trabalho quer na linha da frente, quer nos
bastidores, estabelecendo pontes entre diferentes países, unindo sociedade
civil e mundo político.
Eu não sei precisar,
mas arriscaria recuar dez anos, quando pela primeira vez participei num
encontro promovido pela Associação Mulher Migrante, nesse dia, a convite do diretor
da OCPM altura, dei o meu testemunho pessoal. Se a memória não me falha abordei
o tema «da importância da Igreja para a estruturação da minha identidade e
participação cívica». Apesar de ter nascido em Lisboa, e sempre ter vivido em
Portugal, também faço parte da diáspora S. Tomense. E assumo a riqueza dessa
dupla pertença cultural, dois países que crescem em diálogo dentro de mim.
Recém-chegada à OCPM,
naquela altura estava longe de conhecer o alcance e o âmbito da ação desta
pastoral em Portugal e no mundo. Durante o ano passado, tive o privilégio de
aprofundar a história da OCPM, em conjunto, mas também dirigida pela sabedoria
da Dra. Maria Beatriz Rocha Trindade. Traduzimos o tanto que a OCPM já realizou
nestes 51 anos, num humilde e belo livro que se intitula: «A Igreja face ao
fenómeno migratório».
Na Sagrada Escritura inúmeras
são as histórias e experiências humanas do que significa deixar a sua terra,
ser rejeitado(a), ser transformado(a) em escravo(a), viver em exílio, cada
momento doloroso protagonizado por uma pessoa ou pelo povo, revela o drama
social, político, cultural, religioso, mas também a certeza de que alguém
intervém e auxilia. A atitude de escuta, diálogo e o deixar-se guiar por Deus é
condição para amadurecer a fé num Deus próximo que vê, ouve, compadece-se,
acompanha e liberta. A mobilidade humana na Bíblia, corresponde à história e
vivência da fé de um povo num espaço itinerante, onde se reúnem condições para
que o próprio Deus se revele como migrante e peregrino (Jesus Cristo, a família
de Nazaré, os discípulos, os apóstolos, as primeiras comunidades cristãs) são
estes os modelos que sustentam o magistério da Igreja ao longo dos tempos,
nomeadamente, no que toca à pastoral da mobilidade humana.
Muitos dos documentos
fundamentais para a Pastoral das migrações foram sendo escritos por bispos,
papas, ou têm origem no Concílio Vaticano II (1962-1965) marco de viragem na
história da Igreja. Estes vêm atualizar a ação e as estruturas eclesiais. Uma
das estruturas que está diretamente ligada ao fenómeno migratório surge com a
Constituição Apostólica Exsul Família,
do papa Pio XII e veio dar origem ao atual Conselho Pontifício para a Pastoral
dos Migrantes e Itinerantes (CPPMI). Este Conselho que, numa atitude de
interdependência, transmite as orientações pastorais para as diferentes
Conferências Episcopais do Mundo.
Em Portugal, a
Conferência Episcopal Portuguesa, desde a sua fundação criou a Comissão
Episcopal para a Emigração, que evoluiu na sua nomenclatura para, a atual
Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana. Esta Mega Comissão
comporta dois secretariados, o da pastoral social e o da mobilidade humana. Deste
último dependem quatro obras: a Obra Católica Portuguesa de Migrações, Obra
Nacional do Apostolado do Mar, Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos e Obra
Nacional da Pastoral do Turismo.
A OCPM, nasceu para
acompanhar os emigrantes, para que estes não perdessem nem deixassem de
praticar e celebrar a sua fé. Foi necessário nomear e preparar sacerdotes para
este serviço, Ordens e Congregações religiosas também destacaram, homens e
mulheres que por vocação se tornaram migrantes. Os nossos missionários e missionárias,
são homens e mulheres que ouvem, veem, acolhem e se compadecem do sofrimento e
drama do povo português e de outros povos migrantes. Indo muitas vezes para
além da dimensão religiosa, atendem e apoiam situações de emergência social e
muitas vezes são a ponte e a voz que denunciam a pressão migratória. Assim o
atestam muitas das nossas Missões Católicas Portuguesas e/ou de Língua
Portuguesa espalhadas pelos cinco continentes.
