quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Eugénia Qiaresma Comunicação


ENCONTRO MUNDIAL, MULHERES DA DIÁSPORA,

EXPRESSÕES FEMININAS DE CIDADANIA

Painel IV - Migrações e Migrantes - Conhecer e Sensibilizar

5ª Feira, 24 de Outubro de 2013

 

A igreja face ao fenómeno migratório

 

Eugénia Costa Quaresma

Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM)

 

Muito obrigada pelo convite pessoal e institucional, para participar deste evento, bem como pela oportunidade de estar neste painel com mulheres tão ilustres.

A Obra Católica Portuguesa de Migrações e toda a sua equipa felicita, a Associação Mulher Migrante por estes 20 anos de tanta dedicação e trabalho quer na linha da frente, quer nos bastidores, estabelecendo pontes entre diferentes países, unindo sociedade civil e mundo político.

Eu não sei precisar, mas arriscaria recuar dez anos, quando pela primeira vez participei num encontro promovido pela Associação Mulher Migrante, nesse dia, a convite do diretor da OCPM altura, dei o meu testemunho pessoal. Se a memória não me falha abordei o tema «da importância da Igreja para a estruturação da minha identidade e participação cívica». Apesar de ter nascido em Lisboa, e sempre ter vivido em Portugal, também faço parte da diáspora S. Tomense. E assumo a riqueza dessa dupla pertença cultural, dois países que crescem em diálogo dentro de mim.

Recém-chegada à OCPM, naquela altura estava longe de conhecer o alcance e o âmbito da ação desta pastoral em Portugal e no mundo. Durante o ano passado, tive o privilégio de aprofundar a história da OCPM, em conjunto, mas também dirigida pela sabedoria da Dra. Maria Beatriz Rocha Trindade. Traduzimos o tanto que a OCPM já realizou nestes 51 anos, num humilde e belo livro que se intitula: «A Igreja face ao fenómeno migratório».

Na Sagrada Escritura inúmeras são as histórias e experiências humanas do que significa deixar a sua terra, ser rejeitado(a), ser transformado(a) em escravo(a), viver em exílio, cada momento doloroso protagonizado por uma pessoa ou pelo povo, revela o drama social, político, cultural, religioso, mas também a certeza de que alguém intervém e auxilia. A atitude de escuta, diálogo e o deixar-se guiar por Deus é condição para amadurecer a fé num Deus próximo que vê, ouve, compadece-se, acompanha e liberta. A mobilidade humana na Bíblia, corresponde à história e vivência da fé de um povo num espaço itinerante, onde se reúnem condições para que o próprio Deus se revele como migrante e peregrino (Jesus Cristo, a família de Nazaré, os discípulos, os apóstolos, as primeiras comunidades cristãs) são estes os modelos que sustentam o magistério da Igreja ao longo dos tempos, nomeadamente, no que toca à pastoral da mobilidade humana.

Muitos dos documentos fundamentais para a Pastoral das migrações foram sendo escritos por bispos, papas, ou têm origem no Concílio Vaticano II (1962-1965) marco de viragem na história da Igreja. Estes vêm atualizar a ação e as estruturas eclesiais. Uma das estruturas que está diretamente ligada ao fenómeno migratório surge com a Constituição Apostólica Exsul Família, do papa Pio XII e veio dar origem ao atual Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes (CPPMI). Este Conselho que, numa atitude de interdependência, transmite as orientações pastorais para as diferentes Conferências Episcopais do Mundo.

Em Portugal, a Conferência Episcopal Portuguesa, desde a sua fundação criou a Comissão Episcopal para a Emigração, que evoluiu na sua nomenclatura para, a atual Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana. Esta Mega Comissão comporta dois secretariados, o da pastoral social e o da mobilidade humana. Deste último dependem quatro obras: a Obra Católica Portuguesa de Migrações, Obra Nacional do Apostolado do Mar, Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos e Obra Nacional da Pastoral do Turismo.

A OCPM, nasceu para acompanhar os emigrantes, para que estes não perdessem nem deixassem de praticar e celebrar a sua fé. Foi necessário nomear e preparar sacerdotes para este serviço, Ordens e Congregações religiosas também destacaram, homens e mulheres que por vocação se tornaram migrantes. Os nossos missionários e missionárias, são homens e mulheres que ouvem, veem, acolhem e se compadecem do sofrimento e drama do povo português e de outros povos migrantes. Indo muitas vezes para além da dimensão religiosa, atendem e apoiam situações de emergência social e muitas vezes são a ponte e a voz que denunciam a pressão migratória. Assim o atestam muitas das nossas Missões Católicas Portuguesas e/ou de Língua Portuguesa espalhadas pelos cinco continentes.