Em território nacional,
continente e Regiões Autónomas foram criados os Secretariados Diocesanos de
Migrações/ Mobilidade Humana estruturas que procuraram acompanhar, socorrer,
preparar quem ficava, desejava ou via-se forçado a partir. Inúmeras iniciativas
foram brotando com o intuito de sensibilizar para as necessidades, trabalhando
no sentido de não perder o contato entre país de origem e os diferentes países
de acolhimento. Com o passar do tempo, estes secretariados deram um testemunho
exemplar de acolhimento e integração dos imigrantes.
Independentemente da
categoria ou da tipologia: emigrantes, retornados, refugiados, requerentes de
asilo, imigrantes etc. quem migra é pessoa, é família, é ponte cultural e socioeconómica,
transporta sonhos, uma fé, uma esperança, um projeto de vida.
Com o avançar dos anos fomos
aprendendo que também os migrantes são agentes de desenvolvimento à medida que
vão labutando e participando nos diferentes países de destino e na medida em
que não abandonam as famílias que deixam no país natal, quer com o envio de
remessas, quer no investimento que fazem quando vêm de férias, contribuindo
assim para o desenvolvimento económico, sociocultural, dinamização paroquial e
local.
As migrações são
caminhos percorridos por pessoas que procuram ser mais[i],
viver e não sobreviver, ambicionam uma vida melhor, denunciam desequilíbrios
sociais e culturais. Provocam o encontro entre povos e culturas, provocam o
diálogo, contribuem para reforçar a necessidade de cooperação e educação sempre
no sentido da valorização e dignificação da pessoa humana.
Os anos passam e a voz
da Igreja continua a erguer-se em defesa dos direitos fundamentais e apela aos
deveres de cidadania no país de origem e no país de destino, começa a perceber
a transversalidade das questões levantadas pelos fluxos migratórios e nesse
sentido sustenta o direito de emigrar, bem como o direito de não emigrar.
Consciente de que estas questões se resolvem nas relações internacionais: apela
à ratificação de convenções internacionais e ao diálogo, a diferentes níveis
entre Estados, instituições, religiões, culturas. Neste sentido fazemos caminho
e temos obra visível.
A Igreja procura agir
de acordo com aquilo que professa e acredita, nesse sentido apresento-vos, como
exemplo, a Comissão de Apoio à Vítima de Tráfico de Pessoas, é constituída por
diversas congregações religiosas femininas, cujo carisma é apoiar e acompanhar
as mulheres prostituídas e vítimas de violência doméstica, e nesse âmbito
aprenderam a reconhecer as vítimas de tráfico. Estas irmãs a nível da igreja
estão na linha da frente e procuram envolver diferentes atores sociais, para
fazer face a este flagelo, a este crime. Elas alertam-nos que há um trabalho
muito importante a ser feito no campo da sensibilização, prevenção, protecção e
punição.
De um modo geral, a
nível político e legislativo, há unanimidade: o tráfico humano é um crime
hediondo. Sabemos que Portugal é país de origem, trânsito e destino.
Encontramos vítimas de tráfico portuguesas e de outras nacionalidades, em diferentes
rotas.
Mulheres, homens, crianças,
sem abrigo, são traficados: para exploração sexual, laboral, mendicidade e extração
de órgãos. Das vítimas identificadas 80% são mulheres e crianças, muitas para
fins de exploração sexual e/ou laboral, servidão doméstica…
Recentemente foi
lançada uma campanha «não deixes que o
tráfico escreva o teu destino» contudo não basta este alerta, é necessário intervir
na raiz tocar o coração dos angariadores, dos traficantes e dos clientes, dos
patrões e patroas que exploram e escravizam laboralmente. Apelamos à conversão
do olhar, é preciso aprender a olhar nos olhos, escutar os pedidos disfarçados
de socorro, compadecer-se para libertar.
Trouxe esta questão
delicada porque no combate ao tráfico de pessoas, todos somos necessários, e
seremos tão mais eficazes quanto mais centrarmos o nosso olhar e ação na
promoção da dignidade de cada pessoa e façamos convergir os nossos esforços para
o diálogo e cooperação necessários, a fim de construirmos uma só família
humana, uma família de povos independentemente do espaço geográfico em que nos
encontremos, pois o mundo é um património universal e o nosso propósito é lutar
pela justiça, paz e fraternidade.
[i]
(Mensagem para o Dia do Migrante e Refugiado, 2014: «Migrantes e
Refugiados Rumo a um mundo melhor» - Papa Francisco)
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