Em território nacional, continente e Regiões Autónomas foram criados os Secretariados Diocesanos de Migrações/ Mobilidade Humana estruturas que procuraram acompanhar, socorrer, preparar quem ficava, desejava ou via-se forçado a partir. Inúmeras iniciativas foram brotando com o intuito de sensibilizar para as necessidades, trabalhando no sentido de não perder o contato entre país de origem e os diferentes países de acolhimento. Com o passar do tempo, estes secretariados deram um testemunho exemplar de acolhimento e integração dos imigrantes.

Independentemente da categoria ou da tipologia: emigrantes, retornados, refugiados, requerentes de asilo, imigrantes etc. quem migra é pessoa, é família, é ponte cultural e socioeconómica, transporta sonhos, uma fé, uma esperança, um projeto de vida.

Com o avançar dos anos fomos aprendendo que também os migrantes são agentes de desenvolvimento à medida que vão labutando e participando nos diferentes países de destino e na medida em que não abandonam as famílias que deixam no país natal, quer com o envio de remessas, quer no investimento que fazem quando vêm de férias, contribuindo assim para o desenvolvimento económico, sociocultural, dinamização paroquial e local.

As migrações são caminhos percorridos por pessoas que procuram ser mais[i], viver e não sobreviver, ambicionam uma vida melhor, denunciam desequilíbrios sociais e culturais. Provocam o encontro entre povos e culturas, provocam o diálogo, contribuem para reforçar a necessidade de cooperação e educação sempre no sentido da valorização e dignificação da pessoa humana.

Os anos passam e a voz da Igreja continua a erguer-se em defesa dos direitos fundamentais e apela aos deveres de cidadania no país de origem e no país de destino, começa a perceber a transversalidade das questões levantadas pelos fluxos migratórios e nesse sentido sustenta o direito de emigrar, bem como o direito de não emigrar. Consciente de que estas questões se resolvem nas relações internacionais: apela à ratificação de convenções internacionais e ao diálogo, a diferentes níveis entre Estados, instituições, religiões, culturas. Neste sentido fazemos caminho e temos obra visível.

A Igreja procura agir de acordo com aquilo que professa e acredita, nesse sentido apresento-vos, como exemplo, a Comissão de Apoio à Vítima de Tráfico de Pessoas, é constituída por diversas congregações religiosas femininas, cujo carisma é apoiar e acompanhar as mulheres prostituídas e vítimas de violência doméstica, e nesse âmbito aprenderam a reconhecer as vítimas de tráfico. Estas irmãs a nível da igreja estão na linha da frente e procuram envolver diferentes atores sociais, para fazer face a este flagelo, a este crime. Elas alertam-nos que há um trabalho muito importante a ser feito no campo da sensibilização, prevenção, protecção e punição.

De um modo geral, a nível político e legislativo, há unanimidade: o tráfico humano é um crime hediondo. Sabemos que Portugal é país de origem, trânsito e destino. Encontramos vítimas de tráfico portuguesas e de outras nacionalidades, em diferentes rotas.

Mulheres, homens, crianças, sem abrigo, são traficados: para exploração sexual, laboral, mendicidade e extração de órgãos. Das vítimas identificadas 80% são mulheres e crianças, muitas para fins de exploração sexual e/ou laboral, servidão doméstica…

Recentemente foi lançada uma campanha «não deixes que o tráfico escreva o teu destino» contudo não basta este alerta, é necessário intervir na raiz tocar o coração dos angariadores, dos traficantes e dos clientes, dos patrões e patroas que exploram e escravizam laboralmente. Apelamos à conversão do olhar, é preciso aprender a olhar nos olhos, escutar os pedidos disfarçados de socorro, compadecer-se para libertar.

Trouxe esta questão delicada porque no combate ao tráfico de pessoas, todos somos necessários, e seremos tão mais eficazes quanto mais centrarmos o nosso olhar e ação na promoção da dignidade de cada pessoa e façamos convergir os nossos esforços para o diálogo e cooperação necessários, a fim de construirmos uma só família humana, uma família de povos independentemente do espaço geográfico em que nos encontremos, pois o mundo é um património universal e o nosso propósito é lutar pela justiça, paz e fraternidade.



[i]  (Mensagem para o Dia do Migrante e Refugiado, 2014: «Migrantes e Refugiados Rumo a um mundo melhor» - Papa Francisco)

